SUMÁRIO
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Em virtude do contrato de concessão aeroportuária é aplicável a IFRIC 12, a qual determina que os activos pertencem à Concedente, e o direito de cobrar taxas aeroportuárias à concessionária é reconhecido como um activo intangível.
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Os custos com as intervenções referentes às obras de conservação e manutenção decorrentes de tal concessão não podem ser fracionados pelo período de vida útil, porquanto não lhe é aplicável o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro.
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A AT está vedada de aplicar tratamento similar ao aludido decreto, porquanto inexiste base legal que determine tal fracionamento e é proibida a aplicação analógica de normas de incidência tributária, por força do princípio da tipicidade exclusiva, corolário do princípio da legalidade, sendo uma interpretação proibida em Direito Fiscal, conforme o princípio da reserva de lei consagrado no n.º 2 do artigo 106.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do n.º 4 artigo 11.º da LGT.
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As aludidas intervenções referentes às obras de conservação e manutenção, por força do contrato de manutenção, são consideradas gastos do exercício no momento em que forem executadas.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernando Araújo (Presidente), Sofia Jorge Gonçalves Xavier (árbitro-adjunto) e João Santos Pinto (árbitro-adjunto e relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 09/04/2024, decidem o seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., S.A., doravante designada “Requerente”, NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, veio, em 01/02/2024, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos nos 1 e 2 do artigo 10.º, ambos, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e apresenta pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada “Requerida” ou “AT”), com vista à declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, de ilegalidade parcial dos actos tributários de liquidação de IRC de 2021 e 2022 da Requerente, dos juros compensatórios ilegalmente liquidados com referência ao período de tributação de 2021, peticionando ainda o reembolso do imposto pago em excesso e respectivos juros compensatórios, acrescidos de juros indemnizatórios.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 05/02/2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 19/03/2024 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 09 de Abril de 2024.
Em suporte das suas pretensões alega a Requerente, em síntese, que tem por actividade a gestão, enquanto concessionária, das infraestruturas de dez aeroportos nacionais ao abrigo de um contrato de concessão celebrado com o Estado Português. Concretamente, alega a Requerente o seguinte:
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Ao abrigo do contrato de concessão e em cumprimento dos deveres que sobre si impendem, a Requerente tem de efetuar regularmente intervenções de renovação/substituição das referidas infraestruturas para assegurar um nível mínimo de qualidade de serviço e a adequada manutenção das infraestruturas.
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Atenta a estrutura do equilíbrio económico do Contrato, a Requerente, em conformidade com o disposto na IFRIC 12, aplicou o modelo de contabilização do ativo intangível aos bens afetos à atividade aeroportuária.
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Nos termos da IFRIC 12, qualificam-se como concessões de serviços públicos os acordos através dos quais o Estado (Concedente) transfere temporariamente a capacidade de desenvolver determinadas atividades de interesse público (juntamente com direitos, obrigações e deveres) para uma entidade privada (Concessionária) e, em troca, a Concessionária tem o direito de ser remunerada por esse serviço prestado por conta do Estado.
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Ainda tendo por base as interpretações constantes da IFRIC 12, a Requerente passou a estimar as responsabilidades assumidas para fazer face a renovações e substituições das infraestruturas aeroportuárias (excluindo investimentos de aumentos de capacidade ou investimentos de obrigação legal) e a reconhecê-las e mensurá-las nas suas demonstrações financeiras de acordo com a NCRF 21/IAS 37 (Provisões), tendo em conta a melhor estimativa do dispêndio necessário para liquidar a obrigação presente na data do balanço.
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Nestes termos, o gasto inerente à provisão (constituição, reforço e atualização financeira) é reconhecido ao longo do período que decorre entre cada uma das renovações e substituições programadas das infraestruturas, por contrapartida de um passivo.
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Quando se concretiza o investimento, ou seja, no momento em que a Requerente incorre efetivamente na despesa, a provisão é anulada por contrapartida de contas a pagar ou utilização de disponibilidades. Sempre que o encargo efetivamente suportado seja superior (ou inferior) ao montante provisionado, a respetiva diferença é reconhecida em resultados.
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Pelo que os dispêndios em causa sempre terão de se considerar integralmente dedutíveis para efeitos fiscais no período de tributação em que os trabalhos de renovação/substituição são previstos/executados e o dispêndio é suportado, nos termos do artigo 18.º do CIRC.
Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta e juntou processo administrativo em 15/05/2024.
Em 16/05/2024, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte Despacho Arbitral:
“Dada a oposição manifestada pela AT à produção de prova testemunhal, notifique-se a Requerente para, no prazo de 10 dias, informar o Tribunal se mantém interesse na produção dessa prova testemunhal. E, em caso afirmativo, solicita-se que indique os pontos da matéria de facto sobre que incidirão os respectivos depoimentos.”
Em 27/05/2024 veio a Requerente confirmar que mantém total interesse na inquirição das testemunhas arroladas, mais indicando que as mesmas deverão ser inquiridas com referência aos factos indicados nos artigos 13, 18 a 26, 29 a 31 e 33 a 53 do seu pedido de pronúncia arbitral.
Em 03/06/2024, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte Despacho Arbitral:
“Determina-se a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, no próximo dia 1 de Julho de 2024, às 10:00, nas instalações do CAAD.
Nessa reunião proceder-se-á à inquirição das testemunhas apresentadas pela Requerente.
Faz-se notar que nessa data as instalações do CAAD no Porto estarão encerradas, pelo que as testemunhas terão necessariamente de comparecer nas instalações de Lisboa.”
A inquirição teve lugar no dia 01 de Julho de 2024, na sede do CAAD em Lisboa e via CISCO WEBEX MEETINGS.
No final da inquirição o Tribunal notificou a Requerente e a Requerida para, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias.
A audiência foi gravada e dela foi lavrada acta junta aos autos.
Em 12/07/2024 a Requerente e Requerida apresentaram Alegações.
II. SANEAMENTO
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2 do RJAT e 1º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de Março).
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido (art.º 2º, n.º 1, a) do RJAT).
O processo não enferma de nulidades.
III. QUESTÃO DECIDENDA
A principal questão a decidir é o momento em que que deverá ser efectuada a dedução fiscal das despesas associadas às intervenções de renovação/substituição das infraestruturas concessionadas:
- se, assimiladas a activos, são objecto de depreciação ao longo do período de vida útil (o qual termina no final do período de concessão);
- se, consideradas um gasto fiscal, são imputáveis ao período de tributação em que sejam suportadas.
IV. DA MATÉRIA DE FACTO
FACTOS PROVADOS
Analisada a prova produzida nos autos, consideram-se como provados, com relevo para a presente Decisão Arbitral, os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade anónima, com sede e direção efetiva em território nacional, está inserida no Código de Atividade Económica (CAE) 52230 - ACTIVIDADES AUXILIARES DOS TRANSPORTES AÉREOS, e em concreto tem por atividade a gestão, enquanto concessionária, das infraestruturas de dez aeroportos nacionais, ao abrigo de um contrato de concessão celebrado com o Estado português.
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No âmbito do IRC a Requerente é, desde 01/01/2008, a sociedade dominada designada para assumir a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações que incumbem à sociedade dominante de um grupo de sociedades tributado em território nacional pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º a 71.º do CIRC.
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A sociedade dominante do grupo tributado pelo RETGS está sediada num Estado Membro da União Europeia (UE)– França, tem a denominação social de B... SA, possui o número de identificação fiscal Francês (NIF) FR ... (cf. Base de dados da AT), e lançou mão do dispositivo legal previsto no art.º 69.º-A do CIRC que estabelece a possibilidade de opção pela aplicação do RETGS, a sociedades residentes na UE ou Espaço Económico Europeu (EEU), mediante o preenchimento cumulativo das condições definidas no n.º1, e o cumprimento das demais exigências estabelecidas no citado artigo.
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A Requerente foi criada pelo DL n.º 404/98, de 18/12, tendo-lhe sido atribuída a concessão de serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil. (cf. artigo 12.º do DL).
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O regime jurídico geral que rege a aludida concessão foi estabelecido pelo DL n.º 254/2012, de 28/11 e formalizado por contrato de concessão (doravante designado de Contrato), celebrado em 14/12/2012.
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Desde 14/12/2012 a Requerente é concessionária do serviço público aeroportuário de apoio à aviação de um total de dez aeroportos nacionais, por um período de concessão de 50 anos, incumbindo-lhe a obrigação de “manter os Aeroportos em boas condições, assumindo a total e exclusiva responsabilidade da exploração, reparação, substituição, manutenção e gestão dos Aeroportos”.
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Como decorre da cláusula 12 do respetivo Contrato, durante a vigência da concessão, a Requerente tem o direito de utilizar todos os ativos afetos à concessão (bens móveis, imóveis e intangíveis), incluindo os que integram o domínio público ou que sejam propriedade privada de outras entidades públicas ou privadas, constantes dos Anexos 5 e 6 do Contrato.
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Nos termos da cláusula 14.5 do Contrato, a Requerente obriga-se a manter em permanente estado de funcionamento, de conservação e de segurança, de acordo com os parâmetros acordados, até ao termo da concessão, todos os bens móveis afetos à concessão, e a substituí-los, sem direito a indemnização, sempre que por desgaste, avaria ou obsolescência se mostrem inadequados ou desnecessários aos fins a que se destinam.
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De acordo com a cláusula 16 do Contrato, incumbe à Requerente manter os aeroportos em boas condições, assumindo a total e exclusiva responsabilidade pela sua exploração, reparação, substituição, manutenção e gestão.
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Findo o prazo da concessão, os ativos afetos à concessão revertem para o Concedente, livres de quaisquer ónus ou encargos, independentemente de a titularidade dos mesmos ser ou não detida pela Concessionária (cf. cláusulas 13.3, 14.3 e 67 do Contrato).
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A Requerente prepara a sua contabilidade em conformidade com as normas internacionais de relato financeiro – IFRS.
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Em virtude de celebração deste contrato e das obrigações aí assumidas, a Requerente passou a estar sujeita à International Financial Reporting Interpretations Comittee 12 (doravante designado de IFRIC 12).
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A Requerente apresentou em 2021 um novo pedido de informação vinculativa no sentido de as despesas de conservação e manutenção subjacentes serem integralmente reconhecidas e dedutíveis para efeitos fiscais no período de tributação em que são incorridas.
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A Requerente procedeu à entrega da Modelo 22 de IRC de 2021, bem como à entrega da Modelo 22 do RETGS, em Junho de 2022, tendo procedido à dedução nesse período da totalidade das despesas em trabalhos de renovação/substituição realizados nesse período.
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Em data posterior, a AT, no âmbito da resposta ao pedido de informação vinculativa apresentado em 2021, a qual foi notificada à Requerente já depois do termo do prazo legal para o efeito, optou por manter a interpretação já assumida na informação vinculativa de 2014, contrária ao entendimento da Requerente.
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Em conformidade, a Requerente procedeu à substituição da sua declaração individual Modelo 22 de IRC de 2021, com o consequente reflexo na Declaração Modelo 22 de IRC do Grupo por forma a autoliquidar o imposto em conformidade com a mesma, tendo, entretanto, procedido ao pagamento do montante adicional de imposto decorrente deste acto de liquidação.
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Pelo que, o montante de despesas com renovações/substituições das infraestruturas aeroportuárias a deduzir para efeitos fiscais no período de 2021 foi reduzido de € 6.497.311,23 para € 2.774.979,49, implicando esta redução o acréscimo ao lucro tributável da Requerente do montante de € 3.722.331,74, passando o lucro tributável da Requerente de € 48.646.232,05 para € 52.368.563,78 (cf. Quadro 9, campo 382 da Modelo 22, bem como o mesmo quadro da Modelo 22, o que se traduziu num montante adicional de IRC, Derrama Estadual e Derrama Municipal a pagar de € 545.492,46, acrescido de juros compensatórios no valor de € 13.637,92.
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No que concerne ao período de tributação de 2022, a Requerente, ao ter conhecimento do despacho de resposta da AT ao pedido de informação vinculativa apresentado em 2021, procedeu à submissão da sua declaração individual Modelo 22 de IRC de 2022, a 2 de junho de 2023, igualmente em observância da interpretação da AT.
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Através deste ato de autoliquidação de IRC, com o consequente reflexo na Declaração Modelo 22 de IRC do Grupo relativo ao período de tributação de 2022, foi apurado um montante de imposto a pagar de € 137.509.476,91.
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Sendo que por este acto de autoliquidação não foram considerados como gastos do exercício os dispêndios com renovações/substituições das infraestruturas aeroportuárias, não tendo o mesmo permitido a dedução ao lucro tributável do período de tributação de 2022 de um montante de € 2.553.540,21, nem a utilização de prejuízos fiscais disponíveis de um montante de € 2.977.865,39, perfazendo assim um montante adicional de IRC, Derrama Estadual e Derrama Municipal de € 1.428.500,45.
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A Requerente apresentou uma reclamação graciosa contra o ato de autoliquidação de IRC de 2021, bem como contra o acto de autoliquidação de IRC de 2022, pugnando nessa reclamação pela anulação desses atos de autoliquidação de IRC.
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Foi a Requerente posteriormente notificada do indeferimento da reclamação graciosa por despacho de indeferimento datado de 31/10/2023.
FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a decisão, não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA E NÃO PROVADA
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Foram ouvidos na qualidade de testemunhas C..., engenheiro do Departamento de Engenharia, D..., financeiro do Departamento de fiscalidade e contabilidade, ambos trabalhadores da Requerente, e E..., Revisor Oficial de Contas.
A testemunha C... confirmou especificamente que os trabalhos realizados foram de conservação e manutenção das infraestruturas nos aeroportos. Salientou ainda que, procedendo a Requerente à gestão de 10 aeroportos, por razões de logística e de dimensão das suas equipas técnicas de reparação, tais intervenções não se podem realizar em simultâneo, sendo antes alternadas entre si ao longo do tempo. Salientou ainda que essas mesmas intervenções são obrigatórias nos termos do contrato de concessão e que servem para fazer face ao desgaste decorrente do seu uso.
Tendo as outras testemunhas D... e F... confirmado igualmente o âmbito dos trabalhos de manutenção e conservação desenvolvidos pela Requerente. Estas testemunhas referiram igualmente que por força do contrato de concessão e pelas regras da IFRIC 12 aplicáveis que essas mesmas infraestruturas pertencem ao concedente, e que constitui activo intangível da concessionária o direito de cobrar as taxas aeroportuárias, e que o risco corre por conta da mesma concessionária.
Todas as testemunhas demonstraram estar recordadas dos factos e prestaram depoimento de forma clara, precisa e isenta.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental, a prova testemunhal, bem como o processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.
V. MATÉRIA DE DIREITO
- Introdução
No caso sub judice a Requerente é concessionária de dez aeroportos nacionais desde 2012. Até 2012 os investimentos em infraestruturas afectas à concessão eram considerados activos fixos tangíveis da Requerente, sendo depreciados nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009[1].
Com a assinatura do contrato de concessão, a natureza da atividade da Requerente obriga a que o contrato de concessão de serviços públicos celebrado com o Estado português siga, em termos contabilísticos, a Interpretação IFRIC 12 - Acordos de Concessão de Serviços[2].
Esta interpretação proporciona orientações quanto à contabilização pelos concessionários dos acordos de concessão de serviços pelo setor público ao privado.
A IFRIC 12 foi adotada pela União Europeia através do Regulamento (CE) n.º 254/2009 (Regulamento), de 25 de março[3] e estipula que:
“A IFRIC 12 é uma interpretação que esclarece a forma como devem ser aplicadas as disposições das Normas Internacionais de Relato Financeiro (IFRS) já aprovadas pela Comissão a acordos de concessão de serviços. A IFRIC 12 explica como deve ser reconhecida nas contas do concessionário a infra-estrutura subordinada ao acordo de concessão de serviços. Esclarece igualmente a distinção existente entre as diversas fases de um acordo de concessão de serviços (construção/exploração) e a forma como o rédito e os gastos devem ser reconhecidos em cada caso. Distingue dois modos de reconhecer a infra-estrutura e o rédito e os gastos conexos («modelos» de activo financeiro e de activo intangível), em função do grau de incerteza a que se encontra exposto o rédito futuro do concessionário.”.
No âmbito do parágrafo 11 da IFRIC “A infraestrutura dentro do alcance desta Interpretação não será reconhecida como imobilizado do operador, pois o acordo de serviço contratual não transmite ao operador o direito de controlar o uso da infraestrutura de serviço público. O operador possui acesso para operar a infraestrutura e fornecer o serviço público em nome do concedente, de acordo com os termos especificados no contrato.” (negrito e sublinhado nosso)
E nos termos do parágrafo 12 da IFRIC “De acordo com os termos dos acordos contratuais dentro do alcance desta Interpretação, o operador age como um provedor de serviço. O operador constrói ou melhora a infraestrutura (serviços de construção ou melhoria) usada para fornecer um serviço público e opera e mantém essa infraestrutura (serviços de operação) por um período específico de tempo.”
E, tal como resulta do parágrafo 14 da IFRIC “O operador contabilizará os serviços de construção ou melhoria de acordo com a IFRS 15”.
E decorre da cláusula 23 do aludido Contrato, que as receitas da concessão consistem nas taxas cobradas pela Concessionária como contrapartida pela prestação de actividades e serviços aeroportuários:
Tendo a Requerente por essa via passado a adoptar o modelo de contabilização do activo intangível aos activos afectos à actividade aeroportuária, mais especificamente conforme decorre do parágrafo 17 da IFRIC - “O operador reconhecerá um ativo intangível na medida em que receber um direito (uma licença) de cobrar os usuários do serviço público. Um direito de cobrar os usuários do serviço público não é um direito incondicional de receber caixa, pois os valores são contingentes na medida em que o público utiliza o serviço.” (negrito e sublinhado nosso).
Estatui ainda parágrafo 21 da IFRIC que “O operador pode ter obrigações contratuais que precisa cumprir como uma condição de sua licença (a) para manter a infraestrutura em um nível especificado de operacionalidade ou (b) restaurar a infraestrutura a uma condição especificada antes de ser transferida ao concedente no final do acordo de serviço. Essas obrigações contratuais para manter ou restaurar a infraestrutura, exceto qualquer elemento de melhoria (vide parágrafo 14), serão reconhecidas e mensuradas de acordo com a IAS 37, ou seja, pela melhor estimativa do gasto que seria exigido para liquidar a obrigação presente no final do período de relatório”.
In casu, nos termos do contrato de concessão em causa (Cf. Doc n.º 4, PPA), mais concretamente a cláusula 16 com a epígrafe “Obrigações de manutenção” determina que:
Ora, existindo uma obrigação legal e contratual de incorrer em tais encargos, tal como impõe o parágrafo 21 da IFRIC, deve ser constituída uma provisão de acordo com a IAS 37[4], de forma a evidenciar nas suas demonstrações financeiras, o encargo futuro decorrente dessa mesma obrigação.
Sendo que, o gasto inerente à provisão (constituição, reforço e atualização financeira) é reconhecido ao longo do período que decorre entre cada uma das referidas intervenções programadas na infraestrutura, por contrapartida de um passivo.
- Quanto à legalidade das liquidações impugnadas
Chegados a este ponto, não se verifica qualquer divergência de entendimento entre as partes quanto ao enquadramento contabilístico. Porém, tal como resulta do thema decidendum, a discordância resulta do momento da consideração como gasto fiscalmente dedutível das obras de manutenção e renovação incorridas pela Requerente ao abrigo do contrato de concessão que se passará a analisar de seguida.
Analise-se antes de mais o entendimento da AT:
Tal como resulta do respectivo arrazoado, a AT, na senda do PIV - pedido de informação vinculativa n.º 2219736 (Doc. n.º 11, PPA) que manteve o versado no anterior PIV de 2013 (Doc. n.º 5, PPA), veio pugnar que o montante total dos dispêndios com as intervenções de reabilitação, não deveriam de ser considerados como gasto do período do exercício em que foram efectuadas. Vejamos porquê.
Salienta a AT que as obras de conservação e manutenção nas infraestruturas aeroportuárias concessionadas, não são efetuadas todos os anos, e ocorrem a cada 15 anos. Refere ainda que essas mesmas intervenções irão garantir que estes bens físicos, objeto da concessão, se mantenham, pelo menos durante o período de tempo que decorre entre cada uma das intervenções, um nível especificado de capacidade para a prestação do serviço concessionado. E por essa via, na sua perspectiva, tais intervenções contribuem para a obtenção de rendimentos ao longo de diversos períodos, gerando benefícios económicos futuros. Nessa medida alega que atendendo ao regime de periodização económica, denominado contabilisticamente por regime contabilístico do acréscimo, que significa que na elaboração das demonstrações financeiras de uma empresa devem ser considerados os efeitos das operações quando estas ocorram e não apenas quando se dá o correspondente pagamento ou recebimento, o dispêndio total suportado deve concorrer para a formação do lucro tributável de vários períodos de tributação (processo de balanceamento de gastos com réditos). E na mesma linha de raciocínio o dispêndio incorrido deveria afectar negativamente o resultado tributável repartido pelo período de utilidade esperada, ou seja, fraccionado pelo número de anos até à próxima intervenção.
A este propósito, sustenta a Requerente que por força da adequação ao entendimento da AT no tocante à informação vinculativa teve que criar “activos teóricos” na sua contabilidade para poder acomodar a amortização, isto porque a mesma não detém os activos subjacentes, mas apenas o direito à sua utilização enquanto concessionária. E nessa medida, a Requerente critica a posição da AT porquanto pretende a aplicação do regime do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009 de 14 de Setembro a que refere o regime das depreciações e amortizações para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas. Tendo em resposta a AT sustentado que estas despesas não podem ser consideradas totalmente como gastos do período de tributação em que são efetuadas as intervenções porquanto estas vão perdurar até à próxima intervenção gerando benefícios económicos futuros, conferindo-lhe, assim, um tratamento fiscal SIMILAR (e não o mesmo como parece discorrer a Requerente) ao tratamento fiscal previsto no Decreto Regulamentar n.º 25/2009 para as depreciações ou amortizações dos ativos revertíveis e para as depreciações das grandes reparações e beneficiações.
Analise-se:
No caso dos autos, tal como se viu supra, por se tratar de uma concessão e se aplicarem as regras da IFRIC 12, a mesma é tratada contabilisticamente como um activo intangível da concessionária. Nessa medida, todos os contratos de concessão são um conjunto de activos que pertencente ao concedente, neste caso o Estado, e a concessionária tem o direito, no âmbito de prestação do serviço público, de utilizar esse mesmo conjunto de activos. Deste modo, o valor que foi investido pela concessão não é tratado como activo da concessionária, mas como activo intangível - mais concretamente o direito de cobrar os usuários do serviço público (cf. parágrafo 17 da IFRIC). Acresce ainda que, no caso em concreto, está em causa um serviço público e há um risco da remuneração da concessionária, dependente do número de passageiros que frequentam os aeroportos.
Ou seja, de acordo com esta norma, temos dois tipos de serviços de construção, os quais têm subjacentes critérios de registo contabilístico distintos:
1) serviços de construção ou valorização, serão novas construções relacionadas com as estruturas sujeitas à concessão, por exemplo, um novo terminal e
2) serviços de manutenção/reparação das infraestruturas, que é o ponto sobre o qual versa o pedido de pronúncia deste Tribunal.
Ora, se no caso da construção/valorização das infraestruturas se aplica o modelo do ativo intangível (de acordo com os pressupostos que constam na norma), no caso dos serviços de manutenção/reparação, em termos contabilísticos, estes nunca configuram um ativo na esfera da Reclamante, mas antes um gasto, sendo constituída uma provisão sempre que existam estimativas fiáveis de que a Reclamante irá incorrer num gasto futuro com reparação/manutenção das instalações objeto do contrato de concessão.
No tocante a estas provisões, a AT vem alegar que os gastos relativos à constituição/atualização da provisão conducentes à estimativa regular das responsabilidades assumidas para fazer face a renovações/substituições das infraestruturas aeroportuárias não reúnem os requisitos para a respetiva dedutibilidade fiscal, uma vez que esta provisão não se enquadra no elenco das provisões fiscalmente dedutíveis previstas no art.º 39.º do CIRC.
E nesse conspecto tem razão. Compulsado o elenco das provisões fiscalmente dedutíveis previstas no mencionado artigo 39.º, efectivamente não se encontra previsto. Contudo, tal não releva para os autos nomeadamente para a boa decisão da causa, porquanto a própria Recorrente não se opõe a tal entendimento e não é esse o cerne da discórdia.
Chegados aqui, importa tomar posição relativamente à consideração como gasto do exercício.
Como se viu a AT, por um lado, defende a amortização por um período fracionado na linha de um regime “similar” ao do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, e a Requerente, por outro lado, entende que as intervenções devem ser consideradas um gasto do exercício do período de tributação em que foram efectuadas.
É certo que o dispêndio incorrido irá ter reflexo nos anos seguintes até à realização de nova manutenção, o que deverá ocorrer nos 15 anos seguintes, e até se pode entender o racional da posição da AT. Mas também, por outro lado, sustenta a Requerente o referido dispêndio ocorre para que a operacionalidade das pistas seja mantida em condições que sejam, no mínimo iguais às da data de assinatura do Contrato de Concessão e não para dar lugar àquele rédito específico. Contudo, em qualquer dos casos, não cabe a este tribunal procurar soluções justas, porquanto, como é consabido, está vedado a este tribunal o recurso à equidade, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º do RJAT. E, no caso dos autos, o entendimento da AT carece de base legal.
Vejamos:
Em termos práticos, a AT pretende manter o anterior tratamento contabilístico que vigorava até 2012, reportando-se à situação em que a ora Requerente era detentora dos respectivos activos, que contabilisticamente eram considerados elementos do activo fixo tangível, isto é, sujeitos a periodização por um determinado período. Contudo, não se pode fazer tábua rasa do novo modelo de concessão, nomeadamente das regras contabilísticas impostas pela IFRIC 12, tal como já explicitado anteriormente.
Chegados aqui, como ponto prévio, com interesse para a boa decisão da causa é mister classificar as intervenções da Requerida ao abrigo do contrato de concessão.
In casu as intervenções realizadas foram apenas de serviços de manutenção/reparação das infraestruturas, e não serviços de construção ou valorização - matéria que nem é sequer controvertida. E nessa situação, por força das regras contabilistas vigentes (IFRIC 12), a Concessionária, ora Requerente, não é detentora dos activos subjacentes.
Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, incluindo os gastos com conservação e reparação, conforme previsto na alínea a) do n.º 2 do mesmo diploma.
E por seu turno, prevê o nº 1 do artigo 18.º CIRC que “Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica”. (negrito e sublinhado nosso)
Ora, no caso de activos tangíveis ou intangíveis o artigo 29.º do CIRC, sob a epígrafe Elementos depreciáveis ou amortizáveis, determina na alínea a) do n.º 1 que são aceites como gastos as depreciações e amortizações de elementos do activo sujeitos a deperecimento os activos fixos tangíveis e os activos intangíveis.
Como refere Rui Marques:
“Definido este quadro geral de referência, o Código do IRC revisto continua a remeter para diploma regulamentar o desenvolvimento deste regime. Em concreto, para o Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 de Setembro”.[5]
E refere ainda o mesmo autor que:
“O legislador estabelece que quer as depreciações quer as amortizações de elementos do activo sujeitos a deperecimento são aceites como gastos [artigos 23º, n.º 2, alínea g) e 34º, n.º 1, alínea a)] – incluindo-se os componentes, as grandes reparações e beneficiações e as benfeitorias reconhecidas como elementos desse activo (…)”.[6]
Isto é, nos casos que se subsumem na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do CIRC, os gastos devem efectivamente ser periodizados, conforme as regras estabelecidas no supracitado Decreto Regulamentar.
Contudo, decorre dos autos que os activos em causa não são pertença da ora Requerente, pelo que os gastos não podem ser capitalizados e, por consequência, dedutíveis pelo período de vida útil dos activos, conforme impõe o artigo 29.º do CIRC.
E, portanto, não se pode aceitar que a AT defenda um regime SIMILAR ao do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, sem a correspondente base legal. Defender-se o contrário seria admitir a aplicação analógica das normas de incidência tributária[7]. O que não é admissível, porquanto tal entendimento viola o princípio da tipicidade exclusiva, corolário do princípio da legalidade[8]; e uma interpretação proibida em Direito Fiscal, conforme o princípio da reserva de lei consagrado no n.º 2 do artigo 106.º da Constituição da República CRP e do n.º 4 artigo 11.º da LGT, que estatui que “As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica”.
Razão pela qual não pode ser aceite a periodização pelo tempo de vida útil, conforme o artigo 29.º do CIRC.
Acresce que a determinação do lucro tributável é feita de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 17.º do CIRC, nos termos do qual o lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do nº 1 do artigo 3º do CIRC é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do CIRC.
Assim, tal como resultado do artigo 17.º do CIRC, foi acolhido o modelo de dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade[9] para efeitos de apuramento do lucro tributável.
Conforme refere RUI MARQUES[10]:
“A norma do n.º 3 dá ampla guarida ao modelo de dependência parcial entre a tributação dos rendimentos das pessoas colectivas e a contabilidade, mediante o qual o lucro tributável é apurado a partir do resultado contabilístico, sem prejuízo, a jusante, dos ajustamentos extra-contabilísticos (positivos ou negativos) previstos na lei fiscal”.
Acresce que, a defender-se a tese da AT, também é colocada em crise a tributação pelo lucro real, confirme exigência prevista no n.º 2 do artigo 104.º da CRP, ao dispor que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.”. E neste ponto reconhece-se razão ao alegado pela ora Requerente, ao sustentar que esta interpretação da AT redunda num empolamento artificial do lucro tributável obtido pela Requerente nos períodos de 2021 e 2022, na medida em que proíbe a dedutibilidade de gastos inquestionavelmente dedutíveis para efeitos fiscais que foram efetivamente suportados nestes dois períodos de tributação, para impor a sua dedução fracionada ao longo de múltiplos períodos de tributação futuros.
Em face do exposto, sendo certo que (i) os gastos associados com reparação/substituição das infraestruturas são indispensáveis à prossecução da atividade da Reclamante, nos termos do art.º 23.º do CIRC, (ii) esses gastos em momento algum configuram activos para a Reclamante, (iii) tendo em conta as regras de periodização do lucro tributável e (iv) a dependência entre a fiscalidade e a contabilidade, entende este Tribunal que a Reclamante tem razão.
Termos em que os gastos ter-se-ão que considerar como fiscalmente aceites para efeitos de apuramento fiscal em IRC quando ocorre a despesa com a realização dos investimentos de reparação e substituição, de acordo com a obrigação contratual por força do contrato de concessão.
Verifica-se assim que os actos tributários objeto da presente acção arbitral assentam em erro na interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 17.º e 18.º do IRC.
Atendendo ao exposto, consideramos procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos tributários objeto da presente ação, por enfermarem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a sua anulação.
Deve, assim, o indeferimento da reclamação graciosa ser anulado, com a consequente anulação parcial das liquidações impugnadas, com as legais consequências.
- Da ilegalidade da liquidação de juros compensatórios
A Requerente pede, igualmente, a anulação do ato de liquidação de juros compensatórios, por não ser devido imposto; e, ainda que assim não se entendesse, sustenta que não lhe poderá ser imputada responsabilidade, porquanto não basta o atraso da entrega da liquidação devida, ou no pagamento do imposto, para efeitos da exigência de juros compensatórios, quando seja provocado pela conduta do contribuinte que, não obstante ser errónea a sua posição, ele tenha actuado de boa-fé.
Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 35.ºda LGT, “São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.”.
O STA, relativamente à falta de fundamentação das liquidações de juros compensatórios, bem como sobre o requisito da culpabilidade do sujeito passivo no retardamento da liquidação ínsito no artigo 35.º, n.º 1, da LGT, pronunciou-se no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0671/18.1BELLE, de 02/02/2022, e no qual se pode ler o seguinte:
“De acordo com o disposto no artigo 91.º do Código do IRS “Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35º da lei geral tributária”.
Dispõe, por sua vez, o n.º 1 do artigo 35.º da LGT, que “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
Já o Conselheiro Rodrigues Pardal, in «Questões de Processo Fiscal» - Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, págs. 19 e ss, ensinava que “Os juros compensatórios aparecem como um agravamento "ex-lege" proveniente de omissão de declarações ou de apresentação de documentos ou de falta de auto-liquidação ou insuficiente liquidação ou da falta de participação de qualquer ocorrência as quais tiveram como consequência o atraso da liquidação.
Fundamentam-se no princípio geral de que a utilização de um capital ou de uma coisa frutífera alheia obriga o utente ao pagamento de uma quantia correspondente ao tempo do respectivo gozo. Trata-se de uma «indemnização» pelo dano resultante do atraso da liquidação (cfr. artº 562º do Cód. Civil). (...)
Os juros compensatórios integram mais um caso de cláusula penal legal- «sopratassa», dos italianos (artº 5º da Lei de 7 de Janeiro de 1929, nº 4) - tendo a mesma natureza que a obrigação de imposto, liquidando-se conjuntamente com a obrigação principal.”
E segundo a jurisprudência Uniforme do STA[11], são três os requisitos da existência de juros compensatórios, a saber:- (i) retardamento da respectiva liquidação base; (ii) do imposto devido; e (iii) por facto imputável ao contribuinte.
Trata-se, pois, de uma obrigação com carácter indemnizatório, com equivalente no direito privado na responsabilidade pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso da prestação (artº 798º do Código Civil).
Diga-se ainda que, para que o sujeito passivo deva juros compensatórios, se exige um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual da prestação, sendo que a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou negligência, devendo, em todo o caso, indagar-se se a culpa está ou não excluída em concreto, sendo que a desculpabilidade ou razoabilidade, em termos de um contribuinte normal ou médio, do critério adoptado, em divergência com o Fisco, mesmo que erróneo, afasta a culpa, como se refere no Acórdão do STA de 18/02/1998, Proc. n.º 22325.
Ainda de acordo com a jurisprudência pacífica do STA, consagrada, entre outros, no acórdão de 11/10/2011, Proc. nº 04163/10, a culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte actuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, considerando, dessa forma, que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (como, por exemplo, a nível de custos fiscais) ou a erro desculpável do contribuinte, acrescendo ainda que não basta uma mera divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária para que seja excluída a culpa do contribuinte, é, ainda, necessário que tal divergência seja “compreensível”.
(...)
Nesta sequência, e quanto à matéria da falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, tal como se aponta na decisão recorrida, a jurisprudência deste Supremo Tribunal refere que “[e]stá cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 89º do CIVA e 35º da LGT) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art. 559º nº 1 do CCivil) e o valor dos juros” - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Março de 2016, Proc. nº 0805/15”.
Assim, são três os requisitos cumulativos da existência de juros compensatórios: (i) retardamento da liquidação base; (ii) de imposto devido; e (iii) por facto imputável ao contribuinte.
Nesta senda, tendo sido declarada a ilegalidade parcial dos actos tributários de liquidação de IRC de 2021 na parte contestada, nos termos supra, são também, em consequência, anulados os juros compensatórios calculados sobre a respetiva parte do montante daquela liquidação, por não estar preenchido o requisito da existência de imposto devido nos termos explicitados anteriormente.
- Dos juros indemnizatórios
Por último, a Requerente pede, ainda, o pagamento de juros indemnizatórios. De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do n.º 1 do art.º 43.ºda LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT, que dispõe que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”( CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).
O n.º 5 do art.º 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral” (CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).
Na sequência da anulação do acto impugnado, a Requerente terá direito a ser reembolsada do imposto indevidamente pago, o que é efeito da própria anulação, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.
Quanto ao direito a juros indemnizatórios, dispõe o art.º 43º nº 3 LGT que “são também devidos juros indemnizatórios (...) d) em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.
É o caso nos presentes autos, na medida em que a Requerente efetuou o pagamento do imposto liquidado pela AT, pelo que deverá ser ressarcida do montante indevidamente pago em sede de IRC, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios à luz do preceituado nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
Pelo que há que concluir que, transitada a presente decisão arbitral em julgado, a Requerente terá direito a ser ressarcida nos termos da alínea d) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT, através do pagamento de juros indemnizatórios.
VI. DECISÃO
Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito que supra ficaram expostos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, condenar a Requerida do pedido.
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar totalmente procedente o pedido da Requerente, declarando a ilegalidade parcial dos atos tributários de liquidação de IRC de 2021 e 2022 e, ainda, dos juros compensatórios ilegalmente liquidados com referência ao período de tributação de 2021, de modo a ser considerada fiscalmente dedutível a totalidade dos gastos com renovações/substituições de infraestruturas aeroportuárias suportados nesses períodos; e, bem assim, ordenando o reembolso do imposto pago em excesso e respetivos juros compensatórios;
-
Decretar a anulação do ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa previamente apresentada pela Requerente;
-
Reconhecer o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT;
-
Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.
VII. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se ao processo o valor de € 1.987.630,83 (um milhão novecentos e oitenta e sete mil seiscentos e trinta euros e oitenta e três cêntimos), indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT
VIII. CUSTAS
Custas no montante de € 26.010,00 (vinte e seis mil e dez euros), a cargo da Requerida, em razão do decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com os artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5, do RCPAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
CAAD, 6 de Outubro de 2024
Arbitro Presidente,
(Fernando Araújo)
Arbitro-Adjunto
(Sofia Jorge Gonçalves Xavier)
Arbitro-Adjunto (Relator)
(João Santos Pinto)
[1] Alterado pelas Leis 64-B/2011, de 30 de Dezembro, n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, e 82-D/2014, de 31 de Dezembro, e pelo Decreto Regulamentar n.º 4/2015, de 22 de Abril
[2] A aplicação das normas internacionais de contabilidade (IFRS) está prevista no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 158/2019, de 13 de julho, atualizado pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de Junho
[5] In Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág 281
[7] Inter alia Acórdão do STA de 26/06/2014, Proc n.º 0293/13.
[8] O princípio da legalidade exprime a subordinação jurídica da administração pública à lei e encontra-se nos artigos 2.º e no n.º 2 do 266º, da CRP e no artigo 8º da LGT
[9] Sobre este princípio ver Castro Tavares, 1999, “Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas coletivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 396, 2009, p. 47 e Nina Aguiar: “Modelos normativos de relação entre lucro tributário e contabilidade comercial”, in Fiscalidade nº 13/14, Jan./Abril, 2003, pp. 39-49
[11] Inter alia veja-se o Acórdão do STA de 02/02/2022, Proc n.º 671/18.1BELLE