SUMÁRIO:
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A existência de uma taxa de IRS agravada, aplicável às entidades residentes nos países constantes da Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, conforme previsto no artigo 72.º, n.º 17, alínea d) do Código do IRS, consubstancia uma distinção de tratamento que desincentiva o investimento de tais residentes nesses países no mercado imobiliário português, o que configura uma restrição à liberdade de circulação de capitais, excessiva e não justificável à luz do artigo 63º do TFUE.
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Para efeitos de determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 5 anos e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas no artigo 10.º n.º 1 alínea a) do CIRS-artigo 51.º alínea a) do mesmo diploma legal.
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Despesas inerentes à alienação são aquelas que são inseparáveis da alienação, que com esta têm uma relação intrínseca, que não meramente extrínseca e que dela são indissociáveis.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro singular, Luís Sequeira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante apenas ‘CAAD’) para constituir o presente Tribunal Arbitral (TA) singular, no âmbito do qual se decide o seguinte
DECISÃO ARBITRAL
Requerente: A..., e B... (doravante “Requerentes”)
Requerido: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” e “Requerida”)
1. Relatório
A..., titular do número de contribuinte português ... e B..., titular do número de contribuinte..., doravante designados por Requerentes, submeteram ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição e de pronúncia por Tribunal Arbitral (PPA) com vista à anulação do ato tributário de liquidação de IRS, com o n.º 2023..., relativo ao ano fiscal de 2022, no valor total de € 19.767,78.
Em síntese, as Requerentes fundamentam a ilegalidade do ato tributário, assente no seguinte:
- na determinação do rendimento coletável dos Requerentes a Autoridade Tributária não procedeu corretamente ao cálculo à luz do regime supra exposto, considerando na esfera de cada um a totalidade da mais-valia realizada resultante da alienação dos imóveis localizados em Portugal, no ano de 2022.
- Consagra o artigo 44.º, n.º 1, alínea f) e n.º 2 do Código do IRS que se considera valor de realização, o valor da contraprestação.- ter a Requerente comprovado o custo que aquisição e construção do imóvel objeto de alienação, o que constitui uma violação por parte da AT ao disposto no n.º 3 do artigo 46º do CIRS, assim o valor de realização total, é o valor constante das escrituras valor total de € 32.000,00, € 48.000,00 e € 146.500,00 (cfr. Documento n.º 2, 3 e 4 do PPA) por estes serem superiores aos valores patrimoniais tributários dos imóveis na data da venda.
- O valor de aquisição das frações será, para efeitos de IRS, nos termos do artigo 45.º número 3 alínea a) do CIRS, o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação.
- No caso das transmissões gratuitas, para efeitos de Imposto de Selo, o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial (artigo 13 n.º 1 do Código do Imposto do Selo).
- O momento de aquisição dos bens por sucessão “mortis causa” é o da abertura da herança, ainda que na partilha sejam adjudicados aos herdeiros bens de valor superior aos da sua quota ideal, pelo que a aquisição do imóvel deve ser considerada nos seguintes termos:
• ... - ½ do imóvel considera-se adquirido pelo Requerente em 19.07.2017, pelo valor total de € 7.110,25;
• ...– ½ do imóvel considera-se adquirido pelo Requerente em 19.07.2017, pelo valor de € 11.857,50;
• ...– ½ do imóvel considera-se adquirido pelo Requerente em 16.11.2020 € 56.616,70.
- Assim, há um lapso quanto ao valor de aquisição dos imóveis declarado pelos Requerentes na declaração de IRS, quanto aos imóveis com n.º matricial ... e ... (cfr. Documento n.º 8), pelo que se requer a correção da inscrição destes valores, de acordo com a prova produzida supra, e da seguinte forma:
•...: de € 10.770,00 para 7.110,25 €
• ...: de € 11.175,00 para € 11.857,50
- Estes valores devem, não obstante, ser corrigidos pela aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda, nos termos do disposto na Portaria 253/2022 de 20 de outubro ex vi artigo 50.º do Código do IRS.
- Acresce que, de acordo com o preceituado no artigo 51.º do Código do IRS “Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:
a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º;
b) As despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º”.
- As despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do imóvel com artigo matricial n.º ..., foram as seguintes:
• Comissão Imobiliária – € 3999,96 (Documento n.º 14 do PPA);
• Despesas para construção e valorização do imóvel (...) – € 5.558,48 (Documento
n.º 15 do PPA);
• Gastos com instalação de cozinha (I...) – € 634,62 (Documento n.º 16 do PPA);
• Gastos com produtos para remodelação de cozinha e exterior do imóvel (J...
) - € 2.143,83 (Documentos n.º 17 e 18 do PPA);
• Fornecimento e montagem de janela e estore de alumínio (K..., Lda) - € 1.750,17 (Documento n.º 19 do PPA);
• Instalação de janelas de alumínio (L...) – € 3.840,07 (Documentos n.º
- O Requerente, no respeitante às frações com os artigos matriciais... e ..., incorreu ainda na despesa do pagamento do imposto do selo, relativo à verba 1.1 da TGIS, aquando da doação gratuita efetuada pela sua avó C... .
- O imposto do selo pago no total, por todos os bens doados, ascendeu a € 566,76, pelo que o selo que pagou relativamente às frações com os artigos matriciais ... e..., ascendeu, proporcionalmente, aos seguintes montantes:
• ...– Imposto do selo no valor de € 56,88
• ... – Imposto do selo no valor de € 94,86
- Assim, há um lapso quanto ao valor declarado pelos Requerentes na declaração de IRS (cfr. Documento n.º 8 do PPA), no respeitante aos valores das despesas e encargos das 3 frações vendidas, pelo que se requer que sejam corrigidos da seguinte forma, de acordo com a prova efetuada supra:
• ... – de zero euros, para € 56,88
• ... – de zero euros, para € 94,86
• ... – de € 8.646,65 para € 8.963,57
- A demonstração de liquidação de IRS dos Requerentes padece de manifesta ilegalidade por proceder de forma incorreta ao cálculo do imposto, desconsiderando a redução de 50%, prevista no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS (redação da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro).
- Efetivamente, a Autoridade Tributária ao limitar aquela base de incidência somente aos residentes em Portugal, excluindo dessa limitação as mais-valias realizadas por residentes noutros Estados-membros da União Europeia, não está a agir em conformidade com o direito comunitário, nomeadamente com o artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (correspondente ao anterior artigo 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia – “TCE”), atenta a discriminação entre residentes em território português e residentes noutro Estado-membro da União Europeia, nem com a jurisprudência comunitária e portuguesa.
- No que respeita à tributação de não residentes em território português, dispõe o n.º 1 do artigo 13.º do Código do IRS que “Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos”.
- Por seu turno, o n.º 2 do artigo 15.º do mesmo diploma legal prevê que, quanto aos não residentes, aquele imposto “incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”, sendo que as mais-valias resultantes da transmissão de imóveis nele situados, constituem rendimentos obtidos em território português, de harmonia com o previsto na alínea h) do n.º 1 do artigo 18.º do Código em referência.
- Por outro lado, nos termos do artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, as mais-valias realizadas por residentes em resultado da alienação de bens imóveis sitos em Portugal são apenas consideradas em 50% do seu valor.
- Daqui decorre que a matéria coletável para as mais-valias imobiliárias, não é a mesma para residentes e não residentes.
O- TJUE já se pronunciou sobre a conformidade de uma disposição do direito nacional, como o artigo 43.º, n.º 2 do CIRS, com o artigo 63.º TFUE no acórdão supra mencionado Hollmann.
- Por outro lado, deveria ter sido aplicada a taxa autónoma de 28%, conforme prescrito pela alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS.
- Por fim, entendem os Requerentes que o erro dos serviços no que respeita ao cálculo do imposto a pagar pelas mais-valias os onerou excessivamente, devendo por isso ser ressarcidos dos montantes pagos em excesso, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios à luz do artigo 43.º da LGT.
- Respondeu, por sua vez, a Requerida, dando a conhecer, através de Doc. 1 ao versado processado anexo, despacho de revogação parcial, requerendo a final a improcedência total assente na seguinte fundamentação que se passa a sintetizar.
- Na perspetiva da Requerida, o objeto do PPA fica circunscrito aos seguintes aspetos:
(i) Tributação das mais-valias (50%) à taxa agravada de 35%, nos termos do nº 18 (nº 17 à data dos factos) do art. 72º do CIRS;
(ii) Despesas inerentes à aquisição e alienação do imóvel com o artigo matricial nº...: (art. 54º do PPA);
• Despesas para construção e valorização do imóvel (...) - €5.558,48;
• Gastos com instalação de cozinha (I...) - €634,62;
• Gastos com produtos para remodelação de cozinha e exterior do imóvel (J...) -€2.143,83;
• Fornecimento e montagem de janela e estore de alumínio (K... Lda.) - €1.750,17;
• Instalação de janelas de alumínio (L...);
(iii) Despesas inerentes à aquisição dos imoveis com os artigos matriciais nºs ... e ... (art.º 59º do PPA):
• Imposto de selo no valor de 56,88€ (artº...);
• Imposto de selo no valor de 94,98€ (artº ...)
Os Requerentes são não residentes em Portugal e residem nos Emirados Árabes Unidos, um dos países com regime de tributação privilegiada, claramente mais favorável, que constam da listagem da Portaria nº 150/2004, de 13/12, para efeitos do nº 18 do art. 72º do CIRS, termos em que nenhuma censura pode ser imputada à liquidação em crise, por via da aplicação da taxa agravada de 35% imputada a 50% das mais-valias.
Quanto às despesas inerentes à aquisição e alienação, as ditas despesas, não foram imputadas ao Requerente, mas antes ao cabeça de casal da herança de D..., com o NIF ... - o que irremediavelmente prejudica a comprovação de que as despesas/encargos foram efetivamente suportadas pelo R.. (tanto mais que D... deixou como herdeiros a sua mulher E..., F... e o R. A...- cfr. Doc. nº 7, junto ao PPA).
Sem preceder, gastos com instalação da cozinha e casa de banho (exaustor, forno, lava-louça, bancadas em granito, moveis de casa de banho) a que se referem os documentos nºs 15, 16 e 17 do PPA, não se podem considerar como despesas inerentes à alienação de um imóvel, no sentido de que são inseparáveis da alienação, que com esta têm uma relação intrínseca, que não meramente extrínseca e que dela são indissociáveis. (Cfr. decisão arbitral, proc.º 257/2021-T; acórdão do TCA Sul, de 14/4/2015, Proc. 6824/13; acórdão do STA, de 18/11/2020, Proc.º 245/15.4BELRA).
E o mesmo acontece com as despesas identificadas nos demais documentos nºs 20, 21 e 22, apresentados pelos Requerentes
Quanto às despesas alegadamente inerentes aos prédios inscritos nos artºs ... e ... os Requerentes não fizeram prova dos respetivos gastos (de 56,88€ e 94,86€), pelo que impugnam o alegado nos artºs 53º e segs. do PPA
Por fim e no que se refere à alteração de valores por força da correção monetária, prevista no art. 50º do CIRS, diga-se que essa correção é concretizada pela AT no procedimento de liquidação, estando os sujeitos passivos vinculados ao preenchimento da declaração modelo 3 de IRS (Anexo g) de acordo com os concretos valores das operações em causa (aquisição e alienação) – improcedendo, portanto, o alegado nos artºs 49º a 52º do PPA.
Face à parcial revogação do ato tributário, não assiste razão aos Requerentes quanto ao demais impugnado, devendo, em particular, manter-se a liquidação controvertida no que se refere à taxa agravada de 35%, desconsiderando-se também os gastos declarados e aqui peticionados.
E não estando a liquidação eivada dos vícios imputados pelos Requerentes, para além daqueles que foram sanados no despacho de revogação parcial não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
Em 03.04.2024 vieram os Requerentes a submeter documentos aos autos, os quais vieram a ser admitidos, após notificação da Requerida para efeitos de contraditório, através de despacho arbitral de admissão dos mesmos.
Igualmente através do despacho proferido a 08 de agosto de 2024, se determinou a possibilidade das partes alegarem por escrito e nessa decorrência, foi prorrogado por dois meses, nos termos do n.º 2 do artigo 21º do RJAT, o prazo para prolação de decisão e bem assim para efeitos dos Requerentes efetuarem o pagamento da taxa arbitral subsequente.
A entidade Requerida não veio a proceder à junção do respetivo Processo Administrativo instrutor.
Os Requerentes vieram a proceder ao pagamento da taxa arbitral devida.
Os Requerentes formularam alegações, nas quais sinteticamente pugnaram no seguinte sentido.
O ofício n.º ... de 12.3.24 da AT revogou parcialmente o ato de liquidação n.º 2023... de 18.08 referente ao IRS do ano fiscal de 2022, pelo que a AT deferiu o peticionado quanto às seguintes questões:
• Valor de aquisição dos imóveis ... e ...;
• Aceitação da despesa com comissão imobiliária pela venda do imóvel ...-C;
• Aceitação na ponderação da mais valia apurada em 50% do seu valor e respetivos juros indemnizatórios.
Mantêm-se, em suma as seguintes questões controvertidas, sobre as quais reafirma a procedência do pedido (também em matéria de juros indemnizatórios) relativamente às seguintes ilegalidades:
• Não junção de prova do pagamento de imposto de selo por parte dos Recorrentes, referente à doação da nua propriedade dos artigos matriciais... e ...;
• Prova dos encargos suportados com a valorização do imóvel ...-C;
• Aplicação da taxa agravada prevista no artigo 72.º, n.º 18 relativamente aos rendimentos de mais-valias decorrentes da alienação dos imóveis com os artigos matriciais ..., ... e ...-C.
De outra banda, igualmente a Requerida veio a apresentar alegações escritas, na qual reafirma a posição já anteriormente defendida em sede de Resposta.
Após a revogação parcial junta aos autos, a questão controvertida dirimida nos presentes autos ficou, em síntese, circunscrita aos seguintes aspetos:
(i) Tributação das mais-valias (50%) à taxa agravada de 35%, nos termos do nº 18 (nº 17 à data dos factos) do art. 72º do CIRS;
(ii) Despesas inerentes à aquisição e alienação dos imoveis;
(iii) Valor de aquisição do imóvel inscrito na matriz sob o nº ...-C corrigido pelo coeficiente de 1,01.
2. Saneamento
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março), tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado tempestivamente. O processo não enferma de nulidades.
Não tendo sido erigidas exceções, nada obsta a que se conheça do mérito do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.
3. Matéria de facto
3. 1. Factos provados:
Analisada a prova documental produzida, o posicionamento das partes face à factualidade trazida a estes autos, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:
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Em 2022, os Requerentes, casados entre si, eram residentes nos Emirados Árabes Unidos, aí trabalhando por conta de outrem, conforme Docs. 10 a 13 do PPA.
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No versado ano, os Requerentes procederam à alienação, na quota-parte detida, de três prédios localizados em Portugal, obtendo rendimentos de mais-valias em resultado de tais alienações imobiliárias:
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Imóvel correspondente ao prédio urbano, sito na Rua ..., ..., na freguesia e concelho de ..., composto por edifício térreo com quintal, destinado a habitação, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial para efeitos de I.M.T. de € 21.540,00, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número ..., daquela freguesia (Documento n.º 2 do PPA), alienado em 10 de Fevereiro de 2022;
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Imóvel correspondente ao prédio urbano, sito na Rua ..., ..., na freguesia e concelho de ..., composto por edifício térreo com logradouro, destinado a habitação, inscrito na matriz sob o artigo..., com o valor patrimonial para efeitos de I.M.T. de € 22.350,00, descrito na Conservatória do Registo Predial de São Brás de Alportel sob o número treze mil cento e cinquenta e três, daquela freguesia (Documento n.º 3 do PPA), alienado em 10 de Fevereiro de 2022;
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Imóvel correspondente à fração autónoma designada pela letra “C”, que corresponde ao primeiro andar, pertencente ao prédio urbano situado em ... (Rua do ...), lugar e freguesia de ..., concelho de Santiago do Cacém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santiago do Cacém, sob o número ..., da dita freguesia, afeto ao regime de propriedade horizontal nos termos da apresentação seis, de dezanove de janeiro de mil novecentos e oitenta e oito, registada a dita fração ainda a favor dos referidos autores da herança, pela apresentação um, de seis de Agosto de dois mil e três, inscrito na matriz da freguesia de ..., sob o artigo ..., com o valor patrimonial correspondente à fração de € 56.616,70 (Documento n.º 4 do PPA), alienado em 20 de Maio de 2022.
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No que respeita aos artigos ... e ..., a 19.07.2017, G..., na qualidade de procurador e em representação de C..., H... e do Requerente A..., doa, em representação da primeira, ao segundo e terceiros outorgantes as frações autónomas com a matriz predial ... e ..., conforme Documento n.º 6 do PPA, reservando para a doadora o direito de usufruto.
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Por efeito da doação operada, quanto aos prédios urbanos identificados pelos artigos matriciais ... e ..., o Requerente (A...) passou assim a ser legítimo titular da nua propriedade de ½ indivisa sobre cada um dos referidos artigos.
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Por via de tal doação, veio Requerente A... a ser notificado da liquidação de Imposto do Selo (IS) – verba 1.1. da TGIS – a qual, no respeitante aos artigos identificados no ponto anterior, importava no pagamento de € 56,88 – artigo ... - e € 94,86 - artigo ..., valores estes de IS que o Requerente A... veio a liquidar.
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Por óbito de D..., ocorrido no dia 06.09.2016, sucederam-lhe como únicos herdeiros legitimários o cônjuge sobrevivo, E..., sua filha F... e o seu neto, (e aqui Requerente) A..., em representação da sua pré-falecida mãe, descendente em 1º grau do autor da sucessão.
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Em face do óbito de E..., ocorrido no dia 16.11.2020, foi outorgada escritura de habilitação de herdeiros, que se junta como Documento n.º 7 do PPA, sucedendo-lhe como os seus únicos herdeiros legitimários, sua filha F... e seu neto, por direito de representação, A... .
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Por via do falecimento e abertura da sucessão, a cada um dos herdeiros coube, em termos sucessórios, o correspondente a 1/2 da parte titulada pela de cujus no referido imóvel, passando o Requerente (A...) a ser legítimo possuidor e proprietário de ½ da fração identificada da fração C do artigo matricial ... .
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Em resultado das alienações dos direitos do Requerente A... sobre os prédios supra identificados em 1., os Requerentes vieram a apresentar a declaração Modelo 3 de substituição e o respetivo Anexo G, no qual, entre o mais, fizeram constar o seguinte:
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A AT, veio a apurar, através da liquidação n.º 2023... sobre a declaração de IRS a que supra nos referimos, aplicando sobre a mais-valia tributável uma taxa de 35% e a não aceitar as despesas e encargos declarados quanto ao artigo ...-C, resultando, em termos globais, um valor a pagar de € 19.767,78 – Doc. 1 do PPA.
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Relativamente à alienação da fração autónoma C do artigo ..., a herança, no tocante ao a este artigo, despendeu os seguintes montantes, tituladas por faturas em nome e com o respetivo NIF desta (à exceção da constante da al.a), emitida em nome do Requerente A...), relativamente a obras de remodelação do prédio vindo de identificar, visíveis quanto ao seu exterior, através de Doc. 9 junto a Requerimento autónomo de 03.04.2024:
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Comissão Imobiliária – € 3.999,96 – vide Documento n.º 14 do PPA (valor este que entretanto foi aceite como encargo em sede de revogação parcial do ato tributário);
b) Faturas com materiais, produtos e equipamentos emitidas pela sociedade M... S.A., no valor de € 5.558,48 - cfr. Documento n.º 15 do PPA;
c) Faturas relativas à instalação de cozinha, emitidas I..., Lda – no montante de € 634,62 -cfr. Documento n.º 16 do PPA;
d) Faturas relativas a produtos para remodelação de cozinha e exterior do imóvel emitidas por J..., no valor de € 2.143,83 – cfr. Documentos n.º 17 e 18 do PPA;
e) Fatura relativa ao fornecimento e montagem de janela e estore de alumínio junto do fornecedor K..., Lda, no valor de € 1.750,17 – cfr. Documento n.º 19 do PPA;
f) Faturas relativas à instalação de janelas de alumínio, emitidas por L..., no valor de € 3.840,07 (Documentos n.º 20, 21 e 22 do PPA);
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Na qualidade de co-herdeiro, o Requerente A..., despendeu o correspondente a ½ do montante referido nas alíneas b) a f) no número anterior, ou seja, o valor de € 6.963,59 (não se entrando em consideração com o encargo referido na al. a), uma vez que o mesmo foi aceite em sede de revogação administrativa, pelo que não é objeto do presente PPA).
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As obras tituladas pelas faturas melhor identificadas foram pagas diretamente através de conta bancária aberta inicialmente em nome de três titulares: E..., A... e F...– cfr. Doc. 6 junto a Requerimento autónomo de 03.04.2024 – sendo que foram incorridas em momento posterior ao falecimento da primeiramente identificada titular –E...– vide Doc. 7 junto a Requerimento autónomo de 03.04.2024.
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O Requerente A... tinha, em 21.03.2024, a sua situação tributária regularizada - vide Doc. 3 junto a requerimento autónomo, em 03.4.2024.
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Inconformados, os Requerentes apresentaram PPA que deu origem aos presentes autos arbitrais.
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Após constituído o presente Tribunal Arbitral singular, veio a Requerida a dar conhecimento da revogação parcial do ato tributário identificado em 10., por decisão, por concordância, da Subdiretora Geral da Direção de Serviços de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, de 10.03.2024, cuja informação de base superiormente sufragada, ora se deixa reproduzida no que ao alcance, extensão e fundamentação decisória respeita:
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Os Requerentes procederam ao pagamento da liquidação de IRS objeto destes autos em 05.09.2023 – cfr. Doc. 9 do PPA.
3.2. Fundamentação da matéria de facto provada:
Relativamente à matéria de facto o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.º do CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.ºdo RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
4. Matéria de direito:
4.1. Inutilidade superveniente da lide - Revogação Parcial do objeto imediato destes autos:
A inutilidade superveniente da lide decorre da verificação de um facto, na pendência da instância judicial ou arbitral, mediante a qual a solução do litígio deixa de ter interesse e utilidade, designadamente por ter sido satisfeita, por meios extrajudiciais, a pretensão deduzida pelo autor.
Conforme resulta da factualidade dada por provada no ponto 16., a AT veio, já após a constituição deste Tribunal Arbitral Singular, a proceder à revogação parcial do ato tributário de liquidação supra melhor identificado e objeto imediato deste PPA, nos termos melhor constante de tal decisão, já parcialmente reproduzida.
Do cotejo desta factualidade, extrai-se que da decisão revogatória parcial, não dimana qualquer regulação verdadeiramente inovatória, antes se limitando a admitir, parcialmente, a argumentação expendida pelos Requerentes no que à ilegalidade de parte do ato tributário de liquidação arbitralmente impugnado.
Impõe-se igualmente verificar que a causa de pedir e o consequente pedido formulado pelos Requerentes não se mostram totalmente satisfeitos pela entidade Requerida, dado remanescerem, mantendo-se na ordem jurídica, o ato tributário cuja quantificação se encontra, no entender dos Requerentes, ainda eivada de vício legal.
No caso dos autos aqui em apreço, resulta que tal revogação parcial apenas ocorreu e foi levada ao conhecimento destes autos em momento posterior à constituição do mesmo, aquando da dedução de Resposta pela Requerida.
A este respeito, pela sua clareza e correção de entendimento que dele dimana, o qual acompanhamos, não podemos deixar de aqui citar trecho da decisão proferida pelo CAAD, no âmbito do processo n.º 60/2019-T:
“A questão que primeiramente poderia colocar-se é a de saber - atendendo ao disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT - se é possível proceder, na pendência do processo arbitral, à anulação administrativa dos actos tributários impugnados.
O citado artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, sob a epígrafe “Efeitos do pedido de constituição do tribunal arbitral”, dispõe o seguinte:
Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º
O prazo previsto a alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º a que essa disposição se refere é o que respeita à comunicação às partes da constituição do tribunal arbitral, o que permite concluir que esse é um prazo procedimental, inserido no procedimento de constituição do tribunal, e que decorre ainda antes de ter início o processo arbitral (cfr. artigo 15.º).
Tal não significa, no entanto, que à Administração esteja vedado a anulação administrativa do acto impugnado já na pendência do processo arbitral.
A Autoridade Tributária, enquanto entidade administrativa, encontra-se subordinada às disposições do Código de Procedimento Administrativo (artigo 2.º, n.º 1), e, por outro lado, como resulta do disposto no artigo 29.º do RJAT, são de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, de acordo com a natureza do caso omisso, entre outras, as normas sobre o processo nos tribunais administrativos.
O artigo 168.º do CPA, que define os condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa, no seu n.º 3, estabelece que “quando o ato tenha sido objecto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa só pode ter lugar até ao encerramento da discussão”. Deve entender-se como encerramento da discussão, em correspondência com o estabelecido no artigo 604.º, n.º 3, alínea e), do CPC, o momento em que as partes produzam alegações orais ou o termo do prazo para alegações escritas ou o termo da fase dos articulados quando as partes tenham dispensado as alegações finais e o estado do processo permita sem necessidade de mais indagações a apreciação do pedido.
Haverá de concluir-se, por conseguinte, que o CPA alargou os poderes de disposição da Administração na pendência do processo, permitindo, na linha do que já vinha sugerido pela doutrina, que a anulação administrativa, quando o acto tenha sido objecto de impugnação jurisdicional possa ter lugar até ao encerramento da discussão, e não apenas até à resposta, como estava previsto no artigo 141.º, n.º 1, do CPA de 1991.
Seja como for, nada obsta a que a Administração, ao abrigo do citado artigo 168.º, n.º 3, possa anular o acto tributário impugnado na pendência do processo, desde que dentro do limite temporal definido nessa disposição, e essa faculdade nada tem a ver com o regime específico a que se refere o artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, que confere a possibilidade de a Administração anular o acto impugnado ainda no âmbito do procedimento de constituição do tribunal arbitral.
Dito isto, não pode deixar de reconhecer-se que a anulação administrativa é tempestiva, visto que a Autoridade Tributária praticou o acto anulatório ainda dentro prazo para a apresentação da resposta, havendo de atribuir-se à anulação, nesse condicionalismo, os correspondentes efeitos de direito.”
Ante o exposto, dúvidas não subsistem quanto ao direito da AT em proceder à revogação parcial nos termos que o efetuou e no tempo em que veio a ser operada.
Destarte e considerando que a revogação operada o foi apenas de forma parcial face àquele que é o âmbito da dissonância demonstrada pelos Requerentes face à liquidação de IRS, está-se perante uma situação de inutilidade/impossibilidade superveniente da lide, quanto às causas de pedir (e respetivo pedido) que acabaram por ser acolhidas pela Requerida, no âmbito do vindo de identificar despacho de revogação parcial, pelo que se julga extinta a instância processual, por já ter sido alcançado, de outra forma, o fim visado com a ação, nos moldes do disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do CPC, aplicáveis por remissão do citado artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT, ficando, nessa medida, prejudicado o seu conhecimento, por este Tribunal, mas não quanto às demais que afetam a quantificação do ato tributário arbitralmente impugnado.
4.2. Do objeto e âmbito de apreciação dos presentes autos:
Assim, a pretensão dos Requerentes não se mostra totalmente satisfeita – conforme estes expressamente o manifestaram - ante o facto de a revogação operada, ter recaído apenas sobre parte dos fundamentos subjacentes à pretensão anulatória arbitralmente suscitada.
Questão distinta seria a de os Requerentes virem, ante a revogação parcial promovida pela AT, a conformar-se com o ato tributário arbitralmente impugnado na parte não afetada pela revogação operada e a assim desistir quanto ao remanescente do pedido formulado, o que não sucede no caso dos autos.
Não tendo ocorrido essa mesma desistência quanto à parte não revogada, dado os Requerentes continuarem a pugnar pela sua apreciação, não poderá deixar de se conhecer e apreciar da questão de fundo que remanesce nos presentes autos.
Destarte e em suma, a impossibilidade superveniente da lide (artigo 277.º, al. e) do CPC) relativamente às causas de pedir acolhidas por via da revogação parcial, acarreta um esvaziar do objeto de apreciação arbitral que havia sido suscitado pelos Requerentes, vazio esse de objeto que inviabiliza a apreciação de qualquer matéria a aduzida por estes relativamente à parte revogada, devendo a apreciação do PPA e do respetivos atos tributários que lhe estão subjacentes, prosseguir, nos termos em que o PPA se mostra deduzido, apenas circunscrito às causas de pedir abrangidas pela revogação, em conformidade com o princípio do pedido e atento o posicionamento veiculado pelos Requerentes através das alegações escritas submetidas a estes autos.
O objeto do presente litígio centra-se assim em saber se a liquidação de IRS em apreço se encontra ou não eivada de ilegalidade (e respetivo estorno do imposto indevidamente pago e direito a juros indemnizatórios), por via de:
-
Resultar da aplicação da al. d) do n.º 17 do artigo 72º do CIRS – taxa de 35% sobre as mais valias imobiliárias - uma violação ao princípio da liberdade de circulação de capitais ínsita no artigo 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE);
-
Da violação da al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, quer na vertente de despesas necessárias e inerentes à aquisição do bem imobiliário alienado e objeto das mais-valias em apreço (artigos ... e ...) quer na vertente dos encargos havidos com a valorização do prédio alienado (artigo ...-C);
4.3. Da aplicação de uma taxa de 35% relativamente às mais-valias tributáveis apuradas, nos termos da al. d) do n.º 17 do artigo 72º do CIRS:
Sustentam os Requerentes a incompatibilidade do regime previsto na norma em apreço – o artigo 72.º, n.º 17, alínea d) do Código do IRS – com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, invocando jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), aplicável não apenas a operações entre Estados-Membros, mas também a operações que envolvam um Estado-Membro e um país terceiro, logo, não pertencente à União Europeia.
Vejamos então o enquadramento legal em que se circunscreve a questão a decidir nestes autos:
Nos termos do artigo 72º, n.º 17, al d) do Código do IRS – vigente à data dos factos tributários – Fevereiro e Maio de 2022:
“17 - São tributados autonomamente à taxa de 35 %:
(…)
d) As mais-valias previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português, que sejam domiciliadas em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças. “
O artigo 63.° do TFUE estabelece a livre circulação de capitais não apenas entre Estados-Membros mas igualmente entre Estados-Membros e países terceiros, pelo que rejeita de modo geral todas as restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros e entre os Estados-Membros e países terceiros, tal como resulta dos parágrafos 24 e 25 do despacho de 6 de setembro de 2018, proferido no âmbito do processo C-184/18.
Não é este Tribunal Arbitral singular alheio ao facto de, igualmente, tal liberdade, por princípio, consagrada, poder admitir exceções, al como decorre do positivado nos artigos 64º a 66º do TFUE.
Importando, no entanto, ter presente, que tais restrições ao princípio vindo de enunciar representam isso mesmo, exceções, as quais deverão ser objeto de interpretação restritiva, tal como se decidiu, entre outros, no âmbito do processo C-135/17 do TJUE.
Daí decorre que quaisquer medidas de âmbito restritivo “não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos” (v. artigo 65.º, n.º 3 do TFUE).
Conforme vem sendo entendimento do TJUE, constituem, na interpretação do Tribunal de Justiça, restrições contrárias à liberdade de circulação de capitais as medidas suscetíveis de dissuadir os não residentes de investirem num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado-Membro de investirem noutros Estados” (cfr. parágrafo 49 do acórdão de 30 de janeiro de 2020, processo C-156/17).
Neste mesmo sentido, vem o TJUE, de forma uniforme, assentando que tal restrição a um dos princípios basilares da UE como é o relativo à liberdade dos de capitais só é admissível quando justificável por razões de interesse geral e muito ponderosas.
Sendo que e em qualquer caso, tais restrições deverão acautelar o respetivo fim sem ultrapassar qualquer medida de necessidade e adequação tendo em vista a consecução desse objetivo limitador a tal princípio, tal como resulta evidenciado do teor do acórdão de 13 de novembro de 2012, processo C-35/11.
Ora, dúvidas não subsistem estar-se, no caso em apreço, perante uma tributação diferenciada, diferenciação essa baseada em critério de residência para efeitos fiscais, no caso, por via da aplicação de uma taxa distinta por força da residência dos Requerentes em território com tributação claramente mais favorável.
Que o mesmo é dizer que os Emirados Árabes Unidos constam das jurisdições elencadas na Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, enquanto territórios com tributação claramente mais favorável.
Se é certo que uma norma como a constante do então n.º 17 (hoje n.º18) do artigo 72º do CIRS tem, indubitavelmente, por efeito, a dissuasão de desinvestimento em Portugal por todo e qualquer não residente em território nacional, o que decorre da decisão do TJUE tomada a 11 de outubro de 2007, no âmbito do processo C‑451/05.
Nesta mesma senda e aqui tendo por base processo relativo à legislação portuguesa de mais-valias decorrentes da alienação de imóveis, quando realizadas por residentes e não residentes (v. acórdão de 11 de outubro de 2007, processo C-443/06 e despacho de 6 de setembro de 2018, processo C-184/18).
A consagração, por via legislativa – ao nível do compêndio do IRS – de uma diferente taxação das mais-valias auferidas por não residentes, no caso residentes em território ou jurisdição com tratamento fiscal claramente mais favorável, como é o caso dos Emirados Árabes Unidos, tal destrinça ao nível do tratamento fiscal pelo Estado preconizada, não poderá deixar, entende-se, deixar de ser considerada uma restrição sem apoio no TFUE, logo, não consentida por via deste princípio enformador da UE.
Não se olvida que os artigos 64.º e 66.º do TFUE, enquanto normas que regulam a admitem determinadas medidas que excecionam tal princípio de liberdade de capitais, tal como se decidiu no processo C184/18, de 6 de setembro de 2018.
Vem admitindo o TJUE tais restrições excecionais à liberdade de circulação de capitais preconizada pelo artigo 63º do TFUE, quando se estiver perante situações objetivamente suscetíveis de objetiva comparação.
A este respeito, o TJUE tem sido claro ao concluir que a não comparabilidade de situações não pode decorrer da simples circunstância de se estar perante um investimento em país terceiro.
Nos termos da decisão do TJUE de 26 de fevereiro de 2019, processo C-135/17 se concluiu que a não comparabilidade não pode assentar ou depender da circunstância de envolver um investimento, sob pena de esvaziamento do sentido útil do estabelecido no artigo 63º do TFUE.
O TJUE tem igualmente vindo a sustentar que uma restrição ao princípio da liberdade de circulação de capitais tem de ser justificada por “razões imperiosas de interesse geral”, tal como decorre do decidido na decisão de 11 de outubro de 2007, no âmbito do processo C 443/06.
Considera o TJUE - processos C‑338/11 a C‑347/11 - no âmbito da densificação daquilo que considera serem razões de interesse geral, a necessária repartição equilibrada em matéria de tributação entre os Estados‑Membros e os países terceiros (v. os acórdãos de 10 de fevereiro de 2011, processos, e bem assim a eficácia do controlo fiscal e a necessidade de prevenir a fraude fiscal (v. os acórdãos de 12 de setembro de 2006, processo C‑196/04; de 13 de março de 2007, processo C‑524/04; de 3 de outubro 2013, processo C‑282/12; de 9 de outubro de 2014, processo C‑326/12; e de 22 de novembro de 2018, processo C‑679/17)10.
No entanto, conforme o TJUE vem decidindo de forma reiterada mesmo nestas situações, a restrição carece de ser ponderada e sopesada ao abrigo do princípio da proporcionalidade, ou seja, deve ser adequada para garantir a realização do objetivo por ela prosseguido, não excedendo o necessário para o alcançar[1].
Em matéria da proporcionalidade das medidas preconizadas pelos Estados-Membros que restrinjam liberdades fundamentais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que “(…) para que as medidas nacionais que entravam ou desencorajam o exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado possam considerar-se efetivamente justificadas por razões atinentes ao interesse público devem ser idóneas para a realização do objetivo prosseguido e não exceder o necessário para o atingir (…) Quanto à questão de a disposição em litígio ser proporcional face ao objetivo prosseguido pelo legislador (…) cabe ao juiz nacional decidir se, por mais justificado que seja em princípio, o obstáculo decorrente de uma medida nacional a uma liberdade fundamental não poderá ser evitado ou reduzido sem comprometer a prossecução dos objetivos da própria medida”, tal como decorre da decisão do TJUE de 24 de junho de 1999, Processo n. º C-35/98).
A diferenciação das situações cobertas pela taxa normal e pela taxa agravada do artigo 72.º, n.º 1, alínea a) e n.º 17, alínea d) do Código do IRS é a localização da residência dos sujeitos passivos, conforme se encontrem listados ou não na portaria supra identificada, o que não constitui condição suficiente para se afirmar que, objetivamente, a situação não é a mesma, justificando uma restrição à liberdade de circulação de capitais.
Destarte, qualquer restrição a tal pilar fundamental da construção do mercado único europeu , como é o referente à liberdade de circulação de capitais, só é passível de se sustentar, se se identificarem razões imperiosas de interesse geral, e se, por outro lado, a medida adotada for idónea ao fim prosseguido e proporcional.
A tributação agravada cominada pela legislação fiscal portuguesa em relação às entidades residentes em “paraísos fiscais” enquadra-se na categoria das medidas que têm por finalidade primordial o combate à fraude e evasão fiscais.
Ainda assim, no caso em apreço, importa considerar que a jurisdição em causa, não obstante «listada» na referida portaria, é uma jurisdição «colaborante» ou cooperante com o Estado português, na medida em que, por via da assinatura de Convenção entre a República Portuguesa e os Emirados Árabes Unidos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, assinada em Abu Dhabi em 17 de janeiro de 2011, cuja Resolução da Assembleia da República n.º 47/2012 foi publicada em Diário da República 1.ª série — N.º 74 — 13 de abril de 2012, aí se prevendo – artigo 26º - o mecanismo convencional da «Troca de informações» entre os Estados signatários.
Ou seja, a norma prevista no n.º 17, al. d) do artigo 72º do CIRS resulta manifestamente excessiva, desde logo, por abranger uma lista de 83 jurisdições ou territórios, quando a lista de jurisdições «não cooperantes» para efeitos fiscais da União Europeia contém apenas 12 jurisdições ou territórios e dos quais os Emirados Árabes Unidos não faz parte.
Assim, a previsão legal, absolutamente indiferente a tais dados objetivos como os vindos de assentar e sem qualquer mecanismo probatório com vista ao afastamento de tal agravamento de tributação através da efetividade e substância do elemento de conexão tributário aplicável – residência – consagra uma medida violadora do princípio da proporcionalidade, sob pena de a relação apurada entre a gravidade do sacrifício imposto pelo meio adotado e a importância dos interesses públicos que o justificam ser desrazoável.
De resto e no que ao acervo probatório decorre destes autos, os Requerentes trabalham para entidades residentes nos Emirados Árabes Unidos, nada, de resto, tendo sido alegado, muito menos tendo sido demonstrado que possa supor qualquer artificialidade na fixação de tal elemento de conexão tributária - residência – ou qualquer propósito fiscal elisivo ou fraudulento.
Assim, a existência de uma taxa de IRS superior, aplicável às entidades[2] residentes nos países listados na Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, conforme previsto no artigo 72.º, n.º 17, alínea d) do Código do IRS, como sucede no caso dos Emirados Árabes Unidos, consubstancia uma distinção de tratamento que desincentiva o investimento de residentes nesses países no mercado imobiliário (no caso, de Portugal), o que não poderá deixar de constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais.
Em face do que supra se vem sustentando, não pode a liquidação de IRS em apreço manter-se no segmento em que sujeitou os Requerentes – porque residentes em território legalmente definidos como de tributação claramente mais favorável - a uma tributação superior (35%) face àquela que decorre para os demais não residentes fora de uma de tais jurisdições (28%), pelo que se encontra violado o artigo 63º do TFUE, em matéria de mais-valias relativas à alienação dos prédios inscritos na matrizes prediais urbanas respetivas, pelos artigos ...-C,... e ... (melhor identificados em 1. dos factos provados.
4.4. Ilegalidade por violação da al. a) do n.º 1 artigo 51.º do Código do IRS:
Os Requerentes entendem que os encargos de valorização do prédio identificado sob o artigo matricial urbano ...-C não podem deixar de ser considerados, até porque o NIF da documentação que as suporta pertence à herança indivisa e não ao NIF do cabeça de casal da herança de D..., F..., pelo que os respetivos documentos só podiam ter sido emitidos as faturas da forma que foram.
Igualmente propugna em idêntico sentido, relativamente aos artigos ... e ..., invocando que não poderá deixar de acrescer ao preço de aquisição o valor suportado por este a título de Imposto do Selo.
Contrapõe a Requerida no sentido de que tais documentos de titulação dos encargos declarados no Anexo G – Despesas e Encargos – não se encontram em nome de qualquer dos Requerentes mas antes do NIF da herança.
E bem assim que, no tocante às despesas relativas à aquisição dos artigos ... e ... alienados, não se encontrarem provados os respetivos gastos.
Vejamos então o enquadramento legal em que se circunscreve a questão a decidir nestes autos.
Dispõe o n.º 1 do artigo 51º do CIRS, o seguinte:
Artigo 51.º
Despesas e encargos
“1- Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:
a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º;
b) As despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º
Sendo que, por sua vez, preceitua o artigo 10º do versado compêndio legal, no tocante às alíneas referidas no supra citado normativo, que:
Artigo 10.º
Mais-Valias
“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;
b) Alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários e, bem assim, o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 81.º do Código do IRC, seja considerado como mais-valia;
c) Alienação onerosa da propriedade intelectual ou industrial ou de experiência adquirida no sector comercial, industrial ou científico, quando o transmitente não seja o seu titular originário;”
Do cotejo dos normativos vindos de citar, temos, desde logo, por seguro, que o eventual acréscimo ao valor de aquisição relaciona-se, no caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, com as despesas e encargos incorridas relativamente a mais-valias resultantes de bens imobiliários, ao passo que, nas situações a que se refere a alínea b) dessa mesma norma, apenas será aplicável a situações em que estejam em causa mais-valias que têm por base bens mobiliários.
Assim, atenta a dicotomia que decorre das versadas alíneas a) e b) desse mesmo artigo 51º, n.º 1, não poderemos deixar de afastar da apresente apreciação o disposto na alínea b), porquanto no caso em análise se está perante mais-valias que têm na sua génese a transmissão de bens imobiliários, cumprindo, pelo exposto, atentar na versada alínea a).
No âmbito da referida alínea a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, o legislador previu três diferentes realidades suscetíveis de originar acréscimo ao valor de aquisição dos bens imobiliários que estão na base da mais-valia a apurar, secundando-se o posicionamento de Paula Rosado Pereira que se encontra vertido in Manual de IRS, Almedina, Coimbra, 2018, pp 218 a 222)
«Nas situações previstas no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, a dedução de despesas e encargos, para efeitos do cálculo das mais-valias tributáveis, é efetuada mediante uma técnica de acréscimo, ao valor de aquisição do bem imóvel objeto de alienação onerosa (…). O acréscimo, nos termos do artigo 51.º, alínea a) do CIRS, pode corresponder a:
i) Encargos com a valorização do bem, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos. Estão aqui em causa encargos intrinsecamente ligados ao bem alienado, conducentes a uma valorização, quer material ou física, quer económica, do mesmo. Carecem de relevância os encargos destinados à mera preservação do valor do bem, e não à sua valorização. (…)
ii) Despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação dos bens em causa. (…)
iii) Indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens.
(…)
Em termos gerais – uma vez que o cálculo da mais-valia tributável assenta na diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (cfr. artigo 10.º, n.º 4, alínea a) do CIRS) –, o acréscimo, ao valor de aquisição do imóvel, dos encargos e das despesas suportados pelo sujeito passivo para obter o rendimento em causa, tem como efeito uma redução do valor da mais-valia sujeita a IRS.
Assim:
Mais-valia = Valor de realização – (Valor de aquisição + Encargos + Despesas do art. 51.º do CIRS)
Dado que se trata de encargos e despesas necessários à obtenção do rendimento, a regra prevista no artigo 51.º do CIRS é uma concretização, relativamente ao cálculo das mais-valias, do princípio da capacidade contributiva e, em particular, do princípio da tributação do rendimento líquido objetivo – princípios estruturantes do CIRS.
(…)
Uma situação bastante comum de encargos com a valorização de bens imóveis alienados prende-se com a realização de obras pelo proprietário do imóvel, nos últimos 12 anos, relativamente às quais se encontre devidamente comprovado o encargo.
Desde que as aludidas obras originem uma melhoria ou valorização do imóvel, enquadram-se na previsão do artigo 51.º, alínea a) do CIRS e, portanto, acrescem ao valor de aquisição do imóvel alienado (o mesmo é dizer, deduzem-se para efeitos do cálculo da mais-valia sujeita a IRS), se o encargo estiver devidamente comprovado e tiver ocorrido nos últimos 12 anos.
Importa notar que é necessária não apenas a comprovação de que o encargo foi efetivamente suportado pelo vendedor, mas também a comprovação da efetiva ligação do encargo com a valorização do imóvel alienado.
Outra questão frequentemente discutida prende-se com o conceito de valorização do imóvel a adotar, o qual condiciona a dedutibilidade fiscal ou não dos encargos que lhe estão subjacentes. A este propósito, a jurisprudência já sustentou que “a alínea a) do artigo 51.º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos [atualmente, doze], às valorizações materiais ou físicas daqueles, antes abrangendo também os encargos efetivamente suportados que os valorizem economicamente” [In Acórdão do STA, de 21 de março de 2012, proferido no Processo n.º 0587/11.].
Quanto às despesas necessárias e inerentes à aquisição/alienação de direitos reais sobre bens imóveis, é entendimento consolidado que são dedutíveis, para efeitos do cálculo da mais-valia tributável, o IMT suportado aquando da aquisição do imóvel ora alienado e, ainda, os encargos notariais e de registo predial incorridos.
Também são tidas como despesas necessárias à alienação e, portanto, contribuem para a redução do valor da mais-valia, as despesas com a mediação imobiliária eventualmente incorridas para efeitos da alienação do imóvel, desde que devidamente comprovadas. A comprovação requerida deve abarcar o efetivo pagamento das despesas pelo proprietário do imóvel e, ainda, a conexão destas com o imóvel alienado / intervenção do mediador imobiliário na alienação em causa.
São, ainda, aceites, para efeitos do cálculo da mais-valia tributável, as despesas incorridas pelo proprietário do imóvel com a solicitação do certificado energético. Esta despesa releva desde que, simultaneamente, se encontre comprovada através do recibo de pagamento e o certificado demonstre inequivocamente a sua conexão com o imóvel alienado. A partir de 2009, a compra e venda de um imóvel obriga o respetivo proprietário à obtenção de um certificado energético, o que contribuiu para vulgarizar bastante este tipo de despesa.»
Em similar sentido, o Prof.º José Guilherme Xavier Basto (in IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 460 a 462), segundo o qual:
«(…) a lei consagra também a dedução de despesas e encargos, para a determinação de algumas das mais-valias sujeitas a imposto. A solução decorre, como é evidente, de um princípio geral da tributação do rendimento, que impõe que só devam ser sujeitos a imposto os rendimentos líquidos, obrigando assim à dedução das despesas necessárias para que o rendimento pudesse ter ocorrido.”
O artigo 51.º manda, com efeito, acrescer ao valor de aquisição:
(…)
Na alínea a), consideram-se os “encargos com a valorização dos bens imóveis, comprovadamente realizados nos últimos doze anos” e também as “despesas necessárias e efectivamente realizadas, inerentes” à alienação do imóvel. Ambas as fórmulas usadas na lei podem suscitar dúvidas de interpretação, particularmente a segunda, atendendo à grande margem de indeterminação do que sejam “despesas necessárias”.
(…) Há-de tratar-se, pois, de despesas que contribuem e são dirigidas, não meramente a conservar o valor do bem, mas a aumentar o seu valor. Não são as simples despesas de manutenção e conservação que são elegíveis para este efeito. Só as que “valorizam” o bem estão em causa. De entre estas, porém, a lei não parece autorizar distinções. (…)
Por outro lado, a dedução de encargos – através, neste caso, da sua adição ao valor de aquisição – é solução que decorre do princípio da tributação do rendimento líquido. Não prever a dedução de encargos efectivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento – neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação – é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento, o que só razões muito ponderosas poderiam justificar e haveria, por certo, de ser expressamente reflectido no texto legislativo. (…) Com a redacção actual do artigo 51.º, abrangem-se os encargos que, nos últimos 5 anos [atualmente, 12 anos], tenham contribuído para a valorização do imóvel – todos eles e não só as beneficiações materiais.»
Do mesmo modo, quer a jurisprudência dos tribunais arbitrais, quer dos tribunais estaduais, têm vindo a sufragar entendimentos unívocos quanto a esta matéria.
Assim, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.03.2012, proferido no processo n.º 0587/11, sumariou-se nos seguintes termos:
«I – A al. a) do art. 51.º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos [atualmente, 12 anos], às valorizações materiais ou físicas daqueles, antes abrangendo também os encargos efectivamente suportados que os valorizem economicamente.
(…)»
(ii) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.11.2009, proferido no processo n.º 0585/09, assim sumariado:
«I – Nos termos do disposto no art. 51.º, al. b) do CIRS, para efeitos de tributação da mais-valia respectiva, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes.
II – O qualificativo "inerente", logo etimologicamente – in re – contem, a se, uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca – que não meramente extrínseca – com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável.(…)»
Por seu turno, decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.04.2015, em aresto proferido no processo n.º 06824/13, o seguinte:
1. Artigo 51.º, n.º 1, al. a) do CIRS – as despesas suportadas pelo sujeito passivo que podem ser deduzidas ao valor de aquisição do imóvel para efeitos de mais-valias.
2. No critério legal, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes. Tal critério contém uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca – que não meramente extrínseca – com a alienação: para ser considerada relevantes, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável. A despesa há-de ser integrante da própria alienação. Não se vê, efectivamente, que outro sentido se possa atribuir à expressão “inerentes à alienação”. Não basta, pois, que as despesas sejam conexas à obtenção do rendimento, é necessário que elas dele sejam indissociáveis.»
Em similar sentido, veja-se o sumariado pelo Tribunal Central Administrativo Norte, de 30.03.2017, proferido no processo n.º 00543/04.7BEPNF, assim sumariado:
III. O ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (al. a) do n.º 4 do art. 10.º do CIRS), este calculado de acordo com o disposto nos artigos 46.º e seguintes do Código do IRS.
IV. Acrescem ao valor de aquisição, por força do art. 51.º do CIRS, os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos [atualmente, 12 anos], e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º.»
Também no domínio da jurisprudência arbitral, atente-se no decidido no âmbito do processo n.º 766/2016-T, na qual é referido o seguinte:
«(…) atentando na letra da lei (encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos [atualmente, 12 anos]) não pode deixar de concluir-se, desde logo, que o encargo há-de estar ligado à valorização do bem alienado. Daquele específico bem e não de qualquer outro.
(…)
Com efeito, considerando que as mais-valias são o saldo apurado pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição do imóvel não pode deixar de concluir-se, que o encargo há-de estar ligado à valorização do bem alienado (…)»
Ainda quanto aos encargos e despesas previstos no n.º 1 do artigo 51º do CIRS, impõe-se trazer à colação a posição de Paula Rosado Pereira, no sentido de que “dado que se trata de encargos e despesas necessários à obtenção do rendimento, a regra prevista no artigo 51.º do CIRS é uma concretização, relativamente ao cálculo das mais-valias, do princípio da capacidade contributiva e, em particular, do princípio da tributação do rendimento líquido objectivo - princípios estruturantes do CIRS.”
Nesta mesma linha de entendimento, atente-se no aresto proferido no âmbito do CAAD, no processo n.º 25/2018-T: “teleologia da dedutibilidade destas despesas no cômputo das mais-valias inscreve-se no princípio genérico de que o rendimento sujeito a tributação deve ser um rendimento líquido, correspondente à capacidade contributiva efetivamente adquirida, pelo que os encargos comprovadamente incorridos que apresentem uma conexão evidente ou necessária com a obtenção do rendimento, mesmo tratando-se de um rendimento de natureza não recorrente, irregular ou fortuito, como é o caso das mais-valias, devem ser subtraídos ao valor de realização”.
Ante os entendimentos jurisprudenciais e doutrinais supra enunciados e cuja sintetização aqui se deixa exposta e cujo sentido e alcance acompanhamos, ter-se-á de verificar se, nos autos em análise, se os encargos pelos Requerentes invocadamente incorridos tiveram por propósito a valorização do imóvel alienado (caso do artigo ...-C) e bem assim se as despesas incorridas, além de efetivas, são de qualificar como necessárias e inerentes à aquisição dos prédios alienados (caso dos artigos ...e ...).
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Despesas de valorização do prédio alienado – artigo ...-C:
Importa, pois, perceber se é possível do cotejo da documentação junta aos autos e ante o enquadramento jurídico-tributário da questão de fundo vinda de enunciar, extrair resposta quanto à questão de saber se os Requerentes terão suportado as despesas e encargos por estes invocados e se esses encargos foram efetivamente incorridos em obras de valorização executadas no imóvel alineado?
A esta questão, a resposta não poderá deixar de ser afirmativa.
Resulta de todo o acervo probatório carreado para os autos que os Requerentes lograram aquilo que, à luz do normativo em questão e do entendimento que dele vem consolidadamente efetuando a jurisprudência e doutrina, lhes competia demonstrar, isto é, que os custos incorridos com os materiais, fornecimentos e serviços para as obras de remodelação foram executadas no artigo ...-C alienado e bem assim que os mesmos são aptos, num juízo de normalidade segundo o padrão do «Homem médio» a gerar uma valorização do imóvel onde foram incorporados.
Incumbia aos Requerentes demonstrar que os aludidos encargos por si suportados (e quantificados em 12. da matéria de facto provada) com a valorização, advenientes das versadas obras de remodelação, foram levadas à execução no imóvel alienado, o que os Requerentes, inequivocamente, demonstraram.
Efetivamente, os Requerentes comprovaram que realizaram obras no artigo supra identificado, a natureza das mesmas e qual o montante que nelas despenderam, sendo inequívoco que as mesmas referem a morada onde os gastos em causa foram aplicados, não se suscitando dúvidas a este Tribunal Arbitral Singular quanto à valorização que uma remodelação tal como a empreendida pelos Requerentes e demais cotitular do prédio é passível de gerar uma valorização do imóvel alienado.
O posicionamento da AT e constante da Informação Vinculativa emitida em razão do processo 2511/2018 relativamente a esta matéria é, desde logo, destituído de apoio, quer na letra, quer naquele que se entende ser a finalidade e teleologia do disposto no n.º 1 do artigo 51º do CIRS.
Isto é, em momento algum o legislador se refere ou se afigura poder pretender referir a qualquer afastamento da possibilidade de acrescer ao valor de aquisição dos encargos tidos, pela circunstância de a aquisição dos materiais ser efetuada isoladamente da sua aplicação e execução no imóvel objeto de valorização, ou seja, como que a norma pudesse ser lida como apenas legitimando acrescer ao valor de aquisição, caso os gastos tivessem sido incorridos no âmbito de empreitadas, em que adjudicam simultaneamente materiais e mão de obra.
Pugnando a AT pela não demonstração que a aplicação de tais materiais tenha sido efetuada no imóvel alienado.
A este respeito, a AT limita-se a refutar tal possibilidade de acréscimo ao valor de aquisição, nada aportando aos autos no sentido de sustentar o por esta colocado em dúvida – a possibilidade de a aplicação dos materiais ter ocorrido em prédio diferente daquele face àquele a que foi declarativamente imputado no Anexo G.
As despesas em causa, devidamente tituladas por faturas (a pronto pagamento) e cujo pagamento pelos herdeiros, pela identificação da localização da entrega/execução, pela natureza dos bens e serviços aí discriminados, são suficientemente demonstrativas da realidade factual que os Requerentes pretendem ver reconhecida para efeitos do apuramento das mais-valias tributárias.
Cumprindo recordar que o legislador não impõe, a respeito da demonstração probatória das despesas e encargos de valorização a que se reporta o artigo 51º do CIRS, qualquer regime de limitação ou de prova vinculada.
Preceitua o artigo 128º do CIRS:
Obrigação de comprovar os elementos das declarações
1 – As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija.
2 – O prazo previsto no número anterior é alargado para 25 dias quando o sujeito passivo invoque dificuldade na obtenção da documentação exigida.
3 – A obrigação estabelecida no n.º 1 mantém-se durante os quatro anos seguintes àquele a que respeitem os documentos.
4 – O extravio dos documentos referidos no n.º 1 por motivo não imputável ao sujeito passivo não o impede de utilizar outros elementos de prova daqueles factos.
Da leitura da versada norma legal, é possível estabelecer e assentar que o legislador exige aos sujeitos passivos de IRS a obrigação de apresentar junto da AT da documentação comprovativa dos elementos por aqueles declarados nas suas declarações de IRS.
Da leitura da versada norma legal, é possível estabelecer e assentar que o legislador exige aos sujeitos passivos de IRS a obrigação de apresentar junto da AT da documentação comprovativa dos elementos por aqueles declarados nas suas declarações de IRS.
Sendo que, da referido normativo, não se colhe qualquer limitação quanto à natureza do ou dos documentos comprovativos dos valores declarativamente expressos.
Se da referida norma vinda de citar, não se vislumbra qualquer indício sobre a versada limitação legislativa quanto aos meios de prova suscetíveis de confirmar os elementos declarados e tendo presente que no caso em apreço se está sempre perante prova documental, idêntica conclusão não poderá deixar de se efetuar da leitura do artigo 51º do CIRS, o qual igualmente se já deixou citado e no âmbito do qual o legislador não procede a qualquer densificação sobre qual ou quais os meios ou os elementos de prova suscetíveis de comprovar as despesas e os encargos de valorização, como aquele que se encontra em apreciação nestes autos.
Neste mesmo sentido, anote-se o acordado pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 01254/04, de 20.04.2005, segundo o qual a “lei não estipula um regime de prova vinculada. Pelo contrário, nesta matéria, o n.º 3 do art.º 128º, do CIRS aponta até em sentido diverso”
Isto é, também aqui o legislador não procedeu a qualquer distinção ou diferenciação, sendo que, pela sua pertinência e aderência em matéria de interpretação da norma legal, acompanha-se o acordado pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no âmbito do processo 01901/10.3BERG, 08.06.2012, segundo o qual “Prescreve o nº 1, do artº 9º do CC que à atividade interpretativa não basta o elemento literal das normas e que é essencial a vontade do legislador, captável no quadro do sistema jurídico, das condições históricas da sua formulação e, numa perspetiva atualista, na especificidade do tempo em que são aplicadas.
No nº 2 estabelece-se, por seu turno, que a determinação da vontade legislativa não pode abstrair da letra da lei, isto é, do significado da sua expressão verbal.
Finalmente, no nº 3, dispõe-se, por apelo a critérios de objetividade, que o intérprete, na determinação do sentido prevalente da lei, deve presumir o acerto das soluções consagradas e a expressão verbal adequada (Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. I, 3ª ed., págs. 58 e 59).
No fundo, o referido normativo expressa os princípios doutrinários consagrados ao longo do tempo sobre a interpretação das leis, designadamente o apelo ao elemento literal, por um lado, e aos de origem lógica - mens legis ou fim da lei, histórico ou sistemático - por outro.
Interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, págs. 21 a 26).
Interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais do Direito Civil, vol. 1º, 6ª ed., pág. 145).
Daí que, perante as regras de interpretação da lei que resultam do artº 9º do Código Civil, a regra é a de que onde a lei não distingue não pode o intérprete distinguir; mesmo que se possa entender que onde a lei não distingue deve o intérprete distinguir sempre que dela resultem ponderosas razões que o imponham,”
Ora, no caso dos vertentes autos, é insofismável concluir que o legislador não pretendeu, ante o teor das normas vindas de citar, tratar de forma diferente as despesas e encargos a que se refere a al. a) do artigo 51º do CIRS face a todos os demais elementos, valores, rendimentos e deduções constantes de uma declaração de IRS.
Não cabendo assim ao intérprete destrinçar e no caso, diferenciar, limitando nos casos das despesas e encargos a que se refere a al. a) do artigo 51º do CIRS, a existência de uma prova vinculada a determinados e concretos documentos de prova, enquanto os únicos aptos ou idóneos a suportar o teor do declarado pelos contribuintes.
Acrescendo ainda, não se vislumbrar quaisquer ponderosas razões subjacentes para que tal distinção, por via de limitação dos elementos suscetíveis de comprovar essas despesas e encargos a que se refere a al. a) do artigo 51º do CIRS, quando comparados com o regime geral de comprovação do teor declarativo que dimana do artigo 128º do CIRS.
Restando, assim, atentar na eventual subsunção à previsão normativa constante das primeiras e segundas partes do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS.
Desde logo, da leitura da referida alínea e em particular da sua primeira parte, colhe-se imediatamente a opção legislativa que presidiu à redação da norma, no sentido de lançar mão de conceito indeterminado em detrimento de uma eventual tentativa de formular um rol de despesas que pudessem taxativamente integrar as despesas passíveis de acrescer ao valor de aquisição dos bens.
Tal técnica legislativa propicia assim a dedutibilidade de qualquer gasto que se venha a entender a coberto desse mesmo conceito indeterminado constante da norma legal, o que se entende ser, de resto, apropriado no sentido de permitir acautelar, em abstrato, a elegibilidade de um diferente espetro de despesas em função do caso concreto em que a questão se coloque, não limitando assim ab initio através de cláusula fechada a consideração hipotética de determinadas despesas.
Ora, analisado o teor da documentação a que se referem os Docs. 15 a 22. do PPA e Docs. 4 a 9 do requerimento datado de 04.03.2024, importa, desde já, deixar claro que os Requerentes apresentaram documentação bastante em ordem a fazer valer o pretendido acréscimo, sendo que tais materiais, equipamentos, fornecimentos e serviços tendentes à reabilitação do prédio se encontram firmemente consubstanciados, não recaindo quaisquer dúvidas sobre a sua ocorrência e bem assim sobre o concreto prédio onde tais trabalhos foram efetuados e para os quais foram igualmente emitidas faturas, com a expressa designação do local de descarga/entrega ser coincidente com o prédio alienado.
Em face da documentação coligida pelos Requerentes em abono da pretendida consideração de tais encargos para efeitos de acréscimo ao valor de aquisição, limitou-se a AT a não admitir tal acréscimo em sede de liquidação, sem proceder a qualquer fundamentação, o que e por si só, é insuficiente para afastar a presunção do n.º 1 do artigo 75º da LGT; recorde-se para este efeito que os Requerentes procederam ao preenchimento de “despesas e encargos” constante do Anexo G, com o montante de € 8.646,65.
Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, cabe aos Requerentes o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa, inclusive demonstrar e justificar a sua relevância e consistência tributárias, recorrendo a meios de prova documental e se necessário complementar com prova testemunhal os elementos fáticos que sustentam a sua correção, uma vez que foram pelo Requerente promovidos.
O afastamento da presunção ocorre quando: “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões (artigo 75.º n.º 2 alínea a) e quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária (artigo 75.º n.º 2 alínea b).
De outra banda, recai sobre a Requerida, o ónus da prova sobre a verificação dos pressupostos legais (vinculativos) legitimadores da sua atuação, ou seja, compete-lhe a prova do facto por si invocado respeitante às inexatidões pelos Requerentes perpetradas aquando da declaração de rendimentos de 2022
Ora, sucede que no caso, se desconhecem que inexatidões possam ter sido essas ou que diligências possa ter a AT tomado no sentido de aferir da conformidade ou não do teor declarativo em apreço – declaração de IRS do ano de 2022 – dado não resultar de qualquer elemento dos autos a instauração de procedimento de verificação quanto à conformidade ou não do teor da declaração do contribuinte.
Face ao vindo de alinhar, atendendo ao exposto pela AT, no sentido de a declaração dos Requerentes apresentar uma omissão, então e por aplicação do disposto no artigo 75.º n.º 2 afastar-se-ia a presunção e consequentemente caberia aos Requerentes a responsabilidade de prova.
Todavia cabia à Requerida nos termos artigos 74.º n.º 1 da LGT e 342.º n.º 1 do CC fazer a prova de que as declarações dos Requerentes não tinham aderência à verdade material.
Contudo a Requerida não produziu a prova que permita afastar a presunção estipulada no artigo 75.º n. 1 e n.º 2 alínea a) e b) da LGT, acrescendo ainda que os Requerentes invocam que o valor declarado a título de «despesas e encargos» é inferior ao real, na medida em que terão suportado € 8.963,57 e não apenas os € 8.646,65 declarados.
Com ou sem benefício de presunção de veracidade, conforme a coberto ou não do prévio teor declarativo, dado remanescer do pedido arbitral um valor de € 316,92 face ao montante declarado pelos Requerentes no respetivo Anexo G, os Requerentes logram demonstrar, sem margem para distinta conclusão, a errada interpretação e aplicação da lei, por violação do artigo 51º, n.º 1, al. a) (primeira parte) do CIRS levada a efeito pela AT ao desconsiderar tais despesas e encargos.
Não procede sequer o entendimento aqui veiculado pela Requerida, no sentido de fundamentar tal não aceitação de encargos, baseada na circunstância de as faturas apresentadas nestes autos se encontrarem emitidas no NIF da herança.
Como já decorre do supra vindo de evidenciar, não se está no âmbito de prova vinculada, nem o legislador erigiu, a este particular propósito, que o NIF de tal documentação constante tivesse de ser o do sujeito passivo (Requerente A..., porquanto herdeiro), na medida em que, como objetivamente se conclui, o prédio em causa se mantinha indiviso, isto é na esfera e âmbito de herança.
A herança, enquanto indivisa (conforme decorre da factualidade dada por provada), constitui um património autónomo de afetação especial que responde pelo pagamento das respetivas dívidas, nos termos dos artigos 2068º, 2097.º e 2098.º do Código Civil, razão pela qual não será alheio o facto de o legislador, para efeitos fiscais, ter consagrado a criação de NIF autónomo para esta tipologia de património autónomo.
A administração da herança incumbe, por força legal ao cabeça de casal da herança, nos termos preceituados no artigo 2079º e ss. do Código Civil, não podendo este, acrescentamos nós, deixar de titular os respetivos encargos da mesma através dos dados de identificação desse mesmo património autónomo.
Conforme decorre do n.º 1 do artigo 2098º do Código Civil, os herdeiros respondem pelos encargos da herança na proporção da quota que lhes tenha cabido na herança.
Por outro lado, os rendimentos gerados por esta são imputados a cada herdeiro mediante a sua quota-parte na herança, em conformidade com o disposto no artigo 19.º do Código do IRS.
Revertendo para o caso em apreciação, não se vislumbra que desconformidade legal possa decorrer, em ordem a afastar a consideração dos gastos em apreço, pela circunstância de a documentação dos encargos havidos pela herança terem sido emitidos com a identificação e o NIF desse mesmo património autónomo.
Até porque, como decorre da supra enunciada norma legal, os respetivos herdeiros respondem pelos encargos incorridos por tal património na respetiva proporção que em tal património autónomo lhes cabe.
O que foi o que in casu se afigura, com segurança, ter sucedido: os Requerentes limitaram-se a declarar a proporção dos encargos gerados pela herança quanto a tal prédio em função da quota-parte que lhes cabia.
E se assim não sucedeu, caberia à Requerida AT proceder a tal evidenciação em contrário, nos termos do artigo 74º, n.º 1 da LGT, o que, em qualquer caso, refira-se, nem sequer foi invocado, na medida em que a Requerida se limitou a concluir – sem apoio no texto legal -que, não sendo o NIF do Requerente A... o constante das faturas em causa, inviabilizado estaria, para efeitos da al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, o acréscimo de tais encargos ao valor de aquisição do prédio alienado.
Em suma e no que a este segmento diz respeito, não poderá deixar de ser dado provimento ao peticionado, reconhecendo-se a ilegalidade do ato tributário sub judicio, por violação do predito dispositivo legal, na exata medida em que a AT não aceitou as despesas suportadas na respetiva quota-parte pelo Requerente A..., quantificadas em 12., as quais se referem a metade das despesas identificadas e quantificadas por emitente, nas alíneas b) a f) do ponto 11 dos factos provados, visto a despesa referente à alínea a) ter sido considerada como encargo em sede de revogação administrativa, logo estando arredada do objeto da presente pronúncia.
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Despesas inerentes à aquisição do prédio alienado – artigos ... e ...
Tal como decorre da análise à norma legal em que se centra este segmento do dissenso entre as partes, temos, em primeiro lugar, por segura, a fixação pelo legislador do requisito atinente à necessidade, sendo que para a verificação de tal necessidade dever-se-á estar perante um gasto absolutamente indispensável em ordem à obtenção do rendimento, o qual será, a jusante, objeto de tributação em sede de mais-valias.
Por outro lado, as despesas a que se refere o legislador na al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS devem ser igualmente efetivas, isto é, gastos cuja realização foi incorrida pelo sujeito passivo e cuja comprovação quanto à sua realização e consumação seja isenta de dúvida.
Pouco ou nenhum sentido faria, de resto, que assim não fosse e, ao invés, se admitisse a dedutibilidade de verbas cuja sua realização não fosse certa, comprovável e de facto suportada pelo sujeito passivo, sob pena de desvirtuação do princípio da capacidade contributiva, o qual, como é consabido, tem consagração constitucional ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 104º da Constituição.
Por último, erige o legislador um terceiro requisito o qual se prende com o facto de as despesas terem de ser inerentes à aquisição e à alienação.
Na falta de outros elementos que concorressem a um sentido menos imediato do texto da lei, o intérprete deve optar pelo sentido que melhor e imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, na pressuposição decorrente do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Ante tal princípio interpretativo das normas legais, deve entender-se por tal adjetivo algo que está intimamente unido, que é intrínseco ou inseparável.
A propósito da dilucidação de tal conceito de despesas e em particular no que respeita ao requisito de inerência a que alude o legislador, têm vindo a pronunciar-se os tribunais superiores, nomeadamente o Tribunal Central Administrativo (Sul e Norte) e bem como assim, o Supremo Tribunal Administrativo.
Considerou o Supremo Tribunal Administrativo[3], a propósito do conceito de inerente, o qual igualmente consta da alínea b) do preceito em análise, que: “O qualificativo "inerente", logo etimologicamente - in re - contem, a se, uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca - que não meramente extrínseca - com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável.”
Mais densificando no corpo do aresto já identificado, novamente a propósito da característica e requisito da inerência, o seguinte: “E, pelo contrário, há-de entender-se que ela não só traz em si um quid significante acrescentativo, como é mesmo a verdadeira subordinante do preceito. Não basta, pois, como aliás se refere na sentença, que as despesas sejam conexas à obtenção do rendimento; é necessário que elas dele sejam indissociáveis.”
Concluindo assim o versado aresto que “Nos termos do disposto no artº 51º, al. b) do CIRS, para efeitos de tributação da mais-valia respetiva, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes.”
Propendendo em idêntico sentido ao do já citado acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, o Tribunal Central Administrativo do Sul[4] veio a entender:
“1. Artigo 51º nº1 a) do C.IRS - as despesas suportadas pelo sujeito passivo que podem ser deduzidas ao valor de aquisição do imóvel para efeitos de mais-valias;
2. No critério legal, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes. Tal critério contém uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca - que não meramente extrínseca - com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável. A despesa há-de ser integrante da própria alienação. Não se vê, efectivamente, que outro sentido se possa atribuir à expressão “inerentes à alienação”; Não basta, pois, que as despesas sejam conexas à obtenção do rendimento, é necessário que elas dele sejam indissociáveis.”
Por tudo quanto supra se vem expondo e face à jurisprudência supra citada, a qual de perto acompanhamos e secundamos, não poderá deixar de se firmar que toda e qualquer despesa a que se refere a al. a) do artigo 51º do CIRS, para alcançar o patamar de dedutibilidade, por via da sua adição ao valor de aquisição do bem em causa, não poderá deixar de revestir cumulativamente características de indispensabilidade, certeza quanto à sua realização e indissociabilidade ou inseparabilidade para com a obtenção do rendimento.
Sendo assim, será ante o confronto com tais requisitos que terá de ser aferida a cabimentação legal das despesas invocadas como dedutíveis pelos Requerentes para efeitos de tal normativo, atendendo, naturalmente, ao legalmente positivado em matéria de ónus da prova.
Nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, incumbe ao contribuinte, o ónus de comprovar os direitos que pretende fazer valer perante a Administração, sendo que tal ónus apenas se reporta relativamente aos factos tributários que lhe digam diretamente respeito.
Deve, ainda, assinalar-se que resulta do artigo 75.º, n.º 1 da LGT que as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, se presumem verdadeiras. Porém, esta presunção cessa nomeadamente se essas declarações, contabilidade ou escrita, ou os respetivos dados de suporte, apresentarem omissões, erros e inexatidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (art. 75.º, n.º 2, al. a) da LGT). Recorde-se ainda que, nos termos do n.º 3 do art. 75.º da LGT, “[a] força probatória dos dados informáticos dos contribuintes depende, salvo o disposto em lei especial, do fornecimento da documentação relativa à sua análise, programação e execução e da possibilidade de a administração tributária os confirmar”. (…)
Ora, sempre que se aplique a al. a) do n.º 2 do art. 75.º da LGT, “será sobre o contribuinte que recai o ónus de prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existam dúvidas probatórias”, pelo que “as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas” para os efeitos do n.º 1 do art. 100.º do CPPT (vd. assim Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, vol. II, 6ª ed, 2011, p. 133).
Ora, descendo aos autos que nos atêm, resulta factualmente pacífico que os Requerentes não procederam à inscrição declarativa de qualquer valor a título de «Despesas e Encargos» no que toca à alienação dos artigos ... e ..., não se podendo assim deixar de presumir que os Requerentes não incorreram em qualquer encargo ou despesa inerente aos imóveis alienados –... e ....
Daí que incida sobre os Requerentes o ónus da demonstração efetiva dos factos não inscritos e das razões para que possa reconhecer-se, sendo o caso, pela ilegalidade do ato tributário, fruto dessa pretérita omissão declarativa.
Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, cabe assim aos Requerentes o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa, inclusive demonstrar e justificar a sua relevância e consistência tributárias, recorrendo a meios de prova documental e/ou outros que sustentem tal petitório.
A este respeito, os Requerentes vieram a juntar, entre outra, documentação consubstanciadora quanto à origem e natureza da aquisição e bem assim o valor liquidado pela AT sobre o sujeito passivo Requerente A..., por força de tal aquisição gratuita da nua propriedade sobre metade indivisa dos artigos ... e ..., imposto este que não poderá deixar de se subsumir a uma despesa inerente à aquisição (gratuita) em causa, não sendo sequer essa uma questão que se afigure (em abstrato) objeto de dissenso entre as partes.
É certo que os Requerentes não procederam à junção do comprovativo do pagamento de tal liquidação de Imposto do Selo emitida pela AT, mas não é menos objetivo que teve a AT o ensejo de se pronunciar sobre tal ato tributário junto e de exercer, querendo, o respetivo contraditório, esclarecendo um dos pontos sobre os quais recai a presente querela arbitral.
E que os Requerentes, ao tê-lo feito – junção da liquidação de Imposto do Selo emitido pela AT - identificaram corretamente os elementos de prova em causa, designadamente, o ato tributário de liquidação que está na origem dos encargos invocados.
Ora, não só a Requeria nada veio a aduzir quanto a esta matéria em sede de Processo Administrativo instrutor (nos termos do artigo 111º do CPPT), porquanto omitiu a junção do mesmo e o respetivo teor de informação relevante e tida por pertinente quanto ao objeto dos autos, como quando confrontada com o teor da liquidação de Imposto do Selo, não tomou qualquer posição, isto é, não refutou, nem confirmou, que o imposto em tal documento de IS se encontrasse satisfeito, limitando-se a referir que os Requerentes não lograram demonstrar a efetividade dos encargos invocados, leia-se do Imposto do Selo suportado por via do recebimento em doação da nua propriedade sobre ½ dos artigos ... e ... .
Ainda a respeito da matéria atinente ao ónus probatório, prescreve o n.º 2 do artigo 74º da LGT, o seguinte:
“2-Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária.”
Ora, no caso sub judicio, dúvidas não podem subsistir quanto ao facto de a AT ter na sua posse a informação relativa ao pagamento ou não pelo Requerente A... da liquidação do Imposto do Selo notificada a este no decurso de 2017 – Doc. 2 junto a requerimento autónomo, de 03.04.2024.
Que o mesmo equivale a afirmar, que a omissão de esclarecimento, por banda da AT, quanto ao pagamento ou não pelo Requerente A..., da identificada liquidação de IS, no que a estes artigos concerne, enquanto informação na posse daquela, configura-se como subsumível à aplicação do regime dimanante do normativo vindo de citar.
Decorrendo do supra expendido a conclusão segundo a qual, face à concreta identificação pelos Requerentes do ato tributário em questão perante a AT – pagamento ou não da liquidação de IS - se deve considerar como satisfeito o ónus probatório que sobre os Requerentes, inicialmente, impendia, nos termos do n.º 1 do versado normativo, por força da junção de todo o acervo documental a montante da liquidação de Imposto do Selo, o qual culmina com a junção do referido ato tributário no qual se funda a ilegalidade por não consideração do imposto suportado, para efeitos de acréscimo ao valor de aquisição dos artigos objeto de alienação.
Pelo exposto, é de concluir pela efetividade dos encargos relativos ao pagamento de Imposto do Selo, nos montantes de € 56,88 e € 94,86, respetivamente.
Verificando-se que os Requerentes incorreram no pagamento de Imposto do Selo, nos montantes supra identificados, está verificado o requisito atinente à «efetividade», devendo assim apreciar-se da verificação ou não dos requisitos de necessidade e inerência.
O conceito de “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à alienação” presente na alínea a) do artigo 51.º do Código do IRS, deverá ser interpretado no sentido de que tais despesas deverão ser indissociáveis da operação em causa, que tenham sido suportadas pelo mesmo para a sua realização.
Ou, como decorre da jurisprudência vinda de supra citar, despesas inerentes à alienação são aquelas que são inseparáveis da alienação, que com esta têm uma relação intrínseca, que não meramente extrínseca e que dela são indissociáveis.
Ora, não se vislumbra como se possa concluir que o Imposto do Selo não constitua, a esta luz, uma despesa necessária e inerente à aquisição, porquanto se subsume a um encargo tributário, por imposição legislativa, cuja participação de bens para efeitos de posterior liquidação é, de resto, essencial e imprescindível para a titularização registal do direito adquirido (no caso, de 1/2 indivisa sobre o direito à nua propriedade) por via de aquisição gratuita, no caso, por força de doação.
Destarte, deve esta causa de pedir merecer provimento, devendo o ato tributário ser anulado, por violação da al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, no segmento em que não admitiu os valores suportados a título de Imposto do Selo em conformidade com o facto 5 supra, enquanto encargos passíveis de acrescer ao valor de aquisição de cada um dos artigos em apreço.
Por todo o referido, somos a concluir que a liquidação, objeto da impugnação arbitral que ora se decide, é, nesta parte, ilegal, por vicio de violação de lei.
4.5. Do Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
Os Requerentes pedem ainda o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Essas disposições estabelecem que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte “pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Sendo que, tal direito se funda não só quanto ao erro, por violação de direito interno, no caso por incorreta interpretação e aplicação da al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, como igualmente por violação do direito da União Europeia.
A este último respeito, não podemos deixar de secundar o entendimento vertido na decisão proferida em instância arbitral:
“Na situação vertente, a liquidação parcialmente impugnada padece de erro de direito imputável à Requerida, por aplicação de normas nacionais que violam o Direito da União Europeia. Com efeito, a legalidade não se cinge à dimensão dos atos legislativos previstos no artigo 112.º da CRP e inclui o bloco de normas e princípios supraordenados, como a Constituição e o Direito primário e derivado da União Europeia acolhido ex professo pelo artigo 8.º, n.º 4 da CRP.
A subordinação “à Constituição e à lei” que o artigo 266.º, n.º 2 da CRP postula não pode, assim, deixar de compreender o Direito da União Europeia. Entendimento que é seguido pela jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, como se extrai dos seguintes excertos ilustrativos:
“havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços.”
A aplicação indevida da taxa agravada do artigo 72.º, n.º 17, alínea d) do Código do IRS resultou no pagamento de uma prestação tributária (de IRS) em montante superior ao legalmente devido, pelo que se verifica o pressuposto de erro imputável aos serviços e a constituição, na esfera dos Requerentes, do direito ao recebimento de juros indemnizatórios para ressarcimento da ilegal privação desta quantia pelo período de tempo que perdurar, até à sua restituição, conforme preceituado nos artigos 43.º e 100.º da LGT e 61.º do CPPT. “
Há, assim, fundamento para condenar a Requerida no reembolso de imposto indevidamente pago e bem assim no pagamento de juros indemnizatórios, relativamente às distintas causas de pedir que obtêm provimento através da presente decisão, contados desde a data do pagamento indevido da liquidação – 05.09.2023 - até à data da emissão da respetiva nota de crédito.
4.6. Extensão da decisão anulatória quanto ao ato de tributário de liquidação de IRS
Tendo-se concluído pela ilegalidade parcial do ato de liquidação de IRS, o qual constitui o objeto imediato destes autos, cumpre ainda precisar a extensão do efeito da decisão anulatória.
Quanto ao pedido anulatório formulado, considerando as necessárias correções que importará efetuar em virtude da revogação administrativa ocorrida e considerando ainda os dados disponíveis nestes autos, revela-se necessário precisar que “O processo arbitral tributário, à semelhança do que acontece com a impugnação judicial, é, essencialmente um contencioso de mera anulação. Não obstante, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estritamente ligados ao poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios, com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia ou com o direito à restituição do imposto indevidamente pago.
Ressalvadas estas exceções, estaremos sempre perante um contencioso de mera anulação, o que significa que perante a impugnação de um acto tributário junto de um tribunal arbitral, a este tribunal caberá apenas considerar o acto legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo, cabendo à AT retirar as consequências da eventual decisão anulatória, no respeito pelo disposto no art.º 24.º do RJAT.”, conforme se referiu no acórdão arbitral de 1 de junho de 2021, proferido no âmbito do processo n.º 694/2019-T.
Ainda a respeito desta temática, referiu-se no acórdão do TCA Norte, proferido em 9 de Julho de 2020, no âmbito do processo n.º 9655/16.3BCLSB que “Ao contrário do que sucede no domínio das ações administrativas, quando está em causa a legalidade de atuação da administração, no âmbito das quais o julgador pode emitir injunções e pronúncias condenatórias relativamente à Administração, condenando-a à prática de ato com um conteúdo determinado, tal não sucede no âmbito do contencioso tributário de impugnação de ato de liquidação (quer arbitral quer estadual) com esse alcance, não estando legalmente prevista a possibilidade de condenação à prática de ato devido.”
Tendo em conta a natureza essencialmente anulatória do contencioso arbitral tributário acabada de evidenciar com base na citada jurisprudência, constata-se que ao Tribunal Arbitral não assistem os poderes para emitir injunções condenatórias.
Assim sendo, e porquanto o apuramento da quantificação do montante do IRS que deverá ser considerado como devido pelos Requerentes consiste numa tarefa cuja competência é atribuída por lei à AT, devendo o ato de liquidação de IRS arbitralmente impugnado ser parcialmente anulado, cabendo à AT a posterior quantificação, tendo por referência a errónea quantificação do ato tributário, tendo por referência os seguintes pontos desta decisão:
4.3. ilegal aplicação de taxa de 35%, ao invés dos 28%;
4.4. a): ilegal desconsideração para efeitos de acréscimo ao valor de aquisição, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, do encargo quantificado em 12., o qual se refere a metade das despesas identificadas e quantificadas por emitente, nas alíneas b) a f) do ponto 11 dos factos provados, visto a despesa referente à alínea a) ter sido considerada como encargo em sede de revogação administrativa, logo estando arredada do objeto da presente pronúncia.
4.4. b): ilegal desconsideração para efeitos de acréscimo ao valor de aquisição, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, do encargo quantificado em 5 .dos factos provados;
Nesse exercício, haverá que se ter igualmente em consideração o efeito decorrente da revogação parcial do ato tributário arbitralmente sindicado, sendo certo que inexiste qualquer informação de que a liquidação objeto dos presentes autos haja sido, nos termos de tal decisão administrativa, já objeto da respetiva correção ao nível do respetivo cálculo do imposto.
5. DECISÃO:
Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral singular, decide:
-
Declarar extinta a instância processual, por já ter sido alcançado, de outra forma, o fim visado com a ação, nos moldes do disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do CPC, aplicáveis por remissão do citado artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT, ficando, prejudicado o seu conhecimento, por este Tribunal, nos exatos moldes e com a abrangência decorrente da supra identificada revogação parcial do ato tributário;
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral no segmento não abrangido pela revogação administrativa e anular parcialmente o ato tributário de liquidação de IRS de 2022, com o n.º 2023... (o que inclui eventual liquidação corretiva resultante da decisão de revogação parcial) com base em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, do qual resulta um excesso de quantificação do ato tributário, em conformidade com o ponto 4.6. desta decisão, no concreto segmento objeto destes autos.
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Julgar procedente o pedido arbitral quanto ao reembolso do imposto e pagamento de juros indemnizatórios, assim condenando a Requerida ao estorno do valor indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º do CPPT.
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Condenar a Requerida no pagamento das custas, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos Arbitrais.
6. Valor:
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 19.767,78.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Atenta a revogação parcial (a que a Requerida deu causa, após a constituição deste Tribunal Arbitral) e a procedência do remanescente do objeto do pedido arbitral, não poderá deixar de se determinar que as custas ficam a cargo da Requerida na sua totalidade.
* * *
Notifiquem-se as Partes e, bem assim, o Ministério Público para efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional).
Lisboa, 14 de outubro de 2024.
O Árbitro
Luís Sequeira
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.
[1] acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de fevereiro de 2019, processo C-135/17 e 30 de janeiro de 2020, processo C-156/17
[2] A questão relativa à subsunção ou não das pessoas físicas ao conceito de «entidades» não foi suscitada perante este Tribunal Arbitral singular e não resulta ser matéria de conhecimento oficioso, razão pela qual se encontra fora do âmbito dos poderes de cognição por este.
[3] Ac. STA, de 18.11.2009, no âmbito do proc. n.º 0585/09; disponível em www.dgsi.pt
[4] Ac. TCA Sul, de 14.04.2015, no âmbito do proc. n.º 06824/13,; disponível em www.dgsi.pt