SUMÁRIO:
I – “O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um organismo de investimento coletivo residente estão isentos dessa retenção”.
A árbitro Filipa Barros designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
A..., fundo de investimento constituído ao abrigo da Lei dos Estados Unidos da América (doravante "Requerente"), com sede em ..., ..., Estados Unidos da América, com o número de contribuinte fiscal americano ... e com número de contribuinte fiscal português ..., representado pela sua entidade gestora B..., sociedade de direito americano, com sede em ..., ..., ..., Estado Unidos da América, com número de contribuinte fiscal americano ..., vem na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida a 26 de Abril de 2023, contra os atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) de 2021, consubstanciadas nas guias n.º..., n.º ..., n.º ..., dos períodos de abril, maio e setembro de 2021, que incidiram sobre os dividendos auferidos em território nacional, nos termos do disposto nos artigos 2.º n.º 1, alínea a) , 5.º n.º 3 alínea a), 6.º n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da referida decisão de indeferimento tácito e dos atos tributários de retenção na fonte respeitantes a IRC de 2021 supra identificados.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Autoridade Tributária” ou “AT").
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 6 de fevereiro de 2024.
O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitro a signatária desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 17 de janeiro de 2024, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral encontra-se, desde 6 de fevereiro de 2024, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 13 de março de 2024.
Por despacho de 20 de março de 2024, o Tribunal Arbitral decidiu dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, salvo oposição das partes manifestada no prazo de cinco dias, tendo concedido a faculdade para produzirem alegações escritas, no prazo de dez dias, com caráter simultâneo, cuja contagem se inicia após o decurso do referido prazo de cinco dias.
Determinou-se que a prolação da decisão arbitral ocorrerá até à data limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, devendo o Requerente proceder previamente ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
Requerente e Requerida apresentaram alegações escritas reiterando as posições defendidas nos respetivos articulados.
O Requerente apresentou um total de 5 documentos, 4 com o Pedido de Pronúncia Arbitral, tendo protestado juntar 1 documento adicional, facto que teve lugar em sede de alegações.
Em 15 de julho de 2024, o Tribunal Arbitral, em obediência ao princípio do contraditório, concedeu à AT o prazo de 10 dias para, querendo, examinar e pronunciar-se sobre o documento junto aos autos pelo Requerente.
Por despacho de 04 de agosto de 2024, o Tribunal Arbitral notificou as partes da prorrogação do prazo da arbitragem por 2 meses, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, atento o facto do n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, incluir períodos de férias judiciais, e que o prazo concedido à Requerida coincidir com o período de férias judiciais.
Relativamente ao despacho proferido pelo Tribunal Arbitral em 15 de julho de 2024, a AT optou por não exercer o seu direito ao contraditório.
Foi fixada como data limite para a prolação da decisão arbitral o dia 06 de outubro de 2024.
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DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
II.1 Posição da Requerente
O Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:
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O Requerente é um fundo de investimento mobiliário constituído e a operar de acordo com o direito norte-americano, sendo em 2021 residente, para efeitos fiscais, naquele território.
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O objetivo do Requerente consiste na captação de capital junto de investidores que depois investe em ações sendo o risco das perdas partilhado entre os investidores, tendo, por conseguinte, as características de um Organismo de Investimento Coletivo (doravante OIC). Assim, o Requerente investiu em participações sociais de sociedades com sede em Portugal e auferiu dividendos da sua participação no capital social daquelas sociedades.
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Os dividendos auferidos pelo Requerente foram objeto de retenção na fonte a título definitivo à taxa de 15% (cf. artigo 94.º do Código do IRC e artigo 10.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre o Estado Português e os Estados Unidos da América, (doravante EUA)), num total de €20.599,53.
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O Requerente alega que não deduziu nos EUA, Estado da residência, o imposto retido na fonte em Portugal, pois sendo qualificado pelo direito Norte-Americano como um Regulated Investment Company (doravante RIC), a tributação dos ganhos obtidos ocorre na esfera dos participantes, não sendo possível ao Requerente deduzir um eventual crédito por imposto suportado no estrangeiro, razão pela qual o imposto suportado em Portugal não foi recuperado.
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No entanto, tais dividendos, se auferidos por um OIC constituído e a operar de acordo com a legislação nacional estariam excluídos de tributação nos termos do artigo 22.º n.º 3 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
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Com efeito, o regime introduzido pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, apenas é aplicável a fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, nos termos do artigo 22.º n.º 1 do EBF.
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Por conseguinte, tais dividendos, se auferidos por um OIC constituído e a operar de acordo com a legislação nacional estariam excluídos de tributação nos termos do artigo 22.º n.º 3 do EBF. No entanto, os rendimentos de capitais, rendimentos prediais e mais-valias auferidos em território nacional por fundos de investimento ou sociedades de investimento que não tenham sido constituídos nem operem de acordo com a legislação nacional, e por essa razão sejam não residentes, não estão excluídos de tributação.
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Não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os dividendos auferidos em Portugal, no dia 26 de abril de 2023, o Requerente apresentou Reclamação Graciosa das liquidações de IRC referentes ao ano de 2021, tendo-se formado a presunção de indeferimento tácito por ausência de pronúncia, no dia 28 de agosto de 2023.
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Em defesa da ilegalidade das liquidações de IRC, sustenta o Requerente existir um tratamento discriminatório conferido a fundos de investimento mobiliário não residentes quando comparados com fundos de investimento mobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, em circunstâncias análogas, uma vez que o n.º 3 do artigo 22.º do EBF desonera de tributação em sede de IRC o segundos, residentes em Portugal, relativamente a um conjunto de rendimentos obtidos em território nacional, incluindo dividendos, não sucedendo o mesmo com fundos de investimento mobiliário não residentes que não beneficiam da aplicação do regime ínsito no artigo 22.º do EBF.
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Assim, defende que o regime do artigo 22.º do EBF consubstancia uma discriminação injustificada em razão da residência do fundo, contrária ao princípio da livre circulação de capitais ínsito no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ("TFUE") e, consequentemente, ao princípio do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa ("CRP").
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A tese do Requerente encontra-se apoiada na jurisprudência do TJUE, invocando entre outros, a que resultou do acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, processo C-545/19, de 17.03.2022, a qual tem vindo a ser sucessivamente reafirmada por inúmeras decisões arbitrais.
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Conclui o Requerente que, inexistindo quaisquer argumentos que possam justificar o tratamento discriminatório, o artigo 22.º n.ºs 1, 3 e 10 do EBF comporta uma restrição injustificada à livre circulação de capitais violando o artigo 63.º n.º 1 do TFUE e, bem assim o artigo 8.º, n.º 4 da CRP, pugnando pela ilegalidade dos mencionados atos tributários, bem como do ato decisório silente que sobre eles recaiu.
II.2. Posição da Requerida
Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
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O Requerente entende que as liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas são ilegais, atenta a discriminação injustificada entre fundos mobiliários residentes e não residentes em Portugal, operada por via do artigo 22º, nºs 1, 3 e 10, do EBF, em violação da livre circulação de capitais, prevista no artigo 63º do TFUE e, consequentemente do primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Interno, consagrado no artigo 8º, nº 4, da CRP.
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A título prévio, defende a AT, que sendo o Requerente um organismo de investimento coletivo e um sujeito passivo não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável, deverá o peticionado ser julgado improcedente.
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Com efeito, e recorrendo ao Acórdão Schumacker (processo C-279/03), o direito internacional admite que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal.
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Importa referir que a situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável e que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas.
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Atendendo a que é o Estado de residência que dispõe de toda a informação necessária para aferir um correto enquadramento contributivo e da sua capacidade contributiva global, a situação de um residente é, com certeza, distinta da de um não residente.
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Deste modo, tem o TJUE entendido que o facto de determinado Estado-membro não conceder a não residentes certos benefícios fiscais que concede a residentes, apenas pode ser discriminativo, na medida em que residentes e não residentes não se encontram numa situação comparável.
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No mesmo sentido, está o Acórdão Truck Center (C-282/07, de 22-12-2008), “cuja conclusão foi a de que sujeitos passivos residentes e não residentes não se encontram numa situação objetivamente comparável”.
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Pode assim dizer-se que, o princípio da não discriminação atende à necessidade de conferir tratamento igual ao que é igual e diferente àquilo que é diferente, na medida dessa diferença.
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De facto, resulta da jurisprudência do TJUE que determinada norma ou prática pode ser discriminatória, entrando em conflito com o Direito Comunitário, se não for objetivamente justificada.
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Ora, no caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português.
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Veja-se, aliás, que nos Acórdãos Bachman (C-204/90) e Comissão/Bélgica (C-300/90), e embora essa jurisprudência tenha sido objeto de aperfeiçoamento em decisões mais recentes, um tratamento discriminatório de entidades não residentes foi permitido pela razão de interesse geral e a coerência do sistema fiscal nacional.
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Ainda no Acórdão Marks & Spencer (C-446/03), o TJUE concluiu que a residência pode constituir um fator justificador das normas fiscais que implicam uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes e não residentes.
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Aliás, o TFUE refere expressamente que “a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros (art. 63º, nº 1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido” [art. 65º, nº 1, alínea a), do TFUE] ”(Acordão do STA 01435/12, de 20/02/2013).
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Contudo, paralela a esta opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC.
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Ou seja, optou-se por uma tributação na esfera do Imposto do Selo tendo sido aditada, à TGIS, a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos.
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Esta reforma na tributação veio apenas a incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.
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Por outro lado, está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º, do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
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Por isso, no presente caso, não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente.
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E ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores.
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Ou seja, a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir, em nossa opinião, por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois como se viu, embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros Estados Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.
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E não sendo as situações comparáveis parece difícil de aceitar o argumento do Requerente de que a legislação nacional e particularmente o artigo 22.º do EBF está em desconformidade e contrariaria o disposto no TFUE, nomeadamente, quanto à liberdade de circulação de capitais, tendo em apreço a proibição geral de discriminação face a uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do referido TFUE.
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Conforme antedito, não compete à Administração Tributária avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, não podendo aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.
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A AT, como qualquer órgão da Administração Pública, encontra-se estritamente vinculada ao cumprimento da lei, de acordo com o artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável subsidiariamente às relações jurídico-tributárias [ex vi do artigo 2.º alínea c) da LGT.
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Ora, encontra-se consagrada no artigo 63.º do TFUE, a liberdade de circulação de capitais estabelece uma íntima relação com as demais liberdades fundamentais, a saber, de circulação de pessoas, de estabelecimento e de prestação de serviços, diferenciando-se delas na medida em que se estende a terceiros Estados.
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A liberdade de circulação de capitais implica a proibição de discriminação entre capitais do Estado-Membro e capitais provenientes de fora.
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Quando se trata de densificar conceitualmente o âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais observa-se a inexistência de uma definição deste conceito.
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Por este motivo, o TJUE tem sucessivamente acolhido e sublinhado o valor enumerativo e indicativo, mas não exaustivo, da Diretiva n.º 88/361/CEE, incluindo o respetivo Anexo I, nomeadamente o número IV, onde se subsumem ao conceito uma vasta constelação de operações e transações transfronteiriças sobre certificados de participação em organismos de investimento coletivo, em que se incluem os relevantes in casu.
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Com efeito, a distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal ao ora Requerente é passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE e da própria Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho de 1988.
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Devem ser salientados, porque se revestem de grande relevância hermenêutica e metódica, pelo menos quatro aspetos fundamentais de regime jurídico.
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O primeiro diz respeito à aplicabilidade direta do artigo 63.º TFUE e da inerente proibição de restrições injustificadas da liberdade de circulação de capitais.
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O segundo refere-se ao facto de as liberdades fundamentais do mercado interno terem como principais destinatários os Estados-Membros, que devem abster-se de adotar medidas legislativas, administrativas e jurisdicionais de restrição das mesmas.
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O terceiro aspeto prende-se com a relação de complementaridade – e por vezes de sobreposição – que a liberdade de circulação de capitais estabelece com as liberdades de circulação de mercadorias e de pessoas, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços.
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O quarto aspeto tem que ver com o reforço progressivo da importância da liberdade de circulação de capitais no mercado interno, especialmente a partir da criação da União Económica e Monetária (UEM).
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Um dos principais objetivos da UEM consiste, precisamente, em facilitar a livre transferência de capital entre os Estados-Membros no quadro do mercado interno e das relações económicas e financeiras com Estados terceiros.
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A verdade é que o Requerente não esclareceu/provou (apenas alegou) se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera do próprio Requerente ou dos investidores.
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Assim, contrariamente ao afirmado pelo Requerente, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.
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Pois bem, o Requerente insiste na ideia de que a AT deveria aplicar a norma jurídica do artigo 63.º do TFUE em conformidade com as interpretações do TJUE proferidas até à presente data, todavia, isso equivale a remeter para a doutrina dos acórdãos que só pode ser entendida atendendo às circunstâncias dos casos concretos submetidos àquele Tribunal.
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E a prova é a de que o intérprete só pode vincular-se às decisões do TJUE, quando delas resultem orientações claras, precisas e inequívocas e que tenham resultado da apreciação da conformidade com o Tratado de realidades factuais e normativas idênticas, o que não sucede com as realidades subjacentes aos acórdãos relativos a processos que envolvem fundos de investimento.
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Ora, com o devido respeito, a jurisprudência do TJUE não autoriza o intérprete a extrair a conclusão, em abstrato, de que a mera existência de uma retenção na fonte de IRC incidindo apenas sobre os dividendos pagos por uma sociedade residente a um Fundo de Investimento estabelecido noutro Estado-Membro constitui por si só uma restrição à livre circulação dos fluxos de capital no espaço europeu, sem que seja feita uma apreciação global do regime fiscal aplicável aos Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos em Portugal.
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Para efeitos de averiguar, em concreto, se as situações objetivas dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e dos Fundos de investimento estabelecidos noutros Estados são comparáveis, no tocante à tributação dos dividendos distribuídos por uma sociedade residente, necessário se torna comparar a carga fiscal que onera uns e outros em relação ao mesmo tipo de investimentos, indo para além da consideração estrita das regras de retenção na fonte, sendo arriscado e prematuro retirar conclusões gerais que são dirigidas a responder a casos concreto, concluindo a AT pela legalidade dos atos de retenção na fonte, em sede de IRC, ora sindicados.
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SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.
IV. FUNDAMENTAÇÃO
IV.1 – Matéria de Facto - factos dados como provados
Com interesse para a decisão dão-se por provados os seguintes factos:
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O Requerente é um fundo de investimento constituído e a operar de acordo com o direito norte-americano, como resulta de cópia do prospeto que se junta, dando-se por integralmente reproduzido – cf. doc. n.º 2.
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O Requerente reúne capital de investidores que, por sua vez, investe em ações de sociedades que apresentem potencial de valorização e crescimento - cf. doc. n.º 2.
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A gestão e administração do Requerente é levada a cabo pela entidade gestora, B..., sociedade de direito americano, com número de contribuinte fiscal americano ..., a qual atua em nome de por conta do fundo, - cf. doc. n.º 2.
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No ano de 2021 o Requerente era residente, para efeitos fiscais, nos Estados Unidos da América, conforme certificado de residência que se junta para os devidos efeitos - cf. doc. n.º 3.
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O Requerente investiu em participações sociais de sociedades com sede em Portugal, - cf. doc. n.º 4.
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No ano de 2021, o Requerente auferiu dividendos da sua participação no capital social daquelas sociedades, conforme se extrai dos comprovativos de distribuição, que juntam para os devidos efeitos legais – cf. doc. n.º 4.
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Os dividendos auferidos pelo Requerente foram objeto de retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 15% (cf. artigo 94.º do Código do IRC e artigo 10.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre o Estado Português e os Estados Unidos da América), conforme se discrimina na tabela infra:
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O Requerente não deduziu nos EUA, Estado da residência, o imposto retido na fonte em Portugal, conforme se extrai de cópia da declaração de rendimentos referente ao exercício de 2021 (Schedule J) submetida nos EUA, que se reproduz infra, na parte relevante para os autos – cf. doc. n.º 5.
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Na declaração de rendimentos referente ao exercício de 2021 submetida nos EUA pelo Requerente, os campos referentes ao imposto retido na fonte no estrangeiro (Schedule J) encontram-se preenchidos sem qualquer valor, contendo a indicação “NONE” – cf. doc. n.º 5.
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O Requerente é qualificado para efeitos fiscais pelo direito norte-americano como um “Regulated Investment Company (RIC)”, conforme se extrai da primeira página da declaração de rendimentos - cf. doc. n.º 5.
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De acordo com o subcapítulo M do Internal Revenue Code a tributação dos ganhos obtidos pelos RIC ocorre na esfera dos participantes - cf. https://www.law.cornell.edu/uscode/text/26/subtitle-A/chapter-1/subchapter-M/part-I
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Pelos investimentos em valores mobiliários realizados em território português, o Fundo obteve dividendos brutos no montante total de €137 330,19, os quais foram sujeitos a retenção na fonte à taxa de 15%, a título definitivo, sem possibilidade de neutralização nos EUA – cf. docs. n.ºs 2 a 5;
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Foram entregues pelo substituto tributário C..., com o NIPC ..., as guias de retenção na fonte com os n.ºs ... (2021-04), ... (2021-05), e pelo substituto tributário D..., com NIPC ..., a guia de retenção na fonte com o n.º ... (2021-09) - cf. Processo Administrativo;
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Em face ao regime legal e fiscal a que se encontra sujeito no Estado da residência, o Requerente não pode deduzir qualquer crédito por imposto suportado no estrangeiro, seja ao abrigo do CDT Portugal/ EUA, seja ao abrigo da lei interna daquele País, razão pela qual o imposto suportado em Portugal não foi recuperado no Estado da residência - cf. doc. n.º 5.
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O Requerente deduziu Reclamação Graciosa a 26 de abril de 2023, junto da Direção de Serviços de Consultoria Jurídica e Contencioso, não tendo sido, até ao momento, notificada de qualquer decisão sobre a mesmo proferida. - cf. Processo Administrativo, o qual se dá por integralmente reproduzido.
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Perante a formação do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa em 28 de agosto de 2023, o Requerente apresentou no CAAD, em 24 de novembro de 2023, o presente Pedido de Pronúncia Arbitral.
IV.2 - Factos não provados
Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação das exceções e do mérito da causa foram considerados provados.
IV.3 – Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
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MATÉRIA DE DIREITO – Enquadramento do Thema Decidendum
A questão controvertida nos presentes autos respeita à compatibilidade com o direito da União Europeia, e com o Direito Constitucional, especificamente com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, do regime de tributação diferenciado instituído pelo artigo 22.º do EBF, nos seus n.ºs 1, 3 e 10, que isenta de IRC os dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, e sujeita a retenção na fonte à taxa de 15% os mesmos rendimentos quando recebidos por OIC constituídos num Estado terceiro, in casu, nos EUA.
De facto, o artigo 22.º, n.º 10 do EBF em conjugação como o n.º 1 do mesmo artigo, não dispensa de retenção na fonte a título definitivo os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC residentes noutros Estados, enquanto o n.º 3 dispensa essa retenção quando esses dividendos sejam distribuídos a OIC que atuem e operem de acordo com a legislação nacional.
Ora, o artigo 63.º do TFUE proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados Membros da União Europeia ou entre estes e países terceiros, sendo que, tal como reconhece a Requerida, a distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal a sociedades não residentes - como é o caso do ora Requerente - é passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção do referido normativo convencional.
Ocorrendo um tratamento diferenciado, prejudicial para o Requerente enquanto OIC não residente, constata-se uma contrariedade inequívoca do disposto no artigo 63.º TFUE, na medida em que é suscetível de dissuadir os não residente de investir num Estado-Membro (cf. ac. 21.6.2018, Fidelity Funds, proc.º C-480/16, n.os 40 e 44; ac. 10.5.2012, Santander Asset Management SGIIC, proc.os C‑338/11 a C‑347/11, n.º 15; ac 25.1.2007, Festersen, proc.º C‑370/05, n.° 24; ac. 18.12.2007, A, proc.º C‑101/05, n.° 40 e ac. 10.2.2011, Haribo Lakritzen Hans Riegele Österreichische Salinen, proc.os C‑436/08 e C‑437/08, n.° 50).
De facto, na situação em apreço – tal como acontecia na situação apreciada pelo TJUE no ac. Fidelity Funds, referido no parágrafo anterior – [a]o fazer uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OICVM não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção de tal retenção na fonte, a regulamentação nacional em causa nos processos principais procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes (n.º 43 do referido acórdão).
Constatando-se a existência de uma restrição, importa conferir se essa mesma restrição é justificável nos termos do artigo 65.º, n.º 1, alínea a) do TFUE, que afirma que o disposto no artigo 63.º do TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em situação idêntica no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
O Requerente entende que não e explica-o detalhadamente, socorrendo-se de inúmeras referências bibliográficas e jurisprudenciais. Tão extensa é a explicação, que, sem prejuízo de se acolherem os argumentos ali vertidos, nos vemos obrigados a evitar segui-la com caráter exaustivo, sob pena de prolongarmos a análise para lá do necessário.
A Requerida entende que sim – que se trata, portanto, de uma situação integrável no regime excecional do artigo 65.º, n.º 1, alínea a) do TFUE.
Explica, no essencial, que as situações – dos OIC residentes e não residentes – não são comparáveis, já que, em relação ao regime aplicável aos primeiros, o legislador revela opções legislativas específicas que aliviam a tributação em IRC e derrama, estadual e municipal, deslocando-a para o imposto de selo, ao passo que em relação aos últimos (os não residentes) preferiu optar por uma retenção na fonte em sede de IRC.
A argumentação da Requerida, neste ponto, não colhe.
Desde logo porque, constituindo o artigo 65.º, n.º 1, alínea a) do TFUE uma exceção à regra geral da proibição das restrições à livre circulação de capitais fixada no artigo 63.º do mesmo tratado, ele é necessariamente de interpretação estrita, não podendo assumir-se que toda a distinção em função da residência seja automaticamente compatível (ac. 17.9.2015, Miljoen, proc.os C-10/14, C-14/14 e C-17/14, n.º 63; ac. 17.10.2013, Welte, proc.º C‑181/12, n.os 42, 43; ac, 17.1.2008, Jäger, proc.º C‑256/06, n.° 40; ac. 11.9.2008 , Eckelkamp e o., proc. C-11/07, n.° 57; ac. 11.9.2008, Arens‑Sikken, proc.º C-43/07, n.° 51; ac. 22.4.2010, Mattner, proc.º C-510/08, n.° 32).
Ora, o facto de reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter uma isenção da retenção na fonte não é justificado por uma diferença de situação objetiva entre esses OIC e os não residentes, pelo que tal restrição apenas pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, se for adequada para garantir a realização do objetivo por ela prosseguido e se não for além do que é necessário para o alcançar (ac. Fidelity Funds, cit., n.ºs 63 e 64; ac. de24. 11.2016, SECIL, proc.º C‑464/14, n.º 56).
Nada disso é invocado ou explicado pela Requerida, que se limita a explicar a existência de regimes diferentes, não justificando essa diferença, e parecendo querer encontrar uma equivalência entre ambos.
Chegando mesmo a afirmar que a aplicação do imposto de selo, conjugada com a eventual aplicação do regime previsto no artigo 88.º CIRC, pode, em certos casos, exceder os 23% (o que ultrapassaria a taxa de 15% de retenção na fonte aplicada aos OIC não residentes).
O argumento não colhe, porque aponta apenas a situações limite (em especial o caso da tributação autónoma de 23%, a qual ocorre apenas quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período). Ora, a comparação não pode naturalmente fazer-se através de situações limite. E, por outro lado, o argumento cai por força dos factos, já que pretende afirmar um regime mais vantajoso para os OIC não residentes, o qual, se existisse, não justificaria o pedido da Requerente.
A par desse argumento, a Requerida afirma (ou pretende concluir) que as situações não são comparáveis. Também esta pretensão não colhe.
De facto, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de maneira unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que recebem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes (ac, Fidelity Funds, cit., n.º 54; ac. 25.10.2012, Comissão/Bélgica, proc.º C‑387/11, n.º 49; ac. 20.10.2011, Comissão/Alemanha, proc.º C-284/09, n.º 56), o que implica a comparabilidade.
Invoca ainda a Requerida o facto de o imposto retido ao Requerente poder eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera do Requerente, bem como na esfera dos investidores, sendo que esta última questão o Requerente não esclareceu.
A demonstração de que o Requerente não poderia obter um crédito de imposto dedutível no país da sua residência ficou provada documentalmente. Porém, a Requerida acrescenta que essa dedutibilidade poderá, todavia, surgir na esfera dos investidores, pelo que, no seu entender, deveria o Requerente demonstrar o contrário.
Sobre esta matéria bastará voltarmos, de novo, ao citado ac. Fidelity Funds, que, numa situação idêntica e face a esse mesmo argumento, esclarece que, se o objetivo da regulamentação em causa é deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, então serão, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes, e não a técnica de tributação utilizada. Assim, a impossibilidade de tributar os participantes não residentes sobre os dividendos distribuídos pelos OIC não residentes deve ser assumida por coerência com a lógica da deslocação do nível de tributação do veículo para o acionista (n.ºs 60 e 62).
Não tem, portanto, cabimento, a exigência da AT de que o Requerente teria de demonstrar a inexistência de um eventual crédito de imposto de que pudessem ser beneficiários os acionistas, até porque essa prova sempre seria impossível de produzir, na medida em que sendo o número destes indeterminado, podem, além disso, residir em qualquer ponto do planeta.
Em sede de Alegações vem a AT defender que o documento junto aos autos como documento n.º 5, que o Requerente havia protestado juntar com a sua PI, não permite demonstrar que “O Requerente não deduziu nos EUA, Estado da residência, o imposto retido na fonte em Portugal, conforme se extrai de cópia da declaração de rendimentos referente ao exercício de 2021 (Schedule J) que se protesta juntar como documento n.º 5”.
Prossegue a Requerida argumentando que se trata de um “ mero documento particular, referente ao preenchimento de uma declaração, não constando, do mesmo, qualquer validação da respectiva Autoridade Fiscal a certificar a sua efectiva recepção, o que, de todo o modo, não substituiria uma declaração emitida pela própria Autoridade Fiscal competente para atestar o alegado pelo Requerente” pelo que, a prova do alegado pelo Requerente teria de ser feita por “uma certidão emitida pela Autoridade Fiscal competente”.
Refere, adicionalmente, que sendo um documento redigido em língua estrangeira, pode oferecer dúvidas quanto ao seu teor, o qual por ser de elevada complexidade, impede o pleno exercício do direito ao contraditório.
Discordamos do mencionado entendimento.
O documento do n.º 5 junto aos autos pelo Requerente em sede de alegações mais não é do que a declaração de imposto sobre o rendimento apresentado pelo Requerente no país da residência, i.e. nos EUA, conforme consta do respetivo cabeçalho, “U.S. Income Tax Return for regulated Investment Companies”. O documento contém um número de referência e encontra-se assinado pelo Auditor do Requerente.
Em momento algum o legislador impõe a necessidade de se apresentar uma declaração ad hoc emitida pela autoridade fiscal competente. Acresce referir que nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da LGT, as declarações dos contribuintes beneficiam da presunção de veracidade. Note-se que a consagração legal de tal presunção, em benefício dos contribuintes, justifica-se no sentido em que, à partida, não estarão em igualdade de posição como parte ativa da relação jurídico-tributária em matéria de reunião de informação pertinente, por força da qual, desde que apresentadas nos termos previstos na lei, as declarações dos contribuintes se presumem verdadeiras e de boa fé, ainda que tais declarações devam ser compatibilizadas, como bem se compreende, com o princípio da verificação.
Assim, a presunção será afastada desde logo em circunstâncias determinadas, previstas expressamente pelo legislador no n.º 2 do artigo 75.º da LGT como, ademais, a mesma há-de operar sem perder de vista a, sempre pretendida, verdade material. “Sem prejuízo, como é evidente, do controlo pela administração e das excepções legais.”[2] Ora, a este respeito, a declaração do Requerente, consubstanciada na documentação apresentada nos autos, beneficia da presunção legal de veracidade. Porém, só até prova em contrário. Pois que a presunção de veracidade das declarações tem como pressuposto de aplicação efetiva o princípio da verificação, o qual constitui consequência direta do princípio da justiça na distribuição dos encargos tributários.[3]
Dispõe o artigo 59.º, n.º 2 do CPPT, no que aos autos releva, que o apuramento da matéria tributável se faz com base nas declarações dos contribuintes desde que apresentadas nos termos previstos na lei e desde que os contribuintes “forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária.” Dispondo, por sua vez, o artigo 75.º, n.º 1 da LGT (como vimos), que tais declarações - apresentadas nos termos previstos na lei - se presumem verdadeiras e de boa-fé.
Ora, a prova do direito que o Requerente invoca encontra-se cabalmente feita nos autos. Ademais, os elementos apresentados são passíveis de fácil verificação por parte da AT, a qual notificada para exercer o contraditório, optou por não o fazer.[4]
Por outro lado, não colhe, para o efeito, a necessidade de tradução da declaração de imposto sobre os rendimentos do fundo, oferecida nos autos em língua inglesa, conforme invocado pela AT. Note-se que não consta qualquer valor de imposto no quadro relevante relativo ao “foreign tax credit” (Schedule J), – referente a imposto pago/retido no estrangeiro que irá ser tido em conta a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional nos EUA. Ademais, a informação constante do Schedule J, pode equiparar-se à que resulta das declarações de rendimentos do ordenamento jurídico português, por conseguinte, afigura-se de fácil compreensão para o fim a que se destina, encontra-se redigido numa das línguas habitualmente compreendidas pelos portugueses e considera-se estar ao alcance interpretativo dos destinatários a quem se dirige, motivos bastantes para se afastar a necessidade de tradução, nos termos n.º 1 do artigo 134.º do CPC.
Em abono da sua tese, a Requerida invoca ainda uma decisão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), no âmbito do Processo n.º 0654/13, de 27 de Novembro onde ser referiu que “Resulta da jurisprudência comunitária que embora da legislação nacional decorra, em abstracto, uma restrição à livre circulação de capitais não consentida pelo art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia (actual art. 63º TFUE), importa averiguar se essa restrição, consubstanciada em maior tributação de entidade não residente, será neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.”
Porém, analisada a decisão em causa, dir-se-á que, no caso concreto, o Requerente invocou e demonstrou, de forma bastante, a impossibilidade de dedução do imposto e de consequente neutralização (no caso, nos EUA) porquanto, o Acórdão do STA poderia mesmo ser invocado como argumento a contrario sensu, ou seja, em benefício do Requerente.
Não colhe, portanto, genericamente, a argumentação da Requerida.
E constatando-se que o regime aplicado envolve um tratamento discriminatório violador do artigo 63.º do TFUE, não justificável à luz do art.º 65.º, n.º 1, alínea a) do mesmo tratado, tem de considerar-se que o mesmo regime deve ser desaplicado, por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, já que, sendo o Direito da União aplicado nos termos definidos por ele mesmo, o princípio do primado (cf. Declaração 17 anexa ao TFUE) impõe essa solução.
V. 1 - Juros indemnizatórios
O Requerente pede que, havendo provimento do pedido, seja a AT condenada no pagamento de juros indemnizatórios, o que a Requerida impugna, por considerar que devem ser mantidos na ordem jurídica os atos de retenção na fonte, não havendo lugar, consequentemente, ao direito a juros indemnizatórios, à face do preceituado no artigo 43.º da LGT.
Não colhe, novamente, a argumentação da Requerida.
O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT. Ora, no caso destes autos, é manifesto que, quanto às liquidações que, pelo acima exposto, se considera estarem feridas de ilegalidade, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das disposições dos artigos 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que a ora Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
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DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral:
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Declarar a ilegalidade e determinar a anulação das liquidações de IRC – consubstanciadas nos atos de retenção na fonte –, referentes ao ano de 2021 peticionadas, bem como da decisão tácita de indeferimento da reclamação graciosa relativa às mesmas liquidações;
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição ao Requerente da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, a calcular nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.
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Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 20.599.53, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
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Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 1.224,00, a pagar pela Requerida, uma vez que houve total procedência do pedido, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 26 de setembro de 2024
A Árbitro,
(Filipa Barros)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[2] José Maria Fernandes Pires e outros, in LGT Comentada e Anotada, Almedina, 2015, p. 820
[3] Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, 2007, p. 243
[4] Vide no mesmo sentido, decisão arbitral proferida no Processo n.º 772/2019-T de 9 de Novembro de 2020.