Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 161/2024-T
Data da decisão: 2024-09-25  IRS  
Valor do pedido: € 46.265,69
Tema: IRS — residente não habitual — termo do anterior regime e pedido de novo regime — art. 16.º, 8, 9, 11 e 12, CIRS
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Sumário:

            I — O legislador fez depender, para efeitos da aplicação ex novo do estatuto de RNH, do preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 16.º, n.º 8, CIRS, e não de o pedido de cessação da suspensão do regime que preteritamente já lhe tinha sido atribuído ser efetuado dentro do período desse mesmo regime.

            II — A hipótese normativa do artigo 16.º, 12, CIRS, circunscreve-se apenas aos casos em que ao sujeito passivo foi atribuído o estatuto de RNH e que a retoma do gozo do mesmo ocorra dentro do período dos dez anos. Mas, nada refere quando esse período já terminou assim como não estabelece qualquer período intercalar mínimo entre o termo de um período de exceção e o início de um outro período, quando os requisitos se verificam.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            O árbitro Ricardo Marques Candeias, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, decide nos termos que se seguem:

 

            I — RELATÓRIO

 

            A. Dinâmica processual

  1. A..., titular do NIF ..., residente em Rua ..., ..., ..., ..., ...-... Oeiras, apresentou pedido de pronúncia arbitral ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), para que seja anulada a liquidação n.º 2023..., relativa ao Rendimento das Pessoas Singulares (‘IRS’) do período tributário de 2022, no montante de € 1.575,27, e efetuada a restituição do imposto indevidamente pago bem como o reembolso de IRS devido em resultado da emissão de novo ato de liquidação, acrescido dos juros indemnizatórios.
  2. No dia 8 de fevereiro de 2024 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado ao Requerentes e à AT.
  3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, 1, e artigo 11.º, 1, b), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  4. Em 26 de março de 2024 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
  5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído a 16 de abril de 2024.
  6. A 20 de maio de 2024, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, excecionando e impugnando.
  7. A 12 de junho de 2024 foi proferido despacho arbitral facultando prazo para o Requerente, querendo, se pronunciar sobre a alegada exceção, o que fez, a 25 de junho de 2024.
  8. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art. 16.º, e n.º 2 do art. 29.º, ambos do RJAT, a 10 de julho de 2024 foi dispensada a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, bem como a de apresentação de alegações escritas. Mais foi indicado que a decisão final seria notificada até ao dia 30 de setembro de 2024.

 

            B. Posição das partes

 

            Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, que lhe foi atribuído o estatuto de residente não habitual para o período de 2010 a 2019, por ter previamente, residido durante vários anos fora do território português. De 2011 a 2021 foi residente fiscal no Reino Unido pelo que o regime que lhe tinha sido anteriormente atribuído foi suspenso. No entanto, apesar disso, viu recusado o pedido formulado em 2021 para poder beneficiar de novo do regime de residente não habitual, que abrangeria o ano fiscal de 2022. Como não beneficiou deste regime, da liquidação de IRS de 2022 resultou um valor a pagar de € 1.575,27, o que fez, não obstante ter apresentado reclamação graciosa contra este ato, peticionando que lhe fosse reconhecido o direito a ser tributado como residente não habitual (RNH). A referida reclamação veio a ser indeferida, daí ter de recorrer ao presente expediente processual para salvaguarda dos seus direitos.

            Para o Requerente, cumprido os três pressupostos previstos no artigo 16.º, CIRS, que enumera, o SP tem o direito a que lhe seja atribuído o estatuto de RNH. A lei não estabelece qualquer outro requisito adicional.

            Além disso, importa considerar a reserva de lei em matéria de regulação de elementos essenciais dos impostos no sentido do qual se concretiza o princípio da legalidade no âmbito tributário — isto é, os elementos essenciais dos impostos devem resultar da lei da Assembleia da República, não podendo a AT impor ao contribuinte quaisquer regras, condutas ou elementos que não estejam presentes no texto da lei, validamente aprovada como tal.

            Além disso, a AT e o SP não estão vinculados a orientações internas dos serviços da própria administração tributária, nomeadamente de pareceres dos quais se ignora a respetiva fundamentação.

            Consequentemente, bate-se pela ilegalidade do ato de liquidação bem como solicita a restituição do valor pago e ainda o reembolso de IRS resultante de nova liquidação, que pede.

            Por sua vez, a AT defende-se excecionando a incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais pois, para ela, a causa de pedir centra-se no reconhecimento desse estatuto, bem como a inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de RNH pois este será um ato administrativo autónomo.

            Além disso, considera a AT que o pedido do Requerente não pode ser atendido pois a condição de residente não habitual subsiste pelo período de dez anos consecutivos, não podendo haver lugar à respetiva renovação e a eventual aquisição de novo direito não pode ocorrer no período imediatamente subsequente ao período em que lhe foi concedido, mesmo perante a situação de se ausentar do país e não gozar do estatuto num ou em vários anos.    Ou seja, o acesso ao RNH, depende da verificação dos pressupostos contidos na norma do artigo16.º, 8, CIRS, isto é, o requisito de não residência em território português, em qualquer dos cinco anos anteriores, relativamente ao qual o sujeito passivo se torna fiscalmente residente neste território, ordena que o contribuinte, não detenha nesse período qualquer estatuto fiscal de exceção.

            Para a AT, in casu, não estão reunidos os requisitos para que o Requerente possa beneficiar do estatuto de RNH, pois o SP não deteve residência no estrangeiro por cinco anos, após o fim do estatuto concedido preteritamente, do período de 2010 a 2019.

            Posto este enquadramento, pelas razões sobreditas, conclui a AT pela manutenção do ato impugnado.

 

            C. Thema decidendum

 

            A questão que constitui o thema decidendum centra-se em saber quais os requisitos materiais para obter a qualidade de residente não habitual, bem como a necessidade, enquanto pressuposto específico da aplicabilidade do regime legal correspondente, da necessidade de residir no estrangeiro pelo menos cinco anos após o termo do estatuto que anteriormente lhe tinha sido atribuído, embora este se encontrasse suspenso.

           

            II — SANEAMENTO

 

            O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 1, a), 5.º, 6.º, 1, e 10.º, 1, RJAT.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. arts. 4.º e 10.º, 2, RJAT, e art. 1.º, Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

            O processo não enferma de nulidades.

            Suscita a Requerida as exceções de i) incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais bem como a de ii) inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de RNH.

            Preliminarmente, importa apreciar estas questões sendo que, para nos debruçarmos sobre elas, é relevante determinar a factualidade dada como provada e como não provada.

 

            III — FUNDAMENTAÇÃO

            A. MATÉRIA DE FACTO

            A.1. Factos dados como provados

A) O Requerente foi residente fiscal em Portugal no ano de 2010.

B) Por ter anteriormente residido vários anos no estrangeiro, ao Requerente foi atribuído o estatuto de residente não habitual para o período compreendido entre os 2010 até 2019, inclusive.

C) Por declaração datada de 24 de março de 2023, a Administração Fiscal e Aduaneira do Reino Unido declarou ter o Requerente residido no Reino Unido no período de 21 de maio de 2011 a 28 de fevereiro de 2021.

D) Resulta do SGRC da AT que em 30 abril 2012 foi alterado o estatuto fiscal do Requerente para não residente em Portugal, ficando suspensa a inscrição como RNH, que terminaria a 31 de dezembro de 2019.

E) Em 2021, antes de regressar a Portugal, o Requerente solicitou esclarecimento junto da AT sobre o seu estatuto fiscal, via E-balcão.

F) A AT respondeu a esse pedido informando que “[o] estatuto [de RNH] não existia nos anos que identifica”, mais concretamente, os anos de 2011 a 2019.

G) O Requerente passou a estar inscrito como residente fiscal em Portugal a 13 de fevereiro de 2021.

H) Ainda em 2021, via E-balcão, o Requerente solicita a sua inscrição como RNH, tendo a AT respondido ao pedido da seguinte forma:

 

I) A 8 de setembro de 2021 o Requerente requereu de novo a inscrição como RNH com efeitos ao ano fiscal de 2021, dirigindo o pedido à Direção de Serviços de Registo de Contribuintes (DSRC).

J) O Requerente, notificado do projeto de decisão de indeferimento do pedido de inscrição como RNH, exerceu a 1 de julho de 2022 o seu direito de audição prévia, conforme e nos termos que resultam do teor do doc. 7, junto com o PPA, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

K) Por ofício datado de 13 de julho de 2022, o SP foi notificado da decisão de indeferimento por parte da AT, assente no entendimento proveniente de despacho da Subdiretora-Geral da Área do Rendimento do qual resulta a seguinte fundamentação:

 

 

L) O Requerente submeteu a sua Declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2022 como residente em território português e sem qualquer estatuto de exceção.

M) Foi emitida a nota de liquidação de IRS relativa a 2022, com o n.º 2023... da qual resultou o valor a pagar de 1.575,27 €.

N) O Requerente procedeu ao pagamento do montante referido no ponto anterior por movimento debitado a 21 de julho de 2023 sobre o saldo da sua conta bancária.

O) O Requerente apresentou reclamação graciosa, autuada com o n.º ...2023..., tendo por objeto a nota de liquidação de IRS de 2022, n.º 2023..., melhor identificada, peticionando que lhe fosse reconhecido o direito a ser tributado como RNH.

P) A AT indeferiu a reclamação graciosa por decisão proferida a 25 de outubro de 2023, com a seguinte fundamentação:

 

 

 

 

 

Q) Por declaração emitida pela B..., SA, constata-se que o Requerente é seu administrador e se qualifica como diretor-geral e gestor executivo, de empresas, integrando, por referência à Classificação Portuguesa de Profissões, o Grande Grupo 1, Sub-Grande Grupo 12, Sub-Grupo 112, Grupo Base 1120.

R) O Requerente apresentou ação administrativa junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a que foi atribuído o n.º 540/23.3BESNT, onde peticiona que seja reconhecido o seu direito a beneficiar do regime fiscal aplicável a Residentes Não Habituais, e, consequentemente, ser anulado o ato de indeferimento do pedido de inscrição como Residente Não Habitual.

 

            A.2. Factos dados como não provados

            Com relevo para a decisão, não foram identificados factos que devam considerar-se como não provados.

 

            A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

            Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, 2, CPPT, e art. 607.º, 3, CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, 1, a) e e), RJAT).

            Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior art. 511.º, 1, CPC, correspondente ao atual art. 596.º, aplicável ex vi art. 29.º, 1, e), RJAT).

            Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do art. 110.º, 7, CPPT, e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

            Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

            Na verdade, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme o n.º 5 do art. 607.º do CPC.

            Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (v.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º, CCiv.) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

           

 

            B — DE DIREITO

 

            A. Incompetência material

            Como vimos, para a Requerida, o tribunal é materialmente incompetente, na medida em que, para ela, a causa de pedir dos presentes autos tem como subjacente o reconhecimento do estatuto de residente não habitual.

            Ora, a competência deste tribunal arbitral consiste em apreciar, segundo as palavras da Requerida, as i) pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamentos por conta, e ii) pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais, mas já não as questões relacionadas com o estatuto fiscal do sujeito passivo.

            Além disso, cita jurisprudência, nomeadamente do CAAD, proc. 796/2022-T, com o entendimento que o reconhecimento da aplicabilidade ao Requerente do regime dos RNH teria de ser efetuada por via de ação administrativa especial e não pela presente via impugnatória arbitral, sustentando-se para o efeito nos acórdãos do STA n.º 034/14 de 2016-05-11, n.º 014/19.7BALSB (uniformizador de jurisprudência) e acórdão do Tribunal Constitucional (doravante TC), com o n.º 718/2017 — naquilo que aqui for aplicável já que o quadro factual que lhe está subjacente não é exatamente idêntico ao dos autos.”

            Por sua vez, o Requerente tem posição contrário, que cristaliza via resposta às exceções aduzidas, e que se encontra junto aos autos.

            Ora, efetivamente, a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação a) da declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; bem como a b)  A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais — cf. art. 2.º, 1, a), b), RJAT.

            Compulsados os ditos, verificamos que o pedido formulado pelo Requerente consiste na declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS n.º 2023.4005458634, relativa ao IRS do período tributário de 2022, no montante de € 1.575,27, por desconsideração do estatuto dos RNH. 

            Em momento algum o Requerente pretende que este tribunal se pronuncie sobre o indeferimento de que foi alvo relativo ao formulado RNH.

            Além disso, do citado proc. n.º 796/2022-T, CAAD, do qual sobressaem os referidos arestos do STA e do TC, resulta do pedido de pronúncia, além da declaração de ilegalidade da liquidação de IRS, incidentalmente e consequentemente, "que se ordene a inscrição do Requerente no registo de contribuintes da AT como residente não habitual, com efeitos a partir do ano de 2020".

            Ora, conforme citado, de acordo com Jorge Lopes de Sousa, in Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 105,  "mesmo relativamente à impugnação de atos praticados no âmbito de procedimentos tributários, a competência destes tribunais arbitrais restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando de fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT

            Como vimos, in casu, o pedido reduz-se à apreciação da nota de liquidação já identificada. Em momento algum o Requerente pretende que este tribunal se pronuncie sobre o indeferimento da aplicação do regime de RNH.

            Sendo assim, o peticionado encontra-se abrangido pelo disposto no art. 2.º, 1, a), RJAT.          Deste modo, o tribunal é materialmente competente para apreciação da matéria em juízo. Consequentemente, não se dá provimento à invocada exceção de incompetência material invocada pela AT.

 

            B.  Inimpugnabilidade do ato de liquidação

            Defende ainda a AT a inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de RNH pois este será um ato administrativo autónomo.

            Considera que o reconhecimento da condição de RNH, assenta num procedimento prévio e independente da liquidação objetada nos presentes autos (...), (pois) a impugnação do ato de benefícios fiscais seria autónoma em relação ao ato de impugnação, sendo, nestes casos e na ótica do Acórdão, o meio de reação ao dispor do contribuinte, a ação administrativa.

            Além disso, sendo indeferida esta argumentação, e atendendo a que só após ser decidida a suprarreferida ação (questão prejudicial) é que este Tribunal Arbitral poderá apreciar a legalidade da liquidação aqui impugnada com fundamento na violação do estatuído no n.º 10 do artigo 16.º, deve a presente instância ser suspensa, nos termos do disposto no artigo 272.º do CPC, até que seja decidida a ação administrativa que tramita no TAF de Sinta.

            Por sua vez, notificado para o efeito, o Requerente veio defender que "O cenário normativo contemporâneo aos factos em causa no presente processo é distinto daquele, posto que a redação relevante não consagra, para além da imposição de um dever acessório, um procedimento autónomo ou um momento procedimental interlocutório dirigido a um ato de reconhecimento do estatuto de residente não habitual, prévio e prejudicial, sem o qual estaria inviabilizada a aplicação em cada ano dos benefícios fiscais a isso associados.

            Este entendimento está aliás em consonância com a orientação estabelecida na Circular n.º 4/2019 da Diretora-Geral da AT (n.º 1) segundo a qual as medidas resultantes do regime dos residentes não habituais «consubstanciam medidas excecionais de desagravamento da tributação de caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT, conforme determina o artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)».

            Quanto à possibilidade de a inimpugnabilidade ser uma questão prejudicial que exigiria a suspensão dos presentes autos, entende o Requerente que ela não se verifica "uma vez que a decisão quanto à ilegalidade do ato em crise não está dependente do julgamento do processo relativo à inscrição do Requerente como RNH, uma vez que o registo como RNH (ou ausência dele) não é um requisito substantivo para a aplicação do regime."

            Vejamos.

            Sobre esta temática pronunciou-se muito recentemente o Tribunal Arbitral, proc. 656/2023 ­— T, que segue alinhado com a decisão proferida nos autos proc. 705/2022 — T, a que aderimos.

            Com efeito, não obstante o SP ter submetido pedido para a obtenção do estatuto de RNH e o mesmo ter sido indeferido, o certo é que o ato que ora se discute resume-se à legalidade ou não da nota de liquidação já identificada. Além disso, a indicada decisão de indeferimento corre em processo próprio, junto do TAF de Sintra.

            Não consideramos que a apreciação do reconhecimento ou não reconhecimento como residente não habitual para efeitos fiscais seja questão prévia à presente assim como seja pressuposto autónomo, prévio e destacável relativamente aos atos de liquidação do imposto ora sindicado, que é o único ato tributário relevante para os presentes autos com que o Requerente foi confrontado.

            Embora conste da factualidade o ato administrativo-tributário da AT de negação da condição de residente não habitual, a situação dos autos não possui comparação com o caso que esteve na base do processo arbitral n.º 514/2015-T, do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2017 e do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 014/19.7BALSB, pois esse é tema que ficou reservado para o TAF de Sintra.

            Em particular, esta jurisprudência citada respeitou a liquidação relativa ao ano de 2010, cujo cenário normativo não coincide com o aqui em consideração, por se reportar à regulação originariamente introduzida pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23.09 (anterior, pois, às alterações ocorridas com a Lei n.º  20/2012, de 14.05, e com o Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01.08), em que o n.º 7 do art. 16.º do Código do IRS (CIRS) dispunha: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos” (cfr. o atualmente disposto no n.º 9 do art. 16.º do CIRS).

            Assim, face aos normativos vigentes, somos da opinião que a inscrição cadastral como residente não habitual do sujeito passivo de imposto não constitui ato autónomo ou destacável em relação ao procedimento de liquidação do imposto para efeitos de impugnação contenciosa, que obrigue, em derrogação do princípio da impugnação unitária (art. 54.º do CPPT), à impugnação direta e autónoma, no prazo e pelo meio legalmente previsto, de uma eventual decisão de indeferimento, sob pena de estabilização da situação mediante caso decidido ou caso resolvido e de decorrente preclusão da impugnação da liquidação de imposto nessa base.

            Desta forma, indefere-se a exceção invocada, sendo suscetível de apreciação nos presentes autos a liquidação de IRS do ano referido.

 

            C. Do mérito

           

            Como vimos, o thema decidendum consiste em identificar os requisitos materiais da condição de residente não habitual. Além disso, importa saber, em particular, da relevância de ter sido atribuído tal estatuto no período de 2011 a 2019, encontrando-se este suspenso desde 2012, quando o pedido por parte do SP para atribuição, de novo, do estatuto de RNH, se dá em 2021.

            Ultrapassado este tema, importa apreciar a legalidade da aplicação da taxa especial de 20% ao rendimento líquido coletável do SP.

           

            C.1. Do regime do RNH

 

            A questão convoca, essencialmente, o disposto no art. 16.º, 8, sgts., CIRS, em vigor à data dos factos, e exige, nomeadamente, a identificação dos pressupostos legais que condicionam a atribuição do estatuto de RNH.

            Ora, a génese do preceito emerge do DL 249/2009, de 23 de setembro, que positiva o Código Fiscal do Investimento (CFI).

            Este regime surge como resultado da emergência de um novo paradigma para as relações económicas internacionais, assente na competitividade das políticas fiscais internacionais de forma a funcionarem como estímulos para a localização da produção, da iniciativa empresarial e da capacidade produtiva no espaço português. Trata-se, portanto, de um regime jurídico cujo objetivo é captar capital humano de elevado valor acrescentado por via da oferta de um regime de tributação mais favorável para estes indivíduos, no intuito de os atrair para território nacional.

            É este CFI, que visa, fundamentalmente, unificar o procedimento aplicável à contratualização dos benefícios fiscais previstos no artigo 41.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

            Este diploma veio criar um novo regime: o do "residente não habitual”.

            Aí se dizia (art. 16.º, 7, CIRS) que “o sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal, pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes”.

            Seguiram-se a L n.º 20/2012, de 14 de maio, e a Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

            Os critérios adotados para que um sujeito passivo possa beneficiar do regime do residente não habitual, criados pelo DL n.º 249/2009, passaram a exigir que o SP se torne residente nos termos dos critérios gerais previstos no art. 16.º, 1, 2, CIRS, e, além disso, que não tenha sido residente em Portugal em qualquer dos cinco anos anteriores.

            Mantendo o SP o benefício do regime do residente habitual por um período de 10 anos consecutivos, contados a partir da data da sua inscrição como residente em Portugal, cai, no entanto, a previsão legal da possibilidade de renovação desse período.

            Mais tarde, nova alteração, operada pelo DL n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, embora apenas com relevância para a questão da residência fiscal parcial — sem pertinência para o caso que nos ocupa.

            Depois, a alteração resultante da publicação do DL n.º 41/2016, de 1 de agosto, que veio consagrar o regime a aplicar à data dos factos que nos ocupam.

            Reza assim o citado artigo 16.º, 8.º, ss., CIRS, sob a epígrafe "Residência":

            8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

            9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

            10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

            11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.

            12 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português.

            O teor deste n.º 12 já provinha da alteração de 2014 que, por sua vez, constava da alteração introduzida em 2012 (na altura, batizado por n.º 10), que por sua vez, já provinha de 2009 (na altura, o n.º 9, embora com uma liliputeana alteração: pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, contando que nele volta ser considerada residente para efeitos de IRS.)

            Isto é, o teor do n.º 12 até manteve uma saudável longevidade, atenta à devoradora voracidade legiferante.

            O que por ora importa reter, parece-nos, é a conclusão, independentemente de ser possível renovar o regime do RNH, como se previa inicialmente pelo art. 16.º, 7, CIRS, versão de 2009, de o citado n.º 12 ter mantido a possibilidade de o SP poder suspender o seu regime de exceção e de o retomar posteriormente, desde que o termo desse regime ainda não se tenha verificado. Dito de outra forma: este direito de suspensão e de retoma do regime de RNH do SP sempre existiu independentemente de existir ou não o direito de renovação.

            Daqui resulta que o legislador nunca pretendeu, portanto, fazer depender a suspensão e a retoma do regime de RNH de um direito de renovação desse mesmo regime, e vice-versa. São direitos, entre si, distintos. No entanto, como vimos, curiosamente, os requisitos para aderir a este regime de exceção mantiveram-se, substancialmente, sempre os mesmos.

            Estando correta esta interpretação, então podemos também concluir que são realidades jurídicas distintas: i) os pressupostos de adesão; ii) a suspensão e posterior retoma; e a iii) renovação; cada um com os seus operatórios quadros normativos. E realidades jurídicas distintas, mas que pretendem concretizar o mesmo interesse subjacente ao regime: atrair SP's que, de outra forma, não residiriam em Portugal, de modo a aumentar a receita fiscal.

            Quanto ao primeiro quadro operatório.

            O tema dos pressupostos ou requisitos para a atribuição do estatuto de RNH já foi tratado variadas vezes pelos Tribunais Arbitrais, pelo que importa chamar a jurisprudência que nos parece consolidada (v.g., decisões arbitrais n.s 777/2020-T; 319/2022-T; 550/2022-T; 705/2022-T; 487/2023-T, 544/2023-T; e ainda o recente acórdão do STA, de 29 de maio de 2024, que vai no mesmo sentido).

            Do sumário do citado acórdão do STA extrai-se o seguinte: "com referência ao art. 16º do CIRS, é condição de aplicação do regime dos residentes não habituais que o sujeito passivo à data em que seja considerado como residente e esteja inscrito nos registos da AT, não tenha sido residente em território nacional nos últimos cinco anos, sendo que o nº 10 aponta que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redacção do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)”.

 II - O transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, sendo que não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal — residente não habitual — dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa.

III - Assim, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual, ou seja, nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018."

            De acordo com a maioria da doutrina e jurisprudência, para beneficiar do regime do RNH é necessário o preenchimento de dois pressupostos cumulativos: i) que o SP se torne fiscalmente residente em território português, de acordo com qualquer dos critérios estabelecidos nos n.s 1 ou 2 do artigo 16.º, CIRS, no ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como RNH; ii) que não tenha sido considerado residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como RNH.

            Têm-se entendido também, maioritariamente, que a natureza da inscrição do SP no cadastro dos contribuintes, é declarativa e não constitutiva, pelo que a sua não realização não obvia a aplicação, verificados os pressupostos materiais exigidos, dos benefícios fiscais em causa.

            Além disso, resulta do citado acórdão que os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no artigo 16.º, 8, CIRS, são aferidos em função do ano de inscrição como residente (in casu, 2021).

            Quanto aos segundo e terceiro quadros operatórios.

            Como já vimos, o legislador nunca fez depender a suspensão e a retoma do regime de RNH de um direito ou de uma ausência de um direito de renovação desse mesmo regime, e vice-versa (a renovação, no normativo vigente à data de 2021, tinha-se evaporado, com a alteração que entrou em vigor em 2012, como já mencionámos).

            Na verdade, procurando ir à essência do preceito, o SP não pode renovar o regime de RNH logo após o seu termo, porque não preenche o segundo dos requisitos: o de não ser considerado residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como RNH. Se isso é correto, também uma consequência contrária (em sentido positivo) é correta, considerando os pressupostos que cimentamos quando os abordamos supra: se o SP não for considerado residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como RNH, e cumprindo o primeiro dos requisitos  (que o SP se torne fiscalmente residente em território português, de acordo com qualquer dos critérios estabelecidos nos n.s 1 ou 2 do artigo 16.º, CIRS, no ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como RNH), nada impede que esse regime lhe seja atribuído.

            Ora, a AT tem leitura diferente do normativo, que não olvidamos. Esgrima que no caso de suspensão do estatuto de RNH, os contribuintes apenas podem beneficiar do período remanescente durante esse mesmo período, ou seja, no caso concreto, a retoma do estatuto teria de ocorrer necessariamente até 2019, terminando nessa mesma data.

            Além disso acrescenta ainda quanto "à questão dos cinco anos de residência no estrangeiro, resulta das normas estabelecidas no número oito ao número 12 do artigo 16º, C RS, que a exigência dos cinco anos em que o contribuinte não é residente em Portugal para efeitos de atribuição do estatuto de RNH é um requisito essencial verificável quando da solicitação de inscrição no regime. Assim, o contribuinte só poderá ter acesso a aquisição de novo direito ao regime de RMH após cinco anos de residência no estrangeiro contados a partir do término do período em que lhe foi concedido (2019)."

            Revisitando os factos dados como provados verificamos que ao SP foi atribuído o estatuto de RNH de 2010 a 2019, sendo que esse estatuto foi suspenso nos termos do n.º 12 do art. 16.º, CIRS, a partir de 2012.  Além disso, o SP fixou a sua residência fiscal em Portugal em 2021, quando já se encontrava terminado o período para o qual o estatuto de RNH lhe tinha sido atribuído.

            Com a suspensão em 2012, na prática, significava que, regressando a Portugal nesse período, manteria o direito ao regime de exceção que o RNH lhe conferia, bastando, para o efeito, fazer cessar essa mesma suspensão.         

            Terminado o período de exceção, ao SP restava ou pedir um novo regime de exceção ou não o fazer. O SP entendeu fazê-lo porque considerava que preenchia os dois requisitos em cima identificados: i) era fiscalmente residente em território português, de acordo com qualquer dos critérios estabelecidos nos n.s 1 ou 2 do artigo 16.º, CIRS, no ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como RNH; ii) não era residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano relativamente ao qual pretendia que tivesse início a tributação como RNH.

            Quando ao primeiro requisito, o SP preenche-o, pois, como vimos, desde 13 de fevereiro de 2021 que o Requerente passou a estar inscrito como residente fiscal em Portugal (alínea G dos factos provados). Do mesmo modo preenche o segundo requisito, pois, como resulta de declaração datada de 24 de março de 2023, a Administração Fiscal e Aduaneira do Reino Unido declarou ter o Requerente residido no Reino Unido no período de 21 de maio de 2011 a 28 de fevereiro de 2021 (cf. alínea C dos factos dados como provados).

            Como vemos o caso, os dois argumentos da AT não colhem: quanto ao primeiro, porque o SP obtém a residência em Portugal em 2021 e não em 2019 (antes do termo do regime de RNH que se encontrava suspenso); quanto ao segundo (o contribuinte só poderá ter acesso a aquisição de novo direito ao regime de RMH após cinco anos de residência no estrangeiro contados a partir do término do período em que lhe foi concedido (2019)) pura e simplesmente não tem qualquer respaldo legal. A lei, o que positiva, é a obrigatoriedade de não ter sido residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores. Mas não "contados a partir do término do período em que lhe foi concedido".

            Pensamos ser claro que o legislador fez depender, para efeitos da aplicação deste benefício fiscal, do preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 16.º, n.º 8, CIRS, e não de o pedido de cessação da suspensão do regime que preteritamente já lhe tinha sido atribuído ser efetuado dentro do período desse mesmo regime.

            Aliás, o teor da norma – art.16.º, 12, CIRS – é, a este propósito, esclarecedor, pois, a sua hipótese circunscreve-se apenas aos casos em que ao SP foi atribuído esse estatuto de RNH e que a retoma do gozo do mesmo ocorra dentro do período dos dez anos. Mas, nada refere quando esse período já terminou assim como não estabelece qualquer período intercalar mínimo entre o termo de um período de exceção e o início de um outro período, quando os requisitos se verificam.

            Além disso, tal como os dois requisitos estão definidos, como já referimos, o SP não pode usufruir de um continuum de estatuto de RNH, pois para o efeito, não pode residir fiscalmente em Portugal nos últimos cinco anos. Se usufruiu desse regime num primeiro período é porque residia fiscalmente em Portugal.

            Significa isto, então, que pretendendo o legislador atrair sujeitos passivos, tanto atrai os que não residiram em Portugal há mais de cinco anos como os que, tendo já cá tido residência, não usufruíram desse estatuto pois, entretanto, passaram a residir no estrangeiro. Para o legislador, tal como está positivado o disposto no art. 16.º, CIRS, isso é indiferente, pois o objetivo que materialmente se pretende atingir satisfaz-se em ambos os casos.

            Por outras palavras, não residir em Portugal desde 2012 a 2021 na prática isto significa que o Requerente não beneficiou de qualquer regime fiscal de exceção em Portugal. Suspender a inscrição como residente não habitual desde 2012 ou não residir em Portugal desde 2012, exigindo a lei que a pessoa não reside nos últimos cinco anos desde a data em que solicita a aplicação do regime é, materialmente, situação idêntica.

            Na mesma linha de entendimento parece-nos que vai Ricardo da Palma Borges e Pedro Ribeiro de Sousa, “O Novo Regime Fiscal dos Residentes Não Habituais”, ISG, Business & Economics School, p. 18, disponível em https://www.isg.pt/wp-content/uploads/2021/03/40_1_rborges_rna_f40.pdf,

            Embora considerando o enquadramento legal em vigor em 2010, os AA referem que "o direito ao regime de tributação dos residentes não habituais adquire-se, nos termos do n.º 7, “com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI”, e vigora por um prazo de dez anos, “renovável” nas palavras da lei.

            Esta referência à possibilidade de renovação do estatuto de residente não habitual decorrido o primeiro período de dez anos não pode, em nossa opinião, ser interpretada de forma contrária aos requisitos de acesso ao regime. Assim, para que haja “renovação” e, deste modo, volte a surgir na esfera de um sujeito passivo o direito a ser tributado como residente não habitual, será necessário um hiato de 5 anos de ausência de residência fiscal em Portugal. “Renovável”, na nossa leitura, equivale a “Usufruível mais do que uma vez, verificados os requisitos de acesso ao regime”, e não a “Extensível automaticamente no final do prazo, à margem dos requisitos de acesso ao regime”. A referência expressa a este carácter do regime apresenta-se aliás, a nosso ver, como redundante.

            Concluímos, pois, que a aplicação do regime dos residentes não habituais exige a verificação dos requisitos por parte do sujeito passivo na data em que solicita essa inscrição, independentemente de anteriormente lhe ter sido atribuído esse estatuto, desde que não tivesse usufruído dele, pois não se encontrava a residir fiscalmente em Portugal há mais de cinco anos além de que esse período pretérito já tinha atingido o seu termo..

            Portanto, o Requerente, apesar de ter visto o seu estatuto de RNH terminado em 2019, em 2021 cumpre os pressupostos legais para ser considerado como RNH, pois encontra-se fiscalmente residente em território português desde essa data e não residência fiscal em território português em qualquer dos cinco anos anteriores, conforme foi dado como assente dos factos provados.

            Desta forma, ao não ter aplicado ao Requerente o regime dos RNH, a liquidação de IRS melhor identificada é ilegal por erro nos pressupostos de facto e de direito, originando a sua anulação nos termos do art. 163.º, 1, CPA.

            Ainda, considerando conforme decidido a anulação da liquidação de IRS impugnada, deve ser o Requerente reembolsado do montante pago, de € 1.575,27, considerando o teor dos arts. 24.º, 1, b), RJAT e 100.º, LGT, de modo a restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da anulação ora decretada não tivesse sido praticado.

 

 

            C.2. Da tributação dos rendimentos considerando a qualificação das atividades

 

            Resumidamente, alega o SP que deve usufruir da tributação dos seus rendimentos a uma taxa de 20%, pois, beneficiando do regime de RNH, enquadra-se no disposto no o art. 72.º, 10, CIRS, já que auferiu rendimentos enquanto administrador, enquadrados na categoria A de rendimentos.

            Arrazoa que de acordo com a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, alterada em 2019 pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho, consideram-se de EVA as atividades correspondentes a uma série de Códigos da Classificação Portuguesa das Profissões, designadamente: «112 - Diretor-geral e gestor executivo, de empresas, 12 - Diretores de serviços administrativos e comerciais, 13 - Diretores de produção e de serviços especializados, 14 - Diretores de hotelaria, restauração, comércio e de outros serviços».

            De acordo com o Código da Classificação Portuguesa das Profissões, dentro da categoria 11 - Representantes do poder legislativo e de órgãos executivos, dirigentes superiores da Administração Pública, de organizações especializadas, directores e gestores de empresas, inclui-se a sub-categoria 1112 - Director geral e gestor executivo, de empresas, cuja descrição das respetivas funções é a seguinte:  «Planear, dirigir e coordenar as actividades da empresa; Rever operações e resultados da empresa e enviar relatórios ao conselho de  administração e direcção;  Determinar objectivos, estratégias, políticas e programas para a empresa;  Elaborar e gerir orçamentos, controlar despesas e assegurar a utilização eficiente  dos recursos; Monitorizar e avaliar o desempenho da empresa; Representar a empresa em encontros oficiais, reuniões do conselho de administração, convenções, conferências e outros encontros;  Seleccionar ou aprovar a admissão de quadros superiores da empresa; Assegurar que a empresa cumpre as leis e regulamentos em vigor

            Vem ainda descrito no mesmo Código de Classificação Portuguesa das Profissões, a respeito das funções de Diretor geral e gestor executivo de empresas: «Inclui, nomeadamente, presidente do conselho de administração [inclui Sociedades Anónimas Desportivas (SAD)], diretor geral executivo, administrador hospitalar, governador do Banco de Portugal, assim como vogais e equiparados (executivos e não executivos) que integram o conselho de administração das empresas ou organizações aqui incluídas.»

            Alega que são estas as tarefas levadas a cabo pelo Requerente, logo correspondem a uma profissão de elevado valor acrescentado, pelo que aos rendimentos líquidos da categoria A por si auferidos nesse ano em território português deve ser aplicada a taxa especial de 20% prevista no atual art. 72.º, 10, CIRS.

            Por sua vez, a AT admite que, face à declaração junta pela START, o sujeito passivo exerce funções de administrador e presidente da comissão executiva e que, na estrutura interna da sociedade, qualifica-se como diretor-geral e gestor executivo da empresa, conforme contrato celebrado a 8 de março de 2022, pelo que são asserções subsumíveis ao código 112 — Diretor -geral e gestor executivo, de empresas, da Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho.

            Vejamos.

            Com efeito, sem grandes delongas, importa dar razão ao Requerente.

            Como resulta dos factos dados por provados, o Requerente é administrador da B..., SA, e é qualificado como diretor-geral e gestor executivo, de empresas, integrando, por referência à Classificação Portuguesa de Profissões, o Grande Grupo 1, Sub-Grande Grupo 12, Sub-Grupo 112, Grupo Base 1120.

             Atentas às funções que desempenha, considerando a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, alterada pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho, e o Código da Classificação Portuguesa das Profissões, o Requerente tem direito a ver tributados os seus rendimentos da categoria A de acordo com o disposto no art. 72.º, 10, CIRS.

 

 

             C.3. Juros indemnizatórios

 

            Quanto aos juros peticionados, dado que a AT emitiu a liquidação impugnadas por sua iniciativa com a ilegalidade verificada, é-lhe imputável tal situação, pelo que, nos termos do art. 43.º, 1, LGT, assiste aos Requerentes o direito a juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento até integral reembolso da quantia paga, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, 4, e 35.º, 10, LGT.

            Além disso, aplicando-se a taxa especial de 20% prevista no atual art. 72.º, 10, CIRS, ao rendimento da categoria A auferido pelo Requerente, e apurando-se valor a restituir, que melhor se liquidará, deve sobre ele calcularem-se juros indemnizatórios à taxa legal supletiva desde a data em que foi emitida a demonstração de liquidação agora anulada, tudo nos termos do preceituado supra.

 

 

* * *

 

            IV — DECISÃO

 

            Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

            a) julgar improcedente as exceções invocadas e procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular a liquidação de IRS respeitante ao período tributário de 2022, com as legais consequências;

            b) condenar a Requerida na restituição do total do montante indevidamente pago pelo Requerente, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento até integral reembolso, bem como em emitir nova liquidação do imposto relativo ao período fiscal de 2022 e, apurando-se valor a restituir, que sobre ele incidam juros indemnizatórios à taxa legal supletiva desde a data da liquidação ora anulada;

b) Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

            V — Valor do processo

       Fixa-se o valor do processo em € 46.265,69, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

            VI — Custas

 

       Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 € nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto no artigo 22.º, 4, RJAT.

 

Notifique-se.

Bom Sucesso,

25 de setembro de 2024

 

O Árbitro Singular

 

(Ricardo Marques Candeias)