Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 232/2024-T
Data da decisão: 2024-10-17  IRC  
Valor do pedido: € 19.825,73
Tema: IRC – Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI). Deduções à coleta de IRC. Portaria de regulamentação.
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SUMÁRIO:

  1. A atividade transformadora de produtos agrícolas em produtos não agrícolas, enquadra-se no âmbito de aplicação do art.º 2º. nº. 2 do Código Fiscal de Investimento, não se estando perante “atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC”, para efeitos do disposto no art.º 22º nº. 1 do CFI.
  2. A Portaria nº. 282/2014, de 30 de dezembro, não pode validamente afastar a aplicação de benefícios previstos em diplomas de natureza legislativa.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

  1. Em 19 de fevereiro de 2024, A..., S.A., com sede em ..., ...-..., ..., com o capital social de € 2.000.000,00, registada na Conservatória do Registo Comercial de Ovar, com o número único de matrícula e identificação de pessoa coletiva (NUMIPC) ... (doravante designada por “Requerente”),  solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista a ser declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de IRC e demais atos impugnados, referentes aos anos de 2015 a 2020, com a sua consequente anulação, com todas as consequências legais, nomeadamente ser a Requerente ressarcida dos montantes de imposto e juros indevidamente pagos, acrescidos dos juros indemnizatórios.
  2. A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, o Senhor Dr. B..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida) é representada pelo jurista Senhor Dr. C... .
  3. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi o signatário designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e aceitou o cargo, no prazo legalmente estipulado, não se tendo as partes oposto a tal nomeação.
  4. O presente Tribunal foi constituído no dia 2 de maio de 2024, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular que se encontra junta aos presentes autos.
  5. No dia 3 de maio de 2024, o Tribunal notificou, por despacho, o dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira para apresentar Resposta, juntar o processo administrativo, e caso o pretenda, solicitar produção de prova adicional, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT.
  6. Em 6 de junho de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta tendo igualmente procedido à junção do processo administrativo.
  7. Não existindo necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, o Tribunal, por despacho de 14 de junho de 2024, entendeu dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como dispensar as partes da apresentação de alegações.
  8. O Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT determinou a prolação da decisão arbitral até ao termo do prazo fixado no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, tendo advertido a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
  9. Por Despacho de 1 de agosto de 2024, nos termos do disposto no art.º 21º. do RJAT, o Tribunal determinou a prorrogação, por dois meses, do prazo para a prolação da decisão arbitral.

 

 

 

Ii - A Posição das partes

I). A Posição da Requerente

  1. A Requerente pretende ver declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de IRC e demais atos impugnados, referentes aos anos de 2015 a 2020, com a sua consequente anulação, com todas as consequências legais, sendo a Requerente ressarcida dos montantes de imposto e juros indevidamente pagos, acrescidos dos juros indemnizatórios e em particular que seja declarada a ilegalidade dos seguintes atos tributários:
  1. correção de natureza meramente aritmética resultante de alegada imposição legal, alterando a declaração fiscal (IRC) da A... relativa ao exercício de 2015, corrigida no tocante às dotações relativas aos benefícios fiscais do RFAI (Regime Fiscal de Apoio ao Investimento), no valor de 204.185,04€, por alegada infração dos artigos 22º a 26º do Código Fiscal do Investimento (CFI). (Esta dotação do RFAI, constituída em 2015, não foi deduzida em qualquer dos exercícios de 2016 a 2020 (inclusive), pelo que não deu causa a liquidação adicional de IRC);
  2. correção de natureza meramente aritmética resultante de alegada imposição legal, alterando a declaração fiscal (IRC) da A... relativa ao exercício de 2016, corrigida no tocante às dotações relativas aos benefícios fiscais do RFAI (Regime Fiscal de Apoio ao Investimento), no valor de 66.648,99€, por alegada infração dos artigos 22º a 26º do Código Fiscal do Investimento (CFI). (Esta dotação do RFAI, constituída em 2016, não foi deduzida em qualquer dos exercícios de 2016 a 2020 (inclusive), pelo que não deu causa a liquidação adicional de IRC);
  3. correção de natureza meramente aritmética resultante de alegada imposição legal, alterando a declaração fiscal (IRC) da A... relativa ao exercício de 2017, corrigida no tocante às dotações relativas aos benefícios fiscais do RFAI (Regime Fiscal de Apoio ao Investimento), no valor de 149.729,65€, por alegada infração dos artigos 22º a 26º do Código Fiscal do Investimento (CFI). (Esta dotação do RFAI, constituída em 2017, não foi deduzida em qualquer dos exercícios de 2016 a 2020 (inclusive) pelo que não deu causa a liquidação adicional de IRC);
  4. correção de natureza meramente aritmética resultante de alegada imposição legal, alterando a declaração fiscal (IRC) da A... relativa ao exercício de 2018, corrigida no tocante às dotações relativas aos benefícios fiscais do RFAI (Regime Fiscal de Apoio ao Investimento), no valor de 13.706,44€, por alegada infração dos artigos 22º a 26º do Código Fiscal do Investimento (CFI). (Esta dotação operada no período (2018) resulta da utilização do saldo ainda não deduzido do exercício de 2014);
  5. correção de natureza meramente aritmética resultante de alegada imposição legal, alterando a declaração fiscal (IRC) da A... relativa ao exercício de 2020, corrigida no tocante às dotações relativas aos benefícios fiscais do RFAI (Regime Fiscal de Apoio ao Investimento), no valor de 4.176,06€, por alegada infração dos artigos 22º a 26º do Código Fiscal do Investimento (CFI). (No exercício de 2020 a A... deduziu este valor de €4.176,06 que resulta da utilização do saldo ainda não deduzido do exercício de 2014);
  6. Liquidação Adicional de IRC nº 2022 ... referente ao exercício 2018 e dos correspondentes Atos de Liquidação de Juros Compensatórios, no montante respetivamente de €13.706,44 e de 1.736,38€, no total de €15.442,82;
  7. Liquidação Adicional de IRC n.º 2022 ... referente ao exercício de 2020 e dos correspondentes atos de Liquidação de Juros Compensatórios, no montante respetivamente de €4.176,06 e de 206,85€ no total de €4.382,91.

 

  1. Do procedimento tributário a Requerente salienta a seguinte tramitação:

“a). A realização de uma ação inspetiva, no dia 22 de julho de 2022 na sequência da qual a Requerente foi notificada pela AT do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, nos termos do qual foram apresentadas correções respeitantes ao IRC, designadamente tendo em conta investimentos realizados em 2015, 2016 e 2017 e que tiveram por base o cálculo do benefício fiscal do RFAI para os exercícios de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2020.

b) Face ao exposto, a Requerente, ao abrigo do disposto no artigo 60.º da LGT e no artigo 60.º do RCPITA, exerceu o seu Direito de Audição Prévia.

c).  Posteriormente, foi a Requerente notificada dos diversos Relatórios de Inspeção Tributária (Períodos de 2015 a 2020) e respetivas notas de diligência, nos termos do artigo 61.º do RCPITA, resultantes das ações inspetivas (docs. nº 7, 8, 9, 10 e 11 juntos ao PPA).

d). A 23 de novembro de 2022, foi a Requerente notificada das liquidações adicionais de IRC, relativas aos exercícios de 2015 a 2020, correspondentes aos valores das correções resultantes da ação de inspeção, designadamente, com valores a pagar no exercício de 2018 e 2020, acrescidos dos respetivos juros compensatórios.

e).  Não obstante o facto de a Requerente não concordar com as correções, procedeu ao pagamento das liquidações adicionais e respetivos juros compensatórios (cfr. Doc. 12 junto com o PPA).

f). No dia 5 de abril de 2023, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa.

g). No dia 12 de outubro de 2023, a Requerente foi notificada do Projeto de deferimento parcial.

h). No exercício do direito de audição previsto na lei, no dia 31 de outubro de 2023, foi dada resposta ao Projeto de decisão da Reclamação Graciosa.

i). No dia 22 de novembro de 2023, foi a Requerente notificada da decisão final da Reclamação Graciosa, que manteve o projetado deferimento parcial.

 

  1. E, assim, em 19 de fevereiro de 2024 a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. De seguida, a Requerente refere que o RFAI sob a forma de dedução à coleta do IRC se encontra englobado no conceito de Auxílios de Estado, os quais embora, regra geral, incompatíveis com mercado interno, sendo percetível a generalidade da sua proibição, podem, em determinadas circunstâncias, serem considerados compatíveis com esse mesmo mercado interno (Vd. art.º 107º. do TJUE), respeitando determinadas condições, nomeadamente de notificação.

 

  1. Assumem aqui especial importância o Regulamento (CE) nº 944/98, do Conselho, de 7 de maio, entretanto alterado pelo Regulamento (UE) nº 733/2013, do Conselho, de 22 de julho, que confere à Comissão poderes para declarar, em conformidade com o disposto no art.º 109º do TFUE, isentas da obrigação de notificação determinadas categorias, que respeitem certas condições.

 

  1. Criou-se, assim, uma lista dos auxílios estatais compatíveis com o mercado interno e não sujeitos a obrigação de notificação, prevista no número 3 do artigo 108 do TFUE.

 

  1. Foi precisamente na decorrência dos supra mencionados Regulamentos que, em 09 de agosto de 2008, foi publicado no JOUE o Regulamento (CE) n.º 800/2008 da Comissão, mais conhecido por «Regulamento Geral de Isenção por Categoria» (RGIC), entretanto substituído pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014 (o «novo RGIC»).

 

  1. Considera, então, a Requerente que o RFAI é um benefício fiscal que constitui um auxílio de Estado previsto no Decreto-Lei nº 162/2014 de 31 de outubro (CFI – Código Fiscal do Investimento), que permita às empresas deduzir à coleta apurada uma percentagem do investimento realizado em ativos não correntes (tangíveis e intangíveis), sendo aplicável, em conformidade com o nº. 1 do art.º 22º. do CFI, aos sujeitos passivos que exercem uma atividade nos setores especificamente previstos no nº. 2 do art.º 2º. do mesmo CFI, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no nº. 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGCI.

 

  1. Refira-se que o nº. 2 do art.º 2º. do CFI consagrava, ao tempo, o seguinte:

“2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito setorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (OAR), publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013, e do RGIC:

a) Indústria extrativa e indústria transformadora;

b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;

c) Atividades e serviços informáticos e conexos;

d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;

e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;

f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;

g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;

h) Atividades de centros de serviços partilhados.”

3. Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.”

 

  1. Por seu turno, a Portaria nº. 282/2014, de 30 de dezembro é aquela que se encontra prevista no nº. 3 do mesmo artigo segundo.

 

  1. Face ao exposto a Requerente entende que se revela da maior pertinência analisar meticulosamente os seguintes aspetos:

a). se a atividade exercida pela A... está prevista no artigo 2º, n.º 2 do CFI tendo em consideração os códigos de atividade definidos na Portaria prevista no n.º 3 do referido artigo;

b). se a atividade está excluída do âmbito sectorial por aplicação das OAR;

c). se a atividade está excluída do âmbito sectorial por aplicação do RGIC.

 

  1. A Requerente possui duas unidades fabris assim descritas:

a). A unidade fabril I da A..., dedica-se à fabricação de alimentos para animais de criação (exceto para aquicultura), ou seja, compreende a fabricação de alimentos para suínos, bovinos, aves e de outros animais de criação, atividade descrita com o CAE 10912.

b). a unidade fabril II da A... dedica-se à fabricação de alimentos para animais de companhia, ou seja, inclui preparações compostas ou misturas de alimentos especialmente tratados para cães, gatos, pássaros, peixes ornamentais, entre outros e ainda inclui o tratamento de subprodutos de matadouros para produzir alimentos para animais de companhia, atividade descrita com o CAE 10920.

 

  1. Face ao que se encontra vertido nos relatórios da inspeção tributária, os investimentos em causa foram predominantemente realizados no âmbito da atividade que se dedica a fabricação de alimentos para animais de companhia (D...).

 

  1. A Requerente continua descrevendo as suas duas unidades fabris, particularizando o CAE de cada uma delas, passando de seguida à caracterização das suas estratégias de atuação, que passam nomeadamente por:
  1. Foco na inovação e qualidade dos produtos;
  2. Consolidação das estratégias de internacionalização;
  3. Reforço da competitividade das suas unidades fabris.

 

  1. A aposta em produtos que recorrem cada vez menos à introdução de químicos nos “Pet Foods”, num contexto internacional de forte competitividade levou a Requerente a apostar no desenvolvimento dos processos de investigação, visando a inovação constante dos produtos que lança no mercado.

 

  1. Desse modo, os investimentos que tem feito e que estão incluídos no âmbito do RFAI são muito direcionados para soluções tecnológicas que pretendem maioritariamente criar novas valências técnicas para a linha de “Pet Foods”.

 

  1. Assim, nos exercícios fiscais analisados a Requerente teve por foco:

“… estudar a utilização de produtos naturais/frescos, plantas, sementes, algas e farinhas de insetos, para o desenvolvimento e comercialização de uma gama de alimentos mais saudáveis, mantendo os elevados padrões de qualidade.”, o que se tem traduzido em avanços técnicos com impacto muito positivo no contexto industrial.

 

  1. Tendo a Requerente detetado desde 2015 uma excelente oportunidade de mercado para a comercialização de uma gama de alimentação saudável de qualidade premium, razão pela qual investiu diversos recursos nesse processo de investigação, sendo que a inovação prende-se com o próprio produto, mas para além disso, e mais especificamente ao nível das matérias-primas utilizadas.

 

  1. Aborda de seguida a Requerente os métodos de transformação usados em cada uma das suas atividades, no que ao processo produtivo diz respeito.

 

  1. E conclui a Requerente sobre este particular aspeto que da exposição que efetua resulta:

“…percetível a complexidade dos processos de transformação utilizados pela Requerente, onde se demonstra diversas técnicas de transformação do produto, de maior ou menor dificuldade, que, juntamente com a adição de determinadas substâncias, alteram significativamente o sabor original de cada matéria-prima utilizada.”

 

  1. E que:

“…os produtos resultantes de todos estes processos de transformação, pela sua complexidade, não podem, de forma alguma, dar origem a produtos que possam ser equiparados a produtos agrícolas.”

 

  1. E isto:

“Ainda que a base dos produtos sejam as farinhas, cereais, entre outros, não se pode afirmar que o produto final seja equiparado a um produto agrícola ou qualificar um alimento como preparado para animais como se este fosse uma mera mistura de cereais.”

 

  1. De seguida a Requerente aborda diversa jurisprudência do CAAD referente a situações semelhantes à sua nomeadamente em relação ao processo de transformação de produtos agrícolas mas que continuam a ser produtos agrícolas e por isso estão fora do âmbito da aplicação do RFAI.

 

  1. O objetivo seguinte da argumentação da Requerente aponta no seguinte sentido:

“Sem prejuízo disso, e expostos os métodos de transformação basilares às atividades desenvolvidas pela Requerente e consideradas para efeitos do projeto de investimento, faltará, ainda, o enquadramento destas mesmas atividades perante os regulamentos comunitários, permitindo, por sua vez, provar que são elegíveis para efeitos do benefício fiscal RFAI.”

 

  1. Com esta argumentação pretende a Requerente demonstrar que as atividades por si desenvolvidas têm pleno enquadramento nos regulamentos comunitários, provando dessa forma que são elegíveis para efeitos do benefício fiscal do RFAI.

 

  1. Tendo sempre em mente a conclusão que com tudo isto se pretende atingir:

“Os produtos resultantes de todos os processos de transformação desenvolvidos pela atividade da Requerente, pela sua complexidade, não podem, de forma alguma, dar, novamente, origem a produtos agrícolas.

 

  1. Ora, os setores especificamente previstos no nº 2 do artigo 2º do CFI abrangem, designadamente:

a). Indústria transformadora;

b). Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;

 

  1. Requerente entende que o projeto de investimento por si executado, bem no âmbito da sua atividade principal, se insere na indústria transformadora.

 

  1. A Requerente continua seu raciocínio em torno da aplicação e interpretação do nº. 2 do art.º 2ª. do CFI, conjugado com o teor da Portaria nº. 282/2014, de 30 de dezembro já que no seu entender esta apenas estava habilitada a definir códigos de atividades, não permitindo a sua aplicação afastar tais atividades da sua elegibilidade no âmbito do benefício fiscal RFAI, para concluir:

“Por essa razão é que a A... entende que a Portaria n.º 282/2014 não encontra norma habilitante no n.º 3 do artigo 2.º do CFI para estabelecer, restringindo, o âmbito no n.º 2 do mesmo artigo, que não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.”

 

  1. Ou seja, o disposto no regime nacional do RFAI, tem que ser entendido em conformidade com as orientações relativas aos auxílios estatais, e que segundo a redação do nº. 1 do art.º 22 do CFI:

“... o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.”

 

  1. Que permita à Requerente concluir do seguinte modo:

“Termos em que, não estando afastada a atividade da A... da lista de atividades excluídas pelo art.º 22.º do CFI, pelas OAR, ou até mesmo pelo RGIC, a atividade da Requerente é elegível para beneficiar do RFAI.”

 

  1. A Requerente entende que os benefícios fiscais aqui em causa não poderão ser excluídos por força da aplicação das OAR e do RGCI.

 

  1. No que diz respeito ao RGCI, o seu ponto 11 relativamente à agricultura refere o seguinte:

“Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola.”

 

  1. Tudo girando em torno do facto de saber se os produtos agrícolas em causa dão não ou não origem, após o processo de transformação, igualmente a produtos agrícolas, a Requerente invoca que:

“…. no decurso do seu processo produtivo, nomeadamente, nas operações de moagem, mistura, granulação, pré-condicionador e extrusão, secagem, recobrimento e arrefecimento, a Requerente altera significativamente as matérias primas utilizadas, não podendo de forma alguma o resultado final considerar-se como um produto agrícola.

 

  1. Da argumentação aqui desenvolvida a Requerente concluir que a sua atividade de:

“…. transformação e comercialização de produtos agrícolas, designadamente “Fabricação de alimentos para animais de criação” e “ Fabricação de alimento preparados para animais de companhia”, não são «atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR’s» a que se refere a parte final, do artigo 22.º do CFI, e, pelo contrário, desde que satisfaçam as condições previstas no RGIC [o Regulamento (UE) n.º 651/2014, referido na alínea (a)], ou nas OAR, na secção em que se insere este ponto (168), são permitidos os auxílios estatais.”

 

  1. Auxílios esses que em Portugal tiveram expressão com o Decreto-Lei nº. 162/2014 de 31 de outubro, que aprovou o CFI, concluindo a Requerente que: ”… das “Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola” não resulta a proibição da aplicação de um sistema de Auxílios de Estado como o RFAI à atividade de transformação industrial de produtos agrícolas em novos produtos – alimentação para animais.”

 

  1. Razão pela qual a “…a atividade da Requerente não é uma atividade excluída do âmbito setorial de aplicação das OAR, na medida em que esta remete diretamente para as OAR do setor agrícola.“

 

  1. E desenvolve a Requerente o seu raciocínio identificando os casos em que, no âmbito dos auxílios concedidos no setor de transformação e comercialização de produtos agrícolas, se dá o afastamento da aplicação do RGCI, concluindo que:

“A exceção de aplicação do RFAI às atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação do RGIC, que se prevê na parte final do artigo 22.º, não afasta a aplicação do benefício fiscal do RFAI à atividade da Requerente, pelo que se conclui que a sua atividade não é uma atividade excluída do âmbito setorial de aplicação do RGIC.

 

  1. Voltando sempre a Requerente à constatação de que as mercadorias por si produzidas para alimentação de animais de companhia não só efetivamente produtos agrícolas, mas produtos industriais da indústria alimentar, já que se trata de produtos com um elevado grau de transformação física e química, que os afasta definitivamente da origem das matérias-primas com que originariamente laboram.

 

  1. Ou seja:

“…os produtos resultantes de todos estes processos de transformação, pela sua complexidade e pela natureza não-agrícola dos seus componentes, não podem, de forma alguma, dar origem a produto que possa ser equiparado a produto agrícola.“

 

  1. Para o efeito recorda a Requerente que para os efeitos artigo 38 do TFUE se entende por produtos agrícolas: “os produtos do solo”, bem como os “produtos do primeiro estádio de transformação que estejam em relação direta com estes produtos”, sendo esses o que se encontram listados no Anexo I do TFUE, não incluindo os produtos do segundo, terceiro ou quarto estádio de transformação que estejam em relação direta com os produtos agrícolas constantes do referido Anexo I.”

 

  1. Sendo igualmente de referir que:

“O artigo 2.º, alínea m) e o) do Regulamento (CE) n.º 852/2004, 105. estabelecem o conceito de transformação como “ação que assegura uma modificação substancial do produto inicial por aquecimento, fumagem, cura, maturação, secagem, marinhagem, extração, extrusão ou uma combinação destes processos.”, e de produtos transformados como “géneros alimentícios resultantes da transformação de produtos não transformados. Estes produtos podem conter ingredientes que sejam necessários ao seu fabrico, por forma a dar-lhes características específicas.”

 

  1. Resumindo, a Requerente entende que a elegibilidade para a concessão do benefício fiscal do RFAI, está dependente de:

(i) estarmos perante um sujeito passivo de IRC que exerça uma atividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º do CFI;

 (ii) não considerada excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC. (cfr. n.º 1 do art. 22.º do CFI).

 

  1. E tal elegibilidade fica ainda condicionada pela especificação dos códigos de atividade económica (CAE), o que foi remetido para a já citada Portaria nº. 282/2014 de 30 de dezembro.

 

  1. No seu caso concreto, a Requerente entende que todos estes requisitos se encontram verificados uma vez que:

“(i) o n.º 2 artigo 2.º do CFI faz referência, como atividade económica elegível, entre outras, à indústria transformadora;

(ii) não está em causa uma atividade excluída pelo RGIC, nem pelas OAR, tendo esta inclusive orientações especificamente direcionadas;

(iii) as atividades principal e secundária da A... enquadram-se na previsão da al. b) do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, que abrange “Indústrias transformadoras – divisões 10 a 33”.

 

  1. Salientar ainda que a discórdia com autoridade tributária no caso concreto, assenta:

“…nas restrições enunciadas no artigo 1.º da referida Portaria, entre as quais se conta a não elegibilidade para a concessão de benefícios fiscais dos projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.”

 

  1. A Requerente conclui que a aplicação do benefício fiscal do RFAI não é afastada nem pela leitura e interpretação do RGIC, nem se encontra excluída por via dos esclarecimentos constantes das OAR.

 

  1. E no que estas últimas diz respeito, a Requerente entende estar a sua posição sustentada no Acórdão do CAAD tirado no Processo nº. 434/2020-T; que ”… a referência feita pela suprarreferida disposição (ponto 10 das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no JO n.º C209 de 23.07.2013) ao facto de a Comissão aplicar as orientações sub judice à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas, não significa que, por argumento a contrario, se pretendam excluir das OAR as demais atividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas.”

 

  1. “Em face do que terá de se concluir que as atividades da Requerente, de transformação e comercialização de produtos agrícolas, não são atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR’s, existindo, pelo contrário, uma OAR especificamente destinada ao setor agrícola, que admite a concessão de auxílios dos Estados-Membros para a atividade em causa”

 

  1. Ora, a Requerente considera que, sendo assim, “… as liquidações adicionais sob análise enfermam de um erro de direito, quanto à invocação das OAR como obstáculo à aplicação do benefício fiscal, pois era primacialmente com base nas específicas «Orientações para os auxílios estatais no setor agrícolas», para as quais as OAR diretamente remetem, que a questão tinha de ser apreciada e só se se concluísse que estas não derrogam, total ou parcialmente, as Orientações relativas aos auxílios estatais c/ finalidade regional para 2014-2020 é que se poderia concluir pela exclusão do benefício fiscal com base nestas.”

 

  1. E mais:

“Ora, constatando-se que nem o RGIC, nem as OAR impedem a concessão de RFAI à atividade de fabrico de alimentos para animais, e tendo sido objetivo do legislador que aprovou o CFI assegurar a sua conformidade com as disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, nomeadamente, com as disposições constantes do RGIC e das mencionadas OARs, como se faz notar no seu art. 2.º, n.º 2, e tendo sido essa também a finalidade da Portaria n.º 282/2014, conforme se depreende da respetiva nota preambular, as suas disposições não podem deixar de ser interpretadas em conformidade com o direito europeu.

 

  1. Ficam agora em confronto as posições da autoridade tributária e de Requerente tendo esta concluído do seguinte modo:

”Em face do exposto, uma vez que se comprovou que a AT não se podia basear no referido na parte final do artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, designadamente, “não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto (…) a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (…)”., e se comprovou, igualmente, que as atividades da Requerente não estão excluídas pelos respetivos regulamentos comunitários, é forçoso concluir-se que as atividades da Requerente, designadamente Fabricação de alimentos para animais de criação (exceto para aquicultura) – CAE 10912 e Fabricação de alimentos para animais de companhia – CAE 10920, são elegíveis para efeitos do benefício fiscal RFAI”

 

  1. Importa clarificar que aqui chegados a Requerente salienta que atuação da autoridade tributária se pautou dois níveis diferenciados. Ou seja, foram integralmente corrigidas as dotações dos benefícios fiscais do RFAI dos anos de 2015 a 2017, face às questões que têm vindo a ser abordadas pela Requerente e que passam pela inelegibilidade das suas atividades, tendo a autoridade tributária a um outro nível considerado alguns dos investimentos efetuados pela Requerente como não elegíveis, tendo por base os critérios de elegibilidade relacionados com o respetivo benefício fiscal.

 

  1. Ou seja, a AT terá entendido que alguns dos investimentos em concreto não são elegíveis, nomeadamente por não constituírem transferência de tecnologia, não estarem afetos à exploração, não terem sido adquiridos em estado novo, estarmos perante investimentos isolados (equipamentos informáticos) e por se tratar de investimentos que não consubstanciam o conceito de investimento inicial.

 

  1. Assim, relativamente aos investimentos em softwares e licenças a autoridade tributária entende que tais investimentos não são elegíveis por se tratarem de meras atribuições de licenças periódicas para se usarem softwares massificados no mercado tecnológico, enquanto que relativamente ao desenvolvimento do website autoridade tributária considera que tal como configura uma situação idêntica a das referenciadas licenças e software.

 

  1. Contudo, a Requerente invoca a seu favor o disposto na alínea b do nº. 2 do art.º 22 do CFI, que considera como aplicações relevantes o investimento nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa:

“b) Ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.”

 

  1. A Requerente entende que desta norma não decorre qualquer imposição para que a aquisição de uma licença tenha subjacente a transmissão da propriedade intelectual, o que aliás seria uma contradição porquanto se se trata de adquirir uma licença não pode estar em causa a Transmissão de direitos de propriedade.

 

  1. De entre todos os investimentos efetuados pela Requerente a mesma salienta aquele que foi efetuado no exercício de 2015 (software ERP e Software de Apoio e Gestão de Qualidade), por se tratarem de investimentos que comportam ativos intangíveis constituídos por despesas com a aquisição de know how e conhecimentos técnicos e que contribuem direta ou indiretamente para o produto fabricado pela Requerente.

 

  1. A Requerente conclui que considerando-se estas licenças como transferência de tecnologia, as mesmas têm pleno acolhimento na legislação fiscal aplicável.

 

  1. Também nada impede que se considere que estes investimentos foram efetuados no âmbito de um projeto integrado de investimento inicial, implicando tais investimentos a aquisição de conhecimentos técnicos necessários ao desenvolvimento da organização, acompanhando o crescimento com os restantes investimentos efetuados.

 

  1. Quanto ao investimento no website, que permitiu a melhoria de contato com os clientes mesmo potenciais tendo como objetivo aumentar a competitividade, ganhar visibilidade com baixos custos, expandido o seu mercado, divulgar contato e respetiva localização e facilitar o acesso à informação sobre os seus serviços/produtos, tendo sempre em vista o aumento do volume de negócios, o alargamento da carteira de clientes.

 

  1. Concluindo:

“Face ao exposto, estes investimentos cumprem o conceito de transferência de tecnologia, definido no artigo 22.º, n.º 2, alínea b), do CFI e nos artigos 2.º, n.º 2, alínea d), e 3.º, n.º 3, da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, pelo que, devem ser considerados elegíveis para efeitos do benefício fiscal RFAI”.

 

  1. A Requerente passa de seguida a análise das questões relacionadas com os investimentos adquiridos em estado novo, invocando que no caso concreto foi necessária a introdução de um procedimento de moagem, o que foi feito através da beneficiação do equipamento moinho, tendo em vista potenciar o investimento que a Requerente realizou na sua nova linha de extrusão e moagem.

 

  1. Foi a aquisição dessa nova linha que conduziu à necessidade de um investimento complementar em torno do referenciado moinho, o que permitiu potenciar a criação de novos postos de trabalho, nomeadamente pessoal especializado.

 

  1. De seguida a Requerente aborda a questão do investimento em equipamento informático, adquiridos para serem utilizados pelos trabalhadores e como tal suscetíveis de serem utilizados na generalidade dos projetos industriais, numa lógica em que num contexto de aumento de produção toda a estrutura da empresa e acompanhar esse aumento aí sim incluindo a logística, a área administrativa vírus equipamentos informáticos e software, só assim podendo acompanhar o aumento das vendas e da faturação.

 

  1. Assim, a Requerente entende que a implementação do sistema de gestão da produção e qualidade do processo produtivo constitui uma despesa elegível para efeitos do RFAI, porquanto:

“1. Comportam ativos fixos tangíveis afetos à realização do projeto e à exploração da Requerente, adquiridos em estado novo, designadamente computadores e respetivos softwares;

 2. Conforme também já referido anteriormente relativamente a softwares e licenças, estes comportam ativos constituídos por despesas com a aquisição de know-how e conhecimentos técnicos, designadamente a aquisição do ERP e na implementação do software de apoio e gestão da qualidade;”

3. Este investimento, globalmente considerado com os demais, potenciou a criação de novos postos de trabalho, designadamente pessoal especializado.”

 

  1. Desse modo, quanto a este aspeto, a Requerente entende que o investimento em causa:

“…cumpre com conceito de investimento inicial no âmbito da alínea a) do n.º 49 do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho encontrando enquadramento na tipologia de “aumento da capacidade de um estabelecimento existente”, sendo consequentemente elegível, na sua globalidade, para efeitos do benefício fiscal RFAI.

 

  1. Um último aspeto a salientar pela Requerente prende-se com a verificação da condição de criação de postos de trabalho.

 

  1. A Requerente salienta que iniciou o exercício de 2016 com 79 colaboradores tendo aumentado esse número nesse período para 80 colaboradores.

 

  1. Considerando a Requerente que essa aferição poderia ter sido feita no final do exercício de 2017, conclui que durante o período de investimento conseguiu criar 15 postos de trabalho sendo que apenas posteriormente saíram 6 colaboradores, o que o que perfaz um saldo positivo de 9.

 

  1. Desse modo se conclui que a Requerente:

“…ao contrário do que é defendido pela AT, cumpriu com as condições de “criação” e “manutenção” dos postos de trabalho relacionados com investimento efetuado entre 2015 e 2017, cumprindo igualmente, para esses exercícios, com as condições de acesso e manutenção relativas ao benefício fiscal RFAI.”

 

  1. Termina pedindo também que:

“sendo anuladas as correções com referência aos períodos de 2015, 2016 e 2017 e sendo anuladas as liquidações de IRC e Juros Compensatórios, referentes ao exercício de 2018 e 2020, objeto do presente pedido, deverá resultar, também, a restituição à Requerente do Imposto e dos Juros compensatórios, indevidamente pagos acrescidos de Juros Indemnizatórios calculados à taxa legal (atualmente de 4%). “

 

  1. Considera, então, a Requerente que o RFAI é um benefício fiscal que constitui um auxílio de Estado previsto no Decreto-Lei nº 162/2014 de 31 de outubro (CFI – Código Fiscal do Investimento), que permita às empresas deduzir à coleta apurada uma percentagem do investimento realizado em ativos não correntes (tangíveis e intangíveis), sendo aplicável, em conformidade com o nº. 1 do art.º 22º. do CFI:

a). Aos sujeitos passivos que exercem uma atividade nos setores especificamente previstos no nº. 2 do art.º 2º. do mesmo CFI, no caso indústria transformadora

b). Tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no nº. 3 do referido artigo, no caso CAE 10912 – fabricação de alimentos para animais de criação e CAE 10920, fabricação de alimentos para animais de companhia;

c). Com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGCI.

 

II). A Posição da Requerida

  1. A Requerida começa por dar conta das ordens de serviço ao abrigo das quais foram efetuadas das respetivas ações de inspeção que abrangerão os exercícios de 2015 a 2020, tendo os relatórios de inspeção tributária sido elaborados em 21/10/2022 e devidamente notificados para efeitos do exercício do direito de audição.

 

  1. Na sua estrutura a Resposta da Requerida procede à separação dos factos e fundamentos que determinaram as liquidações adicionais de IRC relativamente aos diferentes períodos de tributação, começando pelos exercícios de 2018 e 2020.

 

  1. Reportando-se a tais relatórios desses dois anos, a entidade Requerida começa por tratar a questão a inelegibilidade para efeitos de RFAI das atividades exercidas pela Requerente, concretamente a fabricação de alimentos para animais de criação – CAE 10912 e a fabricação de alimentos para animais de companhia – CAE 010920.

 

  1. Em tal fundamentação os RIT começam por referir de acordo com o número 1 do art.º 22 do CFI, que o RFI sendo aplicável a empresas sujeitas a IRC que operem em setores específicos, exclui as atividades relacionadas com a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

  1. Considerando que o referido normativo do CFI remete para a Portaria nº. 282/2014, de 30 de dezembro, a Requerente refere que o artº. 1 dessa Portaria, em conformidade com as OAR e com RGIC, não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores, entre outros, da produção agrícola primária e da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados do anexo I.

 

  1. Os RIT entendem que o RFAI só se aplica à transformação de produtos agrícolas, se o produto resultante não for considerado um produto agrícola, ou seja, se não estiver enumerado no anexo I do TFUE.

 

  1. Concluindo que:

“Por esse motivo, projetos de investimento relacionados com a transformação de produtos agrícolas, cujo produto final seja considerado um produto agrícola, de acordo com o Anexo I do Tratado, não são elegíveis para o RFAI, conforme estabelecido pelo artigo 1º da Portaria nº 282/2014.”

 

  1. Ou seja, importa apurar se os produtos finais comercializados pela Requerente são ou não considerados como um produto agrícola de acordo com referenciado Anexo I.

 

  1. E, no caso concreto, a Requerida entende que:

“Como as atividades em que a Requerente concretizou o investimento consistem no CAE 10912 - Fabricação de alimentos para animais de criação (exceto para aquicultura) e no CAE 010920 - Fabricação de alimentos para animais de companhia, que se encontram incluídos no Anexo I do Tratado, no Capítulo 23 da Nomenclatura de Bruxelas, concluiu-se que cada um dos produtos transformados, bem como o produto final resultante da transformação integram o conceito de “transformação de produtos agrícolas” - em que o produto final continua a ser um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado, de acordo com a definição constante do Regulamento UE n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho, nos termos do qual o RFAI foi aprovado (RGIC), enquadrando-se na definição de «transformação de produtos agrícolas» apresentada no ponto 10) do art.º 2.º do RGIC.”

 

  1. Considerando, por outro lado, que, como os investimentos em causa se destinavam ao aumento da capacidade de estabelecimento já existente, se deve concluir que nenhum dos investimentos efetuados pela Requerente entre 2015 e 2019, seria considerado elegível para efeitos do RFAI.

 

  1. Relativamente à verificação da condição de criação e manutenção de postos de trabalho (Vd. o nº. 9 do art.º 14 do RGCI),  entende a Requerida que a mesma deve corresponder uma criação líquida de postos de trabalho aferida com base na média dos 12 meses anteriores a 31/12/1 determinado ano, devendo qualquer perda de postos de trabalho ser deduzida ao número aparente de postos de trabalho criados no período, bastando-se a autoridade tributária, conforme a sua doutrina administrativa, com a admissão de apenas um trabalhador, devendo os seus contratos ser celebrados sem termo ou por tempo indeterminado, podendo ser incluídos os trabalhadores que já estivessem na empresa, embora ao abrigo de um contrato a termo.

 

  1. É igualmente exigido que os postos de trabalho criados sejam mantidos durante um período de 3 anos.

 

  1. A Requerida conclui que a empresa Requerente apenas criou postos de trabalho nos anos de 2015, 2017, 2018 e 2019, não os tendo criado nos anos de 2016, 2020 e 2021.

 

  1. Salientando que essa questão não se levanta relativamente a 2016 porquanto nesse ano não houve criação de postos de trabalho apenas se colocando nos anos 2015 e 2017 que corresponde aos anos em que também houve dotações para o RFAI, leva a Requerida a proceder ao seguinte raciocínio relativamente ao caso concreto:

“Quanto ao ano 2015, verifica-se que a média de trabalhadores foi de 77,08, valor que, por comparação com o número de trabalhadores nos meses de dezembro dos três anos seguintes (80, 83 e 85, respetivamente para 2016, 2017 e 2018), nos permite concluir que os postos de trabalho criados em 2015 foram mantidos.”

 

  1.  O mesmo tendo acontecido relativamente ao ano de 2017 pois: “…. verifica-se que a média de trabalhadores foi de 81,83, valor que, por comparação com o número de trabalhadores nos meses de dezembro dos três anos seguintes (85, 86 e 82, respetivamente para 2018, 2019 e 2020), nos permite concluir que os postos de trabalho criados em 2017 também foram mantidos.”

 

  1. De seguida a Requerida aborda, em termos de contraditório, a análise que a Requerente fez em sede de direito de audição quanto às correções propostas no âmbito do RFAI relacionadas com investimentos considerados pela autoridade tributária como não relevantes para efeitos desse benefício.

 

  1. Refere-se aos seguintes investimentos concretos:

a). Licenças de software e criação de website;

b). Investimento na rede telefónica;

c). Investimentos adquiridos em estado de novo;

d). Investimentos de substituição;

e). Um investimento informático.

 

  1. Relativamente às licenças de software e a criação de website a autoridade tributária invoca que não ficou demonstrado pela Requerente que os investimentos tivessem sido efetuados com uma lógica e sob alçada de um projeto integrado de investimento inicial, nomeadamente para aumento da capacidade do estabelecimento, tratando-se apenas de investimentos relacionados com o exercício normal da atividade de uma empresa que tem que se atualizar e modernizar para se manter no mercado.

 

  1. Já quanto ao investimento na rede telefónica a autoridade tributária argumentou em sede de Resposta ao direito de audição, com a argumentação aqui já reproduzida pela Requerente, que não basta para os fins pretendidos que a Requerente discrimine diversos investimentos avulso, impondo-se antes um projeto de investimento integrado, com objetivos e áreas de intervenção concretamente definidos de forma a que seja justificado o seu enquadramento numa das tipologias abrangidas pelo conceito de investimento inicial.

 

  1. Relativamente à necessidade dos investimentos assumirem bens adquiridos em estado novo, considerando a Requerente que aí deve ser incluído o investimento efetuado no moinho para otimizar a nova linha de extorsão e moagem, a AT contrapõe que qualquer indústria exige um enorme investimento inicial na fonte produtora em instalações e equipamentos produtivos, mas necessita também de investimentos constantes na manutenção dessa fonte produtora que sofrem natural desgaste pelo uso deterioração ou obsolescência aí se enquadrando o investimento no dito moinho.

 

  1. Aí se incluindo:

“… o investimento de substituição, investimento ao funcionamento, investimento complementar destinado a tornar o existente mais eficiente, grandes benfeitorias, atualizações, etc. E este investimento não pode ser confundido com o investimento inicial que o RFAI visa impulsionar, que é necessariamente um investimento novo e distinto do já existente. Portanto, inicial significa que não visa substituir, complementar, atualizar, tornar eficiente ou o que quer que seja em relação ao investimento já existente.”

 

  1. Refere a Requerida que:

“Resulta das respostas dadas pela Comissão Europeia, que o facto de serem substituídos itens individuais por outros equipamentos que apresentam melhor desempenho, a menos que isso leve a uma mudança fundamental no processo de produção global, é considerado um investimento de substituição não elegível. Esta questão encontra-se esclarecida no “General Block Exemption Regulation (GBER) Frequently Asked Questions (FAQ 25 e 80), disponível em: https://ec.europa.eu/competition/state_aid/legislation/practical_guide_gber_en.pdf

 

  1. Ora atendendo a que a tipologia indicada pela Requerente diz tratar-se de um “investimento inicial no aumento da capacidade do estabelecimento”, deve englobar todos os ativos necessários para produzir mais quantidade de produto, mas não se confundindo com intervenções na estrutura produtiva preexistente, que devem coexistir pois continuam a ser exigidas para a manter operacional, ou seja no entender da Requerida:

“… a realização de um investimento inicial de aumento ou expansão da capacidade instalada, não dispensa o investimento corrente na manutenção da capacidade pré-existente, sendo que, apenas o primeiro é elegível para efeitos do RFAI, impondo-se, por tal motivo a devida separação.”

 

  1. Refere-se de seguida, que a Requerente também contestou as correções relacionadas com o investimento em equipamento informático, nomeadamente computadores portáteis, acessórios e software, tendo a autoridade tributária invocado que a aquisição de tais equipamentos não é indutora da criação de postos de trabalho, verificando-se no caso concreto precisamente o contrário, ou seja, e a criação de postos de trabalho que leva à necessidade dessas aquisições.

 

  1. Antes de entrar na sua própria análise, a Requerida faz ainda um resumo dos fundamentos apresentados pela Requerente no pedido de Constituição do Tribunal Arbitral, em que esta suscita a ilegalidade das liquidações adicionais do IRC referente aos períodos de 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, para depois a Requerida cuidar da sua própria análise, o que faz do seguinte modo:

a). Normas comunitárias (OAR e RGIC) e inconstitucionalidade da Portaria nº.282/2014;

b). Investimentos considerados não relevantes;

c). Criação e manutenção de postos de trabalho;

 

  1. Vejamos como a entidade Requerida analisa cada um destes assuntos começando pelo normativo comunitário e pela referida Portaria.

 

  1.     Começa por referenciar que:

“O n.º 1 do artigo 22.º do CFI, primeiro artigo do Capítulo III, relativo ao RFAI, sob a epígrafe “Âmbito de aplicação e definições”, determina que «o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.»”.

 

  1. E daqui a Requerida tira desde logo uma primeira conclusão, e isto independentemente da atividade específica exercida pela Requerente e do setor em que a mesma se enquadra na legislação nacional, mesmo sendo uma das atividades previstas no número 2 do artigo segundo do CFI, fica previamente afastada da possibilidade de beneficiar do RFAI se essa mesma atividade estiver excluída do âmbito sectorial de aplicação da das OARE do RGIC.

 

  1. E, relativamente às atividades enquadradas na indústria transformadora e até a própria atividade agrícola, embora sejam aprioristicamente elegíveis para efeitos da concessão de benefícios fiscais, o que não se pode esquecer é que a parte final do nº. 2 do art.º 2º. do CFI “…confirma e reforça o afastamento das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e das RGIC, não podendo a Requerente pretendem respeitar o âmbito de aplicação daquelas orientações e regulamentos comunitários conforme isso exige se nelas não couber.”

 

  1. Ou seja, se a atividade exercida pela Requerente se encontra excluída do âmbito de aplicação daqueles normativos comunitários, fica automática e previamente excluída da possibilidade de usufruir do benefício fiscal do RFAI.

 

  1. E a Requerida parte de seguida para a análise dos referenciados regulamentos comunitários, começando pelas “Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020”, designadas como OAR ou OAR 2014/2020, começando por referenciar o ponto 2 da introdução dessas orientações onde se refere que.

“«2. Nas presentes orientações, a Comissão enuncia as condições ao abrigo das quais os auxílios com finalidade regional podem ser considerados compatíveis com o mercado interno, definindo os critérios para a identificação das regiões que preenchem as condições previstas no artigo 107.º, n.º 3, alíneas a) e c), do Tratado.»

 

  1. Por esta via, cumpridas determinadas condições, se permita aos Estados membros contrariamente ao princípio geral comunitário de proibição de incentivos auxílios de Estado, estabelecer alguns auxílios com finalidade regional, consagrando-se:

“«10. A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica (…) com exceção da pesca e da aquicultura (…), da agricultura (11) e dos transportes (…), que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações. A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas. (…)»”

 

  1. Daqui a Requerida conclui estar o setor da agricultura excecionado da aplicação das orientações em causa, tanto mais que o referenciado normativo consagra que as suas orientações são aplicáveis à transformação e comercialização de produtos agrícolas, mas desde que, e só se, dessa transformação resultar num produto não agrícola.

 

  1. Até ainda reforçado quando a nota de rodapé 11 consagra o seguinte:

“(11) Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola”

 

  1. E as regras específicas aqui enunciadas constam das “Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais NOS setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014- 2020”, as quais são aplicáveis aos auxílios estatais à produção agrícola primária e à transformação dos produtos agrícolas que resultem num produto agrícola e a comercialização de produtos agrícolas (ponto 20 da secção 2.2 das OAR).

 

  1. Sobre a aplicação destes diversos normativos comunitários a Requerida conclui do seguinte modo:

“Ou seja, as orientações comunitárias específicas para o setor agrícola, mais concretamente para a categoria dos auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, fazem depender a possibilidade desse mesmo auxílio, do cumprimento das condições definidas nas orientações de qualquer um dos seguintes instrumentos, o RGIC (sobre o qual nos debruçaremos a seguir), as OAR 2014-2020 (em análise neste ponto) ou a secção 1.1.1.4. das próprias OAR para os setores agrícola e florestal, que integra o transcrito ponto (168).”

 

  1. Consequentemente:

“…não fica vedada a possibilidade das atividades de transformação e comercialização de produtos agrícolas da qual resulte um produto que continua a ser agrícola, poderem beneficiar de auxílios de finalidade regional, por via dos auxílios ao investimento.”

 

  1. Possibilidade essa que no entender da Requerida Portugal não acolheu:

“Efetivamente, não só não existe qualquer referência expressa na lei nacional, que inclua objetivamente o setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas da qual resulte um produto que continua a ser agrícola, nas atividades elegíveis para efeitos do RFAI, como é ela própria, conforme adiante se desenvolverá, no plano das normas instrumentais que implementam a sua execução, que confirma essa exclusão.”

 

  1. E, é importante referir que a OAR para os setores agrícola e florestal avança com uma definição dos conceitos de setor agrícola, produto agrícola, atividade agrícola, produção agrícola primária, transformação ou produtos agrícolas e comercialização de produtos agrícolas, o que permite concluir que o termo “transformação de produtos agrícolas” consiste em operações realizadas sobre um produto agrícola de que resulta um produto que continua a ser um produto agrícola e este termo integra o conceito de atividade do setor agrícola.

 

  1. A Entidade Requerida passa de seguida a análise das regras e conceitos constantes do Regulamento (EU) 651/2014, da Comissão de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno implicação dos artigos 107 e 108 do TFUO, o que se designa como RGIC, importando realçar os considerandos 10 e 11:

«(10) O presente regulamento deve aplicar-se, em princípio, à maioria dos setores económicos. No entanto, em alguns setores, como a pesca e a aquicultura e a produção agrícola primária, o âmbito de aplicação deve ser limitado à luz das regras especiais aplicáveis.”.

(11) O presente regulamento deve aplicar-se à transformação e comercialização de produtos agrícolas, desde que se encontrem reunidas determinadas condições. (…)»

 

  1. E o teor destes normativos permite concluir que os mesmos, mediante o cumprimento de determinadas condições se aplicam a transformação e comercialização de produtos agrícolas independentemente do produto que resultar dessa transformação ser ou não considerado um produto agrícolas, o que sai reforçado pelo teor do considerando 32, enquanto se considera que” a transformação e a comercialização de produtos agrícolas estão também fortemente ligadas às economias locais e regionais e devem beneficiar da isenção por categoria.”

 

  1. Depois de referir as categorias de auxílio às quais o RGIC se deve aplicar refere que o mesmo não se aplica aos seguintes auxílios:

“c) Auxílios concedidos no setor da transformação e comercialização de produtos agrícolas, nos seguintes casos:

i) sempre que o montante do auxílio for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados no mercado pelas empresas em causa; ou ii) sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários;”

 

  1.  O que leva a Requerida a concluir do seguinte modo:

“Ora, uma vez que a atividade aqui em causa de transformação e comercialização de produtos agrícolas, não se encontra na dependência de nenhuma das condições estabelecidas nas subalíneas i) e ii), transcritas, forçoso será concluir que a mesma se encontra sujeita às regras das isenções por categorias dos auxílios com finalidade regional, definidas pelo RGIC.”.

 

  1. E, finalmente, a Requerida conclui que não lhe restam “…dúvidas de que a atividade aqui análise, enquanto atividade transformadora e comercializadora de produtos agrícolas se encontra abrangida pelos RGCI e que por força dessa inclusão não se encontra excluída da possibilidade de beneficiar do RFAI”.

 

  1. Conclusão esta que parceria ir no sentido das pretensões da Requerente.

 

  1. Contudo, acrescenta desde logo a Requerida, que a lei reguladora do RFAI é precisa e clara sobre a admissibilidade da aplicação desse benefício fiscal, não o fazendo apenas depender do seu enquadramento no RGIC, mas também impõe que tal benefício só se pode manter se os sujeitos passivos de IRC em causa exercerem uma atividade que não esteja excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR.

 

  1. Ora efetivamente, como atrás se viu, a Requerida entende que as regras referentes às OAR 2014-2020 excluem as atividades aqui em causa, o que lhe permite concluir em definitivo que:

“Forçoso se torna agora assim concluir que, a atividade em causa, por se constituir como uma atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas de que resulta um produto que continua a ser um produto agrícola, constante do anexo I do Tratado (TFUE), se encontra expressamente afastada do âmbito de aplicação do RFAI.”

 

  1. E continua:

“Pode, portanto, afirmar-se com toda a segurança, que a atividade exercida pela Requerente aqui em análise, se encontra impedida de beneficiar de auxílios de finalidade regional, no caso o RFAI, em primeira instância pela própria legislação comunitária, no caso as OAR 2014/2020, e depois pela lei nacional que a acolhe, no caso o CFI, instituído pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 44/2014, de 11 de Julho.”

 

  1. Mas acontece que apesar dessa exclusão, são as próprias OAR 2014/2020 para os setores agrícola e florestal que autorizam os Estados Membros a conceder, mediante determinadas condições, auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas.

 

  1. Contudo, conclui a Entidade Requerida que o legislador português não acolheu nem pretendeu acolher essa possibilidade na categoria dos auxílios ao investimento.

 

  1. Não só não se encontra qualquer referência expressa na lei nacional que inclua esses setores nas atividades elegíveis para efeitos do RFAI, como ainda por cima, tem que se concluir que essa atividade é expressamente excluída através de uma portaria regulamentar, legalmente habilitada para esse efeito pelo nº. 1 do art.º 22 e pelo nº. 3 do art.º 2ª. do CFI.

 

  1. Portaria essa que, recorde-se, estabelece o seguinte:

«Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014 -2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o   Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.»

 

  1. Continua a Requerida:

 

  1. “Conclui-se assim que, por vontade expressa do legislador comunitário e nacional, bem como por parte dos ministérios que tutelam cada uma das áreas da sua intervenção, seja da atividade desenvolvida, seja do benefício fiscal aqui em causa, fica excluída do RFAI, a atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas de que resulta um produto que continua a ser um produto agrícola, constante do anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).”

 

  1. Ou seja, a Entidade Requerida entende que em todo este processo não há qualquer disposição legal (nacional ou comunitária), que permita concluir que o benefício fiscal do RFAI, (considerado um auxílio de Estado com finalidade regional), se aplique no caso de uma empresa que procede à transformação e comercialização de produtos agrícolas, de que resulta um produto que continua a ser considerado agrícola.

 

  1.  Mudando de assunto, importa salientar que a Requerida contraria a posição da Requerente quando esta afirma que o RGIC deve prevalecer sobre as OAR, argumentando que é que a entrada em vigor das primeiras não veio revogar as segundas, que vieram “… permitir uma melhor priorização das atividades relacionadas com a execução dos auxílios estatais e uma maior simplificação, com o dever de reforçar a transparência, a avaliação eficaz e o controlo da conformidade com as regras em matéria de auxílios estatais a nível nacional e da União, preservando as competências institucionais da Comissão e dos Estados-Membros.”

 

  1. Só ainda dois últimos aspetos levantados pela Requerida na sua Resposta, referindo-se o primeiro à matéria dos investimentos considerados não relevantes por parte da inspeção tributária, e o segundo à temática da criação de postos de trabalho, ambas as matérias já anteriormente referida.

 

  1.  Para concluir a final do seguinte modo:

“Tendo em conta as circunstâncias antes referidas, entende-se que devem ser mantidos os atos tributários relativos aos períodos de tributação de 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, uma vez que a Autora não traz, no âmbito deste ppa, qualquer elemento novo suscetível de pôr em crise o ato controvertido.”

 

  1. Solicitando, por isso, ao Tribunal que seja julgado improcedente o pedido de pronúncia Arbitral.

 

III - SANEAMENTO

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

IV - Matéria de Facto

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC).

 

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral da Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1.  Factos dados como Provados

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

  1. Foi efetuada uma inspeção tributária à Requerente, ao abrigo das Ordens de Serviço externas nºs  OI2022... (2015), OI2022... (2016), OI2022... (2017),  OI0I2022... (2018), OI2022... (2019) E OI2022... (2020), no dia 4 de março de 2022 na sequência das quais a Requerente foi notificada pela AT de 5 Projetos de Relatório de Inspeção Tributária, nos termos dos quais foram apresentadas correções respeitantes ao IRC, designadamente tendo em conta investimentos realizados em 2015, 2016 e 2017 e que tiveram por base o cálculo do benefício fiscal do RFAI para os exercícios de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2020.
  2. A Requerente, ao abrigo do disposto no artigo 60.º da LGT e no artigo 60.º do RCPITA, exerceu o seu Direito de Audição Prévia.
  3. Posteriormente, foi a Requerente notificada dos diversos Relatórios de Inspeção Tributária (Períodos de 2015 a 2020) e respetivas notas de diligência, nos termos do artigo 61.º do RCPITA, resultantes das ações inspetivas (docs. nº 7, 8, 9, 10 e 11 juntos ao PPA).
  4. Estão em causa os seguintes investimentos:

 

 

(Vd. RIT do exercício de 2020).

 

  1. São as seguintes as razões da discordância da AT relativamente à elegibilidade de tais investimentos:

 

 

 

 

 

 

 

 (Vd. RIT do exercício de 2020).

 

 

  1.  A 23 de novembro de 2022, foi a Requerente notificada das liquidações adicionais de IRC, relativas aos exercícios de 2015 a 2020, correspondentes aos valores das correções resultantes das ações de inspeção, designadamente, com valores a pagar no exercício de 2018 e 2020, acrescidos dos respetivos juros compensatórios. (Docs. nºs 1 e 2 juntos ao PPA)
  2. A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações adicionais e respetivos juros compensatórios. (Doc. 12 junto com o PPA)
  3. No dia 5 de abril de 2023, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa. (Doc. 3 junto com o PPA)
  4. No dia 12 de outubro de 2023, a Requerente foi notificada do Projeto de deferimento parcial dessa reclamação.
  5. No exercício do direito de audição, no dia 31 de outubro de 2023, foi dada resposta ao Projeto de decisão da Reclamação Graciosa. (Doc. 5 junto com o PPA)
  6. No dia 22 de novembro de 2023, foi a Requerente notificada da decisão final da Reclamação Graciosa, que manteve o projetado deferimento parcial. (Doc. 6 junto com o PPA)
  7. Atendendo a que a referida reclamação foi apenas parcialmente deferida pela Autoridade Tributária, a Requerente apresentou em 19 de fevereiro de 2024 o presente pedido de pronuncia arbitral.

 

  1. Factos dados como não Provados

Não existem factos dados como não provados, entendendo o presente Tribunal Arbitral que todos os factos dados como provados são os bastantes e relevantes para a apreciação do pedido.

 

THEMA DECIDENDUM –

Da atividade desenvolvida pela Requerente com base em matérias-primas que constituem produtos agrícolas, resulta como produto final um produto agrícola.

 

Os investimentos efetuados pela Requerente nos anos em causa são elegíveis para efeitos de RFAI.

V – O DIREITO

  1. Face às posições assumidas e aos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, importa decidir.

 

  1. Partimos da seguinte realidade.

 

  1. Não restam dúvidas de que o RFAI é um benefício fiscal que constitui um auxílio de Estado previsto no Decreto-Lei nº 162/2014 de 31 de outubro (CFI – Código Fiscal do Investimento), que permite às empresas deduzir à coleta apurada uma percentagem do investimento realizado em ativos não correntes (tangíveis e intangíveis), sendo aplicável, em conformidade com o nº. 1 do art.º 22º. do CFI.

 

Ou seja, este artigo aplica-se:

a). Aos sujeitos passivos que exercem uma atividade nos setores especificamente previstos no nº. 2 do art.º 2º. do mesmo CFI;

b). Tendo em consideração os códigos de atividade definidos na Portaria prevista no nº. 3 do referido artigo;

c). Com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGCI.

 

  1. Considerando a Requerente que preenche todos estes requisitos, é de sinal contrário a posição da Requerida.

 

  1. Aqui chegados importa, desde já, salientar três aspetos:

a). Primeiro aspeto: As partes não colocam em causa o facto da atividade desenvolvida pela Requerente sim inserir no âmbito da indústria transformadora;

b). Segundo aspeto: as partes já não estão de acordo relativamente ao facto dos CAE’s previstos na Portaria nº. 282/2014 de 30 de dezembro, poderem levar à exclusão da aplicação do regime em causa;

c). Terceiro aspeto: Também é colocada em causa a interpretação e aplicação da parte final do nº.  1 do artigo 22 do CFI, que condiciona a sua aplicação ao facto da atividade em concreto estar incluída no âmbito de aplicação sectorial das OAR e do RGCI.

 

  1. Pode resumir-se a posição das partes, quanto a este último aspeto, ao facto de saber se a atividade da Requerente provoca a transformação de um produto agrícola num produto não agrícola, como esta invoca, ou se, por seu turno, o produto comercializado a final pela Requerente não deixa de ser um produto agrícola como defende a entidade Requerida.

 

  1. Ensaiamos as respostas.

 

  1. Aparentemente, tudo começa por girar em torno do disposto no nº. 1 do artº. 22 do CF e que então pela sua importância transcrevemos novamente:

“1.O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.”

 

  1. E o primeiro aspeto a analisar, tem a ver com a parte que acima sublinhámos:

“…tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo,..;

 

  1. Sabemos que nos estamos a referir a Portaria nº. 282/2014, de 30 de dezembro.

 

  1. A Requerente entende, recordemos, que a sua atividade se insere no âmbito da indústria transformadora, com as consequências que daí resultam e nada do que esteja consagrado na identificada Portaria pode alterar tal circunstância. Ou seja, que os seus CAE’s representativos de uma atividade de indústria transformadora a habilitam a tornar elegíveis para efeitos de RFAI os seus investimentos, reunidas que estejam as demais condições impostas por lei.

 

  1. As atividades referenciadas na citada Portaria situam-se nos seguintes setores:

“…siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.”

 

  1. Face aa estas circunstâncias, a Requerente leva a discussão do assunto para a necessidade de tal juízo ter que ser feito em conformidade com as orientações relativas aos auxílios de Estado.

 

  1. E aqui, recordemos, a Requerente conclui do seguinte modo:

“Termos em que, não estando afastada a atividade da A... da lista de atividades excluídas pelo art.º 22.º do CFI, pelas OAR, ou até mesmo pelo RGIC, a atividade da Requerente é elegível para beneficiar do RFAI.”

 

  1. E, neste contexto, tudo parece resumir-se a saber se no final temos ou não um produto agrícola.

 

  1. Ora, a Requerente conclui que o resultado final da sua atividade não pode de modo algum considerar-se como um produto agrícola, tratando-se antes de produtos industriais da indústria alimentar, que passam por elevado grau de transformação física e química, que os afasta da origem das matérias-primas com que originariamente laboram.

 

  1. No seu caso concreto, a Requerente entende que todos estes requisitos, exigidos para o efeito, se encontram verificados uma vez que:

“(i) o n.º 2 artigo 2.º do CFI faz referência, como atividade económica elegível, entre outras, à indústria transformadora;

(ii)não está em causa uma atividade excluída pelo RGIC, nem pelas OAR, tendo esta inclusive orientações especificamente direcionadas;

(iii) as atividades principal e secundária da A... enquadram-se na previsão da al. b) do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, que abrange “Indústrias transformadoras – divisões 10 a 33”.

 

  1. A posição da AT, diverge desta no que diz no que diz respeito à interpretação e aplicação da citada Portaria, porquanto entende que a atividade da Requerente consiste na produção agrícola primária e na produção e comercialização de produtos agrícolas tal como estão enumerados no anexo I do TFUE.

 

  1. Assim sendo, estamos ou não perante a transformação de um produto agrícola, mas cujo produto final continua a ser agrícola?

 

  1. Sabemos que a Requerente se dedica à fabricação de alimentos para animais de criação, ou seja, alimentos para suínos bovinos aves e outros animais de criação, (CAE 10912).

 

  1. Por outro lado, dedica-se também à fabricação de alimentos para animais de companhia e que inclui preparações compostas ou misturas de alimentos especialmente tratados para cães, gatos, pássaros, peixes ornamentais, e que iniciou o tratamento de subprodutos de matadouros para produzir alimentos para animais de companhia e que esta é a atividade que aqui está principalmente em causa neste processo (CAE 10920).

 

  1. As matérias-primas utilizadas pela Requerente no seu processo produtivo, são, entre outras, as seguintes:

- Diversas farinhas e cereais, produtos naturais/frescos plantas, sementes, algas, sendo inovadoras as farinhas de insetos e de produtos lácteos em pó (que utiliza na produção de alimentos mais saudáveis), fruta desidratada, proteína de origem animal e hidratos de carbono.

 

  1. A Requerente descreve minuciosamente o processo de transformação que utiliza, que passa por diversas fases, nomeadamente a moagem, mistura, granulação, sendo que noutros casos ainda está incluída a extrusão, ficando para o final a secagem, recobrimento e o arrefecimento.

 

  1. Face à utilização destas diversas técnicas de transformação do produto, de maior ou menor dificuldade, com a adição de determinadas substâncias, entende a Requerente que alteram significativamente o sabor original de cada matéria-prima útil.

 

  1. Ora, importa neste contexto buscar a base normativa que nos ajude a clarificar a natureza do processo produtivo, o que se faz do seguinte modo no Proc. 655/2021-T do CAAD, ao resumir que:

“Para melhor compreensão sobre o que se entende por “transformação e comercialização de produtos agrícolas”, é possível por fim recorrer às definições que constam do artigo 2.º do RGIC, em particular das suas alíneas 9), 10) e 11), onde se pode ler: 9) «Produção agrícola primária», a produção de produtos da terra e da criação animal, enumerados no anexo I do Tratado, sem qualquer outra operação que altere a natureza de tais produtos; 10) «Transformação de produtos agrícolas», qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda; 11) «Produto agrícola», um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013.”

 

  1. Ora, no caso concreto, a natureza das matérias-primas utilizadas no processo de transformação e as características desse próprio processo leva a que possamos considerar que o produto final assim obtido é diferente daquele outro, melhor daqueles outros, que existiam no início.

 

  1. A Requerente não vende cereais, nem farinhas e muito menos fruta.

 

  1. Não estamos perante uma atividade de transformação de produtos da terra e de criação animal relativamente aos quais inexista uma qualquer atividade de transformação.

 

  1. No caso concreto, essa atividade existe e provoca nos produtos uma alteração profunda.

 

  1. Por outro lado, o produto comercializado pela Requerente no final de todo o processo de transformação, não é um produto agrícola, nos termos enunciados pelos diversos normativos comunitários citados.

 

  1. Assim, quanto a esta questão o Tribunal considera que a Requerente procede à transformação de produtos agrícolas, mas que o produto final por si comercializado já não constitui um produto agrícola, não podendo tal facto constituir, de per si, impedimento à elegibilidade da atividade desenvolvida pela Requerente de entre aqueles às quais podem vir a ser atribuídos os benefícios fiscais consagrados no RFAI para os investimentos por ela efetuados, reunidas que estejam as demais condições para o efeito.

 

  1. Agora, vejamos a questão que se coloca relativamente à Portaria nº. 282/2014, de 30 de dezembro.

 

  1. E atente-se na seguinte Decisão do CAAD:

“Retomando os autos, atendendo à legislação e jurisprudência exposta, resulta que a indústria transformadora se enquadra no âmbito do disposto no artigo 2.º, n.º 2 do CFI, e não se está perante «atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC», para efeitos do disposto no artigo 22.º, n.º 1, do CFI, bem como a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, não pode validamente afastar a aplicação de benefícios previstos em diplomas de natureza legislativa.”

(Proc. nº. 642/2022-T)

 

  1. Por outro lado, há mesmo quem entenda, que seria inconstitucional o entendimento de que a referida Portaria, dada a sua natureza regulamentar, tivesse só por si a veleidade de excluir do âmbito de aplicação do RFAI determinadas atividades, só por não estarem lá expressamente previstas.

(vd. Proc. nº. 187/2022-T do CAAD)

 

  1. Sobre esta questão veja-se, igualmente, a Declaração de Voto no Proc. nº. 545/2028-T, quando se defende que essa mesma Portaria, se assim fosse, desrespeitaria o diploma legal que apenas lhe cumpriria executar, por dentro da mesma ter invadido a reserva de competência que é atribuída à Assembleia da República, no que o que é secundado pelo teor do Acórdão proferido no processo nº. 142/2021-T, em cujo sumário pode ler:

“1. A indústria transformadora de produtos agrícolas enquadra-se no artigo 2.º, n.º 2, al. d) do CFI e não se está perante «atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC», para efeitos do artigo 22.º, n.º 1, do CFI. 2. No que diz respeito à atividade agrícola, a Portaria n.º 282/2014 de 30.12 derrogou totalmente o art. 2º, n.º2, al. d) do CFI, aprovado por Decreto Lei, pelo Governo, com autorização legislativa da Assembleia da República, invadindo por isso, a reserva de competência que é atribuída a este órgão de soberania pelos artigos 103º nº 2 e 165º nº 1 alínea i) da Constituição da República Portuguesa, enfermando, deste modo, de inconstitucionalidade orgânica e formal.”

 

  1. No mesmo sentido concluindo o Proc. nº. 434/2020-T, também do CAAD, embora noutro contexto do RFAI, que consagra no seu sumário o seguinte:

“I - Na medida em que dizem respeito à matéria europeia dos auxílios de Estado, o Código Fiscal de Investimento, e a regulação que dele consta do RFAI, e a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, devem ser entendidos como instrumentos de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nos artigos 107.º a 109.º do TFUE, no RGIC e nas OAR, e nesse sentido a Portaria apenas pode ser tida como um diploma de execução de disposições de direito europeu; II – E, nesse sentido, não há motivo para fazer prevalecer a regra que consta do artigo 1.º da Portaria sobre a disposição do artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, para efeito de afastar a atribuição do benefício fiscal RFAI;”

 

  1. Não colhem assim, quanto a estas matérias, os argumentos invocados pela entidade Requerida a favor da manutenção das correções efetuadas e das liquidações dos impostos em causa, sendo que à Requerente, neste contexto e face à natureza da atividade desenvolvida, e ao respetivo enquadramento normativo, quer de âmbito nacional quer comunitário, deve ser reconhecido o direito o benefício fiscal do RFAI, nos termos do art.º 22º. do CFI e demais legislação aplicável, lida e interpretada nos moldes que constam da vasta jurisprudência Arbitral citada, sem que a interpretação e aplicação da citada Portaria permita conduzir a uma conclusão oposta a esta.

 

  1. Contudo, importa salientar não serem estes os únicos argumentos utilizados pela AT que fundamentaram as correções e liquidações em causa, e aqui trazidos ao processo pela entidade Requerida e que consistem, mais concretamente, no apuramento da elegibilidade ou não dos investimentos concretos efetuados nos anos em causa.

 

  1. Vamos por partes:

a). Estão em causa alterações de natureza meramente aritmética nos exercícios de 2015 a 2020, por intermédio das quais a AT corrigiu a dotação referente aos benefícios fiscais do RFI, em diversos montantes anuais, por alegada infração ao disposto nos artigos 22º. a 26º. do CFI.

b). A Requerente esclarece que as dotações, constituídas nos anos de 2015, 2016, 2017, não foram deduzidas em qualquer dos exercícios de 2016 a 2020, pelo que não deram causa a qualquer liquidação adicional de IRC;

c). As correções efetuadas nos exercícios de 2018 e 2020, resultam da utilização do saldo ainda não deduzido referente ao exercício de 2014;

d). Nos anos de 2018 e 2020 houve liquidação de imposto e juros compensatórios (Vd. Docs. nº. 1 e 2 junto com o PPA).

 

  1. As correções em causa em cada um dos exercícios foram as seguintes:

a). 2015 - € 204.185,04;

b). 2016 - € 66.648,99;

c). 2017 - € 149.729,65

d). 2018 – 13.706,44;

e). 2020 – 84.176,06.

 

  1. Estas correções referem-se aos seguintes investimentos concretos:

a). Licenças de software e criação de website;

b). Investimento na rede telefónica;

c). Investimentos adquiridos em estado de novo;

d). Investimentos de substituição;

e). Um investimento informático.

 

  1. A Autoridade Tributária caracteriza deste modo os investimentos efetuados pela Requerente:

a). Não foram efetuados com uma lógica e sob alçada de um projeto integrado de investimento inicial, nomeadamente para aumento da capacidade do estabelecimento;

b). Trata-se apenas de investimentos relacionados com o exercício normal da atividade de uma empresa que tem que se atualizar e modernizar para se manter no mercado;

c). Não constituem transferência de tecnologia;

d). Não estão afetos à exploração;

e). Constituírem investimentos isolados;

f). Não terem sido adquiridos em estado de novo;

 

  1. Importa salientar que a AT não atribui a todos estes investimentos os mesmos “pecados” que a leva a afastar a sua elegibilidade para efeitos de RFAI.

 

  1. Tal resulta evidente dos RIT’s, nomeadamente dos quadros que constam em cada um deles (Vd. alínea e) do Probatório).

 

  1. Relativamente ao exercício de 2015, a AT entende que o grupo de investimentos relacionados com o software e licenças, não são elegíveis por não constituírem transferência de tecnologia.

 

Já o segundo grupo de investimentos efetuados nesse ano e relacionados com a rede telefónica só são afastados do benefício em causa, porque a AT considera que se trata de investimentos não afetos à exploração.

 

  1. Relativamente ao exercício 2016, o investimento relacionado com o denominado “moinho” é afastado por se entender que se trata de um equipamento não adquirido em estado de novo.

 

Já quanto ao investimento que diz respeito a computadores portáteis e acessórios, a AT entende que o mesmo não consubstancia um investimento inicial e que, por outro lado, também não proporciona a criação de postos de trabalho.

 

  1. Já relativamente aos investimentos efetuados no exercício 2017, a AT considera que os investimentos referentes às licenças dos programas informáticos e o investimento efetuado relativamente à criação do website, não são elegíveis, porque não constituem uma transferência de tecnologia, como já vimos relativamente aos investimentos efetuados no exercício de 2015.

 

Por outro lado, o investimento efetuado na aquisição de computadores, é afastado pelas mesmas razões já invocadas relativamente a idêntico investimento efetuado no exercício de 2016.

 

  1. Vamos por partes.

a). Licenças de software e criação de website aqui se incluindo o denominado Software EDP e o software de Apoio e Gestão de Qualidade.

 

  1. Nesta situação, a AT defende que estamos perante meras atribuições de licenças periódicas para operar softwares unificados no mercado tecnológico.

 

  1. A Requerente entende que dos normativos aplicáveis não decorre qualquer imposição para que a aquisição das suas licenças tenha subjacente a transmissão da propriedade intelectual, remetendo para as orientações administrativas da AT onde se consagra o seguinte:

 “para que o investimento efetuado em aplicações relevantes seja elegível, é necessário que integre o conceito de “investimento inicial”, não se considerando como aplicação relevante a “aquisição isolada” de ativos que não integrem tal conceito e, ainda, não sendo elegível como aplicação relevante o investimento na “aquisição de equipamentos de substituição”. (Vd. ficha doutrinária no processo n.º 2020 001469, PIV 17279, sancionado por Despacho de 28 de maio de 2020, da Diretora de Serviços do IRC.)

 

  1. Tudo isto, a coberto do disposto no arº. 22, nº. 2 alínea b) do CFI e que consagra o seguinte:

“b) Ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.”.

 

  1. Relativamente a todas estas licenças, a Requerente entende que as mesmas, ao constituírem transferência de tecnologia, têm pleno acolhimento na legislação fiscal aplicável-

 

Cumpre decidir.

 

  1. Entendemos que não assiste razão à Requerente.

 

  1. A aquisição de licenças que a Requerente efetuou permite-lhe utilizar, durante um determinado período de tempo e em determinadas condições, uma tecnologia que pertence a terceiros, que de modo algum se transfere para o adquirente das licenças.

 

  1. Não há tecnologia transferida que a Requerente pudesse utilizar livremente e sobre ela introduzir as alterações que entendesse por convenientes.

 

  1. A tecnologia subjacente aos programas licenciados continua a pertencer ao respetivo fornecedor, devendo o utilizador renovar periodicamente as licenças, findo o prazo contratado, para que possa continuar a utilizar os respetivos programas, conteúdos e software.

 

  1. E tais investimentos podem considerar-se como sendo efetuados no âmbito do investimento inicial, ou não.

 

  1. Diz a Requerente que sim, porquanto:

a). São despesas com a aquisição de know-how e conhecimentos técnicos necessários ao desenvolvimento da organização;

b). O website permite chegar a cada cliente de uma forma mais personalizada, dando a conhecer a empresa aos clientes atuais ou potenciais, com o objetivo de aumentar a competitividade, apanhar possibilidade a baixo custo, expandir o mercado, divulgar contatos e respetiva localização e facilitar o acesso à informação sobre os seus serviços e produtos;

c). O investimento em causa permitiu criar condições para um crescimento sustentável da organização com vista ao aumento do volume de negócios, alargamento da carteira de clientes, tendo em vista a criação de postos de trabalho;

d). Para que o processo produtivo funcione normalmente, todos os outros setores da empresa têm que acompanhar esse crescimento, razão pela qual a empresa tem necessidade de melhorar alguns setores, como administrativo, tal como fez no setor produtivo.

 

  1. Não importa apurar, no caso concreto, se se trata ou não de um investimento inicial, quando o mesmo diz respeito a investimentos em tecnologia, e a mesma, nos moldes já assinalados, não foi transferida para o respetivo utilizador.

 

  1. Razão pela qual entendemos que não existem razões para alterar a correção efetuada pela autoridade tributária relativamente a estes bens e que abrange os investimentos efetuados dos exercícios 2015 e 2017.

 

b). Investimento na rede telefónica.

 

  1. O investimento efetuado na rede telefónica, foi concretizado no exercício de 2015 e não foi aceite pela AT, por esta ter entendido que se tratava de um investimento não afeto à exploração.

 

  1. Argumentou a AT, tratar-se de um investimento avulso, e não de um investimento integrado, com objetivos e área de intervenção concretamente definidos, de forma a que seja justificado o seu enquadramento numa das tipologias abrangidas pelo conceito de investimento inicial.

 

  1. Para o efeito, remete  para a ficha doutrinária, processo 2020 001469, PIV 17279, sancionado por Despacho de 28 de maio de 2020, onde se lê que o investimento inicial “pressupõe a existência de uma estratégia global de investimento, realidade que não se compagina com a aquisição isolada de qualquer bem do ativo.”.

 

  1. Assim sendo, a entidade Requerida conclui na sua Resposta que:

“Ora, a aquisição de uma central telefónica é considerada, no essencial, uma aquisição “avulso” sem um “fio condutor” que a agregue ao investimento fabril, ou que demonstre a sua interdependência com vista a um objetivo definido e o distinga do investimento já existente (contrariando o conceito de investimento inicial).”

 

  1. Refira-se, igualmente, que o RIT (seguimos o de 2020), apurou que esta central telefónica seria utilizada em estabelecimentos comerciais da Requerente, e consequentemente fora do âmbito de expansão da unidade fabril de Cacia, relativamente à qual foi projetado todo o investimento no âmbito do RFAI, concluindo que não são elegíveis os investimentos que não se encontrem afetos à exploração da empresa.

 

  1. A Requerente defende que o investimento na Rede Telefónica está estrategicamente ligado à expansão para novos mercados, ao aprimoramento do produto e à qualidade, resultando na criação de novos postos de trabalho. Argumentou que, embora o reforço dos demais setores de atividade não tenha uma relação direta, é fundamental para melhorar a eficiência produtiva e possibilitar o aumento da capacidade desejada.

 

  1. Referindo-se ao processo do CAAD n.º 82/2020-T, concluiu que, independentemente do investimento beneficiar outros setores da empresa, o fator determinante é a sua finalidade de impulsionar uma atividade produtiva, conforme estipulado nos artigos 2.º, n.º 2 e 3, do CFI, aplicado ao RFAI por remissão do artigo 22.º, n.º 1 do CFI.

 

  1. Contudo, a Requerente não carreou para o processo elementos de prova que permitissem concluir que os equipamentos em causa se encontram afetos à exploração da empresa, na tentativa de contrariar o que é dado por assente no RIT’s.

 

  1. Assim sendo, não podem tais investimentos ser considerados elegíveis para efeitos do RFAI, razão pela qual serão de manter as correções efetuadas pela AT relativamente ao exercício de 2015, no que a este investimento em concreto diz respeito.

 

c). Investimentos adquiridos em estado de novo.

 

  1. Está aqui em causa a elegibilidade de um investimento realizado pela Requerente no exercício de 2016, denominado “moinho”.

 

  1. A Requerente defende a elegibilidade deste investimento, porquanto:

a). Foi necessária a introdução de um procedimento de moagem, através da beneficiação de um equipamento denominado “moinho” para potenciar o investimento na linha de extrusão e moagem.”

b). Foi adquirida uma nova linha de extrusão e moagem, que necessita deste investimento complementar, sem o qual aquela linha não conseguia alcançar a capacidade produtiva pretendida.

 

  1. A Requerente acrescenta que o dito moinho foi adquirido em estado novo, nunca tendo pertencido ao ativo de outra empresa, e embora não se trate do investimento de raiz como invoca a AT, também não há norma que assim o afaste por esta razão, porquanto são consideradas aplicações relevantes os investimentos feitos na reparação de instalações fabris.

 

 

  1. Relativamente a este investimento efetuado no exercício de 2015, a AT defende que não estamos perante a aquisição de ativos fixos tangíveis em estado de novo, contrariando um dos requisitos imposto impostos por lei (Vd. alínea a), do nº. 2 do artigo 22º. do CFI), sendo de considerar para além disso que conforme consta das faturas dos respetivos fornecedores (E... e F... LDA), nos montantes de € 9.480,00 e € 10.500,00, entendo que estamos perante reconversões de ativos fixos tangíveis já existentes.

 

  1. Relativamente à necessidade dos investimentos assumirem bens adquiridos em estado novo, considerando a Requerente que aí deve ser incluído o investimento efetuado no moinho para otimizar a nova linha de extorsão e moagem, a AT contrapõe que qualquer indústria exige um enorme investimento inicial na fonte produtora em instalações e equipamentos produtivos, mas necessita também de investimentos constantes na manutenção dessa fonte produtora que sofrem natural desgaste pelo uso deterioração ou obsolescência aí se enquadrando o investimento no dito moinho.

 

  1. Aí se incluindo:

“… o investimento de substituição, investimento ao funcionamento, investimento complementar destinado a tornar o existente mais eficiente, grandes benfeitorias, atualizações, etc. E este investimento não pode ser confundido com o investimento inicial que o RFAI visa impulsionar, que é necessariamente um investimento novo e distinto do já existente. Portanto, inicial significa que não visa substituir, complementar, atualizar, tornar eficiente ou o que quer que seja em relação ao investimento já existente.”

 

  1. Refere a Requerida que:

“Resulta das respostas dadas pela Comissão Europeia, que o facto de serem substituídos itens individuais por outros equipamentos que apresentam melhor desempenho, a menos que isso leve a uma mudança fundamental no processo de produção global, é considerado um investimento de substituição não elegível. Esta questão encontra-se esclarecida no “General Block Exemption Regulation (GBER) Frequently Asked Questions (FAQ 25 e 80), disponível em: https://ec.europa.eu/competition/state_aid/legislation/practical_guide_gber_en.pdf

 

  1. Ora, atendendo a que a tipologia indicada pela Requerente diz tratar-se de um “investimento inicial no aumento da capacidade do estabelecimento”, deve englobar todos os ativos necessários para produzir mais quantidade de produto, mas não se confundindo com intervenções na estrutura produtiva preexistente, que devem coexistir pois continuam a ser exigidas para a manter operacional, ou seja, no entender da Requerida:

“… a realização de um investimento inicial de aumento ou expansão da capacidade instalada, não dispensa o investimento corrente na manutenção da capacidade pré-existente, sendo que, apenas o primeiro é elegível para efeitos do RFAI, impondo-se, por tal motivo a devida separação.”

 

  1. Neste caso concreto, o Tribunal entende que a Requerente não conseguiu demonstrar que se trata de um investimento inicial em estado novo, não sendo isso que resulta das faturas referenciadas pela AT no seu RIT, que dão conta de equipamentos reconvertidos ou modificados.

 

  1. Razão pela qual a correção efetuada relativamente ao exercício de 2015, no que esta matéria específica diz respeito, deve ser mantida.

 

  1. Finalmente, em relação à questão da criação de postos de trabalho, a Requerente entende que as exigências legais resultaram compridas a partir do momento em que se procede à admissão de um único trabalhador, sendo que em 2016 a Requerente afirma ter iniciado o exercício com 79 colaboradores tendo aumentado nesse período para 80 colaboradores.

 

  1. Contudo, a AT entende que:

“um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período”.

 

  1. Por seu turno, a Requerente entende que essa aplicação deve ser feita no final do exercício 2017 e que durante o período do investimento criou 15 postos de trabalho, tendo apenas saído 6, fazendo um saldo positivo de 9.

 

  1. Estão aqui em causa os exercícios 2015 e 2017.

 

  1. É hoje entendimento maioritário no CAAD, que não se torna necessária a criação líquida de postos de trabalho para completar os requisitos de admissibilidade de um determinado investimento no âmbito do RFAI.

 

  1. Contudo, da vasta documentação junta pela AT no seu RIT resulta provado que a Requerente não criou no período relevante aqui em causa, qualquer posto de trabalho.

 

  1. Por outro lado, no seu PPA a Requerente limita-se a referir a criação de um posto de trabalho, sem juntar aos autos os documentos de suporte que o atestem.

 

  1. Não fica assim demonstrada a criação de postos de trabalho, se tal viesse a ser considerado necessário para admitir a elegibilidade nesta sede dos investimentos em causa.

 

VI - DECISÃO

  1. Face ao exposto, não é considerado como procedente o pedido de pronuncia arbitral apresentado pela Requerente relativamente às correções efetuadas quanto aos exercícios de 2015, 2016 e 2017 e em que também era solicitada a anulação das liquidações referente aos exercícios de 2018 e 2020, atos esses que assim serão de manter.

 

  1. Prejudicado fica deste modo o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. Assim, pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim:

a). julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente manter as correções de natureza meramente aritmética relativas ao exercício de 2015, 2016 e 2017, corrigidas no tocante às dotações relativas aos benefícios fiscais do RFAI no valor de € 204.185,04€ (2015), € 66.648,99 (2016), € 149.729,65 (2017);

b). julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente manter a liquidação adicional de IRC nº 2022 ... referente ao exercício 2018 e dos correspondentes atos de liquidação de Juros compensatórios, no montante respetivamente de € 13.706,44 e de € 1.736,38€, no total de € 15.442,82,  bem como manter as correções de natureza meramente aritmética relativas ao exercício de 2018, corrigidas no tocante às dotações relativas aos benefícios fiscais do RFAI no valor de € 13.706,44, porquanto, face à decisão referenciada na alínea a), não há saldo que possa transitar para este exercício;

c). julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente manter a liquidação adicional de IRC nº n.º 2022 ... referente ao exercício de 2020 e dos correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios, no montante respetivamente de € 4.176,06 e de € 206,85 no total de € 4.382,91,  bem como manter as correções de natureza meramente aritmética que alterando a declaração fiscal (IRC) da Requerente relativa ao exercício de 2020, corrigidas no tocante às dotações relativas aos benefícios fiscais do RFAI no valor de € 84.176,06, porquanto, face à decisão referenciada na alínea a), não há saldo que possa transitar para este exercício.

d). Julgar prejudicado o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

VII - Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 19.825,73 (dezanove mil oitocentos e vinte e cinco euros e setenta e três cêntimos), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, c), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VIII - Custas

Custas a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 17 de outubro de 2024

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O Árbitro

 

(Jorge Carita)