Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 143/2024-T
Data da decisão: 2024-10-14  IRC  
Valor do pedido: € 8.827,72
Tema: IRC – Determinação da matéria colectável das entidades que não exerçam a título principal, actividades tributáveis em IRC.
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SUMÁRIO:

1. No caso de uma entidade que não exerça a título principal uma actividade de natureza comercial, a determinação do seu rendimento global sobre o qual deve incidir o IRC, deve fazer-se com apelo às normas do ClRS para obter os rendimentos líquidos, a obter com as deduções específicas de cada uma das categorias nos termos previstos no Código do IRS.

2. Os gastos declarados quando ligados aos rendimentos sujeitos e não isentos podem vir a ser deduzidos na totalidade ao rendimento global, para a determinação da matéria colectável.

3. Para que ocorra essa dedução ao rendimento global do montante de gastos declarado, é necessário demonstrar pela concreta alegação de quais sejam e que eles preenchem os dois requisitos do artº. 54º., nº. 1 do CIRC, ou seja, a exclusividade e a indispensabilidade desses gastos para a obtenção dos rendimentos sujeitos e não isentos

 

DECISÃO ARBITRAL

            O árbitro José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, profere a seguinte decisão:

         

1. Relatório:

A..., NIPC..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., vem requerer a Constituição de Tribunal Arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IRC relativa ao período 01-01-2020 a 31-12-2020 e de juros compensatórios n.º 2023..., efetuadas pela Administração Tributária na sequência de Procedimento de Inspeção, em 30-11-2023 com data de acerto de contas em 05-12-2023 (doc. 1 que junta) e consequente restituição à requerente da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.

 

1.1 Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral:

O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 5/02/24 e aceite no mesmo dia, nos termos regulamentares aplicáveis, tendo a Requerente optado pela não designação de árbitro

Por despacho de 26/03/2024 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou para árbitro o ora subscritor, tendo comunicado essa designação no mesmo dia às partes e não tendo havido reclamação da mesma, em 16/04/2024, foi comunicada às partes a constituição do Tribunal Arbitral;

A 19/05/2024, a requerida apresentou a sua Resposta e fez juntar nessa mesma data aos autos o processo administrativo (PA), tendo, em 20/04/2024, o CAAD notificado a requerente da resposta da AT e da junção do PA.

Por despacho arbitral de 14/06/24, foi designado dia para a inquirição de testemunhas, a qual se realizou em 12/09/24 e não antes por falta de datas disponíveis do CAAD.

Nessa inquirição, produzida a aprova testemunhal, foram notificadas as partes para alegações no prazo de 10 dias sucessivos, o que ambas as partes fizeram, tendo apresentado as suas alegações, mais tendo sido solicitado às partes o envio das peças processuais em formato WOIR, o que ambas fizeram.

Por fim, foi a requerente notificada para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do artº. 4º., nº. 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o que a requerente fez, tendo comunicado o seu pagamento ao CAAD.

 

1.2 – Posição da Requerente

A requerente encontra-se registada na Administração Tributária para o exercício das seguintes atividades:

CAE Principal 94995 OUTRAS ACTIVIDADES ASSOCIATIVAS, N.E. 2008-02-23

CAE Secundário 1 058190 OUTRAS ACTIVIDADES DE EDIÇÃO 2008-02-23

CAE Secundário 2 047610 COM. RET.LIVROS,ESTAB. ESPEC. 2014-02-12

CAE Secundário 3 047591 COM. RET. MOBILIÁRIO E ARTIGOS ILUMINAÇÃO, ESTAB.   ESPEC. 2014-02-12

 Por isso, a requerente não exerce a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

Alega a requerente que, em 2020, obteve apenas rendimentos derivados da actividade de natureza comercial da venda ao público de livros, objetos, decoração e utensílios de escritos e da prestação de serviços com a locação de espaços e imóveis e, nesse mesmo ano de 2020, teve gastos de -€ 188.386.77 directos com a actividade de natureza comercial.

No Relatório final, a Inspecção Tributária procedeu à correção de natureza meramente aritmética da matéria coletável de – 46.200,18€ inscrita na declaração anual de rendimentos mod 22 para a matéria coletável de 40.483,89€.

A única razão para a desconsideração dos gastos de -188.386.77€ reside, segundo a requerente, no entendimento de Direito aduzido pela Administração Tributária para proceder às liquidações constantes se impugnam, plasmado no Relatório Final, de que, ao contrário do inscrito na declaração modelo 22 e declaração de IES/DA relativa a 2020, tais gastos não podem ser deduzidos à totalidade do rendimento global, entendimento com que a requerente não concorda, sendo  esta a questão a decidir de saber se os gastos de -188.386.77€ devem ser deduzidos à totalidade do rendimento global ou não.

É que os rendimentos da requerente derivados do exercício de actividades culturais estão isentos de IRC, nomeadamente nos termos do art. 11º do CIRC, pelos que os demais derivados da actividade de natureza comercial, estão sujeitos a IRC que incide sobre o rendimento global, correspondente à soma algébrica dos rendimentos líquidos das várias categorias, determinados nos termos do IRS, incluindo os incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito, nos termos dos arts. 3º, nº 1, al. b) e 53º, nº 1, ambos do CIRC.

Tendo em conta a definição legal das categorias (arts. 3º e 8º, ambos do CIRS), os rendimentos obtidos pela requerente, em 2020, derivados da actividade de natureza comercial da venda ao público de livros, objetos, decoração e utensílios de escritos e da prestação de serviços relacionados com a locação de espaços e imóveis, têm enquadramento abstrato, respetivamente, nas categorias B e F.

No entender da requerente, daqui resulta que o apuramento do rendimento global para efeitos de liquidação do IRC, uma vez que a requerente não é uma entidade que exerça a título principal uma actividade de natureza comercial, se deverá fazer de acordo com as normas do CIRS, pelo que o rendimento global a que se refere o art. 53º, nº 1, do CIRC, deverá corresponder à soma dos rendimentos líquidos daquelas categorias apurados nos termos do CIRS - isto é, dos rendimentos depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos previstos no CIRS - e apurados os rendimentos líquidos daquelas categorias nestes termos, deverá haver lugar à aplicação das deduções previstas no CIRC, nomeadamente as previstas nos arts. 53º, 54º e 15º, todos do CIRC, e, por fim, ser aplicados os benefícios fiscais aplicáveis.

Em 2020, os rendimentos obtidos derivados da actividade de natureza comercial da venda ao público de livros, objetos, decoração e utensílios de escritos de 115.806,53€ e da prestação de serviços com a locação de espaços e imóveis de 26.246,39€, no total de 142.052,92€, pelo que, com a actividade de natureza comercial teve gastos de -188.386,77€ e estes gastos declarados de -188.386,77€ foram deduzidos do rendimento global, sendo que tais gastos foram comprovados (o que não foi posto em causa pela Administração Tributária), não foram considerados na determinação do rendimento global nos termos do art. 53º do CIRC, por não configurarem deduções específicas das categorias para se chegar ao resultado do rendimento líquidos destas e não estão especificamente ligados à obtenção dos rendimentos isentos de IRC, pelo que deve aplicar-se o art. 54º, nº 1, al. a) do CIRC, no sentido de que os mencionados gastos devem ser deduzidos à totalidade do rendimento global, sendo esta a interpretação e aplicação correta do quadro legal aplicável, presumindo-se que o legislador se exprimiu da forma adequada e de acordo com o seu pensamento (art. 9º do CC ), segundo alega a requerente, que, no seu entender, está corroborada em informações prestadas pela AT, uma relativamente ao presente caso e outra em informação vinculativa de outro caso.

Por isso, conclui que a Administração Tributária fez uma interpretação e aplicação oposta à referida, pelas que as liquidações de IRC e juros compensatórios impugnadas violam o Direito e a Lei, em especial, os arts. 103º, nº 3 da CRP, 53º, 54º, 15º do CIRC; art. 8º da LGT, verificando-se a ilegalidade das liquidações de IRC e juros compensatórios objecto deste pedido, designadamente, devido a uma errónea qualificação e quantificação dos rendimentos e outros factos tributários (art. 99º, al. a) do CPPT), pelo que deve ser declarada a ilegalidade dos actos objecto deste pedido arbitral, com consequente anulação dos mesmos e restituição aos requerentes das quantias indevidamente pagas acrescidas de juros indemnizatórios.

 

1.3 – Posição da Requerida

Por sua vez, a requerida reconhecendo os elementos de facto indicados pela requerente, entende que a requerente é sujeito passivo de IRC pela totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora do território português e está enquadrado, para efeitos de determinação da matéria coletável, nas regras da alínea b) do n.º 1 do Art.º 15.º do CIRC, dado que a requerente é uma entidade que não exerce a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, pelo que a matéria coletável é apurada no Anexo D da IES/DA, cumprindo o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 15.º do CIRC.

É que, em caso de apuramento de prejuízo fiscal no âmbito de atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, tais valores nunca poderão ser transpostos para o campo 3017 do quadro 09 da declaração modelo 22 de IRC, considerando que a matéria coletável é apurada partindo do rendimento global apurado; e para efeitos do apuramento do rendimento global, o n.º 3 do Art.º 53.º do CIRC estabelece que; a) Os prejuízos fiscais apurados relativamente ao exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas, só podem ser deduzidos, …, aos rendimentos da mesma categoria num ou mais dos períodos de tributação posteriores; b) As menos-valias só podem ser deduzidas aos rendimentos da mesma categoria num ou mais dos cinco períodos de tributação posteriores..

Ora, face ao prejuízo declarado no exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas, verificou-se que foi pela Requerente preenchido o campo 235 do Q07 do Anexo D à IES com o valor zero, pelo que adicionando-lhe os rendimentos prediais, foi pela requerente apurado um total de Matéria Coletável de € 40.483,89 – devidamente inscrita no campo D243 como se constata da comparação dos valores acima reproduzidos com os valores efetivamente declarados no quadro 07 do anexo D da IES, pelo que a requerente apresenta valores quer no seu direito de audição quer no presente pedido de pronúncia arbitral, que nunca foram declarados/demonstrados à Requerida, sendo que os gastos referidos não foram comprovados em sede de direito de audição nem foi comprovada a sua natureza, isto é, se respeitam a gastos comuns ou gastos específicos das diversas categorias, e destas quais.

O valor de € 188.386,77 de gastos mencionados pelo requerente, respeita ao campo D161 da Demostração de Resultados apresentada no anexo D da IES, e corresponde aos rendimentos de natureza industrial, comercial ou agrícola e como a requerente não transpôs quaisquer valores de gastos para o Q07 do anexo D da IES apura-se (unicamente) resultado líquido da categoria F no valor de € 40.483,89 [campo D237 com valor transposto do campo D207 do Q05 do mesmo anexo].

Face ao que deixa exposto, entende a requerida que o presente pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente por não provado, não havendo quaisquer valores a restituir, muito menos com juros indemnizatórios.

 

 

2. Despacho saneador:

            O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são as legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não existem nulidades ou excepções deduzidas, ou que sejam de conhecimento oficioso, que devam ser decididas.

 

 

3. Fundamentação de facto.

Considerando os articulados das partes, os documentos juntos e o processo administrativo, bem como os depoimentos das testemunhas ouvidas, são considerados provados os factos que a seguir se indicam.

 

3.1 - Factos provados:

a) A Requerente A... é uma associação de direito privado, de caráter cultural e sem fins lucrativos, com estatuto de utilidade pública desde 17-02-2022, que, genericamente, se dedica à divulgação da Arquitetura em Portugal (provado pelo doc. 3 junto com o PPA).

b) A A... encontra-se registada na Administração Tributária para o exercício das seguintes atividades (provado por acordo das partes):

 

c) A A... não exerce a título principal qualquer actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola. (provado por acordo das partes e relatório da Inspecção Tributária).

d) Em 2020, a A... obteve rendimentos derivados da actividade de natureza comercial da venda ao público de livros, objetos, decoração e utensílios de escritos e da prestação de serviços com a locação de espaços e imóveis (provado por acordo das partes)

e) A A... declarou que esses rendimentos somam a quantia de € 40.483,89 (provado por acordo das partes e relatório da Inspecção Tributária).

f) Nesse mesmo ano de 2020, a requerente alega ter tido gastos de -€ 188.386.77 com a actividade de natureza comercial. (provado por acordo das partes)

g) A requerente foi objeto de Procedimento de Inspeção interna, com a Ordem de Serviço nº OI2023..., no âmbito do qual foi feita a análise dos valores inscritos na declaração modelo 22 de IRC e do anexo D à declaração anual IES/DA. (provado por acordo das partes e relatório da Inspecção Tributária)

h) Notificada do Projeto de Relatório de Inspeção no âmbito daquele Procedimento, a A... exerceu o seu direito de audição, no qual contestou e refutou as conclusões do Projeto de Relatório de Inspeção. (provado pelos docs. 4 e 5 juntos com o PPA e por acordo das partes)

i) A requerente foi depois notificada do Relatório Final que confirmou e manteve o entendimento do Projeto de Relatório de Inspeção. (provado pelo documento 6)

j) Nesse Relatório Final, não foram considerados e deduzidos os gastos declarados pela requerente de -188.386.77€ e foi efectuada uma correção de natureza meramente aritmética da matéria coletável de – 46.200,18€ inscrita na declaração anual de rendimentos modelo 22 e fixada a matéria coletável em 40.483,89€. (provado pelo documento 6 e acordo das partes)

l) Com base nesse Relatório foram posteriormente efetuadas as liquidações de IRC e juros compensatórios nº 2023..., no montante de € 8827,72, cujo prazo de pagamento terminava em 22/1/24 (provado pelos documentos 1 e 2 juntos com o PPA).

m) Em 7/12/2023, a requerente procedeu ao pagamento do impostos e juros liquidados e referidos na alínea anterior (provado pelo documento de pagamento junto com o PPA).

n) Apesar dos gastos declarados na al. f) como sendo no exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas, verificou-se que a requerente preencheu o campo 235 do Q07 do Anexo D à IES com o valor zero. (provado pelo processo administrativo)

o) A requerente apresenta valores, quer no seu direito de audição quer no presente pedido de pronuncia arbitral, que não foram demonstrados à Requerida (provado pelo processo administrativo e pelo documento 5 junto com o PPA).

p) A requerente não alegou quais eram os gastos efectuados, bem como a sua natureza, comuns ou gastos específicos das diversas categorias. (provado pelo teor do PPA, doc. 5 junto com o PPA e processo administrativo)

q) A Requerente apresentou a 5-02-2024, o presente pedido de pronúncia no Tribunal Arbitral.

 

3.2 Factos não provados e fundamentação da matéria de facto considerada provada.

Não existem outros factos não provados com interesse para a decisão deste processo.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela requerente e no que consta do processo administrativo e também os factos que as partes estão de acordo em considerar provados, conforme resulta do por si alegado em sede de requerimento inicial e resposta.

Quanto aos valores considerados, os mesmos foram aceites no RIT e tiveram por base a declaração modelo 22 de IRC e do anexo D à declaração anual IES/DA, apresentadas pela requerente, aplicando-se-lhes a presunção do artº. 75º., nº. 1 da LGT, segundo a qual “presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei”, sendo que, em lado algum do RIT vem referido que os referidos gastos não correspondem à realidade, sendo que a elisão dessa presunção cabia à AT.

As testemunhas ouvidas nada acrescentaram sobre a identificação das despesas realizadas.

         

 

4. Matéria de direito

 

4.1 - Questões a resolver:

Como questões a resolver, temos a forma de determinação do rendimento global da requerente, nomeadamente se engloba ou não os rendimentos prediais e se os gastos havidos com actividades de natureza comercial podem ser deduzidos deste rendimento global, para efeitos de determinação da matéria colectável, objecto de tributação em sede de IRC.

Uma nota prévia, diz respeito ao RIT, pois no mesmo, nas páginas 9 e 10, aparece transcrito um nº. 3 do artº. 53º. do CIRC, que nunca teve a redacção que consta da transcrição, parecendo antes que o mesmo se quer referir ao artº. 53º., nº. 2 do mesmo diploma legal.

Além disso e porque, nesse ponto, as partes estão de acordo, a determinação da base do imposto deve ser a definida nos termos do artº. 3º., nº.1 do CIRC que dispõe que “o IRC incide sobre: b) O rendimento global, correspondente à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito, das pessoas colectivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que não exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.”

 

4.2 – Da consideração dos rendimentos prediais na determinação do rendimento global:

            Nos termos do nº. 1 do CIRC, “O rendimento global sujeito a imposto das pessoas colectivas e entidades mencionadas na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º é formado pela soma algébrica dos rendimentos líquidos das várias categorias, determinados nos termos do IRS, incluindo os incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito, aplicando-se à determinação do lucro tributável as disposições deste Código.”

            Esta norma reproduz ipsis verbis a primeira parte da citada alínea b) do nº. 1 do artº. 3º. que se transcreveu atrás.

            Ora, as categorias dos rendimentos para efeitos de IRS são as referidas no artº. 1º., nº. 1 do CIRS, que expressamente refere a expressão “rendimentos das categorias”, na qual se incluem “rendimentos empresariais e profissionais” (categoria B) e “rendimentos prediais” (categoria F).

            Dado que a requerente não é uma entidade que exerça a título principal uma actividade de natureza comercial, a determinação do seu rendimento global sobre o qual deve incidir o IRC, deve fazer-se com apelo às normas do ClRS.

            Mas o artº. 53º. do CIRC vai mais longe e declara que os rendimentos a considerar são os rendimentos líquidos.

            Entendemos que esses rendimentos são líquidos, mas apenas quanto às deduções específicas de cada uma das categorias nos termos previstos no Código do IRS, mas já não quanto aos gastos necessários para a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC.

            Estando provado que a requerente auferiu de rendimentos obtidos derivados da sua actividade de natureza comercial da venda ao público de livros, objetos, decoração e utensílios de escritos o montante de € 115.806,53€ e não sendo invocadas dedução específicas de IRS a este montante, deve ser este o valor a considerar para determinar o rendimento global e ao qual se devem adicionar os rendimentos prediais globais, que também são líquidos, porque não são alegados custos a deduzir, nem eles resultam da lei, no montante de € 26,246,39.

            Portanto, o rendimento global da requerente em 2020, para efeitos de IRC, deve ser fixado no valor de € 142.052,92.             

           

 

4.3 - Da dedução dos gastos com actividades de natureza comercial ao rendimento global:

            A segunda questão a resolver é a de saber se é lícita a dedução dos gastos com a actividade comercial ao rendimento global, para se obter a matéria colectável.

            A fórmula usada no RIT está de acordo com o CIRC, pois o artº. 15º., nº. 1 deste diploma está alinhado com o disposto no artº. 3º., nº. 1, al. b) e no artº. 53º., nº. 1, ambos do CIRC:

 

            Com efeito, nessa fórmula, ao rendimento global, obtido nos termos que deixamos exposto em 4.2, para a determinação da matéria colectável, ainda são permitidas legalmente as deduções de gastos, como os referidos no artº. 53º., nº. 7 e no artº. 54º.

            Ora, neste artº. 54º., nº. 1 é expressamente determinado que esses gastos só serão deduzidos se foram “gastos comprovadamente indispensáveis à obtenção dos rendimentos que não tenham sido considerados na determinação do rendimento global nos termos do artigo anterior”.

            Esses gastos declarados pela ora requerente, porque ligados aos rendimentos sujeitos e não isentos podem vir a ser deduzidos na totalidade ao rendimento global, sendo que os gastos ligados aos rendimentos sujeitos e não isentos e simultaneamente aos rendimentos não sujeitos ou isentos devem ser deduzidos ao rendimento global apenas a parte dos gastos comuns, que sejam imputáveis aos rendimentos sujeitos e não isentos, de acordo com os critérios previstos no n.º 2 do artigo 54.º do Código do IRC.

Acresce que, dos normativos que estiveram em vigor até à reforma da tributação das sociedades, efetuada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, conclui-se, conforme é referido no Relatório da Comissão para a Reforma do IRC, que “o regime que é conferido a estas entidades desconsidera por completo os custos associados à prossecução das atividades a que aquelas entidades se dedicam em primeira linha, optando por tributá-las tendo em atenção o “rendimento global”. Assim, entende a Comissão que se justifica a inclusão de uma regra no Código do IRC destinada a assegurar que estas entidades não estejam sujeitas ao dever de pagar qualquer imposto nos períodos de tributação em que não obtenham resultados positivos. Para tanto, impõe-se a consideração, nesta sede, dos gastos que as mesmas comprovadamente suportem no âmbito da realização dos fins de natureza social, cultural, ambiental, desportiva ou educacional pelas mesmas prosseguidos.

Ora, esta regra foi a que veio a ser incluída no n.º 7 do artigo 53.º do Código do IRC, a qual estabelece que “ao rendimento global apurado nos termos dos números anteriores são dedutíveis até à respectiva concorrência, os gastos comprovadamente relacionados com a realização dos fins de natureza social, cultural, ambiental, desportiva ou educacional prosseguidos por essas pessoas coletivas ou entidades, (…)”, não sendo de aplicar esta regra se existir qualquer interesse direto ou indireto dos membros de órgãos estatutários, por si mesmos ou por interposta pessoa, nos resultados da exploração das atividades económicas por elas prosseguidas.

Interpretando a fórmula constante do RIT e o disposto nos artigos 53º. e 54º. do CIRC, para obter a matéria colectável ao rendimento global apurado de rendimentos sujeitos e não isentos devem ser deduzidos os custos que foram necessários para a sua obtenção e realizados nesse ano de 2020, em aplicação também do princípio da especialidade dos exercícios constante do artº. 18º., ainda do CIRC, só havendo lugar à dedução de outros custos, se se verificarem os requisitos do artº. 53º., nº. 7, ainda do CIRC[1].

           

4.4 – Da eventual ilegalidade das liquidações adicionais:

            Face ao facto de a requerida ter detectado a incongruência referida na al. n) dos factos provados, era de esperar que a requerente alegasse e demonstrasse quais as despesas que correspondiam àqueles gastos de -€ 188.386,77, no sentido de apurar se os mesmos eram apenas da actividade que gerou os rendimentos tributáveis e se preenchiam os demais requisitos do artº. 54º., nº. 1 do CIRC.

            Ora, nesta norma, o legislador estabelece que:

“1 - Os gastos comprovadamente indispensáveis à obtenção dos rendimentos que não tenham sido considerados na determinação do rendimento global nos termos do artigo anterior e que não estejam especificamente ligados à obtenção dos rendimentos não sujeitos ou isentos de IRC são deduzidos, no todo ou em parte, a esse rendimento global, para efeitos de determinação da matéria coletável, de acordo com as seguintes regras:

a) Se estiverem apenas ligados à obtenção de rendimentos sujeitos e não isentos, são deduzidos na totalidade ao rendimento global;

b) Se estiverem ligados à obtenção de rendimentos sujeitos e não isentos, bem como à de rendimentos não sujeitos ou isentos, deduz-se ao rendimento global a parte dos gastos comuns que for imputável aos rendimentos sujeitos e não isentos”.

Daí que era necessário que os custos deduzidos fossem conhecidos para que o tribunal pudesse verificar se, por um lado, os mesmos estavam ligados apenas aos rendimentos sujeitos e não isentos e, além disso, se eram indispensáveis para a obtenção desses rendimentos sujeitos e não isentos.

Com efeito, só os custos nestas condições podem ser deduzidos ao rendimento global para se obter a matéria colectável, nos termos do artº. 15º., nº.1, al. a) ponto 2 do CIRC, tendo até o STA decidido já que “[n]ão deve ser deferida a realização de perícia requerida pelo impugnante sempre que, com a mesma, se pretende saber se determinadas despesas devem ou não ser consideradas como integrantes de certa categoria de custos previstos como dedutíveis, já que constitui pura questão de direito que escapa à prova pericial, que se restringe à apreciação de questões com carácter meramente técnico” (STA, 12-02-2003, 01293/02).

Uma vez que uma inspecção interna não pode fazer a análise e demonstração da verificação dos pressupostos referidos, pois as declarações modelo 22 de IRC e do anexo D à declaração anual IES/DA só fornecem quantidades e não a qualidade dos gastos realizados, nem a sua descrição, competia à requerente alegar nos autos, os elementos necessários para se comprovarem esses dois requisitos – a exclusividade e a indispensabilidade -, no sentido de este tribunal arbitral julgar da verificação desses requisitos, porque a presunção de verdade das declarações do contribuinte limita-se a estabelecer que houve gastos daquele montante, como foi declarado pelo contribuinte, mas sem definir a sua natureza e indispensabilidade.

É que a nossa jurisprudência já decidiu que “não podem ser dedutíveis ao lucro tributável os montantes gastos que não se provem ser essenciais para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, de modo a constituírem custos.” (STA de 26/4/2006, processo 01194/05).

Deste modo, sem a alegação de quais são os custos suportados pela requerente e por ela declarados, não se pode aferir se os mesmos são custos comuns -  neste caso qual a parte dedutível – ou se são custos apenas dirigidos à obtenção de rendimentos sujeitos e não isentos.

Além desta alegação de quais os custos, é também necessário alegar que os mesmos são indispensáveis à obtenção desses rendimentos sujeitos e não isentos, sendo certo que essa “indispensabilidade assenta numa relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, visando direta ou indiretamente, a obtenção de lucros, tendo presente o seu objecto societário” (TCASul 24-6-2021 – Procº. 2716/04.3BELSB) e que essa relação de causalidade “tem de ser aferida através de um juízo casuístico, não podendo associar-se ao êxito de gestão, não se confundindo com a sua oportunidade ou conveniência, não abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal), antes abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim”. (TCASul 8-7-2021 – Procº. 311/03.3BTLRS).

Porém, a requerente não indicou quais eram esses custos, para que o tribunal pudesse fazer um juízo de que os mesmos apenas visavam os rendimentos sujeitos e não isentos e que eram indispensáveis à obtenção desses rendimentos.

Por isso, não pode proceder o PPA, pois não está demonstrada a ilegalidade no apuramento feito pela AT da matéria colectável, uma vez que não foi demonstrado que os gastos, cujo montante global vem alegado e que foram suportados pela requerente preenchessem os dois requisitos do artº. 54º., nº. 1 do CIRC, ou seja, a exclusividade e a indispensabilidade desses custos para a obtenção dos rendimentos sujeitos e não isentos. Só assim podem ser deduzidos, não sendo também correcta a interpretação que a AT fez da lei.

 

 

5. Devolução do imposto pago, juros e custas, acrescido de juros indemnizatórios.

          Face à improcedência do pedido de anulação da liquidação, fica prejudicada a questão de pagamento de juros indemnizatórios, porque não há qualquer imposto a devolver à requerente.

 

 

6. Decisão

     Nestes termos, decide-se julgar totalmente improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral e consequentemente absolver a requerida dos pedidos contra ela formulados.

 

 

7. Valor do processo

          De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 8.827,72, indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

8. Custas

          Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante total das custas a pagar em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerente.

 

Lisboa, 14-10-2024

O Árbitro

 

(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)

 

Texto elaborado em computador e com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 



[1] Nas suas declarações fiscais referidas nos presentes autos, a ora requerente não inclui os gastos havidos com as actividades isentas, que numa situação como a dos presentes autos, podiam ser-lhe favoráveis, por aplicação desta norma do artº. 53º., nº. 7 do CIRC