Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 190/2024-T
Data da decisão: 2024-09-23  IVA  
Valor do pedido: € 263.952,55
Tema: IVA – Exercício do direito à dedução
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SUMÁRIO:

  1. O erro traduzido na não dedução de parte do IVA suportado na aquisição de inputs de “utilização mista” pode ser invocado no prazo de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, tal como prevê o nº 2 do artigo 98º do CIVA.
  2. A invocação de um direito à dedução não exercido não configura uma alteração retroativa de método de dedução.
  3. Cabe ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que permitam quantificar o montante de imposto por ele não deduzido.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A...– Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Coletivo, S.A., NIPC..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...‐... Lisboa, veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.

A Requerida é a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  I – RELATÓRIO

 

 

  1. O pedido

 

A Requerente peticiona:

 

- a anulação parcial das autoliquidações de IVA relativas aos anos de 2021 e 2022, materializadas nas declarações periódicas referentes aos meses de dezembro de tais anos;

- a anulação do indeferimento da reclamação graciosa apresentada com referência aos atos de autoliquidação ora impugnadas;

- a condenação da Requerida na restituição do valor do IVA pago em excesso, nas supra referidas declarações periódicas de imposto, no montante global de € 263.952,55.

 

 

  1. O litígio

 

A Requerente alega, em suma, que, com referência às aquisições de bens e serviços afetos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas, as sujeitas e não sujeitas a imposto (recursos de “utilização mista”), verificou, no âmbito de uma revisão interna de procedimentos, não ter deduzido qualquer IVA do incorrido na aquisição de tais recursos, nos anos 2021 e 2022, liquidando, em consequência, uma prestação tributária de valor superior à que resulta da lei.  

 

Na sua resposta, a Requerida conclui que se está perante uma alteração retroativa de método de dedução, o que, no seu entender, seria legalmente impossível. Cita, em abono de tal fundamentação, vária jurisprudência.

 

 

  1. Tramitação processual

 

O pedido foi aceite em 14/02/2024.

Os árbitros foram nomeados pelo Conselho Deontológico do CAAD, aceitaram as nomeações, as quais não foram objeto de oposição.

O tribunal arbitral ficou constituído em 23/04/2024.

A Requerida apresentou resposta, contudo não juntou o PA, não obstante ter sido notificada nesse sentido.

Por despacho de 03/09/2024 foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, bem como a produção de alegações. Nenhuma das partes se opôs.

 

 

 

 

 

  1. Saneamento

 

O processo não enferma de nulidades ou irregularidades. Não foram invocadas exceções. Não existem outras questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

  1. Falta de junção do processo administrativo pela Requerida

 

Embora tenha sido devidamente notificada para junção do processo administrativo, a Requerida não procedeu à sua junção.

 

De acordo com o disposto no artigo 17.º, n.º 2, do RJAT, “A administração tributária remete ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta, aplicando-se, na falta de remessa, o disposto no n.º 5 do artigo 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

Sucede que, conforme bem explica JORGE LOPES DE SOUSA “Relativamente à ordem de envio do processo administrativo, prevista no n.º 5 deste art. 110.º do CPPT, não se prevendo um regime especial para o seu não acatamento, deverá aplicar-se subsidiariamente o regime previsto no art. 84.º, n.ºs 4, 5 e 6, do CPTA. Assim, na falta de envio do processo, sem justificação aceitável, o juiz pode determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos do art. 169.º do CPTA, sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar (art. 84.º, n.º 4, do CPTA[1]). A falta de envio do processo administrativo não obsta ao prosseguimento do processo e determina que os factos alegados pelo impugnante se considerem provados, se aquela falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade (art. 84.º, n.º 5, do CPTA[2])” (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Volume II, Áreas Editora, 2011, p. 237). 

 

Todavia, para que se considerem provados os factos alegados pelo impugnante, nos termos do n.º 6 do artigo 84.º do CPTA, é essencial que o Autor/Requerente demonstre que “(…) o processo administrativo ou alguns documentos atinentes à matéria da causa não foram enviados e que essa circunstância impediu, ou pelo menos, dificultou consideravelmente a prova dos factos que articulou na petição” (cf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2017, 4.ª Edição, pp. 632 e 633).

 

Assim, para a determinação da matéria de facto dada como provada e como não provada nos presentes autos será tido em consideração o disposto no referido artigo 84.º, n.º 6, do CPTA.

 

  • PROVA

 

II.1 – Factos Provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade gestora de organismos de investimento coletivo cujo objeto social abrange também a gestão de carteiras por conta de outrem, incluindo carteiras de seguradoras e de fundos de pensões.
  2. A atividade desenvolvida pela Requerente compreende, maioritariamente, operações que não conferem o direito à dedução do IVA, por estarem abrangidas na isenção constante da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA.  Contudo, a Requerente realiza também operações que conferem direito à dedução do IVA, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA.  
  3. Relativamente às situações em que identificou uma conexão direta e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas, a Requerente aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação direta, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA; nas aquisições de bens e serviços utilizadas exclusivamente na realização de operações que não conferem direito à dedução, a Requerente não deduziu qualquer montante de IVA.
  4. Relativamente às aquisições de bens e serviços afetos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de “utilização mista”), nos anos 2021 e 2022, a Requerente não deduziu qualquer imposto.
  5. A Requerente apresentou reclamação graciosa das autoliquidações de imposto que ora impugna, a qual foi expressamente indeferida por despacho de 9 de novembro de 2023.
  6. No que respeita à tempestividade de tal reclamação, entendeu a AT que, na medida em que “[p]ara o período de tributação de janeiro de 2021, a apresentação da declaração periódica de IVA impugnada, ocorreu a 24.02.2021, para o período de fevereiro a 24.03.2021, para o período de março a 26.04.2023, para  período de abril de 2021 a 18.05.2021, para o período de maio a 25.06.2021 e para o período de junho a 06.08.2021”7, “[a]tendendo a que a Reclamante apresentou reclamação graciosa em 09.08.2023, a contestação às mencionadas autoliquidações mostra intempestiva, já que o pedido foi apresentado após o decurso do aludido prazo de 2 anos contado da entrega da declaração periódica onde foi efetivada a autoliquidação”.
  7. Relativamente ao mérito da reclamação, entendeu a Requerente, em suma, que

 “[f]ace à realidade dos factos descrita pela Reclamante, pode concluir‐se que estamos perante uma situação de alteração retroativa dos critérios que presidiram à escolha do método de dedução relativamente às despesas em causa”

e

“(…) o exercício do direito à dedução está na disponibilidade dos sujeitos passivos, assim como a opção por um dos métodos previstos no CIVA. Esta é uma opção que se encontra no âmbito da autonomia da atuação permitida pelo imposto e que se encontra materializada na autoliquidação efetuada pelo sujeito passivo. Nesse sentido, não se concebe que este venha invocar a ocorrência de um erro, quando não deduziu aquilo que poderia deduzir”

e

“[n]ão existe qualquer norma no CIVA que sirva de suporte legal à alteração retroativa do método de dedução pretendida pela Requerente, já que esta escolha apenas pode ser realizada para cada aquisição de bens ou de serviços no momento em que se constitui o direito à dedução nas condições previstas no n.º1 do artigo 20.º, n.º 1 do artigo 22.º e no artigo 23.º do CIVA”.

 

A convicção do tribunal fundou-se na análise dos documentos juntos aos autos. Estes factos não suscitaram qualquer divergência entre as partes.

 

 

II.2 - Factos não provados

 

Não ficou provado que:

 

  1. A correta percentagem de dedução definitiva, para os anos 2021 e 2022, seria de 11% e 10%, respetivamente.
  2. Aplicando tal percentagem de dedução de 11% ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista durante o ano 2021 (no montante de € 1.235.245,86), a Requerente teria o direito a deduzir adicionalmente IVA no valor de € 135.877,04.
  3. Aplicando a percentagem de dedução de 10% ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista durante o ano 2022 (no montante de € 1.280.755,06), a Requerente teria o direito a deduzir adicionalmente IVA no valor de € 128.075,51.

 

 

A única prova produzida consistiu na apresentação do doc. 4 junto ao requerimento inicial.

Trata-se de um quadro-resumo do qual constam:

- os valores das operações que conferem direito à dedução;

- os valores das operações que não conferem direito à dedução;

- os valores do IVA suportado em recursos de utilização mista.

 

Tal quadro, da autoria da Requerente, não é mais que a ilustração das operações aritméticas que conduziram ao apuramento dos quantitativos de imposto que a mesma considera ter pago em excesso. São operações aritméticas simples, diga-se, que não oferecem dúvidas ao tribunal.

 

PORÉM,

 

O que caberia provar não seria (apenas) a exatidão dos cálculos efetuados, mas sim – essencialmente – a realidade dos valores que lhes serviram de base, o valor das operações que conferem e não conferem direito à dedução de IVA e dos recursos adquiridos com utilização indiferenciada nestes dois tipos de operações.

Ora, sobre estes factos – essenciais à procedência do seu pedido – a Requerente não produziu qualquer prova.

 

O silêncio da AT sobre a realidade de tais números, nomeadamente na sua resposta, não pode ter o valor de uma aceitação implícita, atento, desde logo, o disposto nos nº 6 e 7 do artigo 110º do CPPT.

 

Para mais, tal silêncio compreende-se dado a AT, que na decisão da reclamação graciosa, quer na sua resposta no presente processo, ter optado por uma outra linha de argumentação, invocando apenas exclusivamente argumentos de direito.

 

Também não se pode considerar, para este efeito, a consequência prevista no n.º 6 do artigo 84.º do CPTA para a falta do envio do processo administrativo uma vez que os documentos idóneos a fazer a prova da realidade dos valores que serviram de base aos cálculos refletidos no documento n.º 4 junto pela Requerente deveriam estar na posse da Requerente. Aliás, estando em causa atos tributários de IVA relativas aos anos de 2021 e 2022, verifica-se que o prazo de 10 anos, previsto no artigo 52.º do Código do IVA, para a obrigação de arquivo e conservação de documentos de suporte ainda não terminou, o que reforça a obrigação da Requerente de ter tal documentação em sua posse.

 

Portanto, nos presentes autos, como a falta do processo administrativo não torna a prova da realidade dos valores que serviram de base aos cálculos refletidos no documento n.º 4 junto pela Requerente impossível ou de considerável dificuldade, não é possível considerar que os factos alegados pela Requerente se considerem provados.

 

 

  • O DIREITO

 

III.I - Intempestividade da reclamação graciosa

 

Como já referido, a Requerida afirmou, como primeiro fundamento do indeferimento da reclamação graciosa necessária apresentada pela Requerente, a sua intempestividade, invocando, em suma, ter sido a mesma apresentada para além do prazo de dois anos após a apresentação da declaração, tal qual dispõe o nº 1 do artigo 131º do CPPT[3].

A Requerida não referiu este fundamento na sua resposta, o que pode levar a crer que desistiu de o invocar agora a título de exceção processual.

De todo o modo, e por mera cautela, sempre se dirá que este tribunal arbitral se louva inteiramente no entendimento do STA sobre esta questão:

para o exercício do direito à dedução, o legislador português fixou, no Código do IVA, dois conjuntos de prazos para o efeito, consoante tal exercício se processe em termos normais ou patológicos, distinção esta que bem se compreende, se atentarmos à metodologia de autoliquidação que rege a cobrança deste imposto. Assim, o primeiro conjunto de prazos (situações normais) encontra‐se regulado nos artigos 22.º e seguintes – sendo especialmente relevante in casu o artigo 23.º, n.º 6 do Código do IVA – e reporta‐se aos casos de relacionamento normal entre o contribuinte e a Administração Fiscal na exigibilidade do imposto; nestes casos, o exercício regular do direito à dedução é regulado consoante o método de dedução adotado, e deve ser exercido num período mais curto (naturalmente), contado a partir do momento em que o imposto se torne exigível. Já o segundo conjunto de casos reporta‐se às situações patológicas, em que o exercício do direito à dedução foi inquinado por erros, falhas ou lapsos e, por conseguinte, pressupõe prazos mais longos para a respetiva correção, devidamente adequados às circunstâncias imponderadas que estão na sua base. Tais prazos encontram‐se regulados pelos artigos 78.º, n.º 6 (sob a elucidativa epígrafe “regularizações”) e 98.º, n.º 2 do Código do IVA (sob a epígrafe “revisão oficiosa”), e são de dois e quatro anos, respetivamente”. (Ac. do STA de 12.05.2021, proc. 01023/15).

Ainda será de referir o  acórdão de 28.06.2017, processo n.º 01427/14, no âmbito do qual se afirmou que a “aplicação dos métodos de dedução relativos a bens de utilização mista é juridicamente complexa pelo que o erro decorrente da aplicação deste regime jurídico não constitui nem erro material nem erro de cálculo” e, como tal, está em causa um erro de direito”, sendo, consequentemente, aplicável o prazo de 4 anos previsto no n.º 2 do artigo º 98 para operar a respetiva regularização/correção.  

Pelo que tal exceção sempre improcederá.

 

B) Do mérito

Como já referido, o fundamento (de direito) invocado pela AT, quer na decisão de indeferimento da reclamação graciosa necessária, quer na resposta apresentada no presente processo arbitral, resulta do seu entendimento de estar em causa alteração retroativa de método de dedução.

Afirma, nomeadamente:

“O artigo 23.º do Código do Código do IVA, sob a epígrafe “Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista”, não licencia casos de acréscimos de dedução de IVA exclusivamente resultantes da modificação, com efeitos retroativos, da metodologia de cálculo da dedução de IVA. Para lá de não existir nenhuma norma do sistema comum do IVA ou da legislação interna portuguesa que viabilize a alteração retroativa do método de dedução, também a eventual admissão de um procedimento com implicações retroativas colidiria com o princípio da segurança jurídica que enforma o sistema comum do imposto. A ratio legis da norma, e a intenção do legislador, foram a de não permitir que ocorram situações em que o sujeito passivo, após ter determinado o imposto dedutível e procedido à autoliquidação do IVA de acordo com o método do pro rata baseado no critério do volume de negócios, venha, mais tarde, derrogar retroativamente a respetiva aplicação, enveredando por pressupostos diferentes, em execução dos quais constrói diversas variantes de imputação que lhe são mais favoráveis para o cálculo das deduções de IVA.”

 

A Requerida invoca como sustentáculo desta sua argumentação vária jurisprudência, nomeadamente arbitral, ainda que - como veremos - nem sempre a propósito.

Como exemplo, cita o acórdão do TJUE de 30-01-2020, no processo n.º C-661/18 (“CTT - Correios de Portugal”), que é o mais relevante, porquanto o que nele foi estabelecido vincularia este tribunal arbitral, dado a existência de identidade factual entre as situações em apreço.

Importará começar por recordar qual a questão suscitada pelo órgão nacional que formulou o pedido de reenvio: “se o artigo 173.° da Diretiva IVA, lido à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da efetividade, da equivalência e da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado Membro que, ao abrigo dessa disposição, autoriza os sujeitos passivos a efetuar a dedução do IVA com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução proíba esses sujeitos passivos de alterar o método de dedução após a fixação do pro rata definitivo.”.

Da resposta do TJUE salientamos: é  “(...) relativamente ao princípio da proporcionalidade, que este não se opõe a que um Estado Membro que fez uso da faculdade de conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optar por um regime especial de tributação adote uma regulamentação que faz depender a aplicação desse regime da obtenção prévia de uma aprovação, não retroativa, por parte da Administração Tributária, e que o facto de o procedimento de aprovação não ser retroativo não torna este procedimento desproporcionado. Por conseguinte, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que recusa aos sujeitos passivos a possibilidade de aplicar, após a fixação do pro rata definitivo, o regime de dedução por afetação, não vai além do que é necessário à cobrança exata do IVA.” (nº 35)

e

 “(...) o princípio da neutralidade fiscal não pode ser interpretado no sentido de que, em cada situação, deve ser procurado o método de dedução mais preciso, a ponto de exigir que se ponha sistematicamente em causa o método de dedução aplicado inicialmente, mesmo após a fixação do pro rata definitivo.” (nº 38)

 

Salvo melhor opinião, a questão de facto que se coloca no presente processo é diversa.

A Requerente não deduziu qualquer IVA suportado na aquisição de inputs utilizados, indistintamente em operações que conferem e em operações que não conferem o direito a dedução.

Contrariamente ao que entendeu a AT, a Requerente não quer alterar retroativamente o método utilizado, não pretende passar a utilizar outro método, nem modificar o pro rata definitivo (estabelecido com referência a 31 de dezembro de cada ano) por si utilizado.

Em resumo, a Requerente não quer alterar o método utilizado pela simples razão que, nas suas declarações relativas aos períodos em causa, não havia utilizado um qualquer método relativamente aos recursos de utilização mista não IVA dedutível tendo por base uma qualquer percentagem (pro rata) por si apurada, seja de forma “definitivamente” ou não.

O que a Requerente invoca é um erro - de direito - que consiste não na errada fixação de um pro rata, mas sim no facto de não ter exercido o seu direito à dedução do (de parte do) imposto suportado na aquisição de bens de utilização mista.

Assim sendo, não se pode sufragar uma interpretação da lei que conduza à impossibilidade de posteriormente à entrega das suas declarações, um sujeito passivo poder, dentro do prazo que a lei para tal prevê, exercer totalmente o direito à dedução de IVA que a lei lhe possibilita.

Outro entendimento violaria o princípio da neutralidade do IVA, uma vez que o não exercício total do direito à dedução, nos termos em que a lei o possibilita, conduz sempre à existência de “imposto sobre imposto”, à existência de uma tributação cumulativa cujo afastamento é, a nosso ver, a principal caraterística deste imposto.

 

Questão diferente é a da extensão do direito à dedução.

Invocando a Requerente um erro por si cometido em sede de autoliquidação, cabe-lhe o ónus da prova da factualidade que permita quantificar tal erro e, consequentemente, lograr o provimento daquilo que peticiona.

Ora, como resulta dos factos acima dados como não provados, a Requerente não produziu qualquer prova quanto aos montantes das aquisições que conferem direito a dedução, nem das operações que não conferem tal direito, nem do montante das suas aquisições em bens ou serviços de utilização mista, nos períodos em causa.

Pelo que, também, não podem ser considerados provados os pro rata invocados na formulação do seu pedido.

Assim, por razões factuais, que geram incumprimento do ónus da prova, e não por razões de direito, há que concluir pela improcedência do pedido principal.

Consequentemente, improcedem os demais pedidos, porque dependentes daquele.

 

  • DECISÃO

 

Pelo exposto, acordam os árbitros em julgar totalmente improcedentes os pedidos formulados.

 

 

Valor do processo – Fixa-se em € 263.952,55, correspondente ao montante das liquidações impugnadas.

Custas, no montante de € 4.896,00, a cargo da Requerente por ter sido total o seu decaimento.

 

23 de setembro de 2024

 

Os árbitros

 

Rui Duarte Morais (relator)

 

 

João Taborda da Gama

 

 

 

 

Paulo Ferreira Alves 

 

 

 

 

 

 



[1] Atual n.º 5 do artigo 84.º do CPTA.

[2] Atual n.º 6 do artigo 84.º do CPTA.

[3] Artigo 131º, n.º 1, do CPPT que “[e]m caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração”.