SUMÁRIO:
-
É ilegal por errónea quantificação da matéria coletável a determinação do rendimento líquido das mais-valias (categoria G) resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários obtidas por um sujeito passivo de IRS que beneficia do estatuto de residente não habitual que desconsidera as menos-valias obtidas no Brasil em operações da mesma natureza, violando tal procedimento o disposto no n.º 1 do artigo 43.º do CIRS.
-
A CDT celebrada e vigente entre Portugal e o Brasil consagra, no seu artigo 23.º, como método para eliminar a dupla tributação internacional o método da imputação, pelo que prevalece, relativamente aos residentes em território português e independentemente da sua qualificação entre habituais e não habituais, sobre as disposições unilaterais internas.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Maria Fernanda dos Santos Maçãs (presidente), nomeada pelo Conselho Deontológico, Dr. Manuel Faustino e Dr. Jorge Carita (vogais), nomeados, respetivamente, pelo Requerente e pela Requerida para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 01-04-2024, acordam no seguinte:
-
RELATÓRIO
A..., contribuinte n.º..., residente na Av. ..., ..., ...-... Cascais, Portugal, doravante Requerente, tendo sido notificado da liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2023..., relativa ao ano de 2022 (“Liquidação”, junta como doc. 1), com um montante a pagar de € 208.122,97 com prazo para pagamento voluntário até 11.9.2023 e pago em 11.8.2023, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.º 3, alínea b), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, para apreciação da legalidade da liquidação e condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, (doravante também identificada por "AT" ou "Requerida")
O pedido de Constituição do Tribunal foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
Os Requerentes procederam à nomeação de árbitro, na pessoa do Dr. Manuel Lopes da Silva Faustino, que também usa Manuel Faustino e a Requerida nomeou o Dr. Jorge Carita, ambos árbitros vogais, que aceitaram a nomeação.
Nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b), segmento final, do RJAT foi designada como Presidente do Tribunal, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a Conselheira Maria Fernanda Santos Maçãs que aceitou.
Tendo as partes sido informadas da designação dos árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e nada tendo vindo dizer, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído a 1 de abril de 2024.
Em 1 de abril de 2024, foi proferido o despacho arbitral previsto no artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e nesse mesmo dia notificado ao Requerente e à Requerida.
Na sequência da tramitação normal do Processo, a Requerida, em 6 de maio de 2022, apresentou Resposta propugnando a manutenção do ato tributário e a consequente improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo contestado por exceção e por impugnação.
Em 9 de maio de 2024, foi proferido despacho arbitral e logo notificado, para que o Requerente, querendo, respondesse à matéria de exceção.
Em 22 de maio de 2024, veio o Requerente responder à matéria de exceção, juntando, simultaneamente, cópia integral da Declaração de IRS mod. 3, relativa ao ano de 2022, que, entretanto, conseguira obter no sistema informático da AT e antes requerera que, na impossibilidade de a obter, fosse a AT a proceder à sua junção[1].
Em 25 de maio de 2024 foi proferido o seguinte despacho arbitral:
1. Não havendo lugar a produção de prova constituenda e tendo sido exercido contraditório à matéria de excepção, o Tribunal dispensa a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT.
2. Notifiquem-se as partes para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do presente despacho, sendo que se concede à Requerida a faculdade de, caso assim o entenda, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo. No mesmo prazo deverá ser processado o pagamento da taxa de arbitragem subsequente.
3. Designa-se o dia 1 de Outubro de 2024 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em formato WORD.
Em 9 de junho de 2024, foi proferido, e logo notificado, despacho arbitral a determinar à Requerida que juntasse o Processo Administrativo (PA).
Em 18 de junho de 2024, a Requerida apresentou requerimento a informar que não tinha sido constituído processo administrativo, pelo que o não podia juntar aos autos, mas, ao mesmo tempo, enviou ao Tribunal cópias da declaração mod. 3 de IRS relativa ao ano de 2022 e a da demonstração da liquidação.
Em 19 de junho de 2024, o Requerente apresentou as suas alegações.
Em 21 de junho de 2026, a Requerida apresentou igualmente alegações.
Em 01 de julho de 2024, o Requerente apresentou Requerimento em que informou o Tribunal de que a declaração mod. 3 de IRS relativa ao ano de 2022 estava incompleta e reiterou que a por ele remetida ao Tribunal com o requerimento de 22 de maio de 2024 estava completa[2].
Em 21 de setembro de 2024, foi proferido o seguinte despacho arbitral:
1. Atento o facto de o prazo de seis meses para emitir a decisão arbitral, segundo o estatuído no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, incluir períodos de férias judiciais e atenta a tramitação e a complexidade do processo, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, prorroga-se o prazo da arbitragem por dois meses e indica-se como data-limite para ser proferida a decisão o dia 1 de Dezembro de 2024.
-
SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, face ao preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas, tudo em conformidade com o disposto no artigo 4.º, n.º 2, do mesmo diploma e ainda no artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Tendo, no entanto, sido deduzida exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral, cuja procedência determinaria a absolvição da instância para a Requerida, vai dela conhecer-se de imediato, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 88.º do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
Exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral
A Requerida invoca a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral nos termos que a seguir se transcrevem:
III – 1.1. POR EXCEÇÃO – DA IMPOSSIBILIDADE DE IMPUGNAÇÃO CONTECIOSA DIRETA DO ATO DE AUTOLIQUIDAÇÃO DE IRS.
25. Como questão prévia, coloca-se a questão de saber se o ato de liquidação de IRS em causa nos autos, é suscetível de impugnação contenciosa direta.
Entende-se que não. Vejamos.
26. Nos termos do artigo 131.º, n.º 1, do Código de procedimento e de Processo Tributário (CPPT):
«Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.»
27. No entanto, o n.º 3 do mesmo artigo ressalva que: «Quando estiver exclusivamente em causa matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, não há lugar à reclamação necessária prevista no n.º 1.»
28. Ora, desde logo o primeiro dos pressupostos - a autoliquidação ter sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária – não se encontra preenchido, pois compulsados os correspondentes artigos do pedido de pronúncia arbitral, salvo lapso nosso, nenhuma orientação genérica emitida pela AT é invocada.
29. Deste modo, atenta a falta de preenchimento de um dos pressupostos cumulativos, não pode aproveitar-se do disposto no artigo 131.º, n.º 3 do CPPT, porquanto quanto a estes encargos, com o fundamento agora apresentado no ppa, não foi previamente apresentado reclamação graciosa ou revisão oficiosa das autoliquidações aqui em causa.
30. Consequentemente, o conhecimento direto da legalidade de tais questões pelo presente Tribunal mostra-se-lhe vedado face ao disposto no artigo 2.º do RJAT e do artigo 2.º, da citada Portaria n° 112-A/2011, isto é, a possibilidade de apreciar tais atos de autoliquidação com esta nova questão, sem que tenha existido prévio " (...) recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (...)".
31. Pelo que este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub judice no que à questão aqui em causa respeita, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e alínea a), da Portaria n.º 112- A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição da entidade requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneae) do RJAT.
Respondeu o Requerente nos termos que também seguidamente se transcrevem:
1. Nos artigos 25.º a 31.º da sua Resposta, a Fazenda Pública invoca a exceção dilatória de incompetência material do presente Tribunal Arbitral.
2. A Fazenda Pública sustenta, para esse efeito, que o ato de liquidação de IRS impugnado no âmbito do presente processo arbitral é inimpugnável por considerar que está em causa uma autoliquidação que, enquanto tal, deveria ter sido objeto de prévia impugnação administrativa.
3. Contudo, a liquidação de IRS em crise foi realizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Efetivamente,
4. O artigo 75.º do Código do IRS (“CIRS”) indica que a liquidação do IRS é da competência da Autoridade Tributária e Aduaneira.
5. Por outro lado, o artigo 76.º, n.º 1, alínea a), do CIRS prescreve que a liquidação do IRS é efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nos elementos declarados pelo sujeito passivo.
6. Da aplicação conjugada destas duas normas resulta, pois, inequívoco que o ato de liquidação de IRS é emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base no cumprimento, pelo sujeito passivo, da obrigação acessória prevista no artigo 57.º do CIRS (i.e., a entrega da declaração modelo 3 de IRS relativa ao período de tributação a que respeita o imposto).
7. Realce-se, de resto, que é pacífico na doutrina o entendimento de que o ato de liquidação de IRS é emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e não, como erradamente afirma a Fazenda Pública, pelo sujeito passivo.
8. Veja-se, neste sentido, o que afirmam Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade:
«Impendem também sobre os sujeitos passivos muitos deveres de cooperação ou obrigações acessórias, designadamente de apresentação de declarações que impulsionam ou permitem a liquidação dos tributos, como por exemplo, em sede de IRS – como decorre dos artigos 75.º a 77.º do Código do IRS –, no qual o imposto é liquidado pela Administração Tribuária com base nos elementos declarados pelo sujeito passivo […].» (cf. Serena Cabrita Neto / Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2017, pp. 65-66).
9. Ora, conforme se afirmou na petição inicial, a liquidação de IRS impugnada no presente processo foi emitida com base na apresentação, pelo Requerente, da Declaração Modelo 3 de IRS com o n.º 1503-J5852-96, relativa ao ano de 2022.
10. Conclui-se, pois, que a liquidação de IRS em causa não resultou de qualquer autoliquidação, pelo que deve ser julgada improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral deduzida pela Fazenda Pública.
Nas alegações, a Requerente e a Requerida mantiveram as respetivas posições.
Passa-se, pois, ao conhecimento da exceção dilatória invocada.
A base jurídica em que a AT fundamenta a sua invocação é o artigo 131.º do CPPT que dispõe, com a redação ao tempo da verificação dos factos:
Artigo 131.º
Impugnação em caso de autoliquidação
1 - Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração.
2 - (Revogado)
3 - Quando estiver exclusivamente em causa matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, não há lugar à reclamação graciosa prevista no n.º 1.
Ora, desde a sua origem, que remonta a 1 de janeiro de 1989, "A liquidação do IRS compete aos serviços centrais da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos" - artigo 77.º da redação dada pelo Decreto-Lei n.º 354/89, de 17 de outubro, devendo, no entanto, sublinhar-se que, na redação primeva, a dada pelo Decreto-Lei IRS n.º 442-A/88, de 30 de novembro que aprovou o Código, o artigo 77.º tinha dois números, o primeiro com a redação que o decreto que o alterou manteve, e o segundo prescrevendo: "A autoliquidação é obrigatória para os titulares de rendimentos das categorias B, C ou D e facultativa para os restantes, devendo, em qualquer caso, ser efetuada nas respetivas declarações, quando apresentadas nos prazos previstos no artigo 60.º". O artigo 75.º do CIRS, vigente à data dos factos, determina, de forma mais simples, que "A liquidação do IRS compete à Autoridade Tributária e Aduaneira".
De resto, grande parte da doutrina inclui, nas características do IRS, a sua heteroliquidação, por oposição aos denominados impostos de autoliquidação, ou seja, aquele em que a determinação do imposto devido - pois nisso consiste a liquidação enquanto ato tributário que torna certa, líquida e exigível a dívida de imposto - por força de lei, é imputada ao próprio contribuinte ou a terceiros - cfr., por todos, PAULA ROSADO PEREIRA, Manual de IRS, Almedina, Coimbra, 5.ª edição, pp. 340). E a própria AT, no seu último (conhecido) IRS - Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, Centro de Formação, Lisboa, 2007, escreve, a pp. 25 que "Nos termos do art.º 75.º, a liquidação do IRS é da competência da DGCI, o que significa que são os serviços centrais da DGCI que procedem à liquidação".
É certo que, a partir da reforma do IRS de 2015, aprovada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, o n.º 2 do artigo 140.º, passou, inovadoramente, a dispor que "Em caso de erro na declaração de rendimentos, a impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa a apresentar no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração". Ou seja, veio a ser criada, para além das que se encontravam já consagradas no CPPT, uma nova obrigação de reclamação graciosa necessária prévia à dedução de impugnação judicial. Todavia, para além de não ser esta a base jurídica invocada pela Requerida - o que, pela não vinculação do Tribunal relativamente à lei indicada pelas partes, sempre poderia ser suprido - a situação de facto não é a que dela constitui pressuposto. Ou seja, o Requerente, invoca erro na liquidação e não erro na declaração (venire contra factum proprium). E a Requerida também não comprova que haja erro na declaração.
Assim, o Tribunal julga improcedente a exceção dilatória de incompetência material que vem aduzida pela Requerida e, consequentemente, não declara a sua absolvição da instância.
-
PEDIDO
O Requerente requer ao Tribunal Arbitral a anulação parcial da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), referente ano fiscal de 2022, com o n.º 2023..., relativa ao ano fiscal de 2022, com o valor total a pagar de €208.122,97, com fundamento em vício de erro sobre os pressupostos de direito por errada interpretação e aplicação da norma do artigo 43.º, n.º 1, do Código do IRS, inconstitucionalidade da norma do artigo 43.º, n.º 1, do Código do IRS, na interpretação efetuada pela Requerida na liquidação impugnada e, ainda, por violação da liberdade de circulação de capitais. Pede, por último, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
-
MATÉRIA DE FACTO
-
Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
-
No ano de 2022 o Requerente encontrava-se inscrito como residente fiscal em Portugal;
-
No ano de 2022 o Requerente tem o estatuto de residente não habitual desde o ano de 2016, podendo usufruir do mesmo até 2025;
-
Em 30.6.2023, o Requerente apresentou a declaração modelo 3 de IRS com o número..., relativa ao ano de 2022 (junta como doc. 2);
-
Na referida declaração, o Requerente procedeu ao preenchimento e entrega dos Anexos J - Rendimentos obtidos no estrangeiro e L - Residente Não Habitual;
-
No quadro 9.2A do Anexo J da Declaração, o Requerente declarou as seguintes operações relativas a rendimentos com origem no Brasil que geraram menos-valias:
-
No quadro 6.C2 do Anexo L da Declaração, o Requerente declarou optar pelo método da isenção, enquanto mecanismo destinado a eliminar a dupla tributação jurídica internacional;
-
O Requerente foi notificado da liquidação, no valor de € 208.122,97;
-
Na liquidação emitida, não foram tidas em consideração, para efeitos de apuramento do saldo de mais-valias objeto de tributação, as menos-valias com origem no Brasil, no valor de € 705.054,15, declaradas pelo Requerente nas linhas 982, 983, 984, 1036, 1037, 1038, 1039, 1040, 1047, 1048, 1049 e 1050 do quadro 9.2A do Anexo J da Declaração;
-
O Requerente procedeu ao pagamento integral da Liquidação (cf. comprovativo de pagamento, junto como doc. 3).
-
MATÉRIA DE FACTO
-
Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não tenham sido provados.
Os factos foram dados como provados com base na prova documental apresentada pelos Requerentes uma vez que a Requerida não apresentou PA, tendo vindo dizer ao Tribunal que não existia PA, muito embora para ele tenha remetido no artigo 8 da Resposta.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
-
MATÉRIA DE DIREITO
A questão que é objeto do presente processo é a de saber se, tendo o Requerente o estatuto fiscal de Residente Não Habitual (RNH), as menos-valias resultantes da alienação onerosa de ativos mobiliários no Brasil, tendo aquele optado pela isenção ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 81.º do CIRS, podem ou não ser deduzidas às mais-valias obtidas na alienação de ativos mobiliários noutros Estados, independentemente de integrarem ou não a União Europeia ou o Espaço Económico Europeu.
-
Posição das Partes
Os Requerentes defendem que (transcrição):
1. Sobre o vício de erro sobre os pressupostos de direito por errada interpretação e aplicação da norma do artigo 43.º, n.º 1, do Código do IRS
-
Nos termos do disposto no artigo 43.º, n.ºs 1 e 5, do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos (“CIRS”):
«1. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
[…]
5. Para apuramento do saldo positivo ou negativo referido no n.º 1, respeitante às operações efetuadas por residentes previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, não relevam as perdas apuradas quando a contraparte da operação estiver sujeita a um regime fiscal a que se referem o n.º 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária.»
-
Resulta do artigo 43.º, n.º 1, do CIRS que o rendimento coletável relativo a mais-valias corresponde ao saldo (positivo) das mais-valias e menos-valias realizadas no mesmo ano.
-
O único desvio à regra contida no artigo 43.º, n.º 1, do CIRS decorre do disposto no artigo 43.º, n.º 5, do CIRS, que prescreve que, para apuramento do saldo de mais-valias objeto de tributação, não são consideradas as menos-valias resultantes de operações com origem em «países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis», na aceção do artigo 63.º-D, da Lei Geral Tributária (“LGT”) e da Portaria n.º 150/2004, com a redação em vigor à data dos factos.
-
Em causa no presente processo estão as operações geradoras de menos-valias com origem no Brasil, declaradas pelo Requerente no quadro 9.2A do Anexo J da Declaração, no valor de EUR 705.054,15.
-
Da análise da Liquidação impugnada conclui-se que na determinação do saldo de mais-valias objeto de tributação, não foram consideradas as menos-valias com origem no Brasil, no valor de EUR 705.054,15.
-
No presente caso, é manifestamente inaplicável a norma do artigo 43.º, n.º 5, do CIRS, dado que o Brasil não se encontra incluído na referida Portaria n.º 150/2004.
-
Por conseguinte, em cumprimento do disposto no artigo 43.º, n.º 1, do CIRS, impunha-se que a Requerida, na determinação do saldo de mais-valias objeto de tributação, tivesse em consideração as menos-valias com origem no Brasil, declaradas pelo Requerente na Declaração.
-
Neste sentido, veja-se, na jurisprudência arbitral, a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 247/2021-T, de 11.11.2021 (Árbitro: André Festas da Silva):
«A Requerida desconsidera o valor negativo com origem no Brasil.
Quid juris?
[…]
Nos termos do art. 43º, n.º1 do CIRS
“1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.”
Face à norma citada, o rendimento coletável é o resultado de todas as mais valias e menos valias do ano. Esta norma não faz qualquer restrição à origem da mais valia ou da menos valia porque o rendimento dos residentes é todo tributado em território nacional independentemente da origem.
[…]
Entende a AT que as menos valias com origem no Brasil não relevam para o apuramento da matéria coletável dos rendimentos em análise. Contudo, esta interpretação não tem o mínimo de correspondência com a letra da lei, que nada refere quanto a esta suposta limitação.
A única restrição à origem das menos valias está no n.º 5 do artigo 43º do CIRS, que dispõe o seguinte:
“5 - Para apuramento do saldo positivo ou negativo referido no n.º 1, respeitante às operações efetuadas por residentes previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, não relevam as perdas apuradas quando a contraparte da operação estiver sujeita a um regime fiscal a que se referem o n.º 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária.”
Esta norma indica expressamente que não revelam [relevam], em primeiro lugar, apenas as menos valias que, em segundo lugar, tenham origem num território com um regime fiscal considerado claramente mais favorável.
Excluída esta restrição, para os residentes todas as restantes menos valias obtidas noutros territórios são consideradas para o apuramento do saldo negativo ou positivo das operações previstas no art. 10º, n.º 1, al. e) do CIRS. O CIRS não faz qualquer outra restrição. Uma vez que o Brasil não consta da Portaria n.º 150/2004 de 13 de Fevereiro (lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis), a não consideração da menos valia aí obtida, à luz das normas internas, não tem respaldo legal .» (realçado nosso)
-
Em sentido idêntico, veja-se igualmente a decisão arbitral proferida no processo n.º 412/2022-T, de 30.11.2022 (Árbitro: Manuel Faustino):
«É ilegal por errónea quantificação da matéria coletável a determinação do rendimento líquido das mais-valias (categoria G) resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários, obtidas por um sujeito passivo de IRS que beneficia do estatuto de residente não habitual que desconsidera as menos-valias obtidas no Brasil em operações da mesma natureza, violando tal procedimento o disposto no n.º 1 do artigo 43.º do CIRS.»
-
Ainda neste sentido, veja-se a decisão arbitral proferida no processo n.º 654/2022-T (Árbitro-Presidente: Cons. Jorge Lopes de Sousa):
«Como resulta do preceituado no artigo 43.º, n.º 1, do CIRS, o que é objecto de tributação a título de «mais-valias», no âmbito do IRS, não são directamente os ganhos obtidos com todas e cada uma das alienações de valores mobiliários, mas sim o “saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano”.
[…]
E, como se salienta na decisão arbitral proferida no processo n.º 247/2021-T, a única restrição que se prevê à relevância de perdas para efeitos de apuramento do saldo tributável a título de mais-valias é a relativa às “apuradas quando a contraparte da operação estiver sujeita a um regime fiscal a que se referem o n.º 1 ou o n.º 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária”, o que não sucede no caso em apreço.»
Resulta, pois, evidente que a Liquidação impugnada, na parte em que não considerou, para efeitos de apuramento do saldo de mais-valias objeto de tributação, as operações geradoras de menos-valias com origem no Brasil, padece de um vício de erro sobre os pressupostos de direito, que determina a sua anulabilidade parcial (cf. artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).
2. Inconstitucionalidade da norma do artigo 43.º, n.º 1, do Código do IRS, na interpretação efetuada pela Requerida na Liquidação impugnada
2.1. Violação do princípio da legalidade fiscal em sentido formal
-
Cumpre notar que o artigo 43.º, n.º 1, do CIRS consagra uma norma sistematicamente inserida nas regras relativas à determinação no rendimento líquido em sede de Categoria G.
-
Em causa está, pois, uma norma que versa um elemento essencial do IRS, isto é, a definição da incidência objetiva do imposto.
-
Tal matéria encontra-se abrangida pelo princípio da legalidade fiscal em sentido formal (cf. artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i), 1ª parte, da CRP).
-
Pelo que não pode a Autoridade Tributária e Aduaneira interpretar e aplicar a norma do artigo 43.º, n.º 1, do CIRS no sentido de excluir as menos-valias com origem no Brasil do saldo de mais-valias objeto de tributação, uma vez que se trata de interpretação sem o mínimo de apoio na letra da lei.
-
Por conseguinte, sempre seria inconstitucional a norma do artigo 43.º, n.º 1, do CIRS quando interpretada no sentido de excluir as menos-valias com origem no Brasil do saldo de mais-valias objeto de tributação, por violação do princípio da legalidade fiscal em sentido formal (cf. artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i), 1ª parte, da CRP).
-
Inconstitucionalidade que desde já se invoca, nomeadamente, para efeitos de interposição de eventual recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto no artigo 25.º, n.º 1, do RJAT.
Acresce referir que
2.2. Violação do princípio do rendimento-acréscimo e do princípio da capacidade contributiva
-
A interpretação e aplicação da norma do artigo 43.º, n.º 1, do CIRS, efetuada pela Requerida na Liquidação impugnada, viola igualmente o princípio do rendimento-acréscimo, enquanto corolário do princípio da capacidade contributiva (cf. artigo 13.º da CRP).
-
Efetivamente, de acordo com a conceção de «rendimento» (rendimento-acréscimo) que vigora entre nós, o IRS incide sobre «qualquer acréscimo patrimonial, proveniente ou não da atividade produtiva» (realçado nosso)3.
-
É, pois, evidente que a tributação de acordo com a capacidade contributiva tem como pressuposto que se tribute uma concreta manifestação de capacidade contributiva, expressamente tipificada pelo legislador nas normas de incidência objetiva do imposto.
-
Ora, o artigo 43.º, n.º 1, do CIRS determina expressamente que os rendimentos qualificados como «mais-valias» sujeitos a tributação, correspondem ao saldo de mais e menos-valias geradas no período de tributação relevante, concorrendo para o apuramento do referido saldo todas as mais e menos-valias declaradas pelo sujeito passivo, exceto as menos-valias a que se refere o artigo 43.º, n.º 5, do CIRS (norma esta que, como se disse, é inaplicável in casu).
-
Conclui-se, pois, que, ao emitir a Liquidação sem considerar as menos-valias com origem no Brasil, o Requerente não foi tributado de acordo com a sua efetiva capacidade contributiva.
-
Por conseguinte, seria igualmente inconstitucional a norma do artigo 43.º, n.º 1, do CIRS, quando interpretada no sentido de excluir do saldo de mais-valias objeto de tributação, as menos-valias com origem no Brasil, por violação do princípio do rendimento-acréscimo e do princípio da capacidade contributiva (cf. artigo 13.º da CRP).
-
Inconstitucionalidade que desde já se invoca, nomeadamente, para efeitos de interposição de eventual recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto no artigo 25.º, n.º 1, do RJAT.
Finalmente,
3. Violação da liberdade de circulação de capitais
-
Ao desconsiderar as menos-valias com origem no Brasil para efeitos de apuramento do saldo de mais-valias objeto de tributação, a Requerida procede, na Liquidação impugnada, a um tratamento discriminatório injustificado em razão do local onde o investimento financeiro foi efetuado, em violação da liberdade de circulação de capitais (cf. artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”)).
-
Efetivamente, analisada a Liquidação, verifica-se que a Requerida interpreta o artigo 43.º, n.º 1, do CIRS, no sentido de:
-
por um lado, quando esteja em causa uma menos-valia gerada em Portugal, tal menos- valia será considerada para apuramento do saldo de mais-valias objeto de tributação;
-
por outro lado, quando esteja em causa uma menos-valia gerada no Brasil, tal menos-valia já não será considerada para apuramento do saldo de mais-valias objeto de tributação.
-
Ora, o artigo 63.º, n.º 1, do TFUE prescreve que «[n]o âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros» (realçado nosso).
-
Refira-se, em primeiro lugar, que a aquisição e alienação de valores mobiliários (v.g., ações, obrigações) está incluída no âmbito objetivo da liberdade de circulação de capitais (cf., Comissão c. Países Baixos, C-282 e 283/04, par. 19; TJUE, Comissão c. Reino Unido, C-98/01, pars. 39 e 40; TJUE, Comissão c. França, C-483/99, pars. 36 e 37; TJUE, Trummer e Mayer, C-222/97, par. 22).
-
Acresce que a aplicação de um regime fiscal distinto em função do local onde foi efetuado o investimento de capitais em causa no presente processo (Brasil) constitui uma inequívoca violação da liberdade de circulação de capitais (cf. TJUE, STEKO, C-377/07, pars. 23, 24 e 27; TJUE, Amurta SGPS, C-379/05, par. 28; TJUE, Manninen, C-319/02, pars. 22, 23 e 55).
-
Como é evidente, a não consideração das menos-valias obtidas no Brasil tem por efeito tornar mais onerosa a tributação, em sede de IRS, de sujeitos passivos que tenham efetuado operações suscetíveis de gerar mais e menos-valias naquele país.
-
Efetivamente, um sujeito passivo de IRS que investe na aquisição e alienação de um ativo emitido por uma entidade sediada no Brasil e um sujeito passivo de IRS que investe na aquisição e alienação de um ativo emitido por uma entidade sediada em Portugal encontram-se numa situação objetivamente comparável.
-
Acresce que inexiste qualquer razão que justifique o tratamento discriminatório efetuado pela Requerida na Liquidação impugnada.
-
Ora, por força do princípio do primado do Direito da União Europeia (cf. TJUE, Costa c. Enel, C-6/64, par. 6), a Requerida está sujeita à referida norma do TFUE e à interpretação que dela é feita pelo TJUE (cf. TJUE, Fratelli Costanzo, C-103/88, pars. 30 a 33).
-
Por conseguinte, a interpretação e aplicação da norma do artigo 43.º, n.º 1, do CIRS efetuada pela Requerida na Liquidação impugnada, viola o Direito da União Europeia, o que sempre determinaria a sua desaplicação no presente caso (cf. TJUE, Simmenthal, Proc. 106/77, par. 24).
Por seu turno, a Requerida defende o seguinte (transcrição):
-
A matéria relativamente à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral, refere-se à não consideração das menos-valias mobiliárias, obtidas no Brasil (no montante avançado pelo reclamante de 705 054,15 €).
-
O Requerente alega que de acordo com o artigo 43º, nº 1 e nº 5 do código do imposto Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), deve ser considerado para o apuramento do ganho tributário o correspondente ao saldo entre as mais e menos valias apuradas, visto que o Brasil (País de origem dos rendimentos) não consta da lista a que se referem o n.º 1 ou o n.º 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária.
-
Solicita ainda o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 100º, nº 1 da Lei Geral Tributaria (LGT).
Vejamos, em síntese útil, os seguintes factos,
-
No caso dos autos, e de acordo com o regime legal vigente, cabe ao Requerente a prova daquilo que alega, ou seja, de que as mais-valias mobiliárias beneficiam do disposto no nº 5 do art. 43º do CIRS.
-
Não fazendo essa prova, conforme é legalmente exigível, não pode o Requerente beneficiar das perdas declaradas quanto às transações mobiliárias controvertidas, conforme ónus probatório que sobre ele impende por força do disposto no nº 1 do art.º 74º da LGT uma vez que é o Requerente quem altera os códigos dos países que inicialmente declarou no seu anexo G e é o Requerente quem pretende refletir as perdas declaradas no apuramento dos rendimentos qualificados como mais-valias;
-
Em suma, é ao Requerente que incumbe o ónus de provar o facto constitutivo do direito que invoca, no caso o direito a poder refletir as perdas controvertidas no apuramento do seu saldo de mais-valias.
-
Ora, o dispositivo legal consignado nº 5 do art.º 43º do CIRS insere-se numa política de combate à fraude e evasão fiscal, visando situações que envolvem relações com países, territórios ou regiões com um regime fiscal claramente mais favorável, nos termos do consignado no art.º 63º - D da LGT.
-
Razão pela qual entendeu o legislador fiscal que em sede de apuramento dos rendimentos qualificados como mais-valias não relevam as perdas apuradas quando a contraparte da operação estiver sujeita a um regime fiscal a que se referem o n.º 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária.
-
No caso em apreço, os rendimentos oriundos do Brasil declarados pelo reclamante, são enquadrados na categoria G, quando não auferidos no âmbito de atividades profissionais enquadráveis na categoria B.
-
Como rendimentos de Categoria G, preenchendo o disposto da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, o saldo a reportar da matéria coletável resulta da aplicação do artigo 43.º n.º 1 do código do IRS, neste sentido, se do saldo apurado resultarem incrementos patrimoniais, este pode ser tributado pelo englobamento ou ser sujeito à taxa autónoma de 28% prevista no artigo 72.º n.º 1 alínea c).
-
Decorre ainda do artigo 13º, nº 4 da Convenção de Dupla tributação (CDT), celebrada entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, que a competência para a tributação das mais valias é de ambos os estados contratantes, o que permite que o sujeito passivo possa optar pelo método da isenção de acordo com o artigo 81º, n.º 5 do CIRS.
-
De facto, o método da isenção para eliminação da dupla tributação internacional enquadra-se no regime especial dos residentes não habituais isentando os rendimentos auferidos no estrangeiro de tributação em Portugal.
-
Ora, se houver rendimento a tributar em Portugal, isto é, se o saldo entre o valor de realização e o valor de aquisição for positivo, situação em poderia existir uma dupla tributação jurídica internacional, aplica-se o método de isenção de acordo com a opção manifestada pelo contribuinte. Porém, caso o saldo entre o valor de realização e o valor de aquisição for negativo tal significa que não existe rendimento a tributar em Portugal, pelo que também não se verificará nenhuma situação de eventual dupla tributação internacional passível de ser colmatada pelo método de isenção.
-
Aliás, é esse o entendimento constante na jurisprudência arbitral no âmbito do processo n.º 345/2022-T de 05/01/2023, ao referir que, ao ser aplicado o método da isenção resultante da convenção modelo da OCDE, em caso de saldo negativo não existe a possibilidade de dedução das menos-valias, por maioria de razão deve ser esse o entendimento a aplicar quando é aplicado o método de isenção ao abrigo do regime previsto para os residentes não habituais.
-
E como igualmente se refere na mencionada decisão. Este entendimento em nada contende com o disposto no artigo 45º do CIRS. Efetivamente e passamos a citar a douta sentença:
“Nada disto contende com o artigo 45.º do CIRS, que está - como, curiosamente, quer o Requerente quer a Requerida aceitam - noutra fase do procedimento de liquidação do imposto, a que alguns autores se referem como a fase do lançamento e que se prendem com a determinação do rendimento coletável
A norma do artigo 81.º, n.º 5 (que, como já se disse supra, está numa fase posterior, a de liquidação em sentido estrito) e ambos os métodos possíveis de eliminação da dupla tributação lá previstos – o da imputação (no IRS, por dedução à colecta) do imposto pago e o da isenção exigem um recálculo do rendimento colectável apurado nos termos do artigo 45.º. Trata-se de um recálculo que separa as operações por fonte e apura o saldo desse grupo de operações, para efeitos de apuramento da concorrência desse saldo para a colecta, quando o método é o da dedução, ou de isenção desse saldo de tributação, quando o método é o da isenção. A diferença é que, como referem os Comentários à Convenção Modelo, o método da isenção olha para o rendimento, enquanto o método da imputação olha para o imposto.
O método da isenção é, nesse sentido, imperfeito, já que permite eliminar (até a mera possibilidade de) dupla tributação, mas, em contrapartida, não permite a dedução das menos valias.
Não há aqui, porém, qualquer discriminação: esta é a contrapartida de o Estado Contratante (no caso, o da residência) isentar o rendimento obtido no Estado fonte – apesar de poder tributá-lo, à luz da Convenção – e, portanto, de prescindir do potencial imposto. Claro que, no caso concreto, resultado pode ser menos favorável ao sujeito passivo, mas o objectivo da OCDE na elaboração da Convenção Modelo é precisamente o de evitar que por força de treaty shopping se gerem situações em que o sujeito passivo possa, para usar um coloquialismo britânico, ficar com o bolo e comê-lo também, ou, na expressão portuguesa, tenha sol na eira e chuva no nabal. Obter dictum”
-
Mais acresce que, pese embora o Requerente nunca o refira, também obteve mais-valias de valores imobiliários oriundos do Brasil, pelo que segundo a sua interpretação, que conforme acima já aduzimos a Administração Tributária contesta, a menos-valia apurada somente ascenderia a € 667.305,305.
-
Termos em que decaem in totum a pretensões do Requerente devendo, em consonância, manter-se incólume na ordem jurídica o ato aqui em dissídio.
-
Apreciação da questão
Não sendo invocados vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado, vai o Tribunal apreciar, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, os vícios segundo a ordem indicada pelo Requerente, considerando que se encontra estabelecida entre eles uma relação de subsidiariedade.
No entanto, deve antes analisar-se o alegado pela Requerida na sua Resposta, quanto já impugnava o petitório do Requerente em sede de matéria de direito, ónus da prova. Com efeito, nos seus artigos 35.º e 36.º, a Requerida vem dizer o seguinte:
35. No caso dos autos, e de acordo com o regime legal vigente, cabe ao Requerente a prova daquilo que alega, ou seja, de que as mais-valias mobiliárias beneficiam do disposto no nº 5 do art. 43ºdo CIRS.
36. Não fazendo essa prova, conforme é legalmente exigível, não pode o Requerente beneficiar das perdas declaradas quanto às transações mobiliárias controvertidas, conforme ónus probatório que sobre ele impende por força do disposto no nº 1 do art.º 74º da LGT uma vez que é o Requerente quem altera os códigos dos países que inicialmente declarou no seu anexo G e é o Requerente quem pretende refletir as perdas declaradas no apuramento dos rendimentos qualificados como mais-valias.
A primeira questão decorre da ininteligibilidade da expressão "cabe ao Requerente a prova daquilo que alega, ou seja, de que as mais-valias mobiliárias beneficiam do disposto no n.º 5 do artigo 43.º do CIRS" (negrito nosso). Ora, o regime do n.º 5 do artigo 43.º do CIRS é um regime penalizador para certas menos-valias: as menos-valias apuradas em determinadas operações em que a contraparte (o adquirente) estiver sujeita a um regime fiscal a que se referem o n.º 1 ou o n.º 5 do artigo 63.º-D da LGT, são desconsideradas no apuramento do saldo positivo ou negativo a que alude o n.º 1 do mesmo preceito. Trata-se, portanto, de uma norma que, inserida no combate preconizado tanto pela OCDE como pela UE, à utilização de paraísos fiscais visando uma tributação mais favorável, tendo por objetivo penalizar tais operações, também no domínio das menos-valias[3] ou perdas nelas apuradas, penaliza, não beneficia, o contribuinte: as menos-valias (sioladamente) são desconsideradas no cômputo do saldo e isso significa que um eventual saldo negativo da totalidade das operações realizadas no mesmo ano é menor do que seria se fossem consideradas e um eventual saldo positivo, geral, é maior do que seria se fossem consideradas. Trata-se, pois, de uma afirmação que parece destituída de sentido.
Em segundo lugar, e já no artigo 36.º, sugere-se que o Requerente procedeu a uma troca de códigos de países, estados ou regiões de localização da contraparte. A Requerida não prova a sua afirmação. E a declaração mod. 3 de IRS, relativa ao ano de 2022, apresentada pelo Requerente, em 114 páginas, evidencia as seguintes características relevantes: (i) é uma "primeira" declaração, não tendo a AT demonstrado que há uma segunda declaração. Aliás, a que juntou, tem exatamente o mesmo número de identificação e mostra o campo de "1.ª declaração" assinalado, pelo que se presume idêntica - embora com menos páginas, porquanto a declaração de operações suscetíveis de gerarem mais-valias ou menos-valias apenas tem duas páginas, enquanto a apresentada pelo Requerente, como já se disse (vide supra, nota 2, pp. 3) tem 102 páginas. Trata-se, pois, de uma afirmação que não pode deixar de se considerar não provada.
Quanto à questão de fundo, alega o Requerente, em primeiro lugar, que a liquidação impugnada é ilegal por vício de erro sobre os pressupostos de direito por errada interpretação e aplicação da norma do artigo 43.º, n.º 1 do CIRS, o que se traduziu, em rigor, a errónea quantificação da matéria coletável, com fundamento na desconsideração, no apuramento da matéria coletável das mais-valias (categoria G), das menos-valias que ocorreram no Brasil, na alienação onerosa de ativos mobiliários.
O Requerente obteve o Estatuto de RNH em 2016, pelo que, embora residente em território português, a tributação do seu rendimento pessoal está subordinada a um regime especial, criado pelo DL 249/2009, de 23 de setembro, com as alterações subsequentes. É o que decorre do disposto nos n.ºs 8 e 9 do artigo 16.º do Código do IRS:
8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.
O n.º 8 transcrito é inequívoco a dispor que, para acesso ao estatuto de residente não habitual, a pessoa singular tem de tornar-se fiscalmente residente em território português nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 16.º. Isto é, um RNH é, para todos os efeitos, um residente em território português, adquirindo, por esse facto, o direito a ser tributado em conformidade com todas as normas do Código do IRS, designadamente quanto aos aspetos material, espacial, temporal e quantitativo do elemento objetivo do facto tributário e com o disposto em Convenções para evitar a dupla tributação internacional, sem prejuízo das regras que lhe sejam especialmente aplicáveis em razão do seu estatuto fiscal especial, de benefício, que possam ou devam ser aplicadas.
Salienta-se pois, por ao caso em julgamento ser especialmente aplicável, o tratamento, inaplicável a outros residentes em território português e que é consagrado para os rendimentos da categoria G, Incrementos patrimoniais, que incluem as mais-valias e as menos-valias obtidas fora do território português, constantes dos n.ºs 5, 6 e 7 do artigo 81.º do CIRS, com a redação vigente em 2022, ano em que foram realizadas as operações suscetíveis de gerarem ganhos integráveis na categoria G de IRS, subordinado à epígrafe "eliminação da dupla tributação internacional", portanto, apenas em sede de liquidação do imposto, uma fase a jusante da relativa à determinação da matéria coletável[4]:
5 - Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria B, auferidos em atividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, ou provenientes da propriedade intelectual ou industrial, ou ainda da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, bem como das categorias E, F e G, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer uma das condições previstas nas alíneas seguintes:
a) Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou
b) Possam ser tributados no outro país, território ou região, em conformidade com o modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património da OCDE, interpretado de acordo com as observações e reservas formuladas por Portugal, nos casos em que não exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, desde que aqueles não constem de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, relativa a regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis e, bem assim, desde que os rendimentos, pelos critérios previstos no artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português.
6 - (Revogado) (Redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março)
a) (Revogado) (Redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março)
b) (Revogado) (Redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março)
7 - Os rendimentos isentos nos termos dos n.ºs 4 e 5 são obrigatoriamente englobados para efeitos de determinação da taxa a aplicar aos restantes rendimentos, com exceção dos previstos nas alíneas c) a e) do n.º 1, nos n.ºs 2 a 5 e no n.º 10 do artigo 72.º. (Redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março).
Deve ainda relevar-se o disposto no artigo 13.º da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil Destinada a Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Imposto sobre o Rendimento e Protocolo anexo, assinados em Brasília em 16 de maio de 2000, que substituiu a Convenção anteriormente vigente[5], aprovada para ratificação pela Resolução n.º 33/2001 e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 27/2001, tudo publicado no DR I Série, A, n.º 98, de 27 abril de 2021, e que entrou em vigor em 5-10-2001, mas com efeitos a 01-01-2000, nos termos do Aviso publicado em 14-12-2001, cujos n.ºs 1, 2 e 3, se referem a mais-valias ou ganhos de capital que, respetivamente, resultem da alienação de bens imobiliários, bens mobiliários que façam parte do ativo de um estabelecimento estável e de navios ou aeronaves utilizados no tráfego internacional e cujo n.º 4, aplicável ao caso que aqui se decide, prescreve o seguinte:
Os ganhos provenientes da alienação de outros bens ou direitos diversos dos mencionados nos n.ºs 1, 2 e 3 podem ser tributados em ambos os Estados contratantes.
De acordo com esta norma, as mais-valias mobiliárias realizadas pela pessoa singular enquanto tal no Brasil podem ser tributadas em ambos os Estados, pelo que estaria verificado o pressuposto legal para a aplicação do método da isenção consagrado no n.º 5 do artigo 81.º. Acresce o facto de o termo "mais-valias" aqui ser utilizado, tal como o é no artigo 10.º do CIRS, num sentido amplo, abrangendo os conceitos técnicos de mais-valias e menos-valias, mais adiante, no aspeto quantitativo, unificados, por soma algébrica, em rendimento líquido da categoria G - cfr. artigo 43.º, n.º 1 do CIRS.
Assim sendo, não pode este Tribunal subscrever a posição adotada no Processo Arbitral n.º 345/2022-T. Dizer-se que, no método da isenção se olha para o rendimento e no método da imputação se olha para o imposto, é expressar o óbvio. Faltando dizer-se que não são realidades comparáveis. E, quando, como no caso, existe e está em vigor uma CDT que prevê, no seu artigo 23.º, como método normal[6] para eliminar a dupla tributação jurídica internacional o método da imputação, é esse o método que deve ser adotado para a tributação em causa e não um qualquer outro que resulte de lei interna, mesmo que integrado num regime especial.
Com efeito, tal como escreve ALBERTO XAVIER em Direito Internacional Tributária (Almedina, Coimbra, 2007, 2.ª edição, pp. 120):
Daqui decorrem duas conclusões. (a) a de que o Direito Internacional Convencional é colocado na ordem jurídica interna num grau hierárquico superior ao da lei; (b) a de que, m caso de conflito, o tratado se sobrepõe à lei interna. Esta é a posição consagrada do Tribunal Constitucional (v. g., Ac. do TC de 31 de julho de 1985, Processo n.º 84-007).
De resto, e como se dispõe no segmento final do n.º 7 do artigo 81.º do CIRS, os rendimentos previstos nas alíneas c) a e) do n.º 1, nos n.ºs 2 a 5 e no n.º 10 do artigo 72.º estão excluídos do englobamento obrigatório, sendo que, consequentemente, apenas podem ser tributados à taxa proporcional prevista no artigo 72.º.
Obviamente que se o saldo global entre mais-valias e menos-valias determinado nos termos do n.º 1 do artigo 43.º for negativo, inexistirá imposto.
Também esta posição se alicerça no Comentário n.º 39 ao artigo 23.º-A do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE (em Modelo de Convenção Fiscal Sobre o Rendimento e o Património - Versão Condensada, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º 216, junho de 2015, pp. 562 - última versão publicada em Português):
39. O montante dos rendimentos a isentar de imposto pelo Estado da residência é o montante que, na ausência de convenção, teria ficado sujeito ao imposto interno sobre o rendimento, de harmonia com a legislação nacional que regula esse imposto. No entanto, pode diferir do montante de rendimento sujeito a imposto pelo Estado da fonte, nos termos da sua legislação interna".
Seria, pois, destituída de toda a lógica que, no âmbito de um regime pretensamente mais favorável - o regime de tributação aplicável com referência ao ano de 2022 aos RNH - a tributação fosse mais agravada do que a que resultaria da aplicação do "regime normal".
A única questão verdadeiramente em causa é, pois, a de saber se, dispondo o artigo 43.º, n.º 1, do CIRS que “O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes” pode, sem violação de lei, segmentar-se tal valor em conformidade com a suscetibilidade de serem ou não tributados no Estado da fonte, apurando-se, deste modo, dois saldos na mesma categoria e para o mesmo sujeito passivo, incomunicáveis entre si se um deles for negativo. Este Tribunal considera que tal procedimento seria ilegal, por violar diretamente uma disposição expressa cuja aplicação não está excluída para os RNH e por violar, também, o princípio constitucional da capacidade contributiva.
Foi essa, aliás, a posição adotada nos Processos Arbitrais n.ºs 247/2021-T, Decisão de 11-12-2021, 412/2022, Decisão de 30-11-2022 e 654/2022, Decisão de 29-03-2023, e que aqui se sufraga.
Deste modo, tendo sido desconsideradas, no apuramento do rendimento líquido correspondente às mais-valias, as menos-valias apuradas nas operações suscetíveis de a gerarem realizadas no Brasil, facto que é incontroverso, não pode deixar de concluir-se que se verificou o vício da errónea quantificação da matéria coletável por erro nos pressupostos de direito, o que determina a procedência do vício alegado, a anulação da liquidação na exata medida do pedido, uma vez que o Tribunal por ele se encontra limitado. Tratando-se, como se trata, de um "saldo global", o valor a considerar é o que é indicado pelo Requerente e não o pretendido pela Requerida.
Fica, assim, prejudicado o conhecimento das restantes ilegalidades imputadas pelo Requerente à liquidação impugnada.
Procede, pois, totalmente o pedido, quanto ao montante do imposto cuja anulação vem requerida.
-
Juros indemnizatórios
O Requerente pagou a importância liquidada em data desconhecida[7], no valor de € 208.122,97 (liquidação n.º 2023...) e pede a restituição do montante de € 197.415,16,acrescido de juros indemnizatórios.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.
No que concerne ao caso que aqui se julga, a não consideração no apuramento das mais-valias em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 43.º do CIRS, é imputável à Requerida, por erro de direito.
Por isso, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia 197.415,16, que devem ser contados, desde a data em que o pagamento foi efetuado (11-08-2023), até à integral restituição aos Requerentes, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril
-
DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, este Tribunal decide:
-
Anular a liquidação na parte impugnada relativa à importância que vem peticionada no montante de € 197.415,16;
-
Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios a calcular nos termos do referida supra (Capítulo V.3).
VALOR DO PROCESSO
Tendo a Requerente indicado como valor da causa o montante de € 197.415,16 que a Requerida não contestou, fixa-se neste montante o respetivo valor.
Notifique-se
Lisboa, 11 de Outubro de 2024
O árbitro presidente,
(Fernanda Maçãs)
Manuel Faustino (árbitro vogal)
Jorge Carita (árbitro vogal)
[1] Compreendem-se as dificuldades na obtenção do comprovativo no sistema informático da AT, dado tratar-se de uma declaração que, em papel, é composta por 114 páginas.
[2] De facto, confrontadas ambas as declarações, a apresentada pelo Requerente integra, relativamente às operações suscetíveis de gerarem mais-valias fora do território português, integra 102 páginas, enquanto a remetida pela Requerida apenas integra 2 páginas.
[3] Já se sabe que as mais-valias obtidas no mesmo tipo de operação estão sujeitas a uma taxa agravada de tributação de 35%
[4] Redação do Código do IRS constante do Portal das Finanças.
[5] Entre 01-01-1972 e 31-12-1999 vigorou uma CDT entre Portugal e o Brasil aprovada pelo DL n.º 244/71 de 2 Junho e que veio a ser denunciada unilateralmente pelo Brasil.
[6] O n.º 4 do artigo 23.º da CDT entre Portugal e Brasil dispõe que "4 — Quando um residente de um Estado Contratante obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, forem isentos de imposto nesse Estado, esse Estado poderá, contudo, ao calcular o quantitativo do imposto sobre os outros rendimentos desse residente, ter em conta os rendimentos isentos" não é aqui aplicável, uma vez que, segundo a Convenção, os rendimentos de que aqui se trata (mais-valias mobiliárias) são tributáveis em Portugal e são mesmo tributados, mesmo quanto obtidos por RNH.
[7] É, no mínimo, estranho que em nenhum dos documentos extraídos do sistema de liquidação de impostos da AT que foram juntos aos autos, relativos à liquidação impugnada (Demonstração da liquidação de IRS e documentos de cobrança) tenha a data da prática do ato de liquidação. Parece que essa data apenas consta da demonstração enviada para o domicílio fiscal do contribuinte, mas sempre pode ocorrer o seu extravio. E a data da liquidação pode, além do mais, indiciar se o ato foi ou não praticado no prazo de caducidade.