Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1009/2023-T
Data da decisão: 2024-10-07  IRS Outros 
Valor do pedido: € 84.928,79
Tema: IRS – mais-valias imobiliárias – exclusão de tributação – habitação própria e permanente – dedução de encargos – Art.s 10.º, n.º 5 e 51.º do CIRS
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Sumário:

  1. As obras de remodelação de uma fração autónoma, envolvendo o reforço estrutural, reconfiguração de tipologia com demolição de paredes, colocação de novas divisórias, renovação de pavimentos, tetos, portas, roupeiros e armários, cozinhas, instalações sanitárias, redes diversas (elétrica, de gás, água e esgotos), climatização e isolamento térmico e acústico, não são de mera manutenção e contribuem diretamente para o incremento do valor da fração.
  2. As importâncias despendidas com tais obras são enquadráveis no conceito de “encargos com a valorização dos bens”, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRS, e acrescem ao valor de aquisição da fração autónoma, para cálculo da mais-valia obtida com a sua alienação.
  3. O domicílio fiscal constitui mera presunção da habitação permanente do sujeito passivo. Demonstrando-se que a fração autónoma alienada não correspondia à habitação permanente do Requerente, é inaplicável o regime de exclusão de tributação previsto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.
  4. A determinação do valor da causa no processo arbitral tributário, quando seja impugnado um ato de liquidação, rege-se pelo valor da liquidação que se pretende anulada, considerado pelo legislador como equivalente ao parâmetro da utilidade económica do pedido, nos termos do disposto no artigo 97.º, n.º 1 do CPPT, por remissão expressa do artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

                                                                                                 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (presidente), Arlindo José Francisco e Ricardo Marques Candeias, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 27 de fevereiro de 2024, acordam no seguinte:

 

           

            I.         Relatório

 

A..., contribuinte número..., adiante “Requerente”, e B..., contribuinte número..., doravante “Segunda Requerente”, designados em conjunto por “Requerentes”, casados, ambos residentes na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, e dos artigos 97.º e 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

Os Requerentes pretendem que seja declarada a ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) referente aos rendimentos do ano 2021, emitida sob o número 2023..., no montante total a pagar de € 85 735,81, incluindo juros compensatórios no valor de € 2 040,72, e, bem assim, da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, datada de 14 de setembro de 2023, que a tem por objeto, com fundamento em errónea qualificação e quantificação de rendimentos.

 

Neste âmbito, peticionam também a substituição do ato tributário impugnado por outro que considere:

  1. As despesas de manutenção, valorização e conservação da fração alienada (fração E – segundo andar direito), no valor de € 365 916,23; e
  2. As despesas suportadas a título de investimento na reabilitação, valorização e conservação daquela que passou a ser a sua habitação própria e permanente (fração F – segundo andar esquerdo), no valor de € 247 744,39. 

           

            Deduzem, por fim, o pedido dependente de compensação dos custos incorridos com a reclamação da decisão, que computam provisoriamente em € 6.000,00, acrescidos de juros custas e procuradoria.

 

Em 21 de dezembro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, do que foi notificada a AT.

 

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram oposição.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 27 de fevereiro de 2024.

 

            Em 9 de abril de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por exceção e por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”).

 

            Os Requerentes exerceram o contraditório sobre a matéria de exceção, em 26 de abril de 2024.

 

            Em 10 de julho de 2024, na sequência de reagendamento a pedido dos Requerentes, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, na qual foram inquiridas cinco testemunhas indicadas pela Requerente, sendo a primeira com intérprete de língua inglesa. As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas e o Tribunal determinou a prorrogação por dois meses do prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos previstos no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD). 

 

Requerida e Requerentes apresentaram alegações em 2 e 5 de setembro de 2024, respetivamente.

 

Posição dos Requerentes

 

            Segundo os Requerentes, encontram-se reunidos os requisitos previstos nos artigos 10.º, n.º 5 e 51.º do Código do IRS, na redação à data dos factos, pelo que as despesas suportadas com a renovação e remodelação de duas frações autónomas, que constituem, ou já constituíram, a sua casa de morada de família, têm de ser consideradas para efeitos de cômputo das mais-valias e apuramento do imposto devido. Aceitam, todavia, que os ensaios acústicos, garrafeira, micro-ondas, forno e gaveta de aquecimento clássica, relativos à fração alienada (E) não consubstanciam despesas dedutíveis.

 

            Os Requerentes sustentam que não é necessária a manutenção do domicílio fiscal do proprietário da fração para que esta seja considerada sua habitação própria e permanente.

 

            Preconizam, ainda, que não é necessário proceder à atualização do valor patrimonial das frações autónomas, pelo que tal condição, invocada pela AT, é desprovida de suporte legal, uma vez que o artigo 13.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) não tem aplicabilidade no âmbito do artigo 51.º do Código do IRS. 

 

            Concluem pela ilegalidade da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa e da liquidação adicional de IRS e peticionam também a compensação “por todos os custos incorridos com a reclamação daquela decisão […], acrescidos de eventuais juros, custas e procuradoria”.

Posição da Requerida

 

            A Requerida começa por suscitar a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação do pedido de compensação dos Requerentes por todos os custos incorridos com a reclamação da decisão, atendendo a que o artigo 2.º do RJAT que recorta a competência destes tribunais a circunscreve à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de atos de fixação da matéria tributável, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais. Logo, este pedido apenas pode ser efetuado numa ação de responsabilidade civil extracontratual do Estado, para a qual é competente o Tribunal Administrativo e Fiscal (v. artigo 4.º, n.º 1, alínea g) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – “ETAF”).

 

            Em decorrência, invoca também a inidoneidade do meio processual relativamente ao referido pedido de compensação, que terá de ser solicitado por via da ação administrativa (v. artigo 37.º, nº 1, alínea k) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – “CPTA”), e ainda a irrelevância do valor da compensação para determinar a utilidade económica do pedido que deve ser aquilatada pela liquidação de IRS sob escrutínio.

 

            Em relação ao mérito da causa, a Requerida considera que, ao contrário do defendido pelos Requerentes, é percetível que um homem médio saberia distinguir a fração direita e a fração esquerda, que possuem tipologias e áreas diferentes, sendo infundados os argumentos de que aqueles fizeram confusão e trocaram as frações.

 

            Segundo a Requerida, a vexata quaestio respeita ao conceito de habitação própria e permanente exigido pelo n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, conexo com o de residência (v. artigo 16.º, n.º 1 do mesmo diploma) que, na falta de definição legal, depende de análise casuística, devendo o elemento volitivo – “a intenção de manter e ocupar um determinado local como residência habitual” – ser aferido objetivamente, através de manifestações externas de vontade. A residência própria e permanente traduz a ligação da pessoa ao local onde pessoa normalmente vive de forma duradoura e tem o seu centro de vida (v. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de novembro de 2011, processo n.º 0590/11, e do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12 de novembro de 2012, processo n.º 05810/12).

 

            Tendo em conta que o Requerente não declarou, quando da sua aquisição [em fevereiro de 2019], que a fração E (que veio a alienar em 2021) era destinada à sua habitação própria e permanente e que inclusivamente alterou o seu domicílio fiscal nesse mês de fevereiro de 2019 para outra fração (a fração F), só tendo declarado a alteração do seu domicílio para a fração que foi alienada (a E) poucas semanas antes desta ser vendida (comunicou o novo domicílio em 18 de outubro de 2021 e procedeu à venda da fração em 24 de novembro de 2021) recorta-se de forma clara, na perspetiva da Requerida, que a fração E (segundo andar direito) não era a habitação própria e permanente do Requerente e que esta mudança de domicílio à última hora apenas visou contornar o disposto no corpo do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.

 

            Conclui, por isso, que o Requerente não conseguiu demonstrar que a fração alienada em 2021 (E) era sua habitação própria e permanente, sendo-lhe inaplicável o regime do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS por não estarem reunidos os respetivos pressupostos. 

 

            Sobre o reconhecimento e dedução à coleta do IRS, ao abrigo do disposto no artigo 51.º, alínea a) do Código do IRS, das obras de valorização realizadas no bem alienado em 2021 (fração E), a Requerida argui que as mesmas tiveram por escopo a mera preservação do bem, não se destinando a aumentar o seu valor, pelo que não são enquadráveis no mencionado conceito de valorização, por não estar comprovado um nexo indissociável entre essas despesas e o aumento do preço do bem. Invoca doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (acórdão de 21 de março de 2012, processo n.º 0587/11) e do Tribunal Central Administrativo Sul.

 

            Assinala que embora os Requerentes tenham agora apresentado faturas retificadas, isso é insuficiente, pois, para que as despesas sejam consideradas de valorização e aceites nos termos do artigo 51.º do Código do IRS, seria necessário que tais despesas gerassem um aumento do valor intrínseco do imóvel, o que implica a atualização do valor tributário, a qual não se verificou in casu, uma vez que as obras não deram origem à participação Modelo 1 do IMI para efeitos de avaliação.

 

            A final, a Requerida pugna pela procedência das exceções, relativamente ao pedido de compensação, e pela improcedência da ação, com a absolvição de todos os pedidos, incluindo o de juros indemnizatórios, por inexistir qualquer erro imputável aos serviços, com as legais consequências.

 

 

II.        Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do ato de liquidação de IRS e juros compensatórios impugnado, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

            No entanto, no que se refere ao pedido de compensação dos custos incorridos com a reclamação da decisão e procuradoria, este não se enquadra no âmbito da jurisdição arbitral, delimitada pelo artigo 2.º, n.º 1 do RJAT às pretensões de declaração de ilegalidade de atos de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta de tributos[1].

 

            Em geral, caso a ação seja procedente, os prejuízos causados pela atuação da AT são ressarcidos através de juros indemnizatórios, previstos nos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária (“LGT”)[2], constituem uma presunção dos danos sofridos e que se inscrevem no dever, que impende sobre a entidade administrativa, de restabelecimento da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, conforme consagrado no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT. Neste âmbito, Jorge Lopes de Sousa[3] salienta que o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios que consta das leis tributárias constitui uma forma de concretizar o direito (preexistente) à reparação dos danos provocados por um ato ilegal, um “meio expedito e, por assim dizer, automático, de indemnizar o lesado. Independentemente de qualquer alegação e prova dos danos sofridos, ele tem direito à indemnização ali estabelecida […]”[4].

 

            A jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência dos Tribunais Arbitrais para reconhecer o direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados.

 

O que significa que na execução do julgado anulatório a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que “existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”, desde que se verifique o pressuposto do erro imputável aos serviços e se demonstre que o imposto foi pago (artigo 43.º, n.º 1 da LGT).

 

Porém, se existirem prejuízos ressarcíveis que ultrapassem o quantum dos juros indemnizatórios, o respetivo apuramento não é passível de ser efetuado pelos Tribunais Arbitrais, por não estar prevista norma habilitante (atributiva de competência) no RJAT. Saber se o meio próprio para a pretensão ressarcitória, derivada da responsabilidade civil extracontratual do Estado, é o da ação administrativa comum (v. artigo 37.º, n.º 1, alínea k) do CPTA), como argui a Requerida, ou a ação para o reconhecimento de um direito (artigo 145.º do CPPT)[5], bem como o Tribunal em que a mesma deve ser deduzida, constitui matéria que não cabe dirimir nesta sede. Com efeito, sendo o Tribunal Arbitral incompetente para conhecer tal questão, nos moldes enunciados, o mesmo não tem de se pronunciar sobre outras eventuais exceções, como a inidoneidade do meio processual, nem sobre os passos seguintes do iter cognoscitivo.

 

Nestes termos, o Tribunal Arbitral não tem competência material para apreciar o pedido de compensação de danos dos Requerentes, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mesmo, nos termos do disposto nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (“CPC”) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea a) do CPTA, por remissão sucessiva do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT e do artigo 2.º, alínea c) e e) do CPPT, com a consequente absolvição parcial da Requerida da instância.

 

Sobre a cumulação de pedidos prevista no artigo 3.º do RJAT, a que os Requerentes apelam, aquela só é permitida relativamente a pretensões abrangidas pelo âmbito de competência atribuído à jurisdição arbitral, o que não se verifica neste caso.

 

Em relação à parte remanescente, respeitante à liquidação de IRS e juros inerentes, verifica-se a regularidade da instância, em concreto:  

  • Que as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e se encontram devidamente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março); e
  • Que o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), i.e., dentro de 90 dias a contar da notificação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa.

 

Sobre o Valor da Causa

 

            Segundo o disposto no artigo 306.º do CPC, é ao Tribunal que cabe fixar o valor da causa[6], sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as Partes.

 

            O Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) prevê, de forma expressa, no seu artigo 3.º, n.º 2 que o “valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, dispondo, por seu turno, este último preceito, com relevância para a questão em análise, o seguinte:

Artigo 97.º-A

Valor da causa

1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:

a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;

b) Quando se impugne o ato de fixação da matéria coletável, o valor contestado;

c) Quando se impugne o ato de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado;

[…]”.

 

            Na situação vertente, o pedido dos Requerentes dirige-se à anulação (integral) do ato de liquidação adicional de IRS, incluindo juros compensatórios, devendo reger-se, portanto, pelo critério da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, i.e., pelo valor da liquidação que se pretende anulada, considerada, assim, pelo legislador como equivalente ao parâmetro da utilidade económica do pedido[7] na ação impugnatória.

 

            O ato de liquidação de IRS e inerentes juros ascendem à importância total € 85 735,81, distinta daquela indicada pelos Requerentes como valor da ação, de € 84 928,79. O critério legal escolhido para determinar o valor da causa não é influenciado pelo valor de outras pretensões deduzidas, como o pedido dependente de juros indemnizatórios, ou de outros fatores alheios ao ato de liquidação, pelo que deve ater-se ao valor desta última.

 

            À face do exposto, fixa-se o valor da causa no montante de € 85 735,81. Esta alteração não suscita, contudo, a variação das custas processuais (taxa de arbitragem), uma vez que se mantém o enquadramento no mesmo escalão da Tabela de Custas.

Não foram identificadas outras questões prévias ou nulidades processuais.

 

 

            III.      Fundamentação de Facto

 

            1.         Matéria de Facto Provada

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:

 

  1. Em 7 de fevereiro de 2019, o Requerente, A..., adquiriu duas frações autónomas no 2.º andar do prédio urbano sito na ..., n.º ... e ..., n.ºs ... a ..., da freguesia da ... (antiga freguesia de ...), concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... . Estas frações correspondem ao segundo andar direito – letra E –, com o artigo matricial ...-E (antigo artigo ...), e ao segundo andar esquerdo – letra F –, com o artigo matricial ...-F (antigo artigo...), tendo sido adquiridas pelo valor de € 400 000,00 e de € 700 000,00, respetivamente, perfazendo a importância global de um milhão e cem mil euros – cf. Documento 1 (cópia da escritura de compra e venda).
  2. A fração E (segundo andar direito) consta da correspondente caderneta predial como tendo a área bruta privativa de 123,6000 m2, com a descrição de “2.º andar direito, composto de 7 divisões assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho, arrecadação, hall e varanda” – cf. Documento 2 (cópia da caderneta predial). 
  3. Na correspondente caderneta predial, a fração F (segundo andar esquerdo) dispõe de uma área bruta privativa de 229,7300 m2 e é descrita como “2.º andar esquerdo composto de 10 divisões assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho, arrecadação, marquise e varanda” – cf. Documentos 2 e 3 (cópia das cadernetas prediais das duas frações).

 

 

  1. Na escritura de aquisição das duas frações autónomas acima identificadas, o Requerente declarou expressamente que a fração F (2.º andar esquerdo) se destinava a sua residência permanente, nada tendo declarado quanto à afetação/destino da fração E (2.º andar direito) – cf. Documento 1 (cópia da escritura de compra e venda).
  2. À data da aquisição, as duas frações autónomas em apreço estavam interligadas entre si, constituíam um espaço unificado com utilização de escritório/comercial, circulando-se de uma ponta a outra do espaço conjunto. As portas de acesso às frações não tinham a indicação do lado esquerdo ou direito – cf. depoimento das testemunhas (primeira, quarta e quinta).
  3. O Requerente adjudicou um projeto de remodelação integral das duas frações autónomas. Foi colocada uma parede divisória entre os dois apartamentos e iniciaram-se as obras na mais pequena, a fração E (segundo andar direito), do que resultou um apartamento com a tipologia T2. Subsequentemente, foram realizadas as obras na fração maior, a fração F (segundo andar esquerdo), do que resultou um apartamento com a tipologia T3 – cf. Documentos 4 e 7 (cópia da proposta de projeto de arquitetura e do mapa (auto) de medição dos trabalhos) e depoimento das testemunhas (primeira, segunda, terceira e quinta).
  4. Em ambas as frações, E e F, realizaram-se obras profundas, que implicaram o reforço de estruturas (que se encontravam desalinhadas), com a substituição de barrotes podres, a demolição de paredes e remoção de tetos falsos, regularização e pintura de paredes, novos pavimentos, tetos, portas e demais carpintarias (roupeiros e armários), cozinhas e instalações sanitárias novas, bem como a execução de redes elétrica e de gás, de águas e esgotos, de climatização e isolamento térmico e acústico – cf. Documentos 4 e 7 (cópia da proposta de projeto de arquitetura e do mapa (auto) de medição dos trabalhos) e depoimento das testemunhas (quarta e quinta).
  5. Em 20 de fevereiro de 2019, o Requerente alterou o seu domicílio fiscal para a fração F, correspondente ao segundo andar esquerdo do prédio supra identificado – cf. PA.
  6. Em 18 de outubro de 2021, o Requerente alterou o seu domicílio fiscal para a fração E (segundo andar direito) do prédio supra identificado – cf. PA.
  7. Em 24 de novembro de 2021, o Requerente alienou a citada fração E (segundo andar direito), com a intervenção de mediador imobiliário, pelo valor de € 900 000,00, tendo este preço sido pago da seguinte forma – cf. Documento 5 (cópia da escritura de compra e venda):
    1. € 260 000,00, no dia 26 de outubro de 2021;
    2. € 10 000,00, no dia 23 de novembro de 2021; e
    3. € 630 000,00, no dia 24 de novembro de 2021.
  8. Em 4 de dezembro de 2021, o Requerente alterou novamente o seu domicílio fiscal para a fração F (segundo andar esquerdo) do prédio supra identificado – cf. PA.
  9. Em 31 de outubro de 2022, os Requerentes submeteram a declaração modelo 3 de IRS referente ao ano 2021, com o n.º...-2021-... -..., com os anexos B, G, J e L, reportando como dedutíveis, no âmbito das mais-valias realizadas com a alienação da fração E (segundo andar direito), despesas e encargos suportados com este imóvel, na importância de € 245 711,81 – cf. PA.
  10. Esta declaração foi objeto de divergência, tendo a AT aberto um procedimento para a respetiva análise – cf. PA.
  11. No âmbito deste procedimento, os Requerentes entregaram à AT diversos documentos relacionados com a prova das obras nas frações E e F e do seu valor – cf. PA.
  12. Da análise dos documentos, a AT (Serviço de Finanças de Lisboa ...) concluiu pela necessidade de correções / liquidação adicional de IRS com os seguintes fundamentos – cf. PA.:

Em 202212-17 foi criado na aplicação de Gestão de Divergências, um processo para análise da declaração de IRS do ano de 2021-CÓDIGO D39-alienação de imóvel-COMPROVAR VALORES.

Na mesma data, foi emitida pelo ofício GIC..., notificação automática aos sujeitos passivos, para comparecerem neste serviço, com o propósito de prestar esclarecimentos sobre a situação descrita.

Não compareceram.

Por esse facto, foram posteriormente notificados pelo ofício GI-...para exercer o direito de audição prévia, nos termos do art.º 60.º da Lei Geral Tributária relativamente ao projeto de correção da declaração que entregaram.

Ontem, foram entregues no serviço vários documentos, que foram objeto de análise, tendo-se concluído pela necessidade de corrigir a declaração entregue, porquanto:

A fração alienada não foi adquirida para habitação própria e permanente, aquando da aquisição, conforme consta da respetiva escritura, pelo que não pode haver o benefício da exclusão de mais valias, de acordo com o que indicaram no quadro 5A do anexo G- nº5 do art.º 10.º do CIRS;

Quanto [à]s despesas apresentadas, a maioria refere-se ao 2.º andar direito e não 2.º esquerdo, que foi a fração alienada, pelo que não são aceites e ainda porque:

-Ensaios Acústicos- não configuram o conceito de despesas de valorização e conservação e a localização dos trabalhos não se refere ao andar em causa;

-Faturas de obras, sem apresentação do respetivo orçamento;

-Caixilharias de alumínio- fatura com indicação de morada diferente do imóvel em causa;

-Fatura sistema vídeo- indica o andar 2.º esq.º;

-Obras no condomínio- não foram apresentados os orçamentos nem as faturas;

-Certificado energético- refere o 2.º esq.º;

-Fatura 567 e outras- referem o 2.º esq.º e algumas indicam que se referem a garrafeira, micro-ondas, forno, gaveta de aquecimento clássica, etc., bens que não configuram o conceito de despesas para efeitos da categoria G.

Pelo que, do valor declarado no quadro 4 a título de despesas vai ser aceite o valor de € 76.314,75, sendo € 20.964,75 referente ao IMT e € 55.350,00 relativo ao pagamento da mediação imobiliária.

E porque não pode haver o benefício da exclusão de tributação, pela via do reinvestimento, o quadro 5 A, não será preenchido.

Em face do acima referido, propõe-se a correção oficiosa da declaração em causa nos termos do nº4 do art.º 65.º do CIRS.”

  1. Em 7 de fevereiro de 2023, foi apresentada pelos Requerentes a declaração de IRS n.º ...-2021-...-..., com alteração aos valores declarados no anexo G, da qual resultou a liquidação [adicional] n.º 2023..., referente ao IRS de 2021, pelo valor de € 85 735,81, que já inclui juros compensatórios de € 2 040,72 – cf. PA.
  2. Inconformados com a liquidação adicional de IRS, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa (n.º 2023... –...2023...), que veio a ser parcialmente deferida, por despacho de 14 de setembro de 2023, do Chefe de Divisão de Direção de Finanças (ao abrigo de subdelegação de competências). Do total de € 245 711,81 de despesas e encargos declarados pelo Requerente, referentes à fração E, não foram aceites € 166 197,06 (€ 245 711,81 - € 79 514,75) – cf. Documento 6 e PA.
  3. A parte das despesas que foi aceite, de € 79 514,75, respeita ao IMT e Imposto do Selo suportados com a aquisição da fração E e à comissão de mediação imobiliária – cf. Documento 6 e PA.
  4. Constam como fundamentos da decisão da reclamação graciosa, com relevância para os autos, os seguidamente transcritos – cf. Documento 6 e PA:

V – DESCRIÇÃO SUCINTA DOS FACTOS

19. A 31/10/2022, os reclamantes submeteram a declaração modelo 3 de IRS com referência ao ano de 2021, n.º ...-2021-...-..., com os anexos B, G, J e L.

20.            A referida declaração foi objeto de divergência (D39), referente a Alienação de imóveis não declarada ou necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor de alienação, data de aquisição dos imóveis alienados ou afetação a atividade profissional.

21. Após o prazo para audição prévia de 15 dias, e com base da documentação apresentada, a AT, concluiu pela elaboração do Documento de Correção.

22. Tendo a 07-02-2023, sido recolhida a declaração n.º ...-2021-... -..., com alteração aos valores declarados no anexo G, da qual resultou a liquidação n.º 2023 ... do IRS do ano de 2021, no valor a pagar de € 85.735,81, com juros compensatórios incluídos no valor de € 2.040,72, objeto do presente pedido de revisão oficiosa.

VI- ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER

23.            A presente reclamação prende-se, com o anexo G da modelo 3, resultante da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, al. a) do n.º 1 do art.º 10.º do Código do IRS (CIRS), e o subsequente reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a Habitação Própria e Permanente (HPP).

24. Da análise à declaração (...-2021-... -...) submetida a 21/10/2022, obtém-se a seguinte informação do anexo G, do quadro 4 – Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (art.º 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS, que a B..., NIF ... (SP-A) alienou, na quota parte de 100%, o imóvel Fração "E", tipo urbano, inscrito com o código de freguesia (...), sob o artigo matricial n.º ... e do qual constam os seguintes dados:

- Valor de realização de € 900.000,00, em 11/2021;

- Valor de aquisição de € 400.000,00, em 02/2019;

- Despesas e encargos de € 245.711,81.

25. E no quadro 5-A:

Q5- A- REINVESTIMENTO DO VALOR DE REALIZAÇÃO DE IMÓVEL DESTINADO A HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE

Ano C5001 – 2017 --------Campo do quadro 4 -C 5002 – 4003

INTENÇÃO DE REINVESTIMENTO

C5006 - Valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito) na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel -------------         € 900.000,00

ANTES DA ALIENAÇÃO

C5007 – Valor de realização reinvestido nos 24 meses anteriores à data da alienação (sem recurso ao crédito) ------------------------------------------------------------------- € 900.000,00

26.            No quadro 5-A1, a identificação Matricial do Imóvel Objeto de Reinvestimento (no Território Nacional), o imóvel Fração "F", tipo urbano, inscrito com o código de freguesia (...), sob o artigo matricial n.º..., na quota parte de 100,00%.

27. Começando pela validação dos valores declarados no anexo G do quadro 4:

28. Verifica-se que em consulta ao contrato de compra e venda que consta no processo de divergência (... pág. 18 a 22 CPS), que o reclamante A... - NIF ... (SP-B), adquiriu na situação de divorciado, os seguintes imóveis urbanos, a 07/02/2019, e que está de acordo com a modelo 11:

- O imóvel Fração "E", tipo urbano, inscrito com o código de freguesia (...), sob o artigo matricial n.º ..., segundo andar direito, pelo valor de € 400.000,00;

- O imóvel Fração "F", tipo urbano, inscrito com o código de freguesia (...), sob o artigo matricial n.º ..., segundo andar esquerdo, pelo valor de € 700.000,00 e que esta fração se destinava à sua Habitação Própria e Permanente (HPP).

29.            Passando ao valor da alienação, em consulta à modelo 11, verifica-se que o imóvel urbano sob o artigo matricial n.º... (código de freguesia ...), fração "E", foi alienado a 24/11/2021 , pelo valor de € 900.000,00, pelo A...- NIF... (SP-B) e de acordo com a escritura de alienação, na situação de casado com B..., sob o regime de separação de bens.

30.            Assim, relativamente às despesas e encargos, referente ao imóvel adquirido a 07/02/2019, sob o artigo matricial n.º ... (código de freguesia ...), fração "E", o reclamante indicou ter efetuado despesas, num total € 245.711,81.

31. Tendo-se verificado, em processo de divergência que, a maioria das despesas apresentadas refere-se ao 2.º Esq. (fração F) e não ao 2.º direito (fração E), que foi a fração alienada, pelo que não são aceites e ainda porque:

a)  Ensaios acústicos – não configuram o conceito de despesas de valorização e conservação;

b)  Faturas de obras, sem apresentação do respetivo orçamento;

c)  Fatura sistema vídeo – indica o andar 2.º esq.º;

d)  Obras no condomínio – não foram apresentados os orçamentos nem as faturas;

e)  Certificado energético – refere o 2.º esq.º;

f)  Fatura 567 e outras – referem o 2.º esq.º e algumas indicam que se referem a garrafeira, micro-ondas, forno, gaveta clássica, etc, bens que não configuram o conceito de despesas para efeitos da categoria G.

32. Vindo nesta sede, os reclamantes e apresentar faturas retificadas, e apresentar os seus argumentos conforme elencado nas alegações.

33. Assim, somos a informar, que no âmbito da categoria G e para efeitos do disposto no artigo 51.º do CIRS, consideram-se encargos de valorização, as despesas realizadas nos últimos 12 anos, comprovadamente, suportadas pelo titular do direito de propriedade do bem objeto de alienação onerosa que, pela sua natureza, se mostrem indissociáveis do mesmo, e efetivamente, contribuam para o valorizar, pelo que não se poderão confundir com meras despesas de conservação, eventualmente, elegíveis para efeitos da categoria F, nos termos do disposto no art.º 41.º do CIRS.

34.            Para que uma despesa se qualifique como valorização é necessário que, como o próprio nome indica, acrescente valor ao prédio, ou seja que efetivamente, contribua para o valorizar.

35. Conforme prevê a al. d) do n.º 1 do art.º 13.º do CIMI, a atualização da matriz é efetuada com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo, no prazo de 60 dias contados a partir da conclusão das "obras de edificação, de melhoramento ou outras alterações que possam determinar variação do valor patrimonial tributário do prédio".

36.            Conclui-se, assim, que para ser considerada como despesa de valorização aceite nos termos do art.º 51.º do CIRS, é necessário que essa despesa implique um aumento do valor intrínseco do imóvel, o que implica a atualização do seu valor tributário.

37. Mais se verifica a apresentação da modelo 1, pedido de avaliação a 29/09/2020, nos termos da al. n) do n.º 1 do art.º 130.º do CIMI, para efeitos de retificação das áreas.

38. Assim, da análise às despesas apresentadas, e considerando que não deram origem a participação modelo 1 do IMI para efeitos de avaliação, nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 13.º do CIMI, verificamos as despesas às mesmas associadas não se enquadram no art.º 51.º do CIRS, pelo que, não poderão ser consideradas no apuramento da mais-valia decorrente da venda do imóvel.

39.            As despesas e encargos aceites nos termos do art.º 51.º do CIRS, são as seguintes:

- no valor de € 20.964,75 de IMT, € 3.200,00 de Selo da verba 1.1, e € 55.350,00 da Imobiliária que consta a sua intervenção na escritura da alienação, num total de € 79.514,75, carecendo de correção do valor considerado em processo de divergência de € 76.314,75 para € 79.514,75 (€ 76.314,75 + € 3.200,00).

40. Passando à análise à questão do reinvestimento.

41. Assim, para que seja considerado reinvestimento o valor de realização de imóvel destinado a habitação própria e permanente, para além do imóvel alienado ter que ser considerado de habitação própria e permanente há que obedecer ao n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, conjugado com o n.º 6 do mesmo artigo.

42.            Da análise ao imóvel alienado no ano de 2021, da consulta à modelo 11 da escritura de 24/11/2021, verifica-se que o imóvel alienado sobre o artigo matricial n.º ... Fração "E", do tipo urbano, (código...), é localizado, ..., n.º ..., tornejando para as ..., n.º ... a n.º ... - Andar/Divisão:..., ...-... LISBOA.

43.            O requerente (SP-B), à data da alienação 24/11/2021, tinha a sua morada fiscal em ..., ..., ...-... LISBOA, com data de produção de efeitos a 18/10/2021 e o (SPA) tinha a sua morada fiscal em ..., ..., ...-... LISBOA, com data de produção de efeitos de 17/12/2019.

44.            Sendo que o (SP- B), em 20/02/2019, alterou a sua morada fiscal, para ..., ...-... LISBOA, morada que teve até 17/10/2021.

45. De referir que a 07/02/2019, o reclamante (SP- B) adquiriu 2 imóveis, sobre o artigo matricial n.º ..., do código freguesia (...), tendo indicado que o imóvel da fração "F", 2.º Esq. era a sua Habitação Própria e Permanente (HPP), tanto mais, que a taxa a aplicada de IMT, é da tabela da al. a) do n.º 1 do art.º 17.º do CIMT, ao contrário da o imóvel da fração "E", 2.º Dto, considerada como de habitação, que é a tabela da al. b) do n.º 1 do art.º 17.º do CIMT.

46. Por sua vez, deixam de usufruir das taxas previstas na al. a) do n.º 1 do art.º 17.º do CIMT, se o imóvel não for afeto à habitação própria e permanente no prazo de seis meses a contar da data da aquisição, tendo-se verificado que o reclamante (SP-B), alterou a sua morada fiscal a 20/02/2019, para ..., ...-... LISBOA, morada que teve até 17/10/2021.

47. De referir, que está contemplado uma penalização para a utilização indevida das taxas da al. a) do n.º 1 do art.º 17.º do CIMT, deixando de usufruir desse benefício, nomeadamente quando aos bens for dado destino diferente daquele em que assentou o beneficio, no prazo de seis anos a contar da data da aquisição, salvo no caso de venda.

48.            Donde se verifica que, cerca de um mês antes da alienação do imóvel da fração "E" 2.º Dtº, o reclamante (SP-B) alterou a sua morada fiscal, pelo que, somos de concluir, que este não era a sua habitação própria e permanente, mas sim a fração "F", 2.º Esq, ao contrário do que o reclamante nos quer fazer querer.

49.            A acrescer ao facto de, analisadas as faturas emitidas e apresentadas, como despesas, constar a seguinte morada: "R. ..., ...-... Lisboa".

50.            De referir que, atendendo ao conceito de residência permanente, que se entende como correspondendo ao local onde se tem centrada a vida doméstica com estabilidade e por forma duradoura, o local onde se pernoita, se tomam as refeições, se recebem familiares e amigos, onde, em suma, se tem constituído o lar com todo o ritual e laços que lhe estão associados e lhe são próprios e são traços constitutivos e indispensáveis da residência permanente, a habitualidade, a estabilidade e a circunstância de constituir o centro da organização da vida doméstica.

51. E não possam existir situações indiciadoras do exercício de uma verdadeira atividade comercial de compra e venda de bens imóveis, a tributar, na circunstância, em sede própria, a Categoria B do Código do IRS.

52.            Daqui resulta provado que, o SP-B alienou imóvel que não se destinava a sua habitação própria e permanente ou do seu agregado familiar, pelo que os ganhos assim obtidos não podem deixar de estar sujeitos a tributação, nos termos do disposto no art.º 10.º nºs 1, al. a) e 5 do CIRS, à contrário.

53.            Considerando que o imóvel alienado era unicamente pertença do SP-B (A...) uma vez que, o mesmo foi adquirido na situação de divorciado e na alienação encontrava-se casado no regime de separação de bens, deverá considerar-se, assim a quota parte de 100% e não como foi efetuado na recolha da declaração oficiosa 50% do SP-A e 50% do SP-B, em processo de divergência.

54.            Face ao tudo exposto propõe-se a alteração parcial da modelo 3 de IRS oficiosa n.º ...-2021-... -..., de 07/03/2023, considerando o imóvel alienado na quota parte de 100% do SP-B (B...), como se indica:

-    Valor de realização de € 900.000,00, em 11/2021;

-    Valor de aquisição de € 400.000,00, em 02/2019;

-    Despesas e encargos de € 76.314,75 para € 79.514,75 (€ 76.314,75 + € 3.200,00).

55. Acrescenta-se ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, não assiste aos reclamantes o direito a juros indemnizatórios.

VII – PROJETO DE DECISÃO

Face ao acima exposto e, salvo melhor entendimento, propõe-se o DEFERIMENTO PARCIAL da reclamação, de acordo com os fundamentos da presente informação:

  1. INDEFERIMENTO, quanto ao valor de despesas e encargos no montante de € 166.197,06 (€ 245.711 ,81 - € 79.514,75).
  2. DEFERIMENTO, quanto ao valor de € 3.200,00, referente a Imposto de selo, acrescendo ao valor já considerado de despesas e encargos no valor de € 76.314,75, o que perfaz o total de € 79.514,75.

[…]

IX – AUDIÇÃO PRÉVIA

[…]

O reclamante foi considerado notificado em 26/06/2023 e veio exercer o direito de audição prévia através de requerimento apresentado em 11/07/2023, via email, dentro do prazo legal para o efeito, e a 12/07/2023, via postal, entrada GPS 2023... .

[…]

X – ANÁLISE E PARECER

69. A presente reclamação prende-se com o anexo G da modelo 3, resultante da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, al. a) do n.º 1 do art.º 10.º do Código do IRS (CIRS), e o subsequente reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a Habitação Própria e Permanente (HPP).

70.            Analisados, os argumentos e a documentação ora junta, somos de manter o decidido em projeto de decisão, com base nos factos que resumidamente se indicam:

71. Da análise às despesas apresentadas, e considerando que não deram origem a participação modelo 1 do IMI para efeitos de avaliação, nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 13.º do CIMI, verificamos que as despesas associadas não se enquadram no art.º 51.º do CIRS, pelo que, não podem ser consideradas no apuramento da mais-valia decorrente da venda do imóvel.

72. As despesas e encargos aceites nos termos do art.º 51.º do CIRS, são as seguintes:

- no valor de € 20.964,75 de IMT, € 3.200,00 de Selo da verba 1.1, e € 55.350,00 da Imobiliária que consta a sua intervenção na escritura da alienação, num total de € 79.514,75, carecendo de correção do valor considerado em processo de divergência de € 76.314,75 para € 79.514,75 (€ 76.314,75 + € 3.200,00).

73.            Relativamente à questão do reinvestimento, o imóvel alienado ou seja a fração "E", 2.º Dt.º não era a sua habitação própria e permanente, consequentemente, os ganhos assim obtidos não podem deixar de estar sujeitos a tributação, nos termos do disposto no art.º 10.º nºs 1, al. a) e 5 do CIRS, à contrário.

74. Considerando que o imóvel alienado era unicamente pertença do SP-B (B...) uma vez que, o mesmo foi adquirido na situação de divorciado e na alienação encontrava-se casado no regime de separação de bens, deverá considerar-se, assim a quota parte de 100% e não como foi efetuado na recolha da declaração oficiosa 50% do SP-A e 50% do SP-B, em processo de divergência.

75.            Face ao tudo exposto propõe-se a alteração parcial da modelo 3 de IRS oficiosa n.º ...-2021-... -..., de 07/03/2023, considerando o imóvel alienado na quota parte de 100% do SP-B (B...), como se indica:

-    Valor de realização de € 900.000,00, em 11/2021;

-    Valor de aquisição de € 400.000,00, em 02/2019;

-    Despesas e encargos de € 76.314,75 para € 79.514,75 (€ 76.314,75 + € 3.200,00).

76.            Relativamente ao pedido, exclusão da responsabilidade da Reclamante B...– NIF... (SP-A), pelo pagamento do imposto, somos a informar que, foi indicado pelos próprios, na declaração modelo 3 do IRS de 2021, que optavam pela tributação conjunta.

77.            E nos termos do n.º 1 do art.º 102.º-C, do CIRS - Responsabilidade pelo pagamento, "1 - Sendo exercida a opção pela tributação conjunta, a responsabilidade dos sujeitos passivos pelo pagamento do imposto é solidária".

78.            Independentemente do regime de bens do casamento, sempre que, por imposição legal ou por opção, os rendimentos do casal sejam englobados, ambos os cônjuges são solidariamente responsáveis pelo pagamento da dívida de imposto que é incindível,

79.            Acrescenta-se ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, não assiste aos reclamantes o direito a juros indemnizatórios.

XI – CONCLUSÃO

Face ao exposto, atendendo a que os reclamantes não apresentaram, elementos suscetíveis de alterar o sentido da decisão projetada, propõe-se sua convolação em definitiva, no sentido do DEFERIMENTO PARCIAL do pedido:

a)  INDEFERIMENTO, quanto ao valor de despesas e encargos no montante de € 166.197,06 (€ 245.711 ,81 - € 79.514,75).

b)  DEFERIMENTO, quanto ao valor de € 3.200,00, referente a Imposto de selo, acrescendo ao valor já considerado de despesas e encargos no valor de € 76.314,75, o que perfaz o total de € 79.514,75.”

  1. A decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa foi notificada por registo postal (RH...PT) expedido em 18 de setembro de 2023 – conforme carimbo aposto no Ofício de notificação n.º ...2023... – cf. Documento 6 e PA.
  2. Os Requerentes contactaram os prestadores dos serviços de renovação, conservação e remodelação das frações, para que estes procedessem à retificação dos documentos que os primeiros haviam exibido no decurso do procedimento aberto pela AT, indicando que esses serviços respeitavam à obra da fração E (segundo andar direito), quando os documentos iniciais mencionavam a fração F (segundo andar esquerdo), tendo os prestadores acedido a essa solicitação – cf. PA.
  3. Na sequência das obras realizadas, os Requerentes habitam atualmente na fração F (segundo andar esquerdo) do prédio acima identificado – cf. depoimento das testemunhas (primeira a terceira).
  4.  Em 19 de dezembro de 2023, inconformados com o ato tributário de liquidação (adicional) de IRS e juros compensatórios inerentes ao ano 2021, os Requerentes apresentaram no CAAD o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

            2.         Factos não Provados

 

            Não se provou que o Requerente estivesse equivocado e julgasse que a fração E (segundo andar direito) fosse o segundo andar esquerdo – v. artigos 6.º a 7.º do pedido de pronúncia arbitral (ppa) – ou que os Requerentes desconheciam em absoluto que a fração E era o lado direito e que só no decurso dos trabalhos se aperceberam do erro /equívoco – v. artigos 10.º, 11.º e 12.º do ppa.

 

            De igual modo, ficou por demonstrar que a declaração do Requerente de que a fração F se destinava à sua habitação própria e permanente, formalizada na escritura de compra das frações, não corresponde a uma decisão que este já tivesse formado sobre essa questão – v. artigo 7.º do ppa. 

 

            Não se provou ainda que:

  • Foi na fração E (segundo andar direito) que os Requerentes passaram a habitar de forma permanente – v. artigos 12.º e 19.º do ppa;
  • Só depois de habitarem de forma permanente na fração E é que decidiram que a fração F iria ser a casa de morada de família – v. artigo 15.º do ppa; e que
  • A fração E era a casa de morada de família – v. artigo 20.º do ppa.

 

            Em relação ao valor das obras relacionadas com a fração E (segundo andar direito), os Requerentes alegam no artigo 69.º do ppa ter incorrido em € 365 916,23. Porém, tal valor não só não resulta demonstrado, como nem sequer corresponde ao que os próprios Requerentes reportaram na sua declaração modelo 3 de IRS. Com efeito, aqueles declararam o montante total de despesas e encargos de € 245 711,81, incluindo o IMT, o Imposto do Selo e a comissão de mediação imobiliária suportados com a fração E. Tendo em conta que estes últimos se cifram em € 79 514,75, apenas o remanescente, de € 166 197,06 (€ 245 711,81 - € 79 514,75), pode respeitar a obras realizadas, considerando-se o mais não provado.

 

            3.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros atendeu às posições assumidas por ambas as Partes e fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e na prova testemunhal produzida, conforme supra referenciado em relação a cada facto julgado assente.

 

Não resulta dos documentos, nem do depoimento das testemunhas, que se verificou a alegada divergência entre a vontade do Requerente e a declaração por este efetuada na escritura de aquisição das duas frações autónomas, segundo a qual este destinou a fração F à sua habitação própria e permanente. O desenrolar dos factos provados demonstra precisamente a coincidência do que o Requerente declarou e o que veio a ocorrer subsequentemente, ou seja, que a fração F foi afeta à habitação permanente do Requerente e da sua esposa, que aí passaram a residir na sequência das obras realizadas.

 

As obras em apreço revestiram natureza estrutural e foram profundas, como se retira do projeto de arquitetura, com uma enorme quantidade de demolições e novas paredes (vermelhos e amarelos), reforço estrutural e tudo o que envolve uma transformação do espaço em dois apartamentos modernos e de qualidade (pavimentos, carpintarias, cozinhas, casas de banho, etc). Sendo que, como acima assinalado, o Requerente e a sua mulher (entretanto, casou-se), logo que as obras da fração F terminaram, passaram a aí residir. Tal como estava previsto desde a escritura de aquisição.

 

Ficou patente que não tem aderência à realidade a tese de que o Requerente teria, ab initio, visado residir (de forma permanente) na fração E, e que depois “mudou de ideias” e acabou por a vender, só então tendo tomado a decisão de tornar a fração F a sua residência permanente e que tudo não derivou senão de uma confusão entre o lado esquerdo e o direito.

 

Senão vejamos.

 

Treze dias depois de adquirir as frações, no ano 2019, o Requerente alterou o seu domicílio fiscal para a fração F. Isto em total sintonia com a declaração na escritura de aquisição de que pretendia afetar esta fração F à sua habitação própria e permanente. Entretanto, fez obras profundas nas duas frações, que demoraram meses, e remodelou-as, começando pela fração E.

 

Em 18 de outubro de 2021, o Requerente altera o seu domicílio fiscal para a fração E, a qual alienou pouco depois, por escritura datada de 24 de novembro de 2021. Sendo de notar que, em 26 de outubro de 2021, apenas oito dias depois de comunicar a alteração de domicílio às finanças, recebeu o pagamento parcial de € 260.000 relativo à venda dessa mesma fração E, para a qual (segundo as suas declarações) tinha acabado de mudar o seu domicílio. Ora, é totalmente contraditório que o Requerente, estando no processo de venda da fração E (um processo formal com intervenção de mediador imobiliário), tivesse, em simultâneo, a intenção de passar a habitar de forma permanente nessa fração, que vendeu dias depois. Além de que, logo em 4 de dezembro de 2021, voltou a comunicar à AT a retoma do seu domicílio para a fração F, que antes constava do cadastro como sua residência e onde ainda hoje reside.

 

A referida comunicação de mudança de domicílio fiscal pelo Requerente a escassos dias do recebimento do primeiro pagamento relativo à venda da fração E, acompanhado da retoma do anterior domicílio (fração F) logo após a escritura de venda revela a sua artificialidade e não convence o Tribunal.

 

Sobre esta matéria, de acordo com o depoimento da segunda testemunha, a segunda Requerente disse-lhe que viveu algum tempo na fração E até que terminasse a obra da fração F. De onde se retira que a utilização da fração E foi apenas temporária e transitória, até terminarem as obras da fração F, em relação à qual os Requerentes pretendiam fixar a sua residência permanente, exatamente como o Requerente tinha declarado na escritura de compra dos imóveis. Em relação às demais testemunhas, estas nada contribuíram sobre esta questão.

 

De notar que a utilização, a título temporário, da fração E como habitação durante os meses em que as obras da fração F ainda não estavam concluídas e a realização de jantares e convívios com amigos mencionados pelas testemunhas (primeira a terceira), não transforma a estadia do Requerente na fração E na sua habitação própria e permanente.

 

Em síntese, da cronologia da(s) mudança(s) de domicílio do Requerente, ressalta manifesto que este estava no processo de venda da fração E quando comunicou à AT a mudança do seu domicílio para esta mesma fração, pelo que a sua intenção não era a de aí habitar, mas de vender. Inferência que é corroborada pela circunstância de o Requerente ter recebido um considerável pagamento parcial pela venda da fração E oito dias depois de ter comunicado que iria ter essa fração como seu domicílio.

 

De acordo com as regras da experiência, ressalvadas circunstâncias excecionais (que os Requerentes não invocam), não é usual nem expectável que alguém comunique a mudança de domicílio para um imóvel que está a vender (e que é efetivamente vendido nos dias subsequentes), o que faz o Tribunal a acreditar que o Requerente só o fez para beneficiar do regime de exclusão de tributação que seria aplicável se a fração vendida tivesse sido anteriormente a sua habitação própria e permanente. Além de que dificilmente se pode considerar habitação com caráter de permanência uma fração que oito dias depois de comunicada já tinha a venda negociada e, em parte substancial, paga …

 

De igual modo, o Tribunal não ficou convencido com a tese dos Requerentes sobre o equívoco entre a fração do lado direito e a fração do lado esquerdo, não sendo o facto de não estarem assinaladas que impede a sua identificação, tal como sabemos qual é a nossa mão direita (ou a esquerda), sem que tenhamos de ter uma placa ou sinalização desse facto.

 

Afigura-se, aliás, pouco credível ao Tribunal que a quinta testemunha, arquiteta autora do projeto de remodelação das frações, bem como o técnico imobiliário que redigiu o parecer e que interveio na venda das frações ao Requerente afirmem ser difícil perceber que apartamento era o esquerdo e o direito, por não haver sinais visuais que os identificassem. Isto, porque é do conhecimento geral e, portanto, mais será do conhecimento de profissionais que trabalham com o regime das edificações urbanas e no mercado imobiliário que o lado direito ou esquerdo se definem junto à porta de entrada do prédio e não nos respetivos patamares das escadas. São regras elementares, perfeitamente constatáveis na generalidade dos prédios que têm apartamentos no lado direito e esquerdo, pelo que o testemunho e parecer em causa se afiguram “a pedido” e não isentos.

 

            Sobre a realização de obras profundas na fração E, bem como na fração F, a mesma foi provada pelos documentos juntos aos autos que incluem a proposta de projeto e as faturas de diversos prestadores independentes, tendo sido corroborada pelos depoimentos das testemunhas (primeira, terceira, quarta e quinta). Estas obras são uma das causas da expressiva valorização da fração E no quadro temporal de 2 anos e 8 meses, concretizada no preço de venda, que mais do que duplicou (de € 400 000,00 para € 900 000,00).

            Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

 

            IV.       Direito

 

            1.    Questões a Decidir

 

            Está em causa, essencialmente, aferir:

  1. A dedutibilidade das despesas incorridas pelo Requerente, entre 2019 e 2021, com a remodelação da fração E (segundo andar direito), para efeitos de apuramento do quantum das mais-valias realizadas com a respetiva alienação (ocorrida em novembro de 2021), ao abrigo do disposto no artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, a título de despesas com a valorização desse bem imóvel.

Neste âmbito, importa decidir sobre a necessidade de prévia atualização do valor patrimonial da fração como requisito de dedução e atendibilidade das despesas suportadas, como invocado pela AT;

  1. O cumprimento, pelo Requerente, dos requisitos legais de acesso ao regime de exclusão de tributação das mais-valias, previsto no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS [na medida (proporção) do reinvestimento do produto da venda], em concreto:
  • se a fração alienada (a fração E - segundo andar direito) era a sua habitação própria e permanente e, em caso de resposta afirmativa,
  • se pode considerar-se como reinvestimento elegível o efetuado nas obras de renovação e remodelação da fração F (segundo andar esquerdo), onde reside.

 

Além da apreciação da legalidade do ato tributário (liquidação adicional de IRS referente ao ano 2021, incluindo os juros compensatórios relacionados) e da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa que sobre o mesmo recaiu, o Tribunal tem, ainda, de decidir sobre a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

            2.    Despesas e encargos a acrescer ao valor de aquisição do imóvel alienado (fração e – segundo andar direito)

 

Segundo o Requerente, as despesas suportadas com as obras na fração E, alienada em 2021, enquadram-se no disposto no artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS e, como tal, devem ser acrescidas ao valor de aquisição do imóvel para efeitos de cálculo das mais-valias provenientes da sua venda.

 

Para apreciar esta questão importa, antes de mais, compulsar o disposto na citada norma:

 

Artigo 51.º

Despesas e encargos

Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:

 

a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º; […]

 

A teleologia da dedutibilidade destas despesas no cômputo das mais-valias inscreve-se no princípio genérico de que o rendimento sujeito a tributação deve ser um rendimento líquido, correspondente à capacidade contributiva efetivamente adquirida, pelo que os encargos comprovadamente incorridos que apresentem uma conexão evidente ou necessária com a obtenção do rendimento, mesmo tratando-se de um rendimento de natureza não recorrente, irregular ou fortuito, como é o caso das mais-valias, devem ser subtraídos ao valor de realização.

 

Quer a jurisprudência, quer a doutrina assinalam a natureza indeterminada dos conceitos empregues pelo legislador no artigo 51.º do Código do IRS, que carecem de preenchimento. Se este tipo de formulação legislativa apresenta inegáveis vantagens quanto à sua adaptabilidade e adequação à justiça do caso concreto, não deixa de colocar algumas dificuldades hermenêuticas.

 

Como refere Xavier de Basto (IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pp. 460-464), a fórmula legal suscita dúvidas de interpretação, “atendendo à grande margem de indeterminação do que sejam «despesas necessárias» considerando excessivamente restritiva a doutrina administrativa expressa por Despacho de 4 de março de 2004, que as circunscreve à “despesas que, por natureza, trazem ao imóvel um valor adicional, como por exemplo as obras de beneficiação”, aumentando o seu valor intrínseco e rejeitando, por exemplo, o pagamento de uma indemnização ao inquilino, o que veio a ser confirmado por TCA Sul, de 25 de janeiro de 2005, processo n.º 297/03, que sufragou o entendimento de que uma “quantia paga a título de indemnização relacionada com a resolução de contrato de arrendamento não pode ter-se como constituindo um encargo para o fim visado na norma do, à data, art. 48º - atual art. 51º, al. a) do CIRS.”

 

De igual modo, Manuel Faustino, em posição similar à de Xavier de Basto, considera como mais correta “a visão do bem, não como uma coisa em sentido meramente jurídico, mas como uma fonte de rendimento, com um aspeto económico que não pode ser desprezado. E nessa perspetiva, tudo o que possa contribuir para a valorização económica do bem, necessariamente deve ser considerado como «encargo de valorização»”, sob pena de se ter cometido uma “injustiça, porque se tributou uma capacidade contributiva inexistente[8] [9]

 

O Supremo Tribunal Administrativo pronuncia-se sobre o conceito de “valorização” e afirma que: “atentando na letra da lei (encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos) não pode deixar de concluir-se, desde logo, que o encargo há-de estar ligado à valorização do bem alienado. Ou seja, não estão incluídos encargos que tenham por escopo a mera preservação do valor do bem, mas, tão só os que se destinem a aumentar esse valor.” – v. acórdão de 21 de março de 2012, no processo n.º 0587/11.

 

No caso em apreciação, os Requerentes pretendem deduzir ao rendimento tributável as despesas com obras de remodelação e renovação efetuadas na fração E acima identificada, entre 2019 e 2021, as quais, como se extrai do probatório, envolveram o reforço estrutural, demolições (algumas paredes), remoção de tetos falsos, reconfiguração do apartamento com colocação de divisórias, renovação de pavimentos, tetos, portas, roupeiros e armários, cozinhas, instalações sanitárias, redes diversas (elétrica, de gás, água e esgotos), climatização e isolamento térmico e acústico.

 

Afigura-se inegável que estamos perante obras profundas e que os encargos assim incorridos tiveram por finalidade, e também efeito, não só a preservação do valor da fração, mas, sobretudo, a valorização acrescida desta, entendida como algo que se deve traduzir num incremento de valor e não na mera manutenção, pelo que não pode este Tribunal Arbitral deixar de as enquadrar no conceito de “encargos com a valorização dos bens”, a acrescer ao valor de aquisição, para cálculo da correspondente mais-valia.

É, nestes termos, de concluir que as obras executadas na fração em causa se traduziram numa melhoria substancial do ponto de vista estético, de modernização do apartamento e dos seus equipamentos, bem como de eficiência energética e térmica, revestindo caráter de inovação e contribuindo de forma direta para o aumento do seu valor, subsumindo-se ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRS a título de “encargos com a valorização dos bens”.

 

No entanto, o valor a atender neste domínio (i.e., a acrescer ao valor de aquisição da fração E) não é o que os Requerentes invocam no artigo 69.º do ppa, de € 365 916,23, sem, todavia, indicarem o respetivo fundamento. Relembra-se que os Requerentes declararam na modelo 3 de IRS (do ano 2021) o valor global de despesas e encargos com a fração E de € 245 711,81, importância que também foi objeto de discussão no procedimento administrativo de reclamação graciosa por si promovido, tendo a AT aceitado o montante de € 79 514,75, respeitante a impostos de aquisição (IMT e Imposto do Selo) e à comissão da mediadora imobiliária, permanecendo em litígio a parte remanescente, de € 166 197,06.

 

Desta forma, apenas a importância de € 166 197,06 pode ser considerada como valor das obras, à qual terão, ainda, de ser subtraídos os montantes referentes aos ensaios acústicos, garrafeira, micro-ondas, forno, gaveta de aquecimento clássica, que os Requerentes aceitam não serem despesas de valorização e, portanto, sem enquadramento no artigo 51.º do Código do IRS, conforme artigo 38.º do ppa.

 

De sublinhar que as insuficiências de comprovação documental suscitadas pela AT em sede de procedimento administrativo, nomeadamente relativas à identificação da fração F e não da fração E nas faturas dos fornecedores e à não apresentação de orçamentos, foram superadas pela junção de documentos e substituição das correspondentes faturas pelos prestadores, como resulta da matéria de facto provada, pelo que não existem impedimentos formais à dedução do mencionado valor relativo às obras da fração E. O valor em causa será o que resultar da subtração ao montante de € 166 197,06 das componentes que os próprios Requerentes reconhecem não ser de valorização, acima enumeradas (v. artigo 38.º do ppa).

Em relação ao argumento da Requerida de que as despesas com a valorização do imóvel só poderiam ser levadas em conta se os Requerentes tivessem solicitado a atualização do valor patrimonial do imóvel, o mesmo não tem qualquer suporte legal, não constando da previsão do artigo 51.º, n.º 1 do Código do IRS, nem de outra norma ao caso aplicável.

 

A Requerida não explica como e em que medida é que a concretização de obras de melhoramento e de valorização dos imóveis, mesmo que significativas, poderia implicar uma variação do valor patrimonial tributário, o qual depende, em grande medida, de fatores que não sofrem qualquer alteração em resultado da reabilitação, como sejam a área bruta de construção mais a área excedente, a afetação, a localização e o coeficiente de vetustez (v. artigo 38.º e seguintes do Código do IMI). De onde se retira que apenas o coeficiente de qualidade e conforto poderia sofrer alterações e, mesmo assim, tal dependeria dos elementos majorativos e minorativos que tivessem sido considerados na última avaliação.

 

Acresce que, independentemente da conexão entre o valor patrimonial tributário e as despesas de valorização do imóvel (que, a nosso ver, não se constata), a legislação vigente não contém, nem prevê como pressuposto da consideração das despesas de valorização dos imóveis, para efeito do cálculo das mais-valias obtidas com a sua alienação, a prévia atualização do valor patrimonial tributário, nem o aumento do valor intrínseco do imóvel depende da, ou implica a, atualização do valor fiscal.

 

Em conclusão, procede o pedido de consideração, no apuramento das mais-valias imobiliárias do Requerente, das despesas relativas às obras da fração E, em valor a determinar pela subtração à importância de € 166 197,06 dos gastos com os ensaios acústicos, garrafeira, micro-ondas, forno e gaveta de aquecimento clássica, improcedendo no valor remanescente peticionado, por falta de comprovação das despesas e da sua conexão com a fração E em causa.

 

            3.    Exclusão da tributação das mais-valias imobiliárias – habitação própria e permanente

 

O Requerente invoca em seu benefício a aplicabilidade da norma de exclusão da tributação em IRS dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo, em relação à venda da fração E. Alega, para tanto, que à data da transmissão a fração E era o local da sua residência permanente/casa de morada de família.

 

Sobre este regime, dispõe o n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, na redação à data, o seguinte:

“5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

  1. O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
  2. O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
  3. O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;
  4. (Revogada.)”

 

Esta exclusão tributária encontra razão de ser na proteção e favorecimento fiscal da aquisição de habitação própria e permanente motivada por razões sociais e de concretização do direito à habitação. Como salienta Rui Morais, o “objectivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias” – v. Sobre o IRS, Almedina, 2016, 3.ª edição (reimpressão), p. 138 – desde que verificados os demais requisitos ali também especificados.

 

Desde logo, e com relevância para o caso em análise, o ganho tem de ser proveniente da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar. Neste sentido, refere Xavier de Basto que “o imóvel de «partida» e o de «chegada» têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão de incidência – e a mais-valia realizada no imóvel «de partida» será tributável.” – v. IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pp. 412-420 (o excerto é de p. 413-414). Sobre a matéria, no mesmo sentido, v. Paula Rosado Pereira, Estudos Sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Almedina, 2005, pp. 99-101.

 

Salienta-se que a redação dada ao artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS, pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, passou a exigir, para efeitos de exclusão de tributação das mais-valias geradas com a alienação de imóveis, que não só o imóvel adquirido fosse afeto à habitação própria permanente (do sujeito passivo ou do seu agregado familiar), como que o alienado tivesse sido a habitação própria permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar – v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25 de março de 2015, processo n.º 158/13.

 

Assim, a natureza [habitacional] e a afetação dos imóveis envolvidos [à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar] assumem-se como condições essenciais do reinvestimento e do respetivo regime de não tributação em IRS, ainda que não sejam as únicas condições que a lei prevê para que o referido regime de exclusão de tributação seja aplicado.[10]

 

No caso em análise, é o preenchimento dos requisitos relativos ao imóvel de “partida” (i.e., ao imóvel alienado e gerador da mais-valia, a fração E), que foi posto em causa pela Requerida, por, em seu entender, não consubstanciar a habitação própria e permanente do Requerente, não se suscitando questões relativamente ao imóvel de “chegada”, a fração F.

 

O Código do IRS não define o conceito de “habitação própria permanente”, afastando a jurisprudência consolidada a possibilidade de equiparação deste conceito, para efeitos de aplicação da norma de delimitação negativa de incidência em análise [o artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS], ao de “domicílio fiscal” constante do artigo 19.º da LGT, que corresponde, no caso das pessoas singulares, ao “local da residência habitual” (n.º 1, alínea a)). De referir ainda que o artigo 19.º da LGT estabelece no seu n.º 3 a obrigação de os sujeitos passivos comunicarem o seu domicílio fiscal à administração tributária, estatuindo o n.º 4 a ineficácia dessa mudança enquanto não for comunicada à administração tributária.

 

O domicílio fiscal não é, portanto, condição necessária para preenchimento da previsão normativa do citado artigo 10.º, n.º 5 do compêndio do IRS, admitindo-se que o sujeito passivo comprove a sua residência permanente em morada distinta, apresentando “factos justificativos” de que aí fixou de forma habitual e permanente o centro da sua vida pessoal.

 

Sem prejuízo do que antecede, com a reforma do Código do IRS, pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, o artigo 13.º deste Código passou a prever que o “domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário” (atual n.º 12), designadamente de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel. A prova de qualquer dos factos invocados compete, de acordo com a citada regra, ao sujeito passivo, e são admissíveis quaisquer meios admitidos por lei, reservando-se à AT a possibilidade de demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova apresentados pelos sujeitos passivos ou das informações neles constantes (v. artigos 73.º e 74.º da LGT).

 

Em consequência, o Código do IRS prevê agora a possibilidade de os sujeitos passivos poderem excluir de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente, mesmo que não tenham atualizado o domicílio fiscal para a habitação alienada.

 

Preconiza, neste âmbito, o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 14 de novembro de 2018, processo n.º 01077/11.9BESNT 01448/17, que, para efeitos do disposto no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS: “o conceito de habitação própria permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal. Aliás, diferentemente do que se verifica neste âmbito do rendimento sujeito a IRS, para efeitos do IMI e de isenção (Que não poderá equiparar-se à exclusão tributária aqui em questão.) ali prevista, tratando-se de um benefício fiscal objectivo ("propter rem"), a lei expressamente consigna (n° 9 do art. 46° do EBF) que «para efeitos desse artigo» se considera «ter havido afectação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respectivo domicílio fiscal». Mas, ainda assim, também aqui estaremos perante presunção ilidível, na consideração de que a circunstância de o sujeito passivo não ter comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediu a isenção (de IMI), por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio (cf. o ac. do STA, de 23/11/2011, no proc. n° 0590/11). (Esta foi, aliás, a solução legal que veio a ser adoptada nos n.ºs 10 e ss. do art. 13º do CIRS (aditados pela Lei n° 82-E/2014, de 31/12, na qual se procedeu a uma reforma da tributação das pessoas singulares): apenas se estabeleceu uma presunção no sentido de que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo, mas podendo este apresentar, a todo o tempo, prova em contrário.)

 

Em sentido similar se pronuncia o Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão de 8 de maio de 2019, processo n.º 396/08.6BECTB: “[…] no plano conceitual, a residência habitual não se identifica com a residência permanente, nem o domicílio coincide com a morada, ou seja, o local onde a pessoa tem a sua habitação, tal como se pode inferir dos dois números do artigo 82º do C Civil (vide Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 98), porém em matéria tributária há necessidade de dar estabilidade ao conceito tendo sido introduzido na LGT a noção de domicilio fiscal, fazendo coincidir este, no caso das pessoas singulares, com o local da sua residência permanente (art. 19.º n,º 1 al. a da LGT) com a criação de declaração obrigatória da comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária (art. 19.º n.º 2 também da LTG, à data dos factos, agora n.º 3)”.

 

Posição que a decisão arbitral n.º 146/2015, de 16 de dezembro de 2015, já havia acolhido, nos seguintes moldes: “No plano conceptual podemos verificar a divergência entre a residência habitual e a residência própria e permanente, tal como o domicílio fiscal nem sempre coincide com a residência no sentido do local onde a pessoa tem a sua habitação, podendo inclusive tal conclusão inferir-se da redação do artigo 82º do Código Civil, que admite a possibilidade de residência ou domicílio em diferentes locais.

[…]

Daqui se conclui que, para efeitos de exclusão de tributação de mais valias, não é suficiente a demonstração de comunicação de domicílio fiscal para comprovar que os imóveis – o vendido (imóvel de partida) e o adquirido com reinvestimento das mais valias obtidas (imóvel de chegada) – eram ambos residências permanentes do sujeito passivo e seu agregado familiar”.

 

De igual modo, tem a jurisprudência entendido que a omissão do dever de comunicação da mudança de domicílio não impede que os contribuintes possam demonstrar os pressupostos de habitação permanente, como afirma o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 8 de outubro de 2015, processo n.º 6685/13: “nos casos em que o sujeito passivo não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal prevista no artigo 19.º da LGT pode ser demonstrada a sua morada em certo lugar através de factos justificativos e, por conseguinte, não obsta ao preenchimento dos pressupostos de habitação permanente” porquanto, e cite-se, “(…) o domicílio fiscal das pessoas singulares é o local onde residem habitualmente”, em linha com o que já havia sido decidido a propósito de isenção de IMI, no Acórdão do STA de 23 de novembro de 2011, processo n.º 590/11: “II - O facto dos sujeitos passivos não terem comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a isenção de IMI, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio. III - A morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através «factos justificativos» de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal”.

 

Neste contexto, é de concluir, em consonância com o entendimento exposto, que o domicílio fiscal constitui mera presunção da habitação permanente do sujeito passivo, podendo ser por este ilidida e que, por outro lado, o incumprimento do dever de comunicar o domicílio ou a sua mudança não constituem obstáculo à comprovação dos pressupostos de habitação permanente através de factos justificativos idóneos.

 

No tocante ao conceito de habitação própria, o mesmo não pode deixar de se reconduzir à titularidade do imóvel que deve estar na esfera do sujeito passivo que aufere os rendimentos tributáveis gerados pela respetiva transmissão.

 

            Retomando o caso concreto, não existe dissensão relativamente à fração alienada constituir habitação própria do Requerente. O ponto está no preenchimento do conceito de habitação permanente.

 

A comunicação de alteração do domicílio fiscal efetuada pelo Requerente, para fazer operar a presunção da “habitação própria e permanente” não alcançou, porém, o efeito por aquele pretendido, pois ficou claro que a prova aqui produzida permitiu contrariar o facto presumido e que a fração alienada (fração E) não reunia as características de uma habitação permanente. Em relação ao conceito de casa de morada de família, não se afigura relevante, uma vez que a legislação fiscal não remete para o mesmo, nem lhe faz qualquer referência.  

 

            Resulta da matéria de facto adquirida nos autos que o Requerente adquiriu a fração F para sua habitação permanente, tendo-o declarado na escritura de compra e venda e adotando uma atuação consistente com esse objetivo: declarou a mudança do domicílio fiscal para essa fração logo após a sua compra, realizou obras profundas para a tornar habitável e moderna e mudou efetivamente (fisicamente) para essa fração F quando as suas obras de renovação terminaram, onde vive até hoje com a sua esposa.

             A narrativa criada pelos Requerentes para fazer crer que afinal tinham habitado de forma permanente a fração E, no momento conveniente em que esta é alienada e gera uma mais-valia expressiva (e em que tal condição lhes permitiria excluir a tributação dessa mais-valia), alegando não saberem, ou terem feito confusão sobre qual era o lado direito e o esquerdo, bem como a manobra de declararem a mudança de domicílio para essa fração E, poucos dias antes de celebrarem o negócio da sua venda a terceiros, logo voltando a mudar o seu domicílio para a fração F, onde efetivamente habitam, é de tal modo artificiosa e fantástica (e de curta duração, pois não chegou a dois meses, boa parte dos quais já com o negócio de venda da fração E efetuado) que mais não fez do que reforçar a convicção deste Tribunal Arbitral de que o domicílio fiscal declarado em 2019 e que se manteve até 18 de outubro de 2021 na fração F, retomado por via declarativa em 4 de dezembro de 2021, é e foi a sua efetiva habitação própria e permanente.

 

Por outro lado, a circunstância de os Requerentes terem habitado provisoriamente a fração E, no decurso das obras da fração F, não modifica tal conclusão, pois revela que constituiu uma mera ocupação transitória, derivada das dificuldades, ou até da impossibilidade, de habitar uma fração em obras (estruturais) como as aqui em causa. Na verdade, a utilização da fração E com estes objetivos não configura uma habitação permanente. Pelo contrário, ela é, por natureza, temporária.

 

           À face do exposto, conclui-se que as circunstâncias em que o Requerente alterou o seu domicílio fiscal para a fração E, poucos dias antes de a vender e de receber pagamentos, logo retomando de novo o domicílio fiscal declarado anteriormente e mantido nos dois anos precedentes, aliadas à contradição com as suas próprias declarações na escritura de compra e à sua conduta durante mais de dois anos, permitem alcançar a conclusão de que dessa mudança de domicílio não se pode presumir a habitação própria e permanente que, conforme manifestado nos autos, tinha lugar (e ainda hoje tem) na fração F.

 

           Nestes termos, a situação vertente não reúne as condições de aplicação do regime de exclusão de tributação previsto no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS, uma vez que a fração alienada – a fração E – não constituía habitação permanente do Requerente, improcedendo, nesta parte, o pedido dos Requerentes.

 

À face do exposto, a liquidação de IRS e dos inerentes juros compensatórios com referência ao ano 2021 padece parcialmente de erro nos pressupostos, pelo que deve ser anulada – v. artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

  1. Juros Indemnizatórios

 

Os Requerentes, peticionam, como decorrência da anulabilidade do ato de liquidação impugnado, o pagamento de juros.

 

A jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes Tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.

 

O direito a juros indemnizatórios depende da ocorrência de “erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” (v. artigo 43.º, n.º 1 da LGT).

 

Na situação vertente, na parte em que a ação é improcedente, por ser inaplicável o regime do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, não podem ser reconhecidos juros indemnizatórios, por não se verificar a condição legal de ter sido pago imposto superior ao legalmente devido em resultado de erro imputável aos serviços.

 

Relativamente ao segmento em que a ação é procedente, concluiu-se pela errada interpretação e aplicação pela Requerida do artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, pelo que lhe é imputável o erro/ilegalidade praticada. Contudo, os Requerentes não provaram ter pago o imposto, requisito constitutivo do direito a juros.

À face do exposto, improcede o pedido de juros indemnizatórios.

 

* * *

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil, como a da elegibilidade das obras da fração F a título de reinvestimento, uma vez que é inaplicável o regime de exclusão de tributação previsto no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS, ou a do alegado desconhecimento das normas tributárias portuguesas, que não é passível de afastar a sua aplicação e efeitos jurídico-tributários nelas estatuídos – v. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

V.        Decisão

 

            De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar:

  1. Procedente a exceção de incompetência material, relativamente ao pedido de compensação de danos, com a consequente absolvição parcial da Requerida da instância;
  2. Parcialmente procedente o pedido de anulação da liquidação adicional de IRS referente ao ano 2021, na parte em que esta não considerou como despesas de valorização as obras realizadas na fração E, no valor a determinar pela subtração à importância de € 166 197,06 dos gastos com os ensaios acústicos, garrafeira, micro-ondas, forno e gaveta de aquecimento clássica, improcedendo no remanescente;
  3. Parcialmente procedente o pedido de anulação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, na medida em que manteve a liquidação de IRS sem considerar as despesas de valorização das obras realizadas na fração E; e
  4. A ação improcedente no remanescente, incluindo o pedido de reconhecimento de juros indemnizatórios. 

 

VI.       Valor do Processo

 

Nos termos do exposto na secção II supra, fixa-se ao processo o valor de € 85 735,81 correspondente ao valor da liquidação de IRS impugnada, incluindo juros compensatórios – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do RCPAT.

 

 

VII.     Custas

 

            Custas no montante de € 2.754,00, sendo € 2 037,96 (74%) a cargo da Requerente e € 716,04 (26%) a cargo da Requerida, na proporção do decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 7 de outubro de 2024

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins, relatora

 

 

Arlindo José Francisco

 

 

 

Ricardo Marques Candeias

 

 



[1] E ainda de atos relativos à fixação da base de incidência, inaplicáveis à situação vertente.

[2] Aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

[3] V. “Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais”, Áreas Editora, 2010, pp. 38-39.

[4] Isto, sem excluir a possibilidade de reparação de danos que excedam o montante dos juros indemnizatórios, nos termos gerais da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas. – v. Jorge Lopes de Sousa, “Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais”, Áreas Editora, 2010, pp. 17 e 127-131.

[5] Como defende Jorge Lopes de Sousa na obra citada, pp. 127-131.

[6] O que deve ter lugar na fase decisória (sentença), tendo em conta que não há lugar a despacho saneador no processo arbitral tributário.

[7] A que se refere o artigo 296.º, n.º 1 do CPC.

[8] Vide Boletim da Apeca, 121, 2.º trimestre de 2005, p. 60.

[9] Cabe notar que, nesta sequência, a redação do artigo 51.º, alínea a) foi alterada com a Reforma da tributação das pessoas singulares, aprovada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, e atualmente compreende as indemnizações pagas pela renúncia onerosa a posições contratuais e outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, para além de se ter alargado de forma significativa o âmbito temporal dos encargos incorridos, que passou de 5 para 12 anos. Sobre a doutrina, jurisprudência e evolução legislativa, vide ainda a síntese ilustrativa constante da Decisão Arbitral n.º 313/2015-T, de 25 de janeiro de 2016. Contudo, mantiveram-se inalterados os segmentos da proposição normativa relativos aos “encargos com a valorização dos bens” e às “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação”.

[10] Com efeito, existem na Lei outras condições que necessitam ser cumpridas que não serão examinadas dado que não estão na origem da liquidação controvertida.