Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 403/2024-T
Data da decisão: 2024-09-25   Outros 
Valor do pedido: € 9.801,69
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário - Competência material do tribunal arbitral - Repercussão legal e económica - Legitimidade processual
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SUMÁRIO: I - A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) reveste a natureza de imposto, dispondo o tribunal arbitral de competência material para apreciar a legalidade dos respectivos actos de liquidação. II - A Requerente não é sujeito passivo da CSR ou repercutido legal da mesma. A repercussão económica da CSR não é imposta ou sequer pressuposta, quer no seu regime regulador, quer por via do Código dos IECs para o qual remetem as respectivas normas de liquidação e pagamento. III - A legitimidade processual assente na existência de um interesse legalmente tutelado, impõe a coexistência da prova da repercussão económica a montante pelo adquirente e da não repercussão económica, por este, no preço dos bens e serviços por si fornecidos.

 

DECISÃO ARBITRAL

A..., UNIPESSOAL, LDA, com o número de identificação fiscal ... e sede social na ..., ..., ...-... ..., (doravante designada por “Requerente”), solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).

I.       Relatório

O pedido formulado pela Requerente consiste na declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão tácita de indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação do Imposto Especial de Consumo (IEC), na parcela referente à Contribuição de Serviço Rodoviário, dos períodos de Agosto de 2019 a Dezembro de 2022, no valor de € 9.801,69.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 4 de Junho de 2024.

Na sua resposta e envio do processo administrativo em 9 de Julho de 2024, a Requerida apresentou defesa por impugnação e por excepção. Em 30 de Julho a Requerente pronunciou-se sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida.

Por despacho deste Tribunal foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

Posição da Requerente

No pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega que:

  1. Em 23 de Agosto de 2023 apresentou um pedido de revisão oficiosa, solicitando a anulação dos actos de liquidação da CSR referentes ao período de Agosto de 2019 a Dezembro de 2022, o qual foi liquidado pelo sujeito passivo e, posteriormente, repercutido à Requerente. A AT não se pronunciou sobre o pedido no prazo legal estabelecido para o efeito, tendo-se formado indeferimento tácito;
  2. A Requerente não figura como sujeito passivo, mas apresenta-se como o repercutido legal, dispondo de legitimidade para recorrer à via administrativa ou judicial de modo a sindicar os actos tributários que conduziram à repercussão;
  3. O n.º 1 do artigo 9.º do Código de Processo e de Procedimento Tributário (CPPT) dispõe que “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legítimo protegido”.
  4. A CSR foi criada pela Lei 55/2007, de 31 de Agosto, para financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal E.P.E., constituindo uma “contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional”, tal como esta é verificada pelo consumo de combustíveis. A CSR incide sobre o gás de petróleo liquefeito e as gasolinas e gasóleos rodoviários;
  5. A CSR é suportada, a final, pelo consumidor do combustível, sendo este, portanto, o efectivo contribuinte da CSR;
  6. O n.º 4 do artigo 18.º da Lei Geral Tributária (LGT) determina que o repercutido é titular de um interesse legalmente protegido, pelo que, nos termos do referido artigo 9.º do CPPT, o mesmo terá o direito de agir em processo. A CSR era, de facto, repercutida nos consumidores de produtos petrolíferos e, consequentemente, estes (como é o caso da Requerente) têm legitimidade para apresentar o presente pedido;
  7. A Requerente é uma sociedade comercial cujo objecto social corresponde, entre outros, no transporte rodoviário de mercadorias. A Requerente adquiriu duas viaturas que, no período de Agosto de 2019 a Dezembro de 2022, foram abastecidas com gasóleo rodoviário, tendo suportado a título de CSR a importância total de € 9.801,69. Este valor vinha já incluído no valor do produto petrolífero e corresponde à aplicação da taxa de € 111 / m3 sobre as quantidades de combustível adquirido aos respectivos fornecedores;
  8. Os fornecedores são a «B..., LDA» (NIPC ...) e a «C..., SA» (NIPC....);
  9. Não obstante a CSR ser suportada, em primeira linha, pelo sujeito passivo, certo é que a mesma era repercurtida no consumidor final. Porquanto cabia aos utilizadores da rede rodoviária arcar com os custos da CSR;
  10. A CSR configura um verdadeiro imposto, afrontando o Direito da União Europeia. Nessa medida, os actos de liquidação da CSR, de que resultou um custo suportado pela Requerente, carecem de anulação por manifesto erro imputável à AT;
  11. A revisão dos actos tributários pode ser solicitada no prazo de quatro anos e com fundamento em erro imputável aos serviços, na medida em que liquidação da CSR é sempre uma responsabilidade da AT. A vinculação ao princípio da legalidade impõe à AT o dever de correcção de um acto ilegal;
  12. Decidiu o Supremo Tribunal Administrativo (STA) que “o erro imputável aos serviços a que alude o artigo 78.º n.º 1 in fine da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração de culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afectada pelo erro” (Processo n.º 01007/11 de 14 de Março de 2011);
  13. Os actos de liquidação da CSR e o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa assentam em erro imputável aos serviços, por desconformidade com o Direito da União Europeia;
  14. No Processo C-460/21, de 7 de Fevereiro de 2022, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) decidiu que a CSR não prossegue “motivos específicos”, dado que “(…) as receitas ficam genericamente afectadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários”;
  15. Devido ao manifesto erro imputável aos serviços, a Requerente foi forçada a suportar um custo, uma vez que a ratio normativa da CSR visava onerar os utilizadores da rede rodoviária nacional, ou seja, os consumidores finais, na medida do seu consumo de combustíveis, verificando-se, deste modo, uma repercussão legal.

 

Posição da Requerida

A Requerida apresentou contestação, tendo suscitado diversas excepções:

  1. Primeiro, a AT está vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, encontrando-se o objecto dessa vinculação definido no artigo 2.º: “(…) que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos (…)”. No caso em apreço está em causa a apreciação da legalidade da CSR e respectivas liquidações, pelo que tratando-se de uma contribuição e não de um imposto, as matérias sobre a CSR estão excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal;
  2. Ainda que a competência material dos tribunais arbitrais fosse admissível, os actos de repercussão de CSR não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal, a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT. A qual dispõe que: "A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta";
  3. Ao tribunal arbitral está vedado pronunciar-se sobre actos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos da sua liquidação. A repercussão não constitui um acto tributário e, no caso concreto, não estamos perante uma repercussão legal, mas antes uma repercussão meramente económica ou de facto;
  4. Segundo, estamos perante um imposto monofásico em que, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR, as matérias de liquidação, cobrança e pagamento da CSR, se regem pelo disposto no Código dos IEC. Apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo de produtos em território nacional e provem o pagamento do ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago. As liquidações de imposto são emitidas tendo como sujeito apenas estas entidades, estando-lhes, nos termos do Código dos IEC, reservado o direito a identificar tais actos de liquidação e a solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados;
  5. Os posteriores e múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do acto tributário e consequente pedido de reembolso do imposto. Não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do Código dos IEC, não dispõe de legitimidade para apresentar nem pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral;
  6. Não sendo a Requerente a entidade responsável pela introdução no consumo, também não existe qualquer outra via pela qual esta assumiria a qualidade de parte legítima, nem mesmo pela alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT. No caso concreto, não está em causa uma situação de repercussão legal, dado que a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto, perdendo a sua natureza de tributo aquando da eventual incorporação no preço de venda ao público pelo sujeito passivo;
  7. A repercussão económica da CSR depende da decisão dos sujeitos passivos, de, no âmbito das suas relações comerciais privadas, procederem, ou não, à transferência parcial ou total da carga fiscal para outrem (os seus clientes), tendo em conta a política de definição dos preços de venda e as consequências para a sua actividade no que respeita ao impacto na procura. Com efeito, os revendedores podem ter um interesse económico em suportar, através da diminuição do preço, o custo adicional gerado pelo agravamento da CSR;
  8. Não existe no âmbito da CSR um acto tributário de repercussão legal e autónomo do(s) acto(s) de liquidação de ISP/CSR, sendo que as facturas não corporizam actos de repercussão de CSR, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis. Ou seja, a venda não origina, obrigatoriamente, uma repercussão, uma vez que esta, conforme referido, depende da política de definição dos preços de venda pelo fornecedor;
  9. Entende-se, pois, que o legislador tenha restringido no artigo 18.º da LGT, sob a epígrafe “sujeitos”, apenas aos repercutidos legais. E que o artigo 9.º do CPPT, sob a epígrafe “legitimidade”, não contenha qualquer referência à repercussão ou interesse económico;
  10. Adicionalmente, a Requerente, enquanto sociedade comercial que desenvolve uma actividade com fins lucrativos, repassa, necessariamente, no preço dos serviços que presta, os gastos em que incorre, o que inclui as aquisições de combustível. Pelo que as entidades potencialmente lesadas com o encargo da CSR serão os consumidores finais de tais serviços;
  11. No caso, a Requerente não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis adquiridos aos seus fornecedores inclui o valor da CSR pago pelo sujeito passivo da mesma, nem sequer que suportou, a final, o encargo desse tributo, i. e. que não o repassou no preço dos serviços prestados aos seus clientes. Não dispondo, assim, de legitimidade processual;
  12. A «C..., SA» foi titular de estatuto no âmbito do ISP apenas até 7 de Outubro de 2020. Tal não significa que tenha actuado como sujeito passivo da obrigação tributária, dado que os abastecimentos podem ter sido, territorialmente, realizados a partir de um entreposto fiscal detido por um outro operador económico (e que seria, para esse efeito, o sujeito passivo). Já a «B..., Lda» nunca foi titular de qualquer estatuto em sede de ISP;
  13. Pelo que inexiste prova inequívoca de quem terá suportado originaria e efectivamente o encargo da liquidação da CSR, sendo que só a partir daí será possível fazer a reconstrução integral do circuito de comercialização para efeitos do apuramento da eventual repercussão, total ou parcial, da CSR;
  14. A «C..., LDA» apresentou um pedido de reembolso da CSR na qualidade de sujeito passivo e abrangendo o mesmo intervalo temporal do pedido de pronúncia arbitral em apreço, tendo alegado a ausência de repercussão da CSR aos seu universo de clientes (no qual se encontra a Requerente);
  15. Terceiro, o pedido de pronúncia arbitral é inepto, dado que as transacções económicas, que ocorrem após a introdução no consumo, não têm por base um acto de liquidação, o que impede a identificação concreta do acto tributário subjacente. A Requerente limita-se a juntar facturas de aquisição de combustível, sem ser capaz de identificar quer o acto tributário subjacente quer o sujeito passivo da obrigação tributária;
  16. Não pode a AT suprir a falha relativa à identificação dos actos tributários, porquanto se revela impraticável estabelecer qualquer correspondência entre os actos de liquidação (que não foram identificados) praticados pelos sujeitos passivos de ISP/CSR (que igualmente se desconhecem) e o alegado pela Requerente;
  17. Também não é possível estabelecer qualquer correspondência entre as quantidades de gasóleo introduzido no consumo e as quantidades desse produto adquiridas pela Requerente. Isto, porque as introduções no consumo assentam em quantidades apuradas a 15 graus centígrados, ao passo que as posteriores alienações entre os diversos operadores económicos se realizam à temperatura observada. Pelo que, dependendo da temperatura, os valores facturados poderão ser inferiores ou (como será na maioria dos casos) superiores. Daqui decorrendo que, no limite, os litros vendidos e os correspondentes montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado, serão, por isso, superiores às importâncias da CSR efectivamente liquidadas e pagas pelos sujeitos passivos dos IECs (considerando a temperatura a 15º centígrados);
  18. Sem a identificação dos actos de liquidação, não é possível sindicar a respetiva legalidade, pelo que nunca poderia o tribunal determinar a respetiva anulação total ou parcial;
  19. Quarto, a ausência dos actos tributários impede a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, dado que a contagem do prazo se inicia a partir do termos do prazo de pagamento dos IECs, tendo por referência a data do acto de liquidação;
  20. A Requerente funda o seu pedido na prática de um erro imputável à AT. Sucede que esta, estando vinculada ao princípio da legalidade e tendo liquidado os IECs em estrita observância do normativo aplicável, não incorreu em qualquer erro de facto ou de Direito;
  21. O prazo para solicitar a devolução dos IECs está fixado em 3 anos (cfr. o n.º 3 do artigo 15.º do Código dos IECs), assim se constatando a caducidade do direito de acção.

Defendeu-se ainda por impugnação, alegando que:

  1. A Requerente não logra fazer prova do que alega, designadamente, que pagou e suportou integralmente a CSR por repercussão. A Requerente incumpriu o ónus probatório que lhe cabe. Passar para a Requerida a prova de inexistência de repercussão (facto negativo) configuraria uma prova diabólica. A prova de pagamento do tributo não pode assentar em juízos meramente presuntivos;
  2. As facturas anexas não provam o alegado pela Requerente. Essas facturas não contêm qualquer referência aos valores pagos a título de CSR. Acresce que não são apresentados elementos concretos, inclusive o quantum repercutido;
  3. A Requerente limita-se a aplicar as taxas da CSR às quantidades de litros alegadamente adquiridos, sem ter presente que a liquidação do tributo assenta na conversão da temperatura observada à temperatura padrão de 15 º Celsius. Na ausência de certificação da temperatura no momento da aquisição dos combustíveis, não é possível efectuar a correspondência para 15º e, consequentemente, apurar o valor da CSR liquidada e eventualmente incluída no preço de venda dos combustíveis à Requerente;
  4. É jurisprudência do TJUE que, ainda que fosse provada a repercussão do imposto a um dado adquirente de produtos sujeitos a IEC, o Estado-membro pode opor-se à devolução do imposto a esse adquirente, com fundamento no facto de este não ter pago o imposto e possa exercer uma acção cível de repetição do indevido contra o sujeito passivo.

A Requerente pronunciou-se pela improcedência das excepções invocadas pela Requerida

 

  1. Saneamento

O tribunal arbitral é competente e foi regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades e as Partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias.

  1. Matéria de facto

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente desenvolve as actividades de transporte rodoviário de mercadorias e outras prestações de serviços a empresas;
  2. No período de Agosto de 2019 a Dezembro de 2022, a Requerente adquiriu gasóleos rodoviários à «B..., LDA» e «C..., SA»;
  3. A «B..., LDA» operou como revendedor de combustível, que adquiriu a outros distribuidores ou revendedores (que não foram identificados no presente processo) e posteriormente revendeu à Requerente;
  4. A «C..., SA» foi titular do estatuto de entreposto fiscal até 7 de Outubro de 2020 e operou como revendedor de combustível que adquiriu a outros revendedores (que não foram identificados no processo) e posteriormente revendeu à Requerente;
  5. As facturas que titulam as vendas à Requerente, e que foram por esta integralmente pagas, não contêm qualquer referência à CSR;
  6. O valor de  € 9.801,69 corresponde à aplicação da taxa legal da CSR  sobre as quantidades de gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente;

Dado que a liquidação dos IECs tem por base a temperatura de 15º Celsius e não se conhece a temperatura observada no momento da aquisição dos combustíveis pela Requerente, o referido valor de € 9.801,69 não corresponde ao exacto valor que terá sido liquidado pelo sujeito passivo da obrigação tributária;

  1. Não está identificado o sujeito passivo que emitiu as declarações electrónicas de introdução no consumo, a partir das quais foi liquidada a CSR cuja anulação e devolução constitui o objecto do pedido de pronúncia arbitral;
  2. A Requerente não é um consumidor final dos combustíveis adquiridos aos seus fornecedores, dado que tais produtos são utilizados no âmbito da sua actividade económica de transporte rodoviário de mercadorias;
  3. Em 23 de Agosto de 2023 a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, no qual, alegando a qualidade de repercutido legal e económico da CSR, peticionou a anulação da correspondente liquidação de imposto. Na ausência de resposta dentro do prazo legal previsto para o efeito, o pedido de revisão oficiosa foi considerado como tacitamente indeferido. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.

 

Considera-se como não provado que:

  1. Os dois fornecedores do combustível adquirido pela Requerente tenham - nessas aquisições - actuado na qualidade de sujeito passivo de imposto da CSR, do ISP e do Adicionamento sobre as Emissões de CO2.

A «B..., LDA» não possui o estatuto de destinatário registado ou depositário autorizado.

A «C..., SA» foi titular do estatuto de depositário autorizado até 7 de Outubro de 2020, o que abrange os períodos de aquisição de combustíveis pela Requerente (Abril a Agosto de 2020, conforme facturas juntas aos autos).

Todavia, tal não constitui prova adequada e suficiente de que a « C... SA» tenha - nas aquisições de combustível realizadas pela Requerente - actuado como sujeito passivo e procedido à liquidação da CSR. O combustível foi adquirido mediante a utilização de um cartão frota, conforme demonstrado pelas facturas que abrangem um período quinzenal ou mensal. Pese embora a ausência do extracto que detalha os locais e datas em que se realizaram os abastecimentos (aquisições) de combustível, certo é que estamos perante operações económicas realizadas mediante um cartão frota, facto que permite a utilização da rede nacional de postos da rede «C...».

O elemento determinante para a condição de sujeito passivo sobre quem recai a obrigação de entrega de uma declaração de introdução no consumo, consiste na saída física dos combustíveis de um entreposto fiscal detido e gerido por esse sujeito passivo. Daqui resulta que a «C..., SA» apenas poderia, in casu, ter actuado como sujeito passivo na eventualidade de todos os abastecimentos à sua rede de postos (nos quais os combustíveis foram adquiridos pela Requerente) se terem realizado a partir dos seus entrepostos fiscais.

Sabe-se, no entanto, que é comum a prática de realizar abastecimentos a partir dos pontos logísticos mais próximos dos locais de abastecimento, pelo que o combustível armazenado na rede de estações de serviço operada pela «C..., SA» poderia ter provido de entrepostos fiscais próprios ou alheios. Se é certo que a «C..., SA» revendeu combustíveis à Requerente, dos autos não consta qualquer elemento probatório que permita concluir que, nessas concretas operações económicas, tenha havido lugar à prévia liquidação de CSR por parte da «C..., SA» na qualidade de sujeito passivo;

  1. As facturas de aquisição de combustível permitem demonstrar que os sujeitos passivos de IECs (cuja identidade é desconhecida) liquidaram a CSR e repercutiram no correspondente valor aos intermediários do circuito económico;
  2. Os referidos fornecedores são os únicos intervenientes no referido circuito económico (ambos são revendedores, dado que os combustíveis comercializados no mercado nacional só podem ter origem na refinaria de Sines ou em mercados externos);
  3. A Requerente suportou efectiva e integralmente o montante da CSR liquidada e paga pelos sujeitos passivos dos IECs.

Desde logo, porque, perante o desconhecimento da identidade dos sujeitos passivos e dos actos tributários por estes praticados, soçobra a prova da liquidação e pagamento do imposto no início do circuito económico, não sendo, como tal, possível demonstrar a repercussão económica desde esses sujeitos passivos até à Requerente.

Segundo, na medida em que a Requerente não apresentou qualquer meio de prova apto a demonstrar que, contrariamente à lógica inerente à prossecução de uma actividade económica, o custo dos combustíveis adquiridos aos seus fornecedores (que incluiria a repercussão económica da CSR que lhes teria sido previamente repercutida por outros revendedores ou pelos sujeitos passivos da obrigação tributária), não foi tido em conta no valor dos serviços prestados aos seus clientes.

Não sendo um consumidor final e prestando serviços de transporte rodoviário de mercadorias, o custo decorrente da aquisição de combustível representará uma parcela significativa dos custos totais suportados pela Requerente em resultado dos serviços prestados aos seus clientes. E não ficou minimamente demonstrado que tais custos não foram, no todo ou em parte, repercutidos no valor dos referidos serviços prestados pela Requerente aos seus clientes.

 

Relativamente à fundamentação da matéria de facto supra, o tribunal não carece de se pronunciar sobre a totalidade dos factos alegados pelas partes, antes lhe cabendo o dever de recortar, de entre a matéria alegada, aquela que se afigura relevante para estabelecer os factos provados e não provados (n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do artigo 607.º do Código de Processo Civil).

A prova foi seleccionada pela correspondente relevância para a decisão arbitral e assentou no processo administrativo remetido pela Requerida e nos documentos apresentados pela Requerente.

 

  1. Matéria de direito

Tendo sido suscitadas diversas excepções, impõe-se o conhecimento prioritário das mesmas previamente à apreciação do mérito do pedido.

 

da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral

A Requerida alega a ineptidão do pedido, por não estarem identificados os actos tributários controvertidos, imputando à Requerente a mera indicação de facturas de aquisição de combustíveis as quais não configuram actos tributários e de que não resulta a prova de actos de repercussão de CSR.

Improcede esta excepção, por não se verificar qualquer uma das faltas plasmadas no artigo 186.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT e da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT: (i) quando seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, (ii) se o pedido estiver em contradição com a causa de pedir ou (iii) quando se acumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

Com efeito, a Requerente, partindo da (por si alegada) condição de repercutido da CSR previamente liquidada pelos respectivos sujeitos passivos, apresenta o pedido de anulação desses actos de liquidação, para o período de Agosto de 2019 a Dezembro de 2022, e fundamenta a causa de pedir na aquisição de combustíveis cuja introdução no consumo preenche a incidência objectiva daquele imposto.

Pese embora a Requerente não seja sujeito passivo da CSR, o n.º 4 do artigo 78.º da LGT admite que da repercussão de um imposto possa advir a necessidade de tutelar um interesse legalmente protegido e, por esse motivo, confere ao repercutido o direito de reacção, por via administrativa e judicial, contra essa repercussão.

Assim, nada obsta a que a Requerente apresente um pedido de revisão oficiosa e um pedido de pronúncia arbitral contra a repercussão da CSR, suportados nos únicos elementos que lhe é permitido conhecer (as facturas de aquisição de combustíveis). Impor-lhe o conhecimento dos actos tributários da CSR, a cuja liquidação e pagamento a mesma é alheia, corresponderia ao esvaziamento da tutela legal do direito que lhe assiste.

Reconhece-se a evidente dificuldade (senão mesmo impossibilidade) da Requerida em identificar os actos de liquidação, atenta a inexistência de quaisquer elementos subjectivos (identificação dos sujeitos passivos) e objectivos (liquidação e pagamento da CSR). Todavia, daqui não decorre que essa mesma onerosidade possa ser imputada à Requerente, sob pena de, como vimos, se inutilizar a tutela legal do seu direito à sindicância da legalidade dos actos tributários.

Acresce que a falta de identificação dos actos tributários não impediu o exercício do contraditório, no qual a Requerida manifestou a compreender o teor e alcance do pedido formulado pela Requerente.

 

da incompetência material do tribunal arbitral

A CSR, instituída pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, consistiu na autonomização de uma parcela do ISP, cujo valor foi consignado à «EP - Estradas de Portugal, SA» (o Decreto-Lei n.º 374/2007, de 7 de novembro, transformou a «Estradas de Portugal E.P.E.» na «EP - Estradas de Portugal, S.A.» e o Decreto-Lei nº 91/2015 de 29 de maio, operou a incorporação por fusão desta na « REFER, E.P.E.» que é transformada em sociedade anónima, passando a denominar-se «Infraestruturas de Portugal, S.A.»), tendo em vista a concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. O artigo 3.º da referida Lei apresenta a CSR como a contrapartida pela utilização desse rede rodoviária, verificada a partir do consumo de combustíveis rodoviários (gasolinas, gasóleos e GPL de carburação). A CSR apoia-se no Código dos IECs para efeitos de estabelecimento da incidência subjectiva e objectiva, a par das regras de liquidação e pagamento.

Para a qualificação da CSR como imposto, seguimos de perto a decisão arbitral n.º 304/2022-T, de 5 de Janeiro de 2023, cujo sentido e decisão subscrevemos.

«Baseando-nos em todas os anteriores contributos jurisprudenciais e doutrinários, mas sobretudo no último acórdão citado do STA, concluímos que não é o simples facto de um tributo ter, desde logo, a designação de “contribuição” (ac. TC n.º 539/2015) e nem o facto de esse tributo ter a respetiva receita consignada (ac. TC n.º 232/2022), que o qualifica automaticamente como “contribuição financeira”; antes é, para tal, necessário, como judicia o STA, que esse tributo tenha com finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.” Com efeito, o sistema tributário comporta tributos que têm a designação de “contribuições” e são verdadeiros impostos, como se extrai, desde logo, do n.º 3 do art.º 4.º da LGT. Por outro lado, o sistema tributário comporta igualmente impostos que, ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos (estabelecido no art.º 7.º da Lei de Enquadramento Orçamental), têm a sua receita consignada (vg. ac. TC n.º 369/99, de 16.06.1999, proc. 750/98). Por conseguinte, nem o nomen juris “contribuição”, nem a afetação da receita a uma finalidade específica são suficientes para qualificar um tributo como “contribuição financeira”. O elemento decisivo para essa qualificação é a existência de uma estrutura de comutatividade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita e os sujeitos passivos do tributo. […] Ou seja, para que possamos afirmar estar-se perante uma “contribuição financeira”, é necessário que as prestações públicas que constituem a contrapartida coletiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respetivos sujeitos passivos. […] Entendemos, assim, que o que distingue uma “contribuição financeira” de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública. A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007). Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa - que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” - é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.” Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial - a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. - não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade. A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1.º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2.º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento. No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4.º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos. (…) Nos termos do n.º 1 do art.º 20.º da LGT, “a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte”. Para que estivéssemos, no caso presente, perante uma situação de substituição tributária, era necessário que os consumidores que pagam o preço dos combustíveis aos revendedores estivessem na posição de “contribuintes”. Sobre o conceito de contribuintes, o n.º 3 do art.º 18.º diz que “o sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.” De onde se retira que o contribuinte é uma das espécies da categoria “sujeitos passivos” e estes são as pessoas (ou entidades) que estão obrigadas ao pagamento da prestação tributária, o que não acontece com os consumidores dos combustíveis. Concluímos, assim, que não estamos perante uma situação de substituição, pelo que os sujeitos passivos da CSR são igualmente os respetivos contribuintes diretos. Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede. Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira. […]».

 

A Requerida argumenta adicionalmente que ao tribunal arbitral está vedado pronunciar-se sobre actos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos da sua liquidação. A repercussão não constitui um acto tributário e, in casu, não estamos perante a figura da repercussão legal.

Convocando a decisão arbitral n.º 987/2023-T:

«Como é sabido, é pelo critério do pedido que se afere a competência de um tribunal. Nesta sede, puramente formal, irrelevam assim quaisquer considerações em torno da viabilidade substancial da pretensão deduzida, as quais apenas deverão aferidas na fase do julgamento da causa. Assim, não se verificará aquele apontado vício da instância se a pretensão concretamente deduzida, apreciada em abstrato e alheando-se de qualquer avaliação do seu mérito, couber no quadro das competências jurisdicionais do tribunal em que a ação pende. No caso presente não subsistem dúvidas de que a pretensão deduzida - de resto, de modo bastante claro e sem qualquer ambiguidade ou equivocidade - é a de invalidação de atos de liquidação da CSR, com fundamento em que o conteúdo exatório desses atos foi repercutido na esfera jurídica da requerente e assacando-se-lhes um vício que, de acordo com a argumentação sufragada, seria causa da respetiva ilegalidade. Para apreciar a competência do tribunal é indiferente, portanto, saber se o vício invocado procede quer no que diz respeito à existência efetiva dos seus elementos constitutivos quer mesmo no que diz respeito ao efeito invalidante que se lhe atribui - tudo isso pertence já ao conhecimento da questão de fundo - ou se a requerente tem legitimidade adjetiva para o invocar em juízo, matéria que subingressará já no quadro da apreciação da exceção de ilegitimidade. Ora, a jurisdição arbitral tributária é competente para conhecer de pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos” [art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT]. Tanto basta, assim, para concluir pela manifesta improcedência da exceção de incompetência com este fundamento, na medida em que o que se peticiona não é a declaração de ilegalidade dos atos de repercussão, mas antes a declaração de ilegalidade de atos de liquidação da CSR cujos efeitos foram alegadamente repercutidos na esfera da requerente, pretensão que claramente se compreende no âmbito material da jurisdição arbitral tributária».

Assim se concluindo pela improcedência desta excepção.

 

da ilegitimidade da requerente

A Requerente alega que a CSR, liquidada pelos sujeitos passivos, lhe foi repercutida. Porque, não obstante a CSR ser inicialmente suportada pelos sujeitos passivos, a mesma foi repercutida no consumidor final, a quem compete o financiamento da rede rodoviária nacional.

O encargo da CSR liquidada pelos sujeitos passivos foi incluído no valor dos produtos petrolíferos adquiridos pela Requerente, dado que o apuramento do tributo teria sempre de ser efectuado por referência à fórmula legal imposta aos sujeitos passivos.

Antecipando a conclusão, entendemos que não lhe assiste razão e que procede a excepção de ilegitimidade invocada pela Requerida.

Vejamos.

 

Apesar de o repercutido legal não ser sujeito passivo, a alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, determina que assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”. O repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição necessária à sua intervenção em juízo.

Sucede, que a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não estabelece qualquer mecanismo de repercussão legal deste imposto. Limita-se a identificar os sujeitos passivos da obrigação tributária e o objecto do imposto. E, por remissão para o Código dos IECs (no seu n.º 1 do artigo 5.º), o facto gerador da obrigação tributária, o momento da exigibilidade da mesma, a liquidação e o pagamento.

Em momento algum se determina a entidade que, ao longo da cadeia de comercialização dos combustíveis sujeitos a CSR, deve suportar o valor do imposto liquidado e pago. Não se institui um mecanismo de repercussão legal - como sucede com uma retenção na fonte ou o Imposto sobre o Valor Acrescentado - e nada se refere quanto à obrigatoriedade de repercussão económica.

A existir uma repercussão legal, a mesma teria de constar de uma norma habilitadora, a qual não existe.

Ao não revestir a qualidade de sujeito passivo de CSR ou de repercutido legal, a legitimidade processual da Requerente exige a demonstração de um interesse legalmente protegido, nos termos dos n.º 1 e n.º 4 do artigo 9.º do CPPT.

Sucede que a a Requerente baseia a sua intervenção processual na alegação de lhe ter sido repercutida a CSR pelas empresas fornecedoras de combustíveis, caracterizando-se como um consumidor de combustíveis que suporta (a final) o encargo daquele tributo.

O que nos conduz ao probatório.

Não constituindo uma imposição legal, a repercussão económica dependerá das políticas comerciais adoptadas pelos diversos agentes económicos intervenientes no circuito de comercialização. O qual é mais longo do que aquele que é representado pela Requerente, dado que ambos os fornecedores operam como revendedores de combustível.

Não estando o sujeito passivo (não identificado nos autos) obrigado à repercussão legal do encargo inerente à CSR por si declarada nas introduções no consumo (que originam as liquidações de imposto e consequente pagamento), a repercussão será o resultado das políticas comerciais que, em cada momento, forem sendo livremente praticadas por e entre os diversos operadores.

Não se podendo pressupor ou inferir, legal ou economicamente, que cada um dos intermediários do circuito de comercialização repercute, no todo ou em parte, o valor da CSR liquidado ao sujeito passivo que inicia o circuito de transmissão onerosa de combustíveis sujeitos a imposto, tudo se resume aos meios de prova juntos aos autos e a respectiva aptidão à demonstração, de facto, dessa repercussão.

Ora, o probatório estruturado pela Requerente consiste na junção de facturas que nada permitem concluir pela liquidação da CSR a montante. Na verdade, apenas se poderá presumir que os sujeitos passivos (não identificados) terão satisfeito essa sua obrigação tributária.

Nada se sabe sobre a repercussão económica do encargo da CSR pelo sujeito passivo e/ou intermediários que precedem os revendedores. A inexistência de informação sobre o valor que eventualmente terá sido repercutido a estes revendedores, preclude qualquer conclusão quanto à repercussão - por estes - à Requerente.

A tudo isto acresce que a Requerente, contrariamente ao que alega, não é um consumidor final dos combustíveis que adquire, dado que os utiliza como recurso na prossecução da sua actividade comercial de transporte de mercadorias.

A Requerente não juntou elementos probatórios que permitam concluir que o encargo inerente à CSR, a ter-lhe sido integral ou parcialmente repercutido - que, como vimos supra, não se pode dar por estabelecido - não foi também por esta repercutido, total ou parcialmente, aos seus clientes. Sendo que estes, atento o objecto social da Requerente, também serão operadores económicos (e não consumidores finais).

Pelo exposto, a Requerente não logrou demonstrar nem a repercussão económica da CSR nos combustíveis por si adquiridos, nem a ausência de repercussão desse valor nos preços por si praticados.

Acresce que a liquidação da CSR terá sido efectuada à unidade de medida de 15º Celsius (n.º 1 do artigo 91.º do Código dos IEC). Todavia, a posterior comercialização a revendedores e por estes à Requerente baseou-se na temperatura observada, a qual não é conhecida.

Quer isto dizer que nem sequer é possível estabelecer, ao contrário do que alega a Requerente, que a CSR foi liquidada no valor de € 9.801,69. Esta importância resulta da mera aplicação da taxa da CSR às quantidades facturadas pela «B..., LDA» e «C..., SA» à Requerente, o que, por efeito de temperatura, não poderá corresponder ao imposto liquidado (que poderá ter sido superior ou inferior ao valor indicado pela Requerente).

O que constituirá um dos fundamentos pelo qual o artigo 15.º do Código dos IEC reserva a legitimidade activa aos sujeitos passivos, que, por participação directa na liquidação do imposto, dispõem da informação e documentação necessárias à aferição da factualidade e legalidade.

Note-se que à Requerida não pode ser imposto o conhecimento da relação causal entre as liquidações da CSR por si realizadas e as diversas facturas emitidas pelos operadores que intervêm no circuito económico. Desde logo, porque tal implicaria a identificação de todo o circuito económico que precede a comercialização dos combustíveis à Requerente até alcançar o sujeito passivo do imposto. Acresce que, como bem alegada a Requerida, os abastecimentos podem ter sido realizados a partir de diferentes entrepostos fiscais, com intervenção de diferentes sujeitos passivos. À Requerente era exigível um impulso probatório mínimo que, pelo menos, permitisse a identificação do(s) sujeito passivo(s).

Em suma, a Requerente não demonstrou que a CSR lhe foi repercutida e, muito menos, que suportou a CSR contra a qual reage. E esta seria a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade para o presente pedido de pronúncia arbitral (dado não ser sujeito passivo nem repercutido legal da CSR).

Mesmo a aceitar-se que o encargo representado pela CSR poderia ter sido repercutido ao longo do circuito económico, certo é que a Requerente, ao não se apresentar como consumidor final, não pode subsumir-se ao conceito de entidade potencial ou efectivamente lesada pela repercussão económica. Em rigor, a Requerente é apenas um operador no circuito económico entre o sujeito passivo e o consumidor final.

 

  1. Decisão

Face ao exposto, o tribunal arbitral decide julgar procedente a excepção de ilegimitidade activa da Requerente, o que obsta à apreciação do mérito do pedido e determina a consequente absolvição da Requerida da instância.

 

  1. Valor do Processo

Fixa-se ao processo o valor de € 9.801,69 indicado pelo Requerente como respeitante ao montante da CSR cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido) e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

  1. Custas

Custas no montante de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a suportar integralmente pela Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

Lisboa, 25 de Setembro de 2024

 

 

(José Luís Ferreira)