Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 368/2024-T
Data da decisão: 2024-09-30  IRC  
Valor do pedido: € 186.988,30
Tema: IRC de 2020. OIC residente no Luxemburgo. Retenção na fonte de IRC. Artigo 63º do TFUE vs. artigo 22º nº 1 e 10 do EBF.
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Sumário

  1. O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.                        
  2. É ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1 e 10, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de países terceiros.
  3. A ilegalidade da retenção na fonte, quando não é baseada em informações erradas do contribuinte, não lhe é imputável, mas sim "aos serviços", devendo entender-se que se integra neste conceito a entidade que procede à retenção na fonte, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da Administração Tributária na liquidação e cobrança do imposto.
  4. Segundo jurisprudência uniformizada do STA, em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa, o erro passa a ser imputável à Administração Fiscal depois de operar o indeferimento do procedimento, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo.

 

Os árbitros Fernando Araújo (árbitro-presidente), Augusto Vieira e Ana Teixeira de Sousa (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral Colectivo (TAC) acordam o seguinte:

 

  1.  Relatório

 

A..., organismo de investimento coletivo em valores mobiliários, constituído ao abrigo da lei do Luxemburgo, com sede em..., rue ..., ..., Luxemburgo, com o NF luxemburguês ... e com o NIF português ..., doravante designado por “Requerente”, representado pela entidade gestora B... SÀRL, sociedade de direito luxemburguês, com sede em ..., rue ..., ..., Luxemburgo, com o NF fiscal luxemburguês ..., vem na sequência do despacho de indeferimento proferido pela Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 2023-12-13, no âmbito do processo de reclamação graciosa n.º ...2022..., relativo aos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) de 2020, consubstanciados nas guias n.º ..., n.º ... e n.º ..., referentes aos períodos de maio, julho e dezembro de 2020, respetivamente, que incidiram sobre os dividendos auferidos em território nacional, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL COLETIVO com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação daquela decisão e dos atos tributários que dela foram objeto.

O Requerente pede ainda a restituição das importâncias que considera indevidamente retidas, acrescida de juros indemnizatórios.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 2024.03.18 e automaticamente notificado à AT nesta mesma data.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 2024-05-08, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 2024-o5-28.

 

O Requente defende em resumo que é incompatível com os artigos 63.º e 65.º do TFUE a disposição de direito nacional em causa nos presentes autos que prevê um tratamento fiscal diferenciado para os dividendos distribuídos por uma sociedade residente nesse mesmo Estado-membro em função da residência do Organismo de Investimento Coletivo (OIC) que os aufere, excluindo de tributação os dividendos pagos por uma sociedade residente nesse Estado-membro a um OIC residente, mas sujeitando a tributação os mesmos dividendos quando pagos a um OIC não residente.

 

O que resulta da forma como formula no artigo 138º do PPA caso este TAS resolvesse submeter ao TFUE a questão aqui em causa a título prejudicial.

 

Em 2034.05.28 foi a AT notificada para contestar, tendo apresentado resposta em 2024-07-08, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral (PPA), concluindo o seguinte:

  1. “AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não poderia aplicar de forma direta e automática as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, para mais não estando em causa situações materialmente idênticas, e em que a aplicação correta do direito comunitário não se revela tão evidente (Ato Claro) que não deixe margem para qualquer dúvida razoável quanto ao modo como deve ser resolvida a questão suscitada.
  2. O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.
  3. Assim, não pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC – que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF – esteja em conformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE.
  4. Por conseguinte, a retenção na fonte efetuada sobre os dividendos pagos à Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação, devendo ser mantida na ordem jurídica.
  5. Acrescentamos ainda que, admitindo-se a comparabilidade das situações dos OIC residentes e não residentes, entende-se, porém, seguindo a doutrina expendida no Acórdão proferido no proc. 1435/12 do STA de 9.07.2014, que o tratamento diferenciado entre residentes e não residentes não constitui em si mesmo qualquer discriminação proibida pelo n.º 1 do artigo 63.º do TFUE.
  6. Na verdade, seguindo-se o entendimento expresso no Acórdão do STA, proc.19/10.3BELRS, de 07-05, “Para que se pudesse concluir, in casu, no sentido do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as entidades financeiras não residentes, a recorrida teria que demonstrar que suportara uma tributação mais elevada no seu conjunto, o que não se verificou. Neste sentido, vide o Acórdão Gerritse, de 12 de Junho de 2003 (Processo C- 234/01). É de sublinhar que estando perante matéria de direito, como entendido pela sentença proferida pelo Tribunal a quo, cabia à impugnante ter demonstrado a existência dos factos constitutivos dos direitos, prova a fazer por quem os invoca, tal como o que se encontra firmado no ordenamento fiscal português, no art.º 74.º da LGT e 342.º do Código Civil, subsidiariamente aplicável às relações jurídico-tributárias. Não o tendo feito, não é possível invocar de modo assertivo o carácter discriminatório da norma em discussão.”.
  7. No caso sub judice, em face da matéria de facto e dos documentos juntos aos autos entendesse que a Requerente não fez prova da discriminação proibida.
  8. Assim sendo, considerando-se que, à luz do disposto no artigo 348.º do Código Civil, segundo o qual àquele que invocar direito estrangeiro compete fazer prova da sua existência e conteúdo, o Requerente não fez prova da discriminação proibida, pelo que só se pode defender a improcedência do pedido, por falta de prova da impossibilidade de neutralização da discriminação contestada.
  9. Recordando a este propósito os Acórdãos do STA proferidos nos processos n.º 1192/13, de 21.05.20215, n.º 1435/12, de 9.07.2014, n.º 884/17, de 12.09.2018, e o já citado proc. 19/10.3BELRS, de 7.05”.

 

Foi notificada o Requerente do despacho de 2024-07-09 para 0 exercício do direito ao contraditório relativamente à questão prévia invocada pela AT na Resposta.

 

Por requerimento de 2024-07-20, veio o Requerente indicar que “... requereu o reembolso da diferença entre a taxa aplicada (25%) e a taxa prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre o Estado Português e o Grão-Ducado do Luxemburgo (10%), razão pela qual, nesta sede, o Requerente peticiona apenas o valor corresponde a 15% do imposto retido na fonte”.

 

Por despacho de 2024-07-24, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e conferir prazo sucessivo de 10 dias para a apresentação de alegações.

 

Em 2024-08-20 o Requerente apresentou alegações invocando 39 decisões dos Tribunais do CAAD favoráveis à sua pretensão, não tendo a AT contra-alegado.

 

  1. Saneamento

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Matéria de facto

 

3.1 – Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. O Requerente é um organismo de investimento coletivo em valores mobiliários (UCITS), constituído e a operar de acordo com o direito luxemburguês cuja função consiste em reunir capital de investidores que, por sua vez, investe maioritariamente em ações de sociedades europeias, sendo os riscos do investimento partilhados pelos investidores – conforme artigos 2º a 4º do PPA e documentos nºs 1 e 2 juntos com o PPA;
  2. A gestão do Requerente é levada a cabo por B... SÀRL, sociedade de direito luxemburguês, com sede em ..., rue ...,  ..., Luxemburgo, com o NF fiscal luxemburguês ... - conforme artigo 5º do PPA;
  3. Em 2020 o Requerente era residente, para efeitos fiscais, no Grão-Ducado do Luxemburgo - conforme artigo 6º do PPA e Documento nº 2 em anexo ao PPA;
  4. Como resultado de investimentos em participações sociais em sociedades com sede em Portugal, em r020, o Requerente auferiu dividendos dessas participações que foram objeto de retenção na fonte de IRC a título definitivo, à taxa de 15%, conforme o artigo 94.º do Código do IRC e do artigo 10.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre o Estado Português e o Grão-Ducado do Luxemburgo, como se discrimina na seguinte tabela:

 

- conforme artigos 7º a 9º do PPA e Documento nº 3 em anexo ao PPA;

  1. O Requerente não deduziu no Luxemburgo o imposto retido na fonte em Portugal – artigo 10º do PPA;
  2. Em 2022-06-15 o Requerente apresentou reclamação graciosa contra o ato de retenção na fonte aqui impugnado; em 2023-11-06 foi notificado do projeto de indeferimento e finalmente, em 2023-12-18, foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa adoptada pelo Despacho de 2023-12-13 do Sr. Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa - conforme artigos 12º a 14º e Documentos nºs 4 e 5 juntos com o PPA;
  3. Na decisão de indeferimento a reclamação graciosa consta a seguinte fundamentação:

“Fazendo um enquadramento tributário da matéria controvertida dir-se-á que:

1. O Reclamante, não residente fiscal em Portugal e sem estabelecimento estável, é sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 2º do CIRC, incidindo o imposto apenas sobre os rendimentos obtidos em território nacional (país da fonte), nos termos da alínea d) do nº 1 do artº 3 e nº 2 do artº 4º, ambos do CIRC, à taxa de 25% nos termos do nº4 do artº 87º do CIRC, objeto de retenção na fonte a título definitivo ou liberatório, na data da verificação do facto tributário (pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos), cujas importâncias retidas devem ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que forem deduzidas, nos termos da al. c) do nº 1, al. b) do nº 3, n.º 5 e nº 6, todos do art.º 94.º do CIRC.

2. No entanto, se no momento da retenção for feita prova junto do substituto tributário, da verificação dos pressupostos da aplicação da CDT (2) celebrada entre Portugal e o Luxemburgo (artº 10º nº 2), nos termos da al. a) do nº 2 do artº 98.º do CIRC, pode ser aplicada a taxa reduzida de 15%.

3. Quanto à desconformidade do regime previsto no art.º 22.º do EBF com o Direito da União Europeia, cumpre dizer o seguinte:

4. Através do Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeiro (4), procedeu-se à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), alterando, com interesse para o caso em apreço, a redação do artº 22º do EBF (5), aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (6), conforme resulta do n.º 1 do art.º 22.º e circular n.º 6/2015.

5. Com a nova redação, o legislador estabeleceu que, para esses sujeitos passivos de IRC, (i) não são considerados na determinação do lucro tributável, os rendimentos de capitais, prediais e mais-valias  referidos nos artºs 5º, 8º e 10º do CIRS, conforme resulta do nº 3 do referido artº 22º do EBF, (ii) estão isentos das derramas municipal e estadual (n.º 6) e, (iii) estabeleceu ainda uma dispensa da obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos por si obtidos (artº 22º nº 10 do EBF).

6. Tal regime não é aplicável ao Reclamante - pessoa coletiva constituída de acordo com a legislação Estados Unidos da América por falta de enquadramento com o disposto no nº 1 do artº 22º do EBF, conforme entendimento sancionado superiormente.

7. A consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas da mesma, encontra-se consagrada nos artºs 63º e seguintes do TFUE (8), concretização do artº 18º do TFUE, e é aplicável tanto entre Estados-membros como entre Estados-membros e Estados-terceiros, ou seja, que não integram a UE.

Vejamos:

8. Efetivamente, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pronunciou-se sobre tal exclusão, através do acórdão proferido no processo nº C — 545/19 de 17 de março de 2022, do qual resulta que «O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.»

9. De notar que, o legislador prevê no nº 10 do artº 22º do EBF uma dispensa (e não uma isenção) da obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos OIC constituídos e que operem de acordo com a legislação nacional (nº 1).

10. Todavia, não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável.

11. Evidenciando-se que, a interpretação do direito europeu constante das decisões jurisprudenciais é vinculativa para os órgãos jurisdicionais, mas não afastam a vigência legal das normas consideradas pelo TJUE como contrárias ao direito europeu.

12. E, no que diz respeito aos OIC não residentes (que não disponham de um estabelecimento estável em território português), os mesmos não têm enquadramento na atual previsão do nº 1 do artº 22º do EBF e, consequentemente, dos nºs 2, 3 e 10 da referida norma legal.

13. Na esteira do Acórdão do TJUE, no âmbito do n.º 10 do art.º 22º do EBF, estão incluídos OIC constituídos nos demais Estados-membros e, por maioria de razão, os OIC constituídos nos demais Estados-Membros da EU e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado.

14. Pelo que, nos parece viável uma interpretação jurídica conforme ao direito europeu, segundo a qual no âmbito da dispensa de retenção, estarão incluídos os OIC constituídos nos demais Estados-Membros da EU e que operem em território português através de um estabelecimento estável Informação aqui situado.

15. 0ra, no caso em apreço, conforme informado, o Reclamante é não residente fiscal (Luxemburgo) e não dispõe de estabelecimento estável em Portugal, pelo que, não se encontra enquadrado no nº 1 do art.º 22º do EBF.

16. Pelo exposto, é de indeferir o pedido.

17. Cumpre ainda referir que por não se verificarem in casu os pressupostos do nº 1 do artigo 43.º da LCT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios”.

- conforme artigo 16º do PPA e Documento nº 5 em anexo ao PPA

  1. Em 2024-03-15 foi apresentado o PPA – conforme registo no SGP do CAAD.

 

3.2 Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, que não estão impugnados. 

A referência feita pelo Requerente, no artigo 9º do PPA, ao ADT entre Portugal e os USA, constitui lapso de escrita relevado no próprio contexto global da peça processual, pois é claro que o Requerente é residente no Grão-Ducado do Luxemburgo.

Cumpre salientar que a questão em apreço, tal como decidida por recente jurisprudência do TJUE, é meramente de direito. Não assiste, pois, razão à Requerida quando, baseada em jurisprudência ultrapassada, tenta levar a questão para o terreno dos factos ao defender que incumbia ao Requerente fazer prova da discriminação consagrada pelo artigo 22.º, n. º3, do EBF face ao artigo 63.º do TFUE.

 

  1. Questão(ões) prévia(s)

 

A AT expressa na parte final da Resposta que deve ser absolvida da instância, dando a entender que invocou uma excepção dilatória em sede de “questão prévia”.

              A Requerida não referiu expressamente a existência de qualquer excepção dilatória.

              Quanto à designação do Requerente e da entidade que o representa, nota-se que são as mesmas usadas em sede de procedimento de reclamação graciosa, onde a AT não colocou qualquer óbice, pelo que não se vislumbra que, em sede de procedimento arbitral, possa considerar-se de forma diversa.

              No que diz respeito ao referido nos artigos 8º e 9º da resposta configura-se que o Requerente apenas veio pedir o valor da retenção na fonte que resultou após o funcionamento do mecanismo da ADT entre Portugal e o Luxemburgo.

              Improcede, pois, a(s) questão(ões) prévia(s) aduzida(s) pela Requerida.

 

5.1 - Matéria de direito[1]

 

O acto de indeferimento da reclamação graciosa, que é objecto de impugnação imediata, tem uma fundamentação que é a que aqui se pode considerar. De forma que tudo o que constitua alteração da fundamentação do acto recorrido, não pode ser aqui acolhido.

Por isso, é irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos (vide acórdãos do STA de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207, de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289, de 09/10/2002, processo n.º 600/02, de 12/03/2003, processo n.º 1661/02).

Assim, o alegado na Resposta da AT que possa constituir fundamentação à posteriori, não pode aqui se considerado.

 

O Requerente é um fundo de investimento (Organismo de Investimento Colectivo) com sede no Grão-Ducado do Luxemburgo e por isso não foi constituído ao abrigo da lei portuguesa.

Em 2020 o Requerente recebeu dividendos, pagos em Portugal por uma sociedade de direito português, relativamente aos quais foi efectuada retenção na fonte à taxa de 15%.

Em 2022-06-15, o Requerente deduziu reclamação graciosa contra os atos de retenção na fonte aqui impugnados a qual foi indeferida.

A Requerida, em resumo,  indeferiu o pedido de anulação da retenção na fonte, reconhecendo que “Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pronunciou-se sobre tal exclusão, através do acórdão proferido no processo nº C — 545/19 de 17 de março de 2022, do qual resulta que «O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.»”, mas acrescenta que “não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável”.

 

O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção vigente em 2020 estabelece o seguinte:

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 – Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo, no entanto, ser inferior a um ano civil:

a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil;

b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.

10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.

12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.

13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.

14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.

15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.

16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.

 

Nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, pelo qual se procedeu, ademais, à reforma do regime de tributação dos organismos de investimento colectivo (OIC), «as regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015».          

 

No referido n.º 1 do artigo 22.º estabelece-se que o regime nele previsto é aplicável aos «fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional».

 

O Requerente não é constituído ao abrigo da lei portuguesa e, por isso, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF afasta a aplicação daquele regime ao Requerente.

 

O Requerente defende, em suma, que do regime que se prevê no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) resulta um tratamento discriminatório para os OIC não residentes em relação aos residentes, que é incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que estabelece o seguinte:

Artigo 63.º

(ex-artigo 56.º TCE)

 

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

No entanto, o artigo 65.º do TFUE limita a aplicação deste princípio, estabelecendo o seguinte:

Artigo 65.º

(ex-artigo 58.º TCE)

 1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

 a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

 b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

 2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

 3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.

 

A questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22.º, n.º 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63.º do TFUE, foi apreciada no acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, em que se concluiu que:

O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção

 

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

 

A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

 

Assim, de harmonia com a citada jurisprudência do TJUE, considera-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de outros Estados Membros.

 

Decidindo de um recurso por oposição entre acórdãos arbitrais, o STA, em Acórdão nº 7/2024, de 28 de Setembro de 2023, no âmbito do processo n.º 93/19.7BALSB, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:

 

Conclusões:

1 — Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;

2 — O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado -Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;

3 — A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto -Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.

 

Acolhendo expressamente, pois, a orientação adoptada pelo TJUE na sua decisão do caso AllianzGI-Fonds AEVN, de 17 de março de 2022 (Processo n.º C-545/19), o STA remove, deste modo, as últimas dúvidas que pudessem subsistir quanto à consagração jurisprudencial da referida orientação.

 

E isso não pode, evidentemente, deixar de repercutir-se no mérito da presente causa, e na decisão a que este Tribunal chega.

 

Consequentemente, tem de se concluir que os actos de retenção na fonte, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

5.2 Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vício que assegura estável e eficaz tutela dos interesses do Requerente, fica prejudicado, por ser inútil o conhecimento questão colocada de eventual envio prejudicial (ainda que subsidiariamente), de harmonia com o disposto nos artigos 130.º e 680.º, n. º2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n. º1, alínea e) do RJAT.

             

Com efeito, como ficou consignado na Decisão arbitral, proferida no processo n.º 32/2021-T, onde é citada abundante jurisprudência anterior ao Acórdão do TJUE, seguido neste caso, e que veio corroborá-la, o artigo 63.º do TFUE consubstancia, para o caso sub judice, uma situação de ato esclarecido (acte éclairé). A mesma, suportada em múltiplos casos, fornece parâmetros suficientemente seguros sobre a interpretação e aplicação que deve ser feita do preceito em causa relativamente às circunstâncias fácticas e normativas do caso concreto. Com efeito, por tudo o quanto vai exposto, temos de concluir que a questão dos autos está suficientemente tratada e que tanto a jurisprudência nacional quanto a do TJUE fornecem indicações seguras quanto à desconformidade com o direito da União da disparidade do regime de tributação dos dividendos auferidos por organismos de investimento coletivo residentes e não residentes, que tem consagração nos n.ºs 1 e 10 do artigo 22.º do EBF.

 

  1. Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

O Requerente pede o reembolso da quantia de € 186 988,30 retida na fonte, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde 2022-10-15, uma vez que apresentou a reclamação graciosa em 2022-06-15 e a AT deveria ter-se pronunciado no prazo de 4 meses, nos termos do nº 1 do artigo 57º da LGT.

 

6.1. Reembolso

 

Na sequência da anulação das retenções na fonte o Requerente tem direito a ser reembolsado das quantias retidas, o que é consequência da anulação.

As retenções na fonte totalizam € 186 988,30, pelo que é esta a quantia a que o Requerente tem direito.

 

  1. Juros indemnizatórios[2]

 

O TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 2013-04-18, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:

“21. Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

22. Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).

23. A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida)”.          

 

No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.

             

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

O prazo da reclamação graciosa de actos de retenção na fonte em sede de IRC é de «dois anos a contar do termo do prazo de entrega, pelo substituto, do imposto retido na fonte ou da data do pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos, se posterior» (artigo 137.º, n.º 3, do CIRC).

 

              No caso, o pagamento das quantias retidas na fonte ocorreu em 2020-05-21 (guia ...); 2020-07-13 (guia...); e 2020-12-14 (gui...) conforme alínea D) dos factos assentes e a reclamação graciosa foi apresentada em 15.06.2022 conforme alínea F) dos factos assentes.

 

              Tendo em conta, designadamente, que na contagem do prazo de dois anos se tem de atender às suspensões determinadas pelo n.º 4 do artigo 7.º e no artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a interpretação autêntica efectuada pelo artigo 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril (86 dias) e pelo artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro (74 dias), é manifesto que a reclamação graciosa foi apresentada no prazo do nº 3 do artigo 137º do CIRC.

             

              O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no acórdão de 29-06-2022, processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos:

“Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs. 1 e 3, da L.G.T.”

 

Tratando-se de jurisprudência uniformizada, ela deve ser acatada, pelo que é de concluir que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data em que terminou o prazo para ser apreciada a reclamação nos termos do nº 1 do artigo 57º da LGT, ou seja, 2022-10-15.

             

Os juros indemnizatórios devem ser contados, com base no valor de € 186 988,30, desde 2022-10-15 e até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

  1.  Decisão          

              De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de anulação dos actos de retenção na fonte de IRC sobre dividendos e anular esses actos quanto ao seguinte valor, incluído nas respectivas guias:

 

  1. Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa adoptada por Despacho de 2023-12-13 do Senhor Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa;
  2. Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias pagas, no montante global de €186 988,30 e condenar a Administração Tributária a pagar este montante ao Requerente;
  3. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, quanto aos actos de retenção na fonte que totalizam € 186 988,30, contados desde 2022-10-15 e até integral pagamento.

 

  1.  Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 186 988,30, indicado pelo Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  1. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3 672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 30 de Setembro de 2024

 

 

Os Árbitros,

 

Fernando Araújo

(Presidente)

 

 

Augusto Vieira

(Vogal - Relator)

 

 

Ana Teixeira de Sousa

(Vogal)

 



[1] Seguindo a decisão adoptada no Processo CAAD nº 997/2023-T, a que se adere, dada a similitude, com as necessárias alterações

[2] Seguindo a decisão adoptada no Processo CAAD nº 997/2023-T, a que se adere, dada a similitude, com as necessárias alterações.