Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 114/2024-T
Data da decisão: 2024-10-14   Outros 
Valor do pedido: € 121.068,38
Tema: CSR – Competência do tribunal, Ilegitimidade da Requerente
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SUMÁRIO:

 

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário consubstancia um tributo que deve ser qualificado como imposto, pelo que sob essa qualificação os tribunais arbitrais têm competência para apreciar os correspondentes atos de liquidação.
  2. A Requerente é parte ilegítima para questionar os atos de liquidação da CSR praticados pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pelos seus fornecedores de combustíveis, porque só a entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR, tem legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações com fundamento em erro e consequente reembolso do montante correspondente, conforme o artigo 16.º do Código dos IEC.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros, Regina de Almeida Monteiro (Presidente), António Lima Guerreiro e Ana Rita do Livramento Chacim (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO
    1. A..., LDA., pessoa coletiva com o n.º..., com sede na ..., n.º ..., ...-... Guarda (doravante “Requerente”), nos termos do disposto nos artigos 95.º, n.º 1 e 2 da Lei Geral Tributária (“LGT”), e ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por “RJAT”), requereu a constituição do Tribunal Arbitral, em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA (doravante designada de “Requerida” ou “AT”), peticionando a pronúncia deste Tribunal sobre a anulação da decisão de indeferimento tácito que recaiu sobre o pedido de revisão apresentado contra os atos tributários consubstanciados nas liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (‘CSR’) emitidas pela AT e refletidas nas faturas apresentadas, que totalizam um montante de contribuição paga de € 128.068,38 (cento e vinte e oito mil e sessenta e oito euros e trinta e oito cêntimos).

 

  1. Do pedido

 

 

A requerente concretiza a final o seu pedido:

Nestes termos, e nos mais de Direito, deverá o presente pedido de constituição do tribunal arbitral ser julgado totalmente procedente e, em consequência, (i) ser anulada a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão apresentado em 30 de junho de 2023, acima melhor identificado e (ii) ser anuladas as liquidações de CSR refletidas nas Faturas acima identificadas, por ilegais, reembolsando-se a Requerente do montante pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal, desde a data de pagamento até efetivo e integral reembolso, tudo com as legais consequências.

Da análise ao pedido formulado pela Requerente, impõe-se a devida clarificação, considerando que pede o reembolso da CSR acrescido de juros indemnizatórios e não pede a invalidade dos atos de repercussão, “solicitando a Requerente que sejam anuladas as liquidações de CSR que se encontram refletidas nas faturas”. Sem prejuízo da análise respeitante à legitimidade processual e substantiva da Requerente, importa analisar o pedido direcionado ao presente tribunal, questionando-se, considerando o teor do mesmo, se poderia a Requerente solicitar o referido reembolso quando vem impugnar os atos tributários de CSR sem impugnar a legalidade dos atos de repercussão, através dos quais alegadamente suportou o pagamento por repercussão económica valores relativos a CSR.

Estando o tribunal limitado na sua decisão, ao pedido apresentado pela Autor/Requerente na petição inicial, estabelecido no artigo 609.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1 RJAT: “1 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”.

Impõe-se que se proceda à interpretação do pedido em conjugação com a “parte narrativa da petição inicial”, no sentido de delimitar a relação jurídica controvertida.

O nosso sistema judicial tem por base o princípio do pedido, admitindo alguma jurisprudência e doutrina a possibilidade deste princípio basilar do nosso direito adjetivo poder ceder perante o apelidado “pedido implícito”.

De salientar a análise feita no Acórdão da Relação de Lisboa de 05-09-2024 proferido no Processo n.º 6845/20.8T8ALM.L1-6[1]), que determinou a revogação da decisão que considerou o pedido implícito: “Cumpre, pois, apreciar se estamos perante o que a jurisprudência tem vindo a apelidar de “pedido implícito” e aquilatar da sua admissibilidade. Nos termos do artigo 552.º, n.º 1, alínea e) do CPC, na petição inicial, o autor deve formular o pedido, que irá conformar o objecto do processo e condicionar a decisão de mérito, pelo que o tribunal, sob pena de nulidade, não pode condenar em quantidade superior ou objecto diverso (artigos 615.º, n.º 1, alínea e) e 609.º, ambos do CPC) e deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se de outras (artigos 615.º, n.º 1, alínea d) e 608.º do CPC).

Defendia o Professor Antunes Varela (In “Manual de Processo Civil”. Coimbra Editora, 2.ª edição, revista e actualizada, 1985, pág. 245, nota 1.) que o “…pedido deve ser formulado na conclusão da petição, não bastando que apareça acidentalmente referido na parte narrativa dela. O autor deve, no final do seu arrazoado, dizer com precisão o que pretende do tribunal – que efeito jurídico quer obter com a ação” Mais recentemente – e atendendo à lógica inerente à estrutura do novo Código de Processo Civil, nomeadamente, de preferência do “conteúdo” em detrimento de razões puramente formais -, tem-se observado uma inversão deste entendimento, com autores como o Professor Lebre de Freitas (In “Código de Processo Civil Anotado. Volume II”. Coimbra: Almedina, 3.ª edição, julho de 2017, pág. 490) a admitirem que “…o pedido seja expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez, com o sentido da declaração para o declaratário normal, a intenção de obter o efeito jurídico pretendido, máxime quando o réu o haja entendido correctamente…”. Os Tribunais superiores têm, bem assim, seguido esta linha de raciocínio, “(e)m primeiro lugar, porque a petição configura uma declaração de vontade tendente a obter um determinado efeito jurídico, devendo ser interpretada segundo o critério estabelecido nos arts. 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1 do CC (cf., por ex., Ac do STJ de 21.4.05, em www.dgsi.pt). Depois porque se não releva a ineptidão por falta ou ininteligibilidade do pedido no caso de o réu haver interpretado convenientemente a petição inicial (art.º 193.º, n.º 3 do CPC), por maioria de razão, ou por aplicação analógica, deve admitir-se um pedido feito no corpo do articulado, máxime se foi correctamente interpretado pelo demandado”( Cfr. Acórdão do TRC, de 10.09.2013, proc. n.º 6/07, disponível em www.dgsi.pt.). [nosso sublinhado]

(...)O pedido constitui o elemento identificador das acções, é este o círculo dentro do qual o tribunal se tem de mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir. Nas licões de Anselmo de Castro ( in “Direito Processual Civil Declaratário”, pág. 201 e ss.) por pedido, porém, tanto se pode entender as providências concedidas pelo juiz, através das quais é actuada determinada forma de tutela jurídica (condenação, declaração, etc.) ou seja, a providencia que se pretende obter com a acção; como os meios através dos quais se obtém a satisfação do interesse à tutela, ou seja, a consequência jurídica material que se pede ao tribunal para ser reconhecido. O primeiro é o objecto imediato; o segundo é o objecto mediato, sendo que para determinaro petitum concorrem ambos os aspectos.

(...) o pedido está ligado ao princípio do dispositivo, sendo este um dos princípios nucleares do processo civil e significa que as partes dispõem do processo e da relação jurídica nele controvertida. Como bem aludia Manuel de Andrade ( in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 373 a 374), na visão conservadora e liberal o processo “é uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, em que o juiz arbitra a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado – daí a inércia, inactividade ou passividade do juiz, em contraste com a actividade das partes e, outrossim, que a sentença procure e declare a verdade formal (intra processual) e não a verdade material (extra processual)”.

De mencionar ainda o decidido no Acórdão do STJ de 22-09 -2022 proferido no Processo n.º 605/17.0T8PVZ.P1.S, e que afirma no sumário:

I. Como decorrência do princípio do dispositivo, continua a vingar na nossa lei adjectiva o princípio do pedido, de acordo cexpressis o tribunal não pode resolver qualquer conflito de interesses que a acção pressupõe sem que essa resolução lhe seja pedida (art. 3º, n.º 1 do CPC).

II. Se é certo que os juízes não devem ser extremamente formalistas na interpretação e aplicação dos princípios em que assenta o processo civil, sob pena de se perder a efectividade da justiça cível, também não devem, sem assento no alegado e peticionado pelo Autor, simplesmente, pôr de lado aquela espécie de mandamento que recai sobre os juízes: «Não dês mais do que aquilo que te é pedido».

III. Quando perante o alegado na petição inicial há dúvidas quanto aos concretos e efectivos pedidos pretendidos pelo Autor ou ao real conteúdo da pretensão, e, recorrendo às regras interpretativas da declaração judicial, se extrai implícita uma outra pretensão petitória não expressamente ali formulada, pode o tribunal levá-la em conta, extraindo os efeitos jurídicos correspondentes, sem dessa forma violar o princípio do pedido.

IV. Porém, como o princípio do pedido se encontra a par do princípio do contraditório, tem este último que ser sempre respeitado, pois uma sentença desrespeitadora do princípio do pedido, traduzir-se-ia numa decisão-surpresa.

V. Pedido implícito é aquele que, com base na natureza das coisas, está presente na acção, apesar de não ter sido formulado expressis verbis, ou seja, o pedido apresentado na petição pressupõe outro pedido que, por qualquer razão, o autor não exprimiu de forma nítida ou óbvia.”

E, na análise do mérito do Recurso o tribunal menciona:

(...) Como o princípio do pedido está ligado ao princípio do dispositivo – princípio este que constitui um dos princípios nucleares do processo civil e significa que as partes dispõem do processo e da relação jurídica nele controvertida – , algumas considerações se justificarão sobre este princípio

Se se nos afigura certo o acabado de enunciar, certo é, também, que no sistema processual civil nacional o princípio do dispositivo se encontra a par do princípio do contraditório, continuando ambos a ser princípios nucleares e fundamentais da lei adjectiva.

(...)

Esta posição foi ancorada “desde logo, no entendimento de um articulado processual, designadamente uma petição inicial, como configurando “[…] uma declaração de vontade tendente a obter determinado efeito jurídico, devendo ser interpretada segundo o critério estabelecido nos artigos 236º, nº 1 e 238º nº 1 do Código Civil […]”, acrescentando-se colher este entendimento algum respaldo no artigo 295º do CC, ao determinar a aplicação aos actos jurídicos que não se configurem como negócios jurídicos das disposições do Código Civil referentes a estes, designadamente das atinentes à interpretação e integração previstas nos ditos artigos 236º, nº 1 e 238º, nº 1, “na medida em que a analogia das situações o justifique”

Analisando o PPA e a Resposta às exceções, este Tribunal Arbitral conclui que a Requerente faz um pedido claro: pede a anulação das liquidações de CSR refletidas nas faturas, e o reembolso dos valores de CSR os quais só podem ser os atos de liquidação realizados pela AT ao sujeito passivo com a submissão das e-DICs.

A Requerente manteve, na resposta às exceções invocadas pela AT, que pretende a anulação dos atos tributários de liquidação da CSR refletidos nas faturas, e com base nessa anulação pretende que este Tribunal Arbitral declare o reembolso do montante CSR que alegadamente pagou, acrescido de juros indemnizatórios.

Considerando o disposto no artigo 2.º e) do CPPT, o Código de Processo Civil constitui direito subsidiário a de aplicação supletiva ao procedimento e processo judicial tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos.

Considera este Tribunal Arbitral que está limitado na sua decisão ao princípio do pedido, expressamente consagrado no artigo 609.º, n.º 1 do CPC, o qual é aplicável por disposição do artigo 29.º, n.º 1 e) do RJAT, e ainda por remissão do artigo 2.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 a) do RJAT.

Assim, este Tribunal não pode decidir sobre a validade dos atos de repercussão da CSR, cuja liquidação é realizada nas faturas emitidas pelos seus fornecedores de combustíveis, porque não lhe é feito esse pedido, conforme o artigo n.º 1 do CPC, ex vi artigo 29.º e) do RJAT e só da invalidade dessas liquidações poderia ser decretado o reembolso da CSR alegadamente paga pela Requerente.

Assim, este Tribunal Arbitral adere ao afirmado no mencionado Acórdão do STJ 22-09 -2022 quando refere:

“É certo que os juízes não devem ser extremamente formalistas na interpretação e aplicação dos princípios em que assenta o processo civil, sob pena de se perder a efectividade da justiça cível, que é absolutamente essencial nos tempos que correm. É que um processo que não seja efectivo é um processo amorfo, que nada resolve, que se perde em questiúnculas formais, muitas das vezes dessa forma remetendo para as calendas a resolução do litígio.

Mas também não podemos, simplesmente, pôr de lado aquela espécie de mandamento que recai sobre os juízes: «Não dês mais do que aquilo que te é pedido».”

 

  1. Do requerimento da AT anterior à constituição do Tribunal Arbitral

Em 02.02.2024, a Requerida apresentou Requerimento dirigido ao Exmo. Senhor Presidente do CAAD, no sentido de: «(…) informar que analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário. Identificação que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária. Tendo em conta, que: a) A competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT e como se depreende das referências expressas que se fazem na alínea a), do nº 1, do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT; Conforme dispõe expressamente a alínea b), do nº 2, do artigo 10º do RJAT, do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral; c) Sem a identificação, por parte dos interessados, do ato ou atos tributários, cuja ilegalidade é invocada, não pode o dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT. Solicita-se que seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação, à Autoridade Tributária e Aduaneira, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.»

Na mesma data, a Requerente foi notificada do despacho proferido pelo Senhor Presidente do CAAD no sentido de informar que «Com referência ao Processo em epígrafe e na sequência da comunicação da Autoridade Tributária envie-se a mesma ao Tribunal Arbitral a constituir, por ser esse o órgão competente para a sua apreciação. (…)»

Com referência ao requerimento da Requerida de 02.02.2024, a Requerente veio expor ao Tribunal, em 14.02.2024, que considera «(…) como cumprido o ónus de identificação formal (processual) dos atos tributários, devendo quaisquer questões materiais (de direito) ser relegadas para o Tribunal Arbitral a constituir, (cf. Despacho proferido em 2 de fevereiro de 2024), onde deverão ser acolhidos os argumentos vertidos pela Requerente em sede de pedido arbitral.).»

 

Na mesma data, as Partes foram notificadas do despacho proferido pelo Senhor Presidente do CAAD no sentido de determinar que: «(…) envie-se a mesma ao Tribunal Arbitral a constituir, por ser esse o órgão competente para a sua apreciação. (…)»

 

  1. Tramitação processual

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi efetuado no dia 26.01.2024 e aceite em 30.01.2024 pelo Presidente do CAAD e notificado à AT nos termos regulamentares.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do RJAT, o Conselho Deontológico, designou os árbitros do Tribunal Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a sua aceitação, nos termos legalmente previstos.

Em 14.03.2024, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea c), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Desta forma, o Tribunal Coletivo foi regularmente constituído em 03.04.2024, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.

Por despacho arbitral de 03.04.2023, foi cumprido o disposto no artigo 17.º do RJAT, tendo a Requerida sido notificada para apresentar a sua Resposta.

A 03.05.2024 a AT juntou aos autos o respetivo processo administrativo e apresentou a sua Resposta, em defesa da legalidade dos atos impugnados, concluindo pela improcedência do pedido arbitral, pela legalidade e manutenção dos mesmos na ordem jurídica.

Por Requerimento de 17.05.2024, a Requerente veio pronunciar-se quanto à matéria de exceção suscitada pela Requerida.

Por despacho de 16.09.2024 o Tribunal Arbitral, dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

  1. POSIÇÃO DAS PARTES
    1. Pedido da requerente

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra os atos tributários consubstanciados nas liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (‘CSR’) emitidas pela AT, o seguinte:

  1. Esclarece antecipadamente que a CSR constitui um verdadeiro imposto, sendo inquestionável a arbitrabilidade da decisão, no âmbito da qual é efetivamente apreciada a legalidade dos atos tributários contestados. Pretende assim que o Tribunal arbitral aprecie a legalidade dos atos de liquidação de CSR, os quais constituem o objeto mediato do presente pedido de constituição de tribunal arbitral, constituindo objeto imediato do mesmo a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão apresentado pela Requerente junto da Autoridade Tributária, com vista à declaração de ilegalidade dos referidos atos tributários.
  2. A Requerente é uma sociedade comercial que desenvolve a sua atividade na indústria do leite e derivados, dedicando-se, entre outros, à venda, comercialização e distribuição de produtos lácteos frescos.
  3. No âmbito da sua atividade, com referência aos anos de 2019 a 2022, a Requerente adquiriu aos fornecedores B..., S.A. (com o número único de matrícula e de identificação fiscal ... e sede na Rua ..., ..., ...-... Lisboa) e C..., LDA. (com o número único de matrícula e de identificação fiscal ... e sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa) produtos energéticos e petrolíferos, no montante total de € 1.564.257,04.
  4. Os referidos produtos energéticos e petrolíferos estiveram sujeitos a impostos e demais encargos dos quais se destaca a CSR, a qual foi repercutida à Requerente, no montante de
    € 128.068,38 no período em apreço.
  5. A repercussão (económica e jurídica) do encargo económico de CSR sobre a Requerente resulta não só da natureza e mecânica do tributo em apreço, mas também do reconhecimento expresso dos fornecedores anteriormente referidos de que o preço dos combustíveis vendidos à Requerente no período de 2019 a 2022 inclui a totalidade do valor correspondente à CSR.
  6. Salienta ainda que os atos tributários de CSR, consubstanciados nas correspondentes liquidações, se revelam em manifesta contradição com o Direito da União Europeia (o qual deve, entre nós, prevalecer sobre as disposições internas, conforme revemos).
  7. Sobre a identificação dos atos tributários, a Requerente clarifica que, o objeto imediato do presente pedido de constituição de tribunal arbitral constitui a anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, sendo o seu objeto mediato os atos tributários de CSR, estando suficientemente identificado, nomeadamente quanto aos elementos que a Requerente tem na sua posse, a saber: (i) ano em que a CSR foi suportada pela Requerente, (ii) número da fatura em que a CSR foi repercutida, (iii) fornecedor responsável pela referida repercussão e (iv) incidência objetiva da CRS (i.e., ao tipo e quantidade de combustível). Tais elementos são, no entender da Requerente, e face à ausência de pronúncia da Autoridade Tributária em sentido contrário – a qual não requereu quaisquer informações sobre os citados atos tributários de
    CSR – suficientes para cumprir os requisitos legais de identificação dos atos tributários cuja ilegalidade se pretende ver sindicada.

 

  1. Numa circunstância em que a Requerente identificou todos os elementos de que dispunha por referência aos atos tributários de CSR cuja ilegalidade requer, não poderá a Autoridade Tributária entender incumprido o ónus de identificação dos mesmos, apenas e só porque está em falta, por exemplo, o número da liquidação de CSR – informação de que a Requerente não dispõe (e a Autoridade Tributária dispõe!), porquanto está em causa um mecanismo de repercussão do imposto, sob pena de a Requerente se ver impossibilitada de contestar a legalidade dos atos tributários ora em crise e, consequentemente, de ser reembolsada do pagamento de um tributo manifestamente ilegal, por desconforme ao Direito da União Europeia – o que constitui uma conduta manifestamente desproporcional e violadora dos princípios da justiça (tributária), da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva, nos termos do artigo 2.º, n.º 2 do artigo 18.º e artigo 20.º da CRP.

 

 

  1. Considera ainda que é a própria lei que reconhece ao repercutido a legitimidade processual para reclamar das liquidações em crise.

 

  1. Encontram-se “em poder da administração tributária” e são corretamente identificados os elementos referentes às Declarações de Introdução no Consumo (DIC) submetidas no período correspondente àquela faturação e cuja identificação nesta sede é feita por referência ao disposto no n.º 2 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (‘LGT’).

 

 

  1. Relembra que foi através do Acórdão proferido do âmbito do processo n.º C-460/21, que o TJUE veio reconhecer a desconformidade da CSR com o direito comunitário, sendo consequentemente, um tributo ilegal, à luz do Direito da União Europeia. Foi também no seguimento da citada jurisprudência do TJUE que o legislador nacional entendeu extinguir a CSR, através da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro.

 

  1. Concluindo pela manifesta ilegalidade dos atos tributários de CSR ora em crise, não poderia a Autoridade Tributária ignorar o facto de que, à luz do princípio do primado – que configura um princípio fundamental do Direito da União Europeia.

 

 

  1. Neste âmbito, vem assim requerer que deve ser julgado provado e procedente o pedido arbitral e anulada a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão apresentado em 30 de junho de 2023, e anuladas as liquidações de CSR no valor de € 128.068,38, reembolsando-se a Requerente do montante pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal, desde a data de pagamento até efetivo e integral reembolso, tudo com as legais consequências.

 

  1. Posição da requerida - Resposta

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua Resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação, alegando, em síntese, o seguinte.

  1. Como ponto prévio, clarifica que a DIC e a fatura são dois documentos distintos. Pese embora estejam em causa, em ambos os documentos, impostos indiretos, na DIC está em causa um Imposto Especial ao Consumo (IEC), devido pela introdução no consumo de produtos petrolíferos, e na fatura um imposto aplicado às vendas ou prestações de serviços, o Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA), não existindo qualquer coincidência ou sequência temporal na emissão de ambos, nem sequer são emitidas obrigatoriamente pelo mesmo sujeito passivo. Ou seja, dois tipos de tributos com regimes diferenciados e por conseguinte dois tipos de documentos igualmente diferentes e sem uma qualquer relação jurídica.

 

  1. Sintetiza o enquadramento legal da CSR, sublinhando que a mesma é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), estando estes identificados no artigo 4.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC). Explica ainda que, os IEC, como o ISP, se tornam exigíveis, no momento da introdução no consumo, sendo esta operação formalizada através da DIC, processada por transmissão eletrónica de dados (e-DIC). Desta forma, só após a introdução no consumo e consequente liquidação das imposições, podem ainda existir vários intervenientes na cadeia de abastecimento/comercial até à chegada do produto ao consumidor final (grossistas, distribuidores, e outros revendedores, designadamente, postos de abastecimento). Feito este enquadramento factual alega ainda,

 

 

  1. POR EXCEÇÃO:
  1. Da incompetência do Tribunal em razão da matéria:

Tratando-se de uma contribuição e não de um imposto, as matérias sobre a CSR
encontram-se excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.
Neste sentido, a Requerida salienta várias decisões proferidas por tribunais a funcionar no CAAD, em particular, a respeitante ao Processo n.º 31/2023-T, na qual se conclui que não é abrangida pela vinculação da AT, a apreciação de litígios que tenham por objeto pretensões relativas à CSR.

Não se diga que é necessário discutir a natureza jurídica dos atos de repercussão de CSR, pois, como consta na decisão proferida no Processo arbitral n.º 332/2023-T, “(…) face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJA T, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJA T: "A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.".

Encontrando-se a CSR excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição, não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum.

Desta forma, estamos perante uma exceção dilatória nos termos dos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, al. a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa.

Sem conceder, a AT alega igualmente que a Requerente suscita a legalidade do regime da CSR, pretendendo, em rigor, a não aplicação de um diploma legislativo aprovado por Lei da Assembleia da República, decorrente do exercício da função legislativa. Resulta do teor do pedido de pronúncia arbitral, e sua fundamentação, que o que a Requerente suscita junto desta instância arbitral é a legalidade do regime da CSR, no seu todo.

Desta forma, considera que a presente ação visa suspender a eficácia de atos legislativos, sendo que, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação. Entende que não é da competência do tribunal arbitral, a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, nem a execução de sentenças/decisões.

Neste sentido, a Requerida identifica as decisões proferidas nos Processos n.º 212/2020-T, n.º 707/2019-T, n.º 131/2019-T e n.º 117/2021-T.

Ainda que se considerasse a competência do tribunal arbitral para a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação de ISP/CSR (que a Requerente não consegue identificar), nunca poderia o tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, e que para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto. Este é o entendimento que tem sido uniformemente defendido pela jurisprudência que se pronunciou sobre o tema, concretamente pelos Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas âmbito dos Processos n.ºs 296/2923-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T, 467/2923-T e 490/2023-T.

Pelo que, o presente pedido arbitral extravasa e excede a competência do tribunal arbitral em razão da matéria, o que consubstancia uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e nº 2 e 577.º, al. a) do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa.

  1. Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente

Igualmente sem conceder, a Requerida alega existir ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, entendendo que, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago. No âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do respetivo Código, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto. Apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.

Não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do Código dos IEC, não tem legitimidade nos termos supra, nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.

Esta situação contém, assim, duas relações jurídicas distintas: a relação jurídica tributária de direito público, pela qual o Estado é credor de uma certa quantia de um sujeito passivo, e a relação jurídica de direito privado, pela qual os adquirentes do combustível, na medida em que entendem ser repercutidos, podem vir a ter o direito de exigir uma certa quantia do sujeito passivo.

Conclui a Requerida que não pode a Requerente pedir à AT o reembolso de um tributo que nunca entregou ao Estado. A repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto, entendendo que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal. Neste sentido, são indicadas as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 296/2023- T, 375/2023, 408/2023-T, 452/2023-T e 467/2023-T.

Tal como ocorre nos designados impostos especiais sobre o consumo (como o ISP/ISPPE, IABA ou IT) o ónus da CSR é transferível, através do fenómeno financeiro da repercussão económica dos custos (todas as despesas que se repercutem no valor do produto ou serviço: matéria-prima, custos administrativos, impostos, despesas salariais, margem de lucro, etc.) que podem ser tidos em conta na política de definição dos preços de venda.

Salienta que a Requerente, enquanto sociedade comercial que desenvolve uma atividade com fins lucrativos, repassa, necessariamente na política de preços praticada, os gastos em que incorre, nomeadamente com a aquisição de combustíveis, por forma a concretizarem o objetivo lucrativo da sua atividade económica.

No caso concreto, não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica dos repercutidos económicos ou de facto, não podendo as entidades, em que alegadamente teria sido repercutido o imposto, apresentar pedidos de revisão ou de reembolso por erro. Ou seja, não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não têm legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.

Contrariamente ao pretendido pela Requerente, as faturas apresentadas não corporizam atos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente enquanto consumidor final. Só os sujeitos passivos de imposto que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago.

A Requerente não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis que adquiriu às suas fornecedoras, tem incluído o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem que suportou, a final, o encargo de tal tributo, isto é, que não o repassou no preço dos serviços praticados aos seus clientes, enquanto consumidores finais.

Salienta que nas faturas juntas aos autos apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspeto. Ademais, todas as faturas juntas aos autos, por si só, não fazem prova do alegado pagamento, pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes alegados pela Requerente.

De onde decorre a falta de legitimidade da Requerente. Nesse mesmo sentido, indica igualmente diferentes decisões de tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, nomeadamente as proferidas no âmbito dos processos n.os 296/2023-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T, 467/2023-T e 490/2023-T.

Igualmente, as declarações da B... S.A. e da C..., Lda., estas entidades limitam-se a declarar que repercutiram no preço a Contribuição de Serviço Rodoviário, sem identificar as DIC e as liquidações a montante, nem em que períodos, no caso em que diz ter atuado como sujeito passivo de ISP/CSR, o que permitiria a respetiva conexão aos atos tributários que constituem objeto desta ação arbitral;

Salienta ainda a Requerida que, a não se entender assim, a mesma poderia vir a ser sucessivamente condenada a pagar os mesmos montantes de CSR, mais do que uma vez, a todo e qualquer operador económico que tenha tido intervenção na cadeia comercial de combustíveis: desde o sujeito passivo de imposto, passando pelos grossistas, distribuidores, revendedores, e outros, até ao consumidor final, tenham ou não estes suportado os valores em causa.

Inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, carece a Requerente de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória nos termos dos artigos 576.º, nº 1 e n.º 2, 577.º, al. e) e 578.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância. Carece ainda a Requerente de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 576.º n.º 1 e n.º 3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido.

  1. Ineptidão da petição inicial – Da falta de objeto

Alega ainda a Requerida que se encontra verificada a ineptidão da petição inicial por a mesma conter deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade, determinando a nulidade de todo o processo e a absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.

Entende a AT que o presente PPA não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento/petição inicial, por violação do artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido.

A identificação do(s) ato(s) tributário(s) objeto do pedido é condição essencial para a aceitação do pedido de constituição do tribunal arbitral. O que não acontece, existindo apenas a identificação de faturas de aquisição de combustíveis aos fornecedores, sem a identificação dos atos tributários. A este respeito, a Requerida salienta o requerimento remetido ao Senhor Presidente do CAAD, antes da constituição do tribunal arbitral.

Desta forma, alega a AT que não lhe é possível estabelecer qualquer correspondência entre os atos de liquidação alegadamente praticados pelas suas fornecedoras e as faturas apresentadas pela Requerente. E tal impossibilidade não é passível de superação através de atuações processuais, como seja a recolha, consulta ou análise de elementos ao dispor da AT ou da realização por parte da AT de outras diligências instrutórias.

Argumenta que a Requerente não é sujeito passivo de ISP, nem efetuou qualquer introdução no consumo de produtos petrolíferos. Desta forma, entende que a Requerente alega, mas não concretiza, nem logra provar que efetuou qualquer pagamento a título de CSR. Nunca seria possível fazer qualquer correspondência entre as quantidades de produtos introduzidos no consumo e as quantidades de produto adquiridas pela Requerente às suas fornecedoras. Efetivamente, apenas os sujeitos da liquidação, isto é, apenas os sujeitos passivos que declararam os produtos para consumo e efetuaram o pagamento das imposições correspondentes, podem solicitar a revisão das liquidações/reembolso da CSR e do ISP junto da alfândega competente.

Alega ainda a AT que os produtos sobre os quais incide CSR são tributados de acordo com a respetiva unidade de tributação, i.e., no caso da gasolina e gasóleo, a unidade de tributação é de 1000 litros tendo em conta a temperatura de referência de 15º C (cf. artigo 91.º do Código dos IEC). Ou seja, aquando da DIC são consideradas as quantidades de acordo com a temperatura de referência a 15º C. Nas vendas subsequentes desses produtos, não é possível fazer tal conversão sendo consideradas as quantidades em função da temperatura observada no momento o que, obviamente, originará oscilações (regra geral, quantidades superiores, tendo em conta a temperatura média nacional). No limite, os litros vendidos e os correspondentes montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado serão, por isso, superiores aos montantes de CSR efetivamente liquidados e cobrados ao sujeito passivo (considerando a temperatura de referência a 15º C). Pelo que, o valor efetivamente cobrado pela AT poderá ser inferior ao montante que a Requerente pretende ver devolvido, de onde resulta imprescindível que a Requerente faça prova dos valores efetivamente pagos por si a título de CSR, como alega, demonstrando de que forma calculou o apuramento daqueles montantes, sendo que, os documentos juntos com o PPA não contêm uma descrição de valores faturados a título de CSR.

Ao não ser possível a identificação dos atos de liquidação, não é possível sindicar a respetiva legalidade, pelo que nunca poderia o tribunal determinar a respetiva anulação total ou parcial. Conclui a Requerida que esta situação de ineptidão da petição inicial (no caso, do pedido arbitral) não é passível de superação através de atuações processuais, como seja a recolha de elementos por parte da Requerida.

Considera assim que se mostra verificada a exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário, violando o requisito da al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b) e 278.º, nº 1, al. b), do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT, devendo, consequentemente, determinar-se a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância.

  1. Da caducidade do direito de ação

Alega ainda a caducidade do direito de ação, e consequente exceção dilatória nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.º1, 2 e 4 al. k), do CPTA, considerando que a falta de identificação dos atos de liquidação em discussão impede a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa da liquidação e de reembolso por alegado pagamento de valores a título de alegada repercussão económica da CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral formulado pela Requerente.

Tendo em conta que a Requerente pretende sindicar as aquisições no período compreendido entre 2019 e 2022, em 03.07.2023, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º 1, primeira parte da LGT. Razão pela qual a Requerente fundamenta o pedido de revisão oficiosa em erro imputável ao serviço, de modo a fazer valer-se do prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º nº 1, segunda parte da LGT. Entende a Requerida que, estando vinculada ao princípio da legalidade e tendo efetuado as liquidações em estrita observância dos normativos legais em vigor à data dos factos, não existe qualquer erro imputável aos serviços.

Argumenta ainda que, no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do CIEC, sendo pacífico que o regime específico aí previsto é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação. Desta forma, a acrescer ao facto de a Requerente não serem sujeitos passivos de ISP/CSR e ao facto de não lograrem provar o pagamento dos respetivos valores, em 03-07-2023, já teria terminado o prazo de 3 (três) anos previsto no nº 3 do artigo 15.º do CIEC para requerer o reembolso do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR, pelo menos no que se refere a todas as aquisições efetuadas pela Requerente em datas anteriores a 03-07-2020, conforme as faturas juntas aos autos, como “Anexos” ao pedido arbitral.

 

  1. Por Impugnação
  1. Defendendo-se igualmente por impugnação, alega a Requerida que, a prova de pagamento da CSR não é prova suficiente justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão desse tributo, com base em meros juízos presuntivos, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas.
  2. Não aceita e impugna, nessa medida, o vertido nos artigos 11.º, 12.º, 15.º, 44.º, 76.º, 77.º, 104.º e 121.º do pedido arbitral, colocando-se em causa e não se podendo dar como provada a alegada repercussão da CSR, devendo funcionar plenamente as regras do ónus da prova, não se dando como provados os alegados factos invocados no pedido arbitral, sendo que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque.
  3. Alega assim que os documentos juntos aos autos, em momento algum sustentam as afirmações da Requerente, designadamente que tenha pago e suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão. As faturas apresentadas não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes alegados pela Requerente. Acresce que, das faturas apresentadas apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas, qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspeto. Refere igualmente que as faturas apresentadas pela Requerente contêm uma parcela com a designação “desconto”, sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, o que contribui para a falta de rigor e, por si só, suscita dúvidas quanto a própria presunção da repercussão da CSR, pelo menos no que se refere ao seu quantum.
  4. Considera, assim, que nenhum dos elementos de prova apresentados, sustentam qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nomeadamente que o valor pago pelos combustíveis que a Requerente adquiriu, tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem constitui prova bastante quanto aos valores alegadamente pagos/suportados a título de CSR, o que deve ser devidamente valorado em termos de prova, sendo certo que impendia sobre a Requerente o ónus de tal prova. Tal como impendia sobre a Requerente o ónus de provar que o preço dos serviços prestados aos seus clientes, não comportou, a jusante, a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo daquele tributo.
  5. Sendo que a prova de pagamento da CSR é um facto positivo e não é prova suficiente justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão desse tributo, assente em meros juízos presuntivos, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas.
  6. Entende ainda que não se poderá exigir à Requerida que faça prova da não repercussão, isto é, de um facto negativo, o que configuraria a exigência de uma prova ‘diabólica’, sem que se mostrem respeitadas as regras do ónus da prova. 
  7. Por último, e no que respeita ao pagamento de juros indemnizatórios, defende a AT que sendo seguida a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (Acórdãos de 28/01/2015, no Processo n.º 0722/14, de 11/12/2019, no Processo n.º 058/19.9BALSB, de 20/05/2020, no Processo n.º 05/19.8BALSB, de 26/05/2022, no Proc. n.º 159/21.3BALSB), entende-se que os juros indemnizatórios só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto. No mesmo sentido, identificam-se as decisões proferidas nos Processos n.º 296/2020-T, 18/2021-T, 785/2020-T e 271/2021-T (todos referentes a tribunais a funcionar no CAAD).
  8. Nestes termos, dado que no caso concreto o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 03-07-2023, só haveria lugar, em sintonia com a jurisprudência citada, ao pagamento de juros indemnizatórios um ano após a apresentação daquele pedido, face ao estabelecido na alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT, no caso de ser procedente o pedido, o que apenas para efeitos de raciocínio se concede.
  9. Face a todo o exposto, conclui que o Tribunal arbitral deverá decidir no sentido da improcedência do pedido de anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, bem como da anulação parcial da(s) liquidação(ões) de ISP/CSR, não havendo, consequentemente, lugar ao reembolso da CSR alegadamente repercutida, nem ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. A posição da Requerente na resposta às exceções

A Requerente veio pronunciar-se quanto à matéria de exceção suscitada pela Requerida, entendendo fundamentalmente que:

  1. A respeito da competência do Tribunal, entende que deverá este Tribunal Arbitral acompanhar a jurisprudência e doutrina maioritárias, configurando a CSR como um imposto sobre o consumo de combustíveis e não como uma contribuição financeira - sendo por isso plenamente competente para apreciar o presente litígio. Trata-se verdadeiro imposto com repercussão legal.
  2. Sendo inegável que a Requerente pretende a declaração da ilegalidade e consequente anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 30 de junho de 2023 (objeto imediato da presente ação) e, consequentemente, dos atos de liquidação de CSR dos anos de 2019 a 2022 (objeto mediato da presente ação), em momento algum, pretendeu a Requerente “suspender a eficácia de atos legislativos”.
  3. Em conformidade, defende que não se pretende a anulação de atos de repercussão, mas sim de atos tributários cujo quantum de imposto foi repercutido à Requerente, adquirindo esta, plena legitimidade para peticionar o reembolso de quantias indevidamente pagas.
  4. Reitera que é parte legítima numa ação, quem tem interesse direto em demandar, ou seja, quem poderá retirar qualquer utilidade da procedência de uma concreta ação. Sustenta assim na própria lei é a própria lei que reconhece ao repercutido a legitimidade processual para reclamar das liquidações em crise. tendo concluído pela configuração da CSR como um
  5. Considera que a AT ignora que a Requerente é consumidora final dos produtos energéticos e petrolíferos ora em causa, não comercializando este tipo de produtos (o que é do pleno conhecimento da Autoridade Tributária e Aduaneira!), os quais são apenas usados para o exercício da sua atividade, não sendo os custos repercutidos aos seus Clientes
  6. No que respeita à prova da repercussão, salienta que trouxe aos presentes autos todos os elementos que tinha ao seu dispor, incluindo: a) as faturas que demonstram que a Requerente procedeu ao pagamento de montantes devidos pelo fornecimento de produtos energéticos e petrolíferos; b) as entidades fornecedoras dos referidos produtos energéticos e petrolíferos declararam expressamente que repercutiram, nos montantes pagos, a CRS, cuja prova ora foi efetuada e deverá ser valorada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 376.º do Código Civil; sendo a própria lei - refletindo aquela que é a prática do mercado – que estabelece que os operadores económicos deverão repercutir a CSR no âmbito dos montantes devidos pelo fornecimento de produtos energéticos e petrolíferos.
  7. Questiona ainda do ponto de vista material, como pode a AT alegar que não ficou provado que a CSR foi repercutida à Requerente (cf. os artigos 111.º e 112.º da resposta apresentada), quando são os próprios operadores que defendem que “foi por si integralmente repercutida [a CSR] na esfera da referida empresa [Requerente]”?
  8. Com respeito à alegada ineptidão da petição inicial, a Requerente julga ter sido clara e cabal na identificação (possível!) dos atos objeto do presente pedido: a anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa - objeto imediato da presente ação - apresentado contra os atos tributários consubstanciados nas liquidações de CSR emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e refletidas nas faturas identificadas e que totalizam um montante de contribuição paga de € 128.068,38 - objeto mediato da presente ação. Desta feita, numa circunstância em que a Requerente identificou todos os elementos de que dispunha por referência aos atos tributários de CSR cuja ilegalidade requer, não poderá a Autoridade Tributária e Aduaneira entender incumprido o ónus de identificação dos mesmos, apenas e só porque está em falta, por exemplo, o número da liquidação de CSR – informação de que a Requerente não dispõe (e a Autoridade Tributária e Aduaneira dispõe!), porquanto está em causa um mecanismo de repercussão do imposto.
  9. Por último, e a respeito da caducidade do direito de ação, a Requerente reitera o seu entendimento de que deverá considerar-se como tempestiva, quer o pedido arbitral, quer o pedido de revisão oficiosa apresentado previamente.
  10. Com respeito ao prazo de quatro anos para apresentação de pedido de revisão oficiosa, reafirma que o conceito de “erro imputável aos serviços” abrange também um erro de direito, ainda que relacionado com disposições comunitárias. Afasta ainda o prazo de 3 (três) anos no artigo 15.º, n.º 3 do Código dos IEC, clarificando que são distintas as finalidades de ambos os institutos procedimentais.
  1. SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído e as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.

Tendo em consideração a matéria de exceção suscitada pela Requerida (da incompetência do Tribunal em razão da matéria, da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, da caducidade do direito de ação, da ineptidão da petição inicial por falta de objeto), importa apreciar, preliminarmente, estas matérias para efeitos de saneamento do processo, começando pela da incompetência do Tribunal Arbitral, que é de conhecimento prioritário (artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT). Neste âmbito, vide análise das mesmas no ponto 5 desta decisão.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO
    1. Factos provados

Para a decisão da causa submetida à apreciação do Tribunal, cumpre atender aos seguintes factos que se julgam provados:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial, não sendo um operador económico detentor do estatuto IEC de destinatário registado, concedido ao abrigo e nos termos do regime previsto no Código dos IEC - facto não controvertido;
  2. Entre 2019 e 2022, a Requerente adquiriu, sem que tal fosse controvertido, gasóleo às empresas fornecedoras de combustíveis identificadas – B..., S.A. (com o número único de matrícula e de identificação fiscal ... e sede na Rua ..., ..., ...-... Lisboa) e C..., LDA. (com o número único de matrícula e de identificação fiscal ... e sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa - no montante total de € 1.564.257,04; (cfr. cópia das faturas anexas ao PPA).
  3. A C... vendeu à Requerente 14.994 litros de gasóleo rodoviário que adquiriu como sujeito passivo de CSR e 1.039.912 litros de gasóleo rodoviário que adquiriu não como sujeito passivo; (cfr. doc. 5 junto com o PPA).
  4. Alegando a Requerente ter-lhe sido integralmente repercutido a CSR, o que estaria comprovado através das faturas emitidas pelas fornecedoras de combustíveis, bem como nas declarações das empresas fornecedoras de combustíveis identificadas, cf. Documento n.º 4 e Documento n.º 5,
  5. A Requerente apresentou a 30 de junho de 2023 e com data de entrega a 3 de julho de 2023, um pedido de revisão oficiosa com vista à anulação das referidas liquidações de CSR, e dos consequentes atos de repercussão, no valor global de € 128.068,38 (cento e vinte e oito mil e sessenta e oito euros e trinta e oito cêntimos) – cf. cópia do pedido entregue na Alfândega do Jardim do Tabaco;
  6. A AT não emitiu decisão quanto ao pedido de revisão oficiosa no prazo legalmente cominado para o efeito – facto não controvertido;
  7. O pedido de pronúncia arbitral efetuado no dia 26.01.2024 e aceite em 30.01.2024.

 

  1. Factos não provados

O Tribunal Arbitral considera como não provados os seguintes factos:

  1. As fornecedoras de combustíveis da Requerente tenham pago o imposto apurado nos atos de liquidação CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas e-DICs por aquela submetidas.
  2. Com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou a título de CSR, a quantia global de € de € 128.068,38 (cento e vinte e oito mil e sessenta e oito euros e trinta e oito cêntimos).

 

  1. Motivação da decisão da matéria de facto

O Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e com relevância para a decisão – cf. n.º 2, do art.º 123.º do CPPT e n.º 3 do art.º 607.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi al. a) e e) do n.º 1, do art. 29.º do RJAT.

A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada, para além do reconhecimento de factos não controvertidos pelas partes, resultou da análise crítica dos documentos juntos aos autos com o pedido de pronúncia arbitral, da resposta da Requerida e dos demais documentos juntos e constantes do processo, como indicado em relação a cada facto julgado provado.

Junta ainda declarações emitidas pelos fornecedores de combustíveis aqui identificados (B..., S.A., e C..., LDA.), sem que tal possa atestar o seu conteúdo. Sendo estes documentos passíveis de livre apreciação pelo tribunal, entende-se que os mesmos não têm suficiente valor probatório material quanto ao efetivo pagamento da CSR e efetiva repercussão do imposto relativamente a cada uma das aquisições realizadas. Refere-se neste sentido o entendimento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ)[2] (Acórdão de 23.11.2005, prolatado no Processo 05B3318), segundo o qual, «(…) apesar de demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta necessariamente que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, que o mesmo é dizer que daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos. É que "a força ou eficácia probatória plena atribuída pelo nº 1 do art. 376º do C.Civil às declarações documentadas limita-se à materialidade, isto é, à existência dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas" (6) . Na verdade, mesmo que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reporta-se tão só às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondiam à realidade dos respectivos factos materiais. (7) E, sobretudo, não se exclui a possibilidade de o seu autor demonstrar a inveracidade daqueles factos por qualquer meio de prova, uma vez que "embora um documento prove as declarações das partes, deve poder provar-se que elas não correspondem à verdade".» [nosso sublinhado].

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

A Requerida na Resposta invoca várias exceções e, a proceder alguma, obstará ao conhecimento do pedido e que, por isso, são de decisão prévia.

Considerando o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT há que iniciar por determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, sendo que o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.

 

  1. Exceção da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria

Estando em causa o âmbito de competência dos Tribunais arbitrais do CAAD previsto no artigo 2.º do RJAT, o qual abrange (al. a) do seu n.º 1) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;” e no proémio do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, no qual se estabelece tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”, tem sido objeto de discussão se as pretensões referentes a “contribuições” podem ser objeto de apreciação pelos tribunais arbitrais que funcionem no CAAD.

Suscita assim a Requerida a incompetência do Tribunal fundamentando com a respetiva vinculação à apreciação de impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza como as contribuições, manifestando a Requerente a sua integral discordância, nos termos já descritos.

Salienta este Tribunal que a presente questão foi várias vezes objeto de análise e pronúncia por tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, referindo-se, a este respeito, a decisão prolatada no processo n.º 409/2023-T, onde se pôde concluir pela competência dos Tribunais arbitrais do CAAD, por se considerar que a CSR consubstancia um imposto (mal) disfarçado de contribuição.

Pode ler-se na referida decisão que: «Como se escreveu no Sumário da decisão do processo
n.º 629/2021-T, “
Uma parcela de um imposto especial de consumo não deixa de ser um imposto especial de consumo por o legislador lhe atribuir uma narrativa (de resto oscilante entre a compensação de custos e a contrapartida de benefícios) e lhe providenciar uma consignação orgânica (mormente se a entidade que dela beneficia deixa de ter como função única providenciar a suposta contrapartida que justificaria a alteração de género).

Nessa decisão, os argumentos usados para caracterizar a CSR como imposto foram essencialmente os seguintes (negritos no original, notas suprimidas): - histórico:

“A Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (“Regula o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E.”) criou a CSR por desdobramento do ISP – que é, indiscutivelmente, um imposto especial de consumo. Como se escrevia no artigo 7.º dessa lei, sob a epígrafe “Fixação das taxas do ISP”,

“As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário.”(…) a única diferença entre os € 525,1 milhões que o ISP perdeu e os € 525,1 milhões que a CSR ganhou em 2008 residiu na alteração da sua designação e na sua afectação. Enquanto imposto especial de consumo louvava-se na cobertura de um custo: os custos ambientais que o preço dos combustíveis não internalizavam (uma externalidade). A partir do momento em que uma parte – arbitrária – da receita gerada pelo ISP passou a ter a designação de CSR, passou (parece – mas contra o já referido pelo legislador) a louvar-se no benefício proporcionado aos causadores do custo.”.

- conceptual:

Procurando identificar os critérios de distinção das taxas, das contribuições financeiras, das contribuições especiais e dos impostos, a A. (Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013) recorre, para a delimitação dos contornos das contribuições financeiras, aos critérios desenvolvidos pelo Tribunal Constitucional Alemão:

“1) incidir sobre um grupo homogéneo; 2) manter uma proximidade com a obrigação tributária e as suas finalidades; 3) corresponder a uma relação encargo/benefício capaz de demonstrar que as receitas geradas são fruídas pelos membros do grupo” (p. 91).”

(…)

a CSR apresenta diferenças muito significativas em relação ao comum das contribuições financeiras, sejam elas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas” de regulação ou as “grandes contribuições” que foram surgindo a título transitório e se vão mantendo (Contribuição sobre o Sector Bancário, Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético - CESE, Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, …).

Em primeiro lugar, nessas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições”, o sujeito passivo é o contribuinte (na CESE há mesmo uma proibição da sua repercussão), enquanto que na CSR um e outro são diferentes: o sujeito passivo (quem tem de entregar o imposto ao Fisco) é o introdutor dos produtos no mercado e o contribuinte (quem tem de suportar a exacção fiscal) é o adquirente dos combustíveis (incluindo, como a já citada jurisprudência arbitral evidencia, adquirentes de combustíveis que nada têm a ver com a utilização das estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal).

Em segundo lugar, o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas colectivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária. (…)

Em terceiro lugar, enquanto nas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições” é a pertença ao grupo que permite de imediato a identificação do devedor – sendo a indução de um custo ou a obtenção de um benefício presumida a partir dessa inclusão nelena CSR não há nenhum grupo prévio a que se possa imputar o pagamento: é porque se paga a CSR que se supõe que se integra o grupo. (…)

Em quarto lugar, o princípio da equivalência – a que se recorre para conferir unidade de sentido às contribuições financeiras, equiparando-se o pagamento feito à repartição, tendencialmente idêntica (ou, pelo menos, com base em características dadas e estáveis), dos custos especificamente gerados pelo grupo homogéneo (ou dos benefícios auferidos pelo grupo homogéneo, como nas “taxas” das autoridades reguladoras, ou, forçando mais ou menos a nota, nas tais “grandes contribuições”) – assume na CSR uma ligação a um índice variável: o do consumo dos “grandes combustíveis rodoviários”. Com a agravante de o presumido benefício não ter uma relação directa com esse índice variável: por um lado, as vias da Rede Rodoviária Nacional (que foram concessionadas, em 2007, à EP - Estradas de Portugal, E.P.E.) não são a totalidade das estradas nacionais (além das auto-estradas concessionadas, e da rede municipal – urbana e rural –, o Plano Rodoviário Nacional prevê a transferência para as autarquias das estradas que não estejam nele incluídas). Noutras palavras: a utilidade proporcionada pela circulação nas estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal não é segmentável da que é proporcionada pelas demais; por outro lado, uma fracção crescente dos utilizadores dessa sub-parcela das vias de circulação automóvel – a rede rodoviária nacional – não fica sujeita a essa “contribuição”: o dos utilizadores dela com veículos eléctricos ou velocípedes. (…)

Em quinto lugar, e não obstante – como já referido – não ser bom critério determinar a natureza de um tributo a partir da sua consignação material ou orgânica, certo é que a EP - Estradas de Portugal, E.P.E. só gastava o dinheiro em estradas (e no mais necessário a poder fazê-lo, incluindo as suas despesas correntes), mas, com a fusão, em 2015, com a Rede Ferroviária Nacional - REFER E.P.E. para dar origem à Infraestruturas de Portugal, isso deixou de ser assim.”

            E, em termos de índices da natureza da CSR[3],

- doutrinal:

“- na recolha de Casalta Nabais Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 42-43, refere-se, a propósito da CSR (e de outras figuras aí referidas), “estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efectivos impostos, muito embora dada a titularidade activa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal.”. Como o A. escreve em Direito Fiscal, 11.ª ed, Almedina, Coimbra, 2021, pp. 53-54, “o critério para a distinção entre os tipos de tributos [reporta-se] exclusivamente à estrutura da relação tributária, ao tipo de relação que se estabelece entre os respetivos sujeito ativo e passivo, e não à titularidade activa dessa relação (…) É, pois, a estrutura bilateral da relação jurídica, em que assentam tanto as taxas como as contribuições financeiras, que revela a natureza comutativa destes tributos, os quais, porque concretizam uma efectiva troca de utilidades económicas, têm por base […] uma legitimidade económica. / O que vale também relativamente à titularidade da receita dos tributos. De facto, esta titularidade, até porque está para além da relação tributária integrando [-se …] numa relação financeira a constituir-se a jusante da relação tributária, nada pode dizer sobre o tipo de tributo.” (destaques aditados).”

(…).»

O Tribunal recorreu ainda ao elemento jurisprudencial, indicando então que, “apenas DUAS das 19 decisões do CAAD que a Requerente invoca (na sua Resposta às excepções) para afirmar que tais tribunais arbitrais têm aceite a sua jurisdição sobre a CSR o poderiam substanciar (as dos processos n.os 483/2014-T e 147/2015-T8, que autonomizaram o seu tratamento), sendo as demais resultantes da consideração indiferenciada da CSR com o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP).

O mesmo se diga para a jurisprudência dos Tribunais superiores, ainda que estes não tenham de cuidar da delimitação da sua competência em função da natureza do tributo, e se não conheçam decisões suas sobre a CSR.

Também não é indiferente que o Tribunal de Contas, a pp. 90 do seu Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2008 (https://erario.tcontas.pt/pt/actos/parecer-cge/2008/pcge2008-v1.pdf  ), tenha considerado o seguinte:

“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.”

Conclui o Tribunal, com o qual se concorda, que «Evidentemente, sendo a CSR um imposto, a questão da competência do presente Tribunal deixa de ser controvertida, e fica prejudicada a indagação de saber se as questões relativas às contribuições se incluem no âmbito da jurisdição dos Tribunais arbitrais do CAAD – e, ou, no da vinculação da AT à sua jurisdição.»

Neste mesmo sentido, remete-se ainda para a decisão prolatada no Processo n.º 534/2023-T, quando recorda que «(…) no processo arbitral que motivou o pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça (Processo n.º 564/2020-T, de 30-03-2022), o Tribunal qualificou a CSR como um imposto, formulando as questões prejudiciais com base nesse pressuposto.

6.46. Afigura-se que na decisão em que culminou esse pedido de reenvio (o Despacho do Tribunal de Justiça de 07-02-2022 Vapo Atlantic, processo C-460/21), o Tribunal de Justiça, para além de não colocar em causa essa qualificação, assume, para efeitos do artigo 1 da Diretiva 2008/118, um conceito funcional ou autónomo de imposto indireto. Tal conceito abrange quaisquer “imposições” indiretas que, pelas suas caraterísticas estruturais e teleológicas, não tenham um “motivo específico” na aceção da diretiva e possam, por conseguinte, privar o imposto especial de consumo harmonizado (no caso português, o ISP) de “todo o efeito útil”.

6.47. Dito de outro modo, para o Tribunal de Justiça, o tributo instituído pela lei portuguesa – e que este designou por “contribuição” – constitui um imposto porquanto, em virtude do desenho escolhido pelo legislador português, representa uma imposição indireta sem motivo específico e como tal suceptível de frustrar os desideratos de harmonização positiva subjacentes à Diretiva 2008/118.

Assim, sendo a CSR um imposto, conclui-se pela competência do Tribunal, concordando-se nesta matéria com a posição assumida nas decisões prolatadas nos processos n.º 790/2023-T, n.º 534/2023-T, na qual se remete para o igual sentido da posição assumida nos processos n.º 113/2023-T, 410/2023-T e 1061/2023-T.

Em face do que acima se expõe, improcede a alegada exceção da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida.

 

  1. Exceção da incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria

Conforme inicialmente analisado e conformado pelo presente Tribunal, os atos impugnados são os atos de liquidação da CSR, a qual, entende-se, terá sido alegadamente suportada, através do pagamento das faturas apresentadas. Sendo aqui contestados os atos de liquidação da CSR, conforme clarifica a Requerente no exercício do contraditório perante as exceções, “(…) o que a Requerente pretende é a anulação dos atos tributários de CSR, melhor identificados nos presentes autos (questão de competência), agindo esta na qualidade de repercutida (questão de legitimidade). 25. Por outras palavras, não se pretende a anulação de atos de repercussão, mas sim de atos tributários cujo quantum de imposto foi repercutido à Requerente, adquirindo esta, como veremos, plena legitimidade para peticionar o reembolso de quantias indevidamente pagas.

Reconhece-se o presente Tribunal Arbitral competente para apreciar o pedido formulado pela Requerente, de declaração de ilegalidade das liquidações de CSR dirigida às sociedades fornecedoras de combustível identificadas nos autos, porque entende ser subsumível ao âmbito material previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT. Em face do que se refere, entende este Tribunal que improcede a alegada exceção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida.

Saber se tal impugnação pode ser feita pela Requerente, na qualidade de (alegada) repercutida, ou apenas pela – B..., S.A. e C..., LDA., enquanto sujeitos passivos a quem foi (alegadamente) liquidada e por quem foi (alegadamente) paga a CSR, é uma questão que não releva para efeitos de determinação de competência, mas tão só para efeitos de apuramento de legitimidade, pelo que será nessa sede autonomamente apreciada.

5.3. Legitimidade processual e substantiva da Requerente

Considera a Requerida que apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR, possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago. Conclui a Requerida que não pode a Requerente pedir à AT o reembolso de um tributo que nunca entregou ao Estado. A repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto, entendendo que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal. Tal como ocorre nos designados impostos especiais sobre o consumo (como o ISP/ISPPE, IABA ou IT) o ónus da CSR é transferível, através do fenómeno financeiro da repercussão económica dos custos.

Opondo-se ao referido entendimento, a Requerente conclui que improcede igualmente esta exceção.

Sendo esta uma questão já igualmente discutida por diversos Tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, acompanha este tribunal o entendimento exposto na decisão prolatada no Processo n.º 1061/2023-T: “O RJAT é omisso quanto à regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso nos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD.

Temos de procurar a resposta nas normas de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

Do artigo 9.º, n.º 1 do CPTA resulta que: “Sem prejuízo do disposto no número seguinte e no capítulo II do título II, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”.

E, determina o artigo 30.º do CPC: “1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer;

2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.

3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.

Assim, a legitimidade processual é definida nestas normas, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por referência à relação material controvertida que no caso dos Tribunais Arbitrais a funcionar no CAAD, terá na sua génese um ato tributário. O sujeito passivo dessa relação jurídica tem de se enquadrar no artigo 18.º, n.º 3 da LGT.

A LGT no artigo 1.º, n.º 2 estabelece que “Para efeitos da presente lei, consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas”.

No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento tributário, a LGT determina no artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.” E o artigo 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.

Por seu lado, o artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007 estipula: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações”.

Consideramos que o legislador se limitou a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma. O referido artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007, remete para o CIEC no que concerne às normas que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.

Entendemos que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, a legitimidade, neste caso, só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT). [nosso sublinhado]

Neste sentido é de referir a decisão arbitral, de 01-02-2024, proferida no Processo n.º 296/2023-T e Acórdão do STA de 28-10-2020, proferido no Proc. 0581/17.BEALM, nos termos da qual se refere “(...). V - “A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)”.

Por seu lado, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, 3.ª edição, VISLIS Editores, 2003, pág. 121, afirmam: “A exclusão do terceiro repercutido do âmbito de sujeitos passivos tem larga consagração na doutrina (vd., DIOGO LEITE DE CAMPOS e MÓNICA HORTA NEVES LEITE DE CAMPOS, ob. Cit., 2.ª ed. Coimbra, 2000, Parte II, A obrigação tributária) entre ele repercutido e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”

A legitimidade para requerer o reembolso do ISP e, inerentemente, da CSR pertence aos sujeitos passivos do imposto enunciados no n.º 1 e no n.º 1 a) do artigo 4.º do CIEC, ou seja, os operadores que introduzem no consumo os bens sujeitos a IEC e CSR, em virtude da remissão do n.º 1 do artigo 5.º da Lei nº 55/2007, com exclusão dos repercutidos.” (nosso sublinhado).

A liquidação de CSR é realizada através do Documento de Introdução ao Consumo (e-DIC), que contem todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável, ou seja, é o documento que suporta as quantidades de produtos declaradas para consumo bem como a liquidação do imposto correspondente, o qual a Requerente pretende a sua anulação.

A Requerente não apresenta as DICs correspondentes ao combustível que adquiririu e junta ao pedido arbitral mapas em excel com as listagens das faturas, e as faturas.

As faturas não fazem prova do alegado pagamento, pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes por si alegados.

Uma fatura é documento fiscalmente relevante, que consubstancia um “documento em papel ou em formato eletrónico que: i) Contenha os elementos referidos nos artigos 36.º ou 40.º do Código do IVA, incluindo a fatura, a fatura simplificada e a fatura-recibo; ii) Constitua um documento retificativo de fatura nos termos legais; cfr artigo 2.º, c) do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro.

Das alegadas faturas mencionadas não se pode considerar que delas resultaria qualquer ato imputável à AT, quer tributário, quer administrativo em matéria tributária. Por definição uma fatura é um documento que deve ser emitido pelo fornecedor ou prestador de serviços, sempre esteja em causa a prestação de um serviço ou aquisição de um bem ou prestação de um serviço sujeito a IVA e da DIC resulta um ato tributário stricto sensu, a liquidação de CSR da competência da AT e que é impugnável nos termos do artigo 51.º do CPTA.

Na DIC está em causa um Imposto Especial ao Consumo (IEC), o qual é devido pela introdução no consumo de produtos petrolíferos.

As entidades que introduzem os combustíveis no consumo e que estejam registadas como tal, são os sujeitos passivos da CSR e têm a posição de entidades obrigadas a proceder ao pagamento ao Estado, não a Requerente. E, com base nas faturas juntas com o PPA, não é possível comprovar qual a entidade que procedeu à introdução no consumo, se submeteu as DICs respetivas, se procederam ou não a esse pagamento porque não é junto qualquer documento que se possa considerar como prova desse pagamento.

E, das faturas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas quaisquer referências a montantes pagos a título de ISP ou CSR, (estando a € 0,00 o campo das faturas referentes a ISP/Outras contribuições) pelo que não permitem provar quaisquer pagamentos ao Estado do ISP/CSR, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (e-DIC).

De salientar que impostos especiais sobre o consumo (IECs) são impostos monofásicos e o facto tributário ocorre apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.

O regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação, como resulta do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007.

Como ocorre no âmbito dos IEC, e em outros tipos de impostos, as disposições especiais previstas nos respetivos códigos prevalecem sobre as normas gerais previstas na LGT e no CPPT.

Apenas a entidade que introduziu no consumo os combustíveis e apresentou nas Alfândegas as DICs, o sujeito passivo de ISP/CSR, teria legitimidade para solicitar à AT o reembolso da CSR, (artigos 15.º e 16.º do CIEC), não a Requerente.”

Pelo exposto, considera-se que a Requerente não tem legitimidade processual para questionar os atos de liquidação da CSR praticados pela AT com base nas DIC submetidas pelos sujeitos passivos que introduziram no consumo os combustíveis, na medida em que, no âmbito dos impostos especiais de consumo apenas a entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR, tem legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações e consequente reembolso do montante correspondente (cf. artigo 16.º do Código dos IEC).

Pelo que acima se expõe, considera-se verificada a exceção dilatória de ilegitimidade da Requerente relativamente ao pedido de apreciação da legalidade dos atos de liquidação de CSR, o que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, da alínea a) do n.º 1 do artigo 55.º e do artigo 89.º, nºs 2 e 4 e) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

 

  1. DECISÃO
  1. Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos liquidação de CSR;
  2. Julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade da Requerente quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR;
  3. Não tomar conhecimento do pedido de reembolso do CSR e de pagamento de juros indemnizatórios.
  1. Em consequência, absolver a AT da instância, condenando a Requerente nas custas.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

Nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), é fixado ao processo o valor € 128.068,38 (cento e vinte e oito mil e sessenta e oito euros e trinta e oito cêntimos).

 

  1. CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), cujo pagamento fica a cargo da Requerente.

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de outubro de 2024

 

Os Árbitros

 

 

________________

(Regina de Almeida Monteiro - Presidente)

 

_________________

(António Lima Guerreiro – Adjunto – com declaração de voto)

 

 

_________________

(Ana Rita Chacim - Adjunta e Relatora, com declaração de voto)

 

Declaração de Voto

Com o devido respeito, que saliento, acompanho a decisão de improcedência do pedido arbitral, embora com uma fundamentação diversa. Em concreto, discordo da decisão ao julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, pelas razões que sucintamente explico.

  1. Sobre a legitimidade processual ativa da Requerente, aqui repercutida, entendo que a exceção dilatória deve igualmente improceder, concordando aqui com o entendimento exposto sobre esta questão nas decisões prolatadas (designadamente) nos processos n.º 113/2023-T e 676/2023-T. Refere este último que «(…) o artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, que cria a Contribuição de Serviço Rodoviário, apenas remete para o CIEC o procedimento de liquidação e cobrança do imposto, remissão que igualmente é efetuada para a LGT e o CPPT, significando que, nesse âmbito, haverá de ter-se em consideração as disposições conjugadas do CIEC e da demais legislação tributária aplicável. Por outro lado, o regime específico previsto nos artigos 15.º e seguintes do CIEC abrange o reembolso com fundamento em erro na liquidação ou em caso de expedição ou exportação, ao passo que o que está em causa no presente processo arbitral não é um qualquer pedido de reembolso, mas a declaração de ilegalidade dos atos tributários de repercussão do imposto por violação do direito europeu. E, nesses termos, a questão da legitimidade ativa terá de ser analisada à luz das regras processuais aplicáveis, e não do regime específico do reembolso do imposto que consta das citadas disposições do CIEC.

Importa aqui atender à análise conjugada do disposto nos artigos 18.º, n.º 4, alínea a), 2.ª parte, da Lei Geral Tributária (LGT): «Não é sujeito passivo quem: a) suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias;» em articulação com o artigo 54.º, n.º 2, da LGT, segundo o qual, «As garantias dos contribuintes previstas no presente capítulo aplicam-se também à autoliquidação, retenção na fonte ou repercussão legal a terceiros da dívida tributária, na parte não incompatível com a natureza destas figuras.» Neste mesmo sentido, o artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, vem consagrar uma abrangência alargada no que concerne à determinação de legitimidade no procedimento tributário, definindo que «Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido». Neste sentido,
refere-se ainda o disposto no artigo 65.º da LGT que, sob a epígrafe “Contribuintes e outros interessados”, vem estabelecer que «Têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.» Entendo assim que, aquele que suporta o ónus financeiro do tributo (CSR), terá sempre “interesse legítimo” em contestar o impacto (decréscimo) patrimonial ilegal em que incorre enquanto repercutido do mesmo. Não existindo dúvidas sobre o sentido da decisão do TJUE quanto à desconformidade da CSR para com o direito da União Europeia, impõe-se ao Estado assegurar a eficácia do direito da União Europeia, garantindo-se o cumprimento do direito à tutela jurisdicional efetiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos (cf. art. 268.º, n.º 4, da CRP).

Segundo entendo, decorre do quadro legal identificado, que o repercutido legal ainda integra a relação jurídica tributária num sentido amplo, no qual se integram os contribuintes de facto, pagadores das faturas de aquisição de combustível, afastando-me assim da formulação adotada na posição que logrou vencimento. Desta forma, o mecanismo de repercussão legal e económica da CSR não pode determinar, por si, uma mera relação de Direito Privado, geradora de uma consequente ilegitimidade processual passiva do contribuinte pagador de facto.

  1. Na análise da matéria em questão, entendo que a repercussão fiscal da CSR constitui um facto positivo, pelo que o ónus da prova impende sobre quem o invoca, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada pelo encargo tributário. Desta forma, a prova da repercussão deve ser objetivamente demonstrada por documentos que identifiquem o efetivo pagamento do imposto, não podendo assentar em juízos presuntivos ou declarações genéricas, que não provam plenamente os factos que nelas sejam narrados. Acompanho aqui o entendimento exposto na decisão prolatada no processo n.º 452/2023-T ao referir que «Termos em que o reconhecimento da legitimidade de ação do contribuinte consumidor final no imposto indireto – CSR - e o equilíbrio entre o direito material e direito processual, exige a clara e rigorosa demonstração dos elementos essenciais para decisão, em especial, meios de prova detalhados que permitam apurar inequivocamente quem efetivamente suportou o imposto, ou seja, a presença de elementos completos sobre o facto tributário subjacente às liquidações do imposto.»

Pese embora deva salientar a dificuldade de prova positiva da repercussão, não resulta evidente de que tenha havido uma efetiva repercussão do imposto, de modo a poder confirmar-se a factualidade invocada pela Requerente sobre o pagamento indevido da CSR. Na ausência de prova bastante de que tenha havido lugar à repercussão do imposto, afastando o caracter presuntivo na determinação do encargo na esfera da Requerente, o pedido arbitral mostra-se ser improcedente.

 

Ana Rita Chacim

 

 

Proc. 114/2024- T

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Não acompanho a presente Decisão Arbitral na parte em que  esta  considera que  só a entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e consequente  pagamento da CSR tem legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações com fundamento em erro , obtendo, assim, o reembolso do montante  pago, conforme o art. 16.º do CIEC.

A Decisão Arbitral não tem em conta, nessa   parte   a norma residual atributiva de legitimidade procedimental e processual  da alínea a) do nº 6 do art. 18º da LGT que a confere, ainda que implicitamente, a quem suporte por repercussão legal o encargo tributário.

Na verdade, o nº 1 do art 11º da Lei nº 5/2019, de 11/11, obriga os operadores económicos que procedam à comercialização dos combustíveis à discriminação, nas faturas dos impostos devidos, não apenas do IVA, como do ISP e da CSR, que integram o valor tributável em IVA, aliás, condição para que esses impostos serem deduzidos e a administração fiscal poder controlar os pressupostos dessa dedução.

Essa obrigação consta do art. 9º do Regulamento Relativo ao Regime de Cumprimento do Dever de Informação do Comercializador de Combustíveis Derivados do Petróleo e de GPL ao Consumidor, da Entidade Reguladora do Sector Elétrico, publicado no Diário da República, II Série, de 20/2/2020 nos seguintes termos:

Segundo o nº1 desse art. 9º:

“1 - Os comercializadores devem informar os seus clientes da desagregação dos valores faturados, evidenciando, nomeadamente:

a) A discriminação do combustível, para as gasolinas, gasóleos e GPL Auto, de acordo com a nomenclatura legal aplicável, designadamente a NP EN 16942:2017 - Combustíveis.;

b) O preço unitário expresso em EUR/litro no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto, e em EUR/garrafa no caso do GPL engarrafado;

c) A quantidade fornecida, expressa em litros no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto e em número de garrafas no caso do GPL engarrafado;

d) As taxas e os impostos devidos, expressos em EUR/litro no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto, e em EUR/garrafa no caso do GPL engarrafado;

e) O valor de descontos aplicáveis;

f) A quantidade e o sobrecusto da incorporação de biocombustíveis, expressos em percentagem e em EUR/litro, respetivamente.

Segundo o subsequente nº 2, para efeitos da alínea d) do nº anterior, devem ser identificados, relativamente ao total da fatura:

“a) O Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), que inclui, designadamente, o adicional ao ISP, o adicionamento sobre as emissões de CO2 (Taxa de Carbono) e a contribuição de serviço rodoviário (CSR);

b) O Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA);

c) Outros que se venham a aplicar”.

Por outro lado, segundo o  art. 2º do CIEC do art. 3º da Lei nº 24-E/2022, de 30 /12,os impostos especiais de consumo obedecerem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

Se entendermos que é repercussão  legal toda  a prevista ou autorizada, bastando, assim, que o repercutente  disponha do direito potestativo de transferir para um terceiro tributário,  sem que este se lhe possa opor,  não se vislumbra que aos  seus clientes não possa ser aplicável  a faculdade da alínea a) do nº 6 do art. 18º da LGT.

Não basta, no entanto, para a aplicação do nº 6 do art. 18º da LGT a repercussão estar prevista. Falta demonstrar que ela se efetuou, o que a Requerente não fez, prova essa que lhe competia (Decisões Arbitrais nºs 914/2023-T, 50/2024-T, 73/2024-T, 96/2024-T, 101/2024-T, 118/2024-T,151/2024-T, 186/2024-T, 294/2024-T e 351/2024-T).

Assim, a  Decisão Arbitral parte de uma noção restritiva da legitimidade procedimental e processual que não apenas carece de suficiente apoio legal como dificilmente é  compatível com o princípio da tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrado.

Ainda assim, a pretensão da Requerente não podia deixar de ser indeferida, por falta de prova da repercussão legal.

 

Lisboa, 14/10/2024

 

 

O  Árbitro

 

(António Lima Guerreiro)

 

 



[3] Escreveu-se então:

Ainda que a qualificação jurídica de um tributo como imposto ou não-imposto tenha de depender das suas características intrínsecas (…), não são indiferentes os índices que – sendo externos a essa qualificação – foram invocados pela Requerente e pela Requerida. Assim, para começar, a jurisprudência do CAAD (e dos tribunais estaduais que a examinaram) não é indiferente”.