Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 51/2024-T
Data da decisão: 2024-09-13  IRC IVA  
Valor do pedido: € 17.551,48
Tema: IVA e IRC - Direito à Dedução; Consequências resultantes do incumprimento de requisitos formais impostos pela alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA e dos n.ºs 3 e 4 do art.º 23.º do IRC.
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DECISÃO ARBITRAL

SUMÁRIO:

A emissão de facturas em desrespeito pelo disposto na alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, consubstancia uma clara situação de facturação emitida em desrespeito pelos requisitos formais impostos pelo CIVA;

Mostrando-se garantido estar na disponibilidade da AT controlar os requisitos de ordem material para o exercício do direito à dedução e desde que verificados esses requisitos materiais, não pode aquela eleger como consequência decorrente da falta de cumprimento de algum ou de alguns dos requisitos formais previstos no n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, a desconsideração liminar do direito à dedução do IVA inscrito nos respectivos documentos de facturação;

Como também não pode, em face da remissão prevista no n.º 6 do art.º 23.º do CIRC, desconsiderar liminarmente o custo para efeitos de IRC, fazendo-o acrescer ao lucro tributável do período.

 

I. RELATÓRIO:

 

  1. A..., S.A.,  NIPC ..., com sede na ..., ... a..., ...-... RIO MAIOR, apresentou, em 10.1.2024, pelas 19:00 horas, pedido de pronúncia arbitral, invocando o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e o artigo 10.º e seguinte, todos, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que consagra o Regime Jurídico da Arbitragem em matéria tributária (RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
  2. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 6º e alínea a) do n.º 1 do art.º 11º ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  3. Em 29.2.2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.
  4. Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 19.3.2024 para apreciar e decidir o objecto do processo.
  5. Em 30.4.2024, a Requerida apresentou Resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação, procedendo à  junção do Processo Administrativo a que se refere o no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2021, de 20 de Janeiro, doravante PA.
  6. Em 29.5.2024, foi proferido e inserido no Sistema de Gestão processual do CAAD (doravante SGP) o seguinte despacho: “Considerando que: - Face aos articulados apresentados pelas partes e à prova documental já coligida e adquirida para os autos, afigura-se que as questões a apreciar e decidir se reconduzirão, fundamentalmente, a questões de direito; - Só foi apresentada prova testemunhal pela Requerente, não tendo sido requerida a produção de qualquer prova adicional por parte de Requerida, sendo que, aliás, no artigo 119 da Resposta, aquela sustenta a falta de idoneidade da prova testemunhal para a demonstração da factualidade relevante nos autos, sugerindo ainda seja a Requerente notificada no sentido de esclarecer os factos sobre os quais pretende sejam as mesmas inquiridas por forma a avaliar-se da utilidade da diligência;  DECIDE-SE, em respeito pelo princípio do contraditório (alínea a) do art.º 16.º do RJAT); e ao abrigo do princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e da livre determinação das diligências de produção de prova necessárias (artigos 16º, alíneas c) e e), 19º, nº 1); e ainda ao abrigo dos princípios da celeridade, da simplificação e da informalidade processual (n.º 2 do art.º 29.º do RJAT); e, finalmente, ao abrigo também do princípio da proibição de actos inúteis (art.º 130º do Código de Processo Civil, ex vi da alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT): i) Convidar a Requerente a pronunciar-se, querendo, no prazo de dez dias, sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida; ii) Convidar a Requerente a, no mesmo prazo de dez dias, pronunciar-se sobre a falta de idoneidade da prova testemunhal para a demonstração da factualidade relevante nos autos e formulada pela Requerida no ponto 119 da Resposta; iii) notificar a Requerente para, no mesmo prazo de dez dias, reiterar (ou não) interesse na produção da prova testemunhal requerida e em caso afirmativo indicar quais os factos que pretende ver provados pelas testemunhas indicadas que não sejam susceptíveis de prova documental já produzida (com a junção dos articulados) ou ainda a produzir.  NOTIFIQUE-SE. Lisboa, 29 de Maio de 2024. Ass.”
  7. A Requerente, em 19.6.2024, apresentou requerimento superveniente, pronunciando-se sobre as excepções invocadas na resposta pela Requerida, pugnando pela improcedência da excepção da cumulação ilegal de pedidos alegada na Resposta e reiterando interesse na produção da prova testemunhal requerida defendendo a sua idoneidade.
  8. Em 8.7.2024, foi proferido e inserido no SGP o seguinte despacho: “[C]onsiderando que: -  Apesar  de,  subsequentemente  à  notificação  do  Despacho  Arbitral  de  29.5.2024,  a  Requerente  se haver  pronunciado  sobre  a  admissibilidade,  in  casu  ,  de  produção  de  prova  testemunhal complementar  (identificando  jurisprudência  nesse  sentido)  e  ainda  sobre  a  utilidade  da  inquirição das  testemunhas  indicando  mesmo  a  que  artigos  do  PPA  aquelas  deveriam  ser  inquiridas  e renovando  a  manutenção  do  seu  interesse  na  produção  da  prova  testemunhal  requerida,  não descortina o tribunal, na presente lide, a existência de factualidade relevante controvertida; - A factualidade relevante nos presentes autos está provada documentalmente. DECIDE-SE,  ao  abrigo  dos  princípios  da  autonomia  do  tribunal  arbitral  na  condução  do  processo,  da celeridade,  da  simplificação  e  informalidade  processuais  (artigos  16º,  alíneas  c)  e  e),  19º,nº  1  e  29º, nº  2  do  RJAT),  e  do  princípio  da  proibição  de  actos  inúteis  (art.º  130º  do  Código  de  Processo  Civil,  ex vi  da  alínea  e)  do  nº  1  do  artigo  29º  do  RJAT):  i)  dispensar  a  produção  de  prova  testemunhal;  ii) dispensar  a  realização  da  reunião  prevista  no  artigo  18.°  do  RJAT;  iii)  facultar  às  partes  a  possibilidade de,  querendo,  apresentarem  alegações  escritas  simultâneas,  podendo  a  Requerente  e  Requerida fazê-lo  no  prazo  de  dez  dias,  contados  da  notificação  do  presente  despacho,  em  conformidade  com  o disposto  no  n.º  1  do  art.º  120.º  do  CPPT,  aplicável  ex  vi  do  disposto  na  alínea  a)  do  n.º  1  do  art.º  29.º do RJAT. A  decisão  final  será  proferida  e  notificada  às  partes  até  ao  termo  do  prazo  fixado  no  artigo  21º,  nº  1 do  RJAT,  devendo  a  Requerente,  até  à  data  da  prolação  da  decisão  arbitral,  proceder  ao  pagamento da  taxa  arbitral  subsequente,  nos  termos  do  n.º  3  do  artigo  4.°  do  Regulamento  de  Custas  nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD. NOTIFIQUE-SE. Lisboa, 8 de Julho de 2024. O Árbitro. Ass.”
  9. Em 6.9.2024, a Requerida apresentou alegações finais, onde, no essencial, repristinou o que já havia aduzido no PPA.
  10. A Requerente, não obstante notificada para o efeito, entendeu não proceder à sua apresentação, aliás, meramente facultativa.
  11. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (n.º ...2023...) entretanto apresentada pela Requerente e dirigida à apreciação da legalidade liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios dos períodos de Janeiro, Março, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2019, das quais resultou valor a pagar de 9.062,05 € e também contra a liquidação adicional de IRC (n.º 2023...) e juros compensatórios de 2019, das quais resultou valor a pagar de 8.489,42 €; ii) na consequente declaração de ilegalidade daqueles mesmos actos de liquidação reportados ao ano de 2019, por alegadamente estarem enfermados do vício de violação de lei; iii) Em consequência da eventual anulação dos aludidos actos de liquidação, na restituição à Requerente do imposto indevidamente pago e ainda a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios devidos à luz do disposto no art.º 43.º e 100.º da LGT, com as demais consequências legais, nomeadamente, o pagamento das custas do processo.
  12. Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

I.A) Alegações da Requerente:

 

  1. A Requerente começa por aduzir no sentido de não se conformar com as seguintes correcções em sede de IVA e de IRC, sustentando a ilegalidade de tais correções empreendidas pela AT: i) da dedução (alegadamente) indevida de IVA de facturas não emitidas de forma legal no valor de € 8.010,95, emitidas pelo fornecedor B..., Lda. (doravante “B...”), com fundamento no disposto no n.º 2 do artigo 19.º e no n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA; e ii) dos gastos (alegadamente) não devidamente documentados no valor de € 34.828,72, com referência ao mesmo fornecedor, com fundamento no n.º 4 do artigo 23.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A, ambos do Código do IRC.
  2. Alega a Requerente que “[O] pomo da discórdia entre a AT e a Requerente prende-se com o descritivo utilizado nas facturas emitidas pela B... que, segundo a AT, não permitiria ao seu intérprete compreender adequadamente a discriminação e quantificação dos trabalhos efectuados, assim como o preço unitário fixado.” E partindo dali, sustentava a AT, no RIT[1], em causa estava “(...) o não cumprimento dos requisitos do artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA, em concreto, os previstos na sua alínea b).”
  3. Segue-se o resumo da Requerente sobre a posição interpretativa sustentada pela AT: “a) A AT alega que a descrição dos serviços prestados pela B... constante das facturas por esta emitidas é “genérica”, sendo ainda “genéricas” as descrições constantes do orçamento da B... analisado pela AT; b) A AT entende que a remissão para eventuais documentos complementares tem de ser feita na própria factura.”
  4. Visando contraditar tal hermenêutica, começa a Requerente por especificar os serviços prestados pela B..., dizendo que se consubstanciam em “(...) trabalhos de apoio à ensacagem, limpeza, organização do edifício fabril” da Requerente em cada um dos meses em causa e em resultado e com base no orçamento anteriormente elaborado pela B..., mencionado nas facturas.”. “(...) Em apreço estão ainda serviços de “apoio administrativo e de expedição, arrumação e organização” do escritório da Requerente na mesma localização.”
  5. Concretizados tais desenvolvimentos quanto à tipologia de serviços em causa, discorre a Requerente como segue: “[A] exigência legal sobre o conteúdo das facturas no que ora releva esgota-se na “quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados” (cf. artigo 36.º, n.º 5, alínea b) do Código do IVA), não se exigindo em qualquer momento a enunciação exaustiva das tarefas concretizadas no âmbito de prestação de serviços.” Dizendo mais: “[A] “denominação usual dos serviços” não é a descrição ou mesmo a indicação de cada uma das tarefas envolvidas na sua concretização.” E ainda: “[O]s serviços prestados pela B... a não são de cessão de pessoal, sendo antes de prestação de serviços relacionados com o desenvolvimento e suporte da actividade da fábrica da Requerente.” Finalmente: “[T]anto que a identidade, número e identificação dos funcionários da B... que, a cada momento, levam a cabo as tarefas que formam os serviços prestados têm variado ao longo dos anos, conforme a intensidade do trabalho e o seu volume.”
  6. Continuando a especificar a natureza dos serviços prestados e aqui em  causa, prossegue a Requerente, dizendo: “Os serviços acordados pela Requerente com a B... foram (e são) o apoio à produção, nomeadamente para controlo de produção na linha de produção n.º 2, expedição de produto acabado; arrumação e limpeza de armazém, assim como apoio à produção na zona de ensaque, paletização e plastificação de produto acabado; arrumação e limpeza de armazém.”
  7. Trazendo à discussão a Requerente mais alguns desenvolvimentos: “Estes serviços são prestados com periodicidade mensal, sendo, por isso, emitida, pelo menos, uma factura por mês, conforme os serviços efectivamente prestados.” E ainda: “A presença do(s) funcionários da B... nas instalações da Requerente e os custos do pagamento da respectiva remuneração servem de barómetro ou baliza na fixação do valor mensal dos serviços prestados pela  B... à Requerente.” Não se detendo, prossegue: “Porém, a unidade dos serviços, a sua periodicidade continua a ser una, por ser mensal e a sua denominação usual é aquela que consta das facturas em causa: “trabalhos de apoio à ensacagem, limpeza, organização do edifício fabril” e “apoio administrativo e de expedição, arrumação e organização”.” E isto dito, conclui como segue: “Isto mesmo resulta do indicado orçamento que é claro e não deixa margem para dúvidas quanto aos serviços contratados, a sua identificação, pela sua denominação usual, e a sua unidade relevante, neste caso mensal.”
  8. Em face do acima explicitado, retira ainda a  Requerente a seguinte asserção: “Nesta conformidade, considerando que o artigo 36.º, n.º 5, alínea b) do Código do IVA exige apenas que as facturas contenham “[a] quantidade e denominação usual […] dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável”, a Requerente entende que a descrição dos serviços prestados pela B... à Requerente “prestação de serviços no apoio administrativo e de expedição, arrumação e organização” e “trabalhos de apoio à ensacagem, limpeza, organização do edifício fabril” e a indicação da sua unidade “1”, 1 tipo de serviços, 1 mês, é mais do que suficiente para o cumprimento das exigências da indicada norma.”
  9. Prossegue dizendo que “(...) a Lei não exige, ao contrário do que parece entender a AT, que da factura conste toda e qualquer tarefa desenvolvida a cada momento para o cumprimento da prestação de serviços contratada.” Dizendo mesmo não entender qual o nível de detalhe considerado pela AT suficiente para que, no seu entender, os requisitos formais previstos no artigo 36.º, n.º 5, alínea b) do Código do IVA se mostrassem cumpridos.
  10. A Requerente traz ainda à discussão a questão da efectividade dos serviços prestados e aqui em causa, dizendo que a AT não questiona, por qualquer meio ou em qualquer momento, essa mesma efectividade.
  11. Refere mais: “[N]ão está em causa qualquer risco de duplicação de facturação ou de facturação excessiva, ou sequer a substância das operações, o valor, a taxa de IVA aplicável ou os termos do orçamento existente.” E ainda “(...) não alega a AT qualquer intenção de defraudar as normas que regem o direito à dedução no seio do IVA.”
  12. Isto dito e advogando que os elementos constantes das facturas aqui em causa são suficientes para o cumprimento das exigências do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, propugna a Requerente que a correcção sustentada pela AT em sede inspectiva deve ser julgada ilegal, sendo, naturalmente, ilegais ainda as liquidações de IVA e juros compensatórios emitidas e igualmente aqui sindicadas.
  13. A Requerente afirma ter disponibilizado à AT um conjunto de documentação complementar no sentido de esclarecer quaisquer dúvidas que esta pudesse ter no que respeita ao conteúdo das facturas emitidas pela B... . Senão vajamos: i) “(...) para apuramento do valor mensal a facturar à Requerente pelos serviços prestados, existe um mapa mensal, em formato Excel, com o apuramento das horas efectivamente trabalhadas em cada mês por cada um dos aludidos responsáveis pela prestação daqueles serviços no período em apreço;” ii) “(...) Existe uma colaboradora da Requerente que é responsável pela verificação das presenças e ausências de cada uma das pessoas referidas e, assim, da realização da prestação de serviços contratada e pela inclusão dessa informação no mapa referido (...).”, juntando o Doc. n.º 8 ao PPA que “(...) inclui (...) a informação com referência a cada uma das pessoas que presta o serviço da B... à Requerente, as horas trabalhadas e os valores unitários que estão por base no apuramento do valor a facturar à Requerente (...)”; iii) “[D]epois de introduzida a informação, o mapa é enviado por email para a responsável da B..., a Dra. C..., que procede à emissão da(s) respectiva(s) factura(s).” iv)  “A Requerente, com base na factura recebida, e no mapa de presenças, verifica o valor debitado e envia aprovação da referida factura à B... por email, ou a eventual correcção do montante facturado devidamente sustentada.” E daqui intui a Requerente que tais elementos (documentação complementar), “(...) permitem “identificar quais os trabalhos propriamente efectuados, [e] o preço da mão‐de‐obra e eventuais materiais utilizados”, cumprindo-se os objectivos dos requisitos do artigo 36.º do Código do IVA.”
  14. Em presença de tais elementos (da aludida documentação complementar), aduz a Requerente no sentido de que “(...) a AT parece começar por alegar a sua irrelevância com base na circunstância de que aos mesmos não é feita menção nas próprias facturas, para, de seguida, no indeferimento em apreço, invocar ainda a existência de dúvidas mesmo perante o seu conteúdo.”
  15. De seguida traz a Requerente à colação o acórdão do TJUE, datado de 15 de Setembro de 2016,  proferido no processo C-516/14 (que abundantemente transcreve), inferindo de tal decisão jurisprudencial (que trata exactamente de casos em que a informação constante das facturas é considerada insuficiente) que “(...) é obrigação da AT analisar os documentos complementares disponibilizados e que estes podem, sim, justificar o cumprimento das exigências formais legalmente previstas para o conteúdo das facturas.”
  16. E ainda o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 01022/17, datado de 2 de Dezembro de 2020, prolatado no processo n.º 01383/11.2BELRS, que a dado passo refere: “[q]ue a Administração está impedida de rejeitar o direito à dedução do imposto sempre que os dados objectivos permitam determinar com segurança que ele existe, não obstante alguns aspectos formais não terem sido devidamente observados. É isso que resulta, expressamente, do disposto nos seguintes arestos do TJUE: «Ora, a dedução do IVA pago a montante deve ser concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (v., neste sentido, acórdão de 15 de setembro de 2016, Senatex, C‐518/14, EU:C:2016:691, n.º 38 e jurisprudência referida)» ‐ in § 40 do já referido acórdão Geissel”.
  17. Traz ainda a Requerente à discussão trecho doutrinal da autoria de Cidália Lança, in “Código do IVA e RITI”, anotados, Coordenação e Organização Clotilde Celorico Palma e António Carlos Santos, Almedina, 2014, pp. 339/340, quando a dado passo aquela diz: “As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente, e conter um conjunto de elementos obrigatórios, que permitam identificar os sujeitos passivos envolvidos, a natureza da operação realizada, o momento da sua realização, o valor tributável e o IVA devido, o motivo justificativo da não aplicação do imposto, a menção referente ao regime especial aplicado à transação e, nas operações realizadas por sujeitos passivos não estabelecidos que tenham nomeado representante fiscal, os dados de identificação desse representante. (…) // As faturas que contenham os elementos obrigatórios previstos no CIVA consideram‐se passadas na forma legal para efeitos do exercício do direito à dedução, sendo entendimento do TJUE que os Estados membros só podem associar o exercício do direito à dedução à observância de condições relativas ao conteúdo das faturas expressamente previstas na DIVA. Não obstante, de acordo com a jurisprudência daquele Tribunal, o princípio da neutralidade exige que a dedução do IVA seja concedida se os requisitos substantivos tenham sido cumpridos, mesmo se os sujeitos passivos tiverem negligenciado certos requisitos formais.”
  18. E da doutrina e jurisprudência citada, retira a Requerente o seguinte: “(...) pese embora possam ser (hipoteticamente) insuficientes os descritivos genéricos dos serviços prestados, e bem assim a sua concreta mensuração e quantificação, essa insuficiência é passível de suprimento, podendo o sujeito passivo fornecer meios de prova complementares que permitam alcançar o objectivo de determinação concreta da natureza e extensão das operações realizadas e bem assim a data, efectiva, da sua prestação, ou seja, realidades fácticas que as exigências formais visam tutelar e que, como visto, se reputam de indispensáveis.”
  19. Advogando ainda a Requerente que “(...) a doutrina e a jurisprudência (quer nacional, quer do TJUE) têm, pois, destacado o carácter flexível dos requisitos formais das facturas, tendo em conta o objectivo da exigência de tais requisitos formais: “garantir o direito à dedução a qualquer sujeito passivo que efectivamente tenha suportado o pagamento do imposto” (cf. Sérgio Vasques, O Imposto sobre o valor acrescentado, Almedina, 2015, p. 345).” E a tal propósito traz a Requerente à colação o Acórdão do TJUE de 1 de Março de 2012, Processo n.º C-280/10, onde se dirimia um conflito que oponha Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz spółka jawna ao Dyrektor Izby Skarbowej w Poznaniu, transcrevendo o § 43 da citada decisão judicial e que dizia: “[o] princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução do imposto pago a montante seja concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Uma vez que a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo, enquanto destinatário das transações em causa, é devedor do IVA, não pode impor, no que diz respeito ao seu direito a dedução, requisitos adicionais que possam ter por efeito a inviabilização absoluta do exercício desse direito (…).
  20. Para além de outras referencias jurisprudenciais, aduz a Requerente (fundada na decisão do TJUE de 19 de Outubro de 2017, Paper Consult, Processo n.º C-101/16), no sentido de que “[O] direito à dedução do IVA está, porém, sujeito ao cumprimento de requisitos de cariz substantivo e formal.”
  21. Afirma ainda a Requerente que “[I]n casu, como já referido, não é controvertida a concreta efectividade dos serviços prestados pela B..., o carácter de sujeitos passivos dos intervenientes ou sequer a utilização daqueles serviços a jusante, (...) Apelando a Requerente para efeitos de densificação dos descritivos elaborados pela B... e respeitantes a cada uma das relevantes facturas, enquanto elementos coadjuvantes de substanciação inerente às operações(...)”,  juntando para o efeito ao PPA os documentos nºs 8, 10 e 13. Dizendo mais: “Como é sabido, e foi acima referido, o TJUE tem afirmado, de forma reiterada, que os Estados-membros não podem negar o direito a dedução pelo simples facto de uma factura não satisfazer os requisitos formais exigidos pela Directiva do IVA, na condição de que, não obstante a existência de vícios formais, a factura permita assegurar a exacta cobrança do imposto nela liquidado e permita também a respectiva fiscalização pelas autoridades fiscais competentes.”
  22. E partindo do exposto, conclui a Requerente como segue: “As facturas em causa não deixam dúvidas quanto à cobrança do imposto liquidado, permitindo a sua fiscalização, sendo que os documentos auxiliares disponibilizados pela Requerente complementam a prova necessária.”
  23. Não deixando de trazer à colação excerto tirado da decisão arbitral prolatada no Processo n.º 765/2016-T e ainda, em sintonia o entendimento ali firmado, os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 21 de Maio de 2020, emitido no processo n.º 439/09.6BESNT, de 25 de Junho de 2020, proferido no processo n.º 309/13.3BELRA e de 19 de Novembro de 2020, emitido no processo n.º 208/04.0BESNT; bem como as decisões arbitrais prolatadas nos processos n.º 43/2020-T, n.º 940/2019-T ou n.º 96/2018-T, entre outros; e, finalmente, chamando à discussão ainda o aresto do TJUE, prolatado no âmbito do processo nº C-664/16, Vãdan, de 21 de Novembro de 2018, que abundantemente transcreve.
  24. E mais uma vez com respaldo na jurisprudência citada, defende a Requerente ter de se reconhecer que, não obstante a alegação da AT no sentido de que, per se, as exigências previstas nos citados artigos 36.º, n.º 5, alínea b) do Código do IVA e 226.º, n.º 6 da Directiva IVA, não estariam suficientemente preenchidas nas facturas em causa (não concedendo a Requerente), a verdade é que, defende, a aludida prova complementar sempre permitiria colmatar os (hipotéticos) vícios formais assinalados pela AT.
  25. Concluindo como segue: “[T]endo presente tudo o que já foi versado no concernente da jurisprudência do TJUE, há efectivamente que anuir, que os documentos permitem suprir uma eventual falha formal na respectiva delimitação das operações gizadas.”
  26. A Requerente refere ainda que a AT se queixa de que “(...) não existe ainda uma valorização unitária para cada uma das tarefas, nem a definição da sua quantidade e de que se trata de “indicações genéricas de tarefas, idênticas em todos os meses, e para todas as pessoas agora identificadas”.” A este propósito sustenta a Requerente que “(...) esta exigência se mostra impraticável, desproporcional e, mais grave ainda, não foi e não é querida pelo Código do IVA e pela Directiva do IVA.” Aduzindo ainda como segue: “(...) a AT reconhece que nos documentos de apoio elaborados pela B... se pode verificar o “número de horas trabalhadas, o valor hora, o valor mês e o valor faturado (com a indicação de algumas divergências, valores materialmente irrelevantes e que são objeto de compensação ou faturação adicional.)”. (...) O que, todavia, a AT reputa ainda de insuficiente, alegando não compreender a razão pela qual alguns serviços, prestados por determinado funcionário da B..., foram mais caros do que aqueles prestados por outros, ou a que propósito a partir de certa data o preço hora aumentou generalizadamente.”
  27. Dizendo haver constatado, assim, que “(...) a AT não pretende apenas apurar a “quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável”, a AT pretende imiscuir-se nas decisões comerciais e contratuais dos contribuintes avaliando o método e os critérios de determinação do preço.”
  28. Concluindo no sentido de que “[A]s exigências formais do conteúdo das facturas nos termos do Código do IVA foram previstas no sentido de controlo do cumprimento dos requisitos substanciais para a dedução de IVA e não para justificar a intervenção da AT na actividade dos contribuintes e na sua liberdade de condução dos seus negócios.”
  29. Prosseguindo a Requerente ao afirmar que “[A]s exigências de acrescido detalhe, para além daquele que consta da Lei implicam a criação de requisitos adicionais que apenas têm em vista tornar mais difícil e, neste caso, inviabilizar o exercício do direito à dedução.” E ainda que “[A] AT parece não só desconsiderar que se encontra assente que os requisitos formais das facturas têm carácter flexível, como parece olvidar que o objectivo da exigência de tais requisitos formais: “garantir o direito à dedução a qualquer sujeito passivo que efectivamente tenha suportado o pagamento do imposto”.”
  30. Retirando a asserção que segue: “[P]elo que, face a todo o expendido anteriormente, existindo até, in casu, facturas que titulam as relações estabelecidas, de resto, substanciadas em acordo de prestação de serviços e em descritivos fornecidos pelo prestador de serviços, e cuja efectividade e pagamento não foi, de todo em todo, questionado pela AT, há, efectivamente, que validar o IVA suportado e indevidamente corrigido.” Não deixando de dizer, suportando-o no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Março de 2022, proferido no processo n.º 02266/15.2BEPRT, que, neste âmbito, importava ter em conta que as exigências formais que a lei impõe às facturas não são um fim em si mesmo, referindo que tais exigências apenas “encontram justificação nas finalidades de controlo do pagamento do imposto e do controlo da fraude e evasão fiscal.”
  31. A Requerente discorre ainda sobre a alegada falta de requisitos das facturas em sede de IRC, começando por dizer que, em bom rigor, caindo a correcção em sede de IVA, por ilegal, deve automaticamente cair a correcção em sede de IRC.
  32. Traz à colação a decisão arbitral de 8 de Março de 2019, proferida no processo n.º 532/2018-T; bem como a interpretação do CAAD plasmada no processo n.º 37/2023-T que adere à análise efectuada na decisão proferida no processo n.º 793/2021-T relativamente aos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º do Código do IRC; referindo ainda a decisão arbitral de 17 de Abril de 2019, tirada no processo n.º 381/2018-T; tal como os acórdãos do STA de 5 de Julho de 2012, processo n.º 658/11, e de 14 de Setembro de 2011, processo n.º 433/11; e, mais recentes, os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte n.º 03113/09.0BEPRT e n.º 00531/08.4BRPRT; e, finalmente, a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul a 2 de Novembro de 2023 no processo nº 9731/16.2BCLSB.
  33. E com respaldo na jurisprudência citada conclui a Requerente no sentido de que “(...) os requisitos de prova documental devem considerar-se, no caso dos Autos, satisfeitos pelas facturas emitidas pelo prestador de serviços e pelos documentos de suporte agora apresentados e complementados (...), sob pena de a AT incorrer na violação do princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.”
  34. Aduzindo ainda a Requerente como segue: “[N]o caso vertente dos Autos, em que a Requerente apresenta prova bastante para colmatar qualquer insuficiência das facturas em sua posse atinentes aos serviços prestados pela B... e em que não se colocam quaisquer dúvidas sobre a realização e efectividade dos serviços em causa, não existe qualquer razão válida para a limitação da dedutibilidade dos gastos suportados pela Requerente e, nesta medida, para a limitação ao princípio da tributação pelo lucro real.”
  35. Alinhavando ainda o seguinte argumentário no sentido de valeram as suas pretensões: i)  a interpretação efectuada pela AT das normas constantes do artigo 23.º, n.ºs 3 e 4 do Código do IRC, no sentido de não permitir a dedução por uma sociedade de gastos incorridos com serviços a esta prestados no âmbito da sua actividade, é inconstitucional por violação do disposto no n.º 2 do artigo 104.º da Constituição, inconstitucionalidade que se alega para todos os efeitos legais; ii) a interpretação das normas relevantes sustentada pela Requerente é a única adequada e que respeita ao princípio da proporcionalidade; iii) não faz qualquer sentido, e é manifestamente gravoso, a interpretação segundo a qual a Requerente não pode deduzir os gastos que suportou no âmbito do desenvolvimento da sua actividade e no sentido da obtenção de proveitos, quando aqueles gastos se devem considerar documentados e/ou provados pelos vários meios de prova admitidos e admissíveis no seio do IRC; iv) devendo entender-se que a AT interpreta e aplica as normas em causa num sentido que se mostra claramente violador das exigências do princípio constitucional da proibição do excesso, que vincula todos os poderes públicos, ínsito, nomeadamente, no artigo 2.º da Constituição.
  36. Conclui a Requerente no sentido de que “(...) deve a correcção em crise, a liquidação adicional de IRC e de juros na parte em que a incorpora, e, bem assim, o indeferimento que as mantêm, serem anulados, por se encontrarem feridas do vício de violação de lei.
  37. Peticionando a Requerente o Seguinte: “NESTES TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXA. SE DIGNE ADMITIR O PRESENTE PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO E DE PRONÚNCIA ARBITRAIS, NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO DECRETO-LEI N.º 10/2011, DE 20 DE JANEIRO, SEGUINDO‐SE A TRAMITAÇÃO PREVISTA NOS ARTIGOS 17.º E SEGUINTES E APLICANDO‐SE OS EFEITOS MENCIONADOS NO ARTIGO 13.º DO REFERIDO DIPLOMA, TUDO COM AS DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, CONCLUINDO‐SE, AFINAL, PELA DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE E ANULAÇÃO DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO ADICIONAL EM SEDE DE IRC E IVA, BEM COMO OS DE JUROS COMPENSATÓRIOS, TODOS ACIMA IDENTIFICADOS E COM BASE NOS VÍCIOS INVOCADOS, REEMBOLSANDO‐SE A REQUERENTE DO VALOR ADICIONAL INDEVIDAMENTE PAGO, E PROCEDENDO‐SE À LIQUIDAÇÃO E PAGAMENTO DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS DEVIDOS À LUZ DO ARTIGO 43.º DA LGT, TUDO COM OS DEMAIS EFEITOS LEGAIS.”

 

  1. A Requerida apresentou Resposta, na qual alega:

 

I.B) Alegações da Requerida:

 

  1. A Requerida começa por suscitar a excepção da cumulação ilegal de pedidos, sustentando não estarem reunidos os pressupostos do nº 1 do art.º 3º do RJAT.
  2. No entender da Requerida: “O facto de os pedidos resultarem da mesma acção inspetiva não implica que estejamos perante a possibilidade legal de cumulação de pedidos prevista no artigo 3.º n.º 1 do RJAT uma vez que os pedidos formulados nos presentes autos respeitam a diferentes actos tributários, mais concretamente a liquidações de IRC, de IVA e não dependem da aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.”
  3. No sentido de ancorar tal hermenêutica, traz a Requerida à colação o seguinte excerto do despacho de 21.10.2014, proferido no processo arbitral nº 411/2014-T, o qual julgou procedente idêntica excepção: “Efectivamente, e desde logo, a circunstância de estar em causa o mesmo relatório de inspecção tributária não implica, de forma necessária, como a Requerente parece entender, que os factos concretos em que tal relatório assenta sejam os mesmos para as diversas liquidações que impugna. E mesmo que assim não fosse, é manifesto, julga-se, que as regras de direito em que a Requerente funda o seu pedido são distintas, para as liquidações de IVA e para as liquidações de IRS, conforme resulta, desde logo, do pedido formulado, onde transparece logo que a pretensão de anulação das primeiras assenta em normas próprias do CIVA, enquanto que a pretensão de anulação das segundas assenta em normas próprias do CIRS.”
  4. E partindo do ali decidido, considera a Requerida estarmos perante idêntico circunstancialismo nos presentes autos, advogando que a cumulação dos pedidos anulatórios viola o disposto no nº 1 do art.º 3º do RJAT, não podendo, por isso, ser admitida.
  5. De seguida, traz também a Requerida à discussão o art.º 104.º do CPPT (que transcreve na versão vigente até Setembro de 2019 e que foi alterada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro), retirando da letra (que já não se mostrava em vigor à data dos factos) daquela norma o seguinte: “(...) de acordo com o disposto no citado preceito só é admissível cumulação de pedidos quando estes se reportem a tributos idênticos, porquanto, a pretensão de anulação de um determinado tributo assenta em normas próprias desse mesmo tributo, enquanto que a pretensão de anulação de outro imposto, assenta em diferentes normas, próprias desse outro imposto.”
  6. E volvendo a Requerida para o caso dos autos aduz: “(...) verifica-se uma situação de cumulação ilegal de pedidos, na medida em que no mesmo pedido de pronúncia arbitral são deduzidos pedidos de anulação de dois tributos diferentes, IRC, IVA, sendo que cada uma das pretensões de anulação são diferentes.”
  7. Respaldando tal hermenêutica no Acórdão n.º 01549/06, de 29.05.2007, do Tribunal Central Administrativo Sul que em parte transcreve; e ainda na decisão interlocutória tirada no processo que tramitou no CAAD n.º 233/2015-T, onde, diz, foi proferida decisão no sentido da cumulação ilegal de pedidos de IVA e de IRC, da qual transcreve um breve excerto dada a sua similitude com os presentes autos.
  8. Retirando a asserção de que, assim sendo e “(...) nos termos dos artigos 186º, nº 2, alínea c), 187º, 576º, nº 2 e 577.º, alínea b), todos do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, alínea e) do nº 1 do RJAT), a cumulação ilegal de pedidos constitui excepção dilatória determinante da absolvição da instância.”
  9. Nessa conformidade e no entendimento da Requerida, “(...) deverá ser julgada procedente a excepção da cumulação ilegal de pedidos, absolvendo-se a entidade Requerida da instância quanto à totalidade do pedido, ou subsidiariamente, relativamente ao pedido que não prosseguir para apreciação do Tribunal.”
  10. Quanto às correcções efectuadas em sede de IRC, começa a Requerida por trazer à colação o que está a fls. 37, 38, 39 e 41 do RIT. Ali se diz: “A descrição constante das faturas indicadas é limitada a “Prestação de serviços de apoio administrativo e de expedição, arrumação e organização”, “Trabalhos de apoio à ensacagem, limpeza e organização do edifício fabril”, identificando o mês, havendo duas ou mais faturas por mês, não permitindo identificar o preço da mão-de-obra unitária, as horas de trabalho e os funcionários cedidos, a que corresponde cada fatura, impedindo o controlo da situação tributária pelos serviços da Administração Fiscal, quer do sujeito passivo emitente das faturas, quer do sujeito passivo adquirente. No âmbito do direito de audição o sujeito passivo remeteu mapas mensais que apresentam o número de horas em cada dia útil de trabalho e referente a cada um dos três funcionários conforme descrito no ponto anterior, no entanto após a sua análise não se conseguiu, com os elementos disponibilizados, compreender como se chega ao valor total de cada fatura, uma vez que o contribuinte não valorizou as horas referidas e apesar dos esforços para calcular o valor tal não foi possível tendo em conta que: • São emitidas duas faturas por mês, e não se sabe a que funcionários respeitem, mesmo que uma delas tivesse relacionada com um funcionário e a outra com dois, não se conhece o valor diário pago por cada trabalhador em cada mês, não se conseguindo calcular os montantes totais faturados; • Analisando os emails em Anexo II ao direito de audição percebe-se que o valor pago por dia pelo funcionário “D...” é de € 60,45 no mês de setembro e de € 63,64 no mês de outubro. O valor pago pelo funcionário “E...” é de € 60,45 no mês de agosto e de € 63,18 no mês de setembro, não se conseguindo estabelecer o valor unitário correto em cada mês, nem para todos os funcionários; • Em alguns meses há indicação de horas extraordinárias, das quais não há informação sobre a sua valorização; • Por outro lado, as horas totais referidas no mês de fevereiro de 464 horas não têm correspondência com a soma das horas registadas mensalmente que é de 472 horas.[…].”
  11. Intuindo dali a Requerida (em jeito de conclusão) que “(...) os mapas apresentados não permitem chegar ao cálculo dos valores totais das facturas, tanto mais que os documentos disponibilizados pela Requerente não foram suficientes de modo a cumprir com o exigido pelo n.º 4 do artigo 23º do CIRC, nomeadamente em termos de valorização das horas trabalhadas para concluir pelo valor total de cada fatura.”
  12. Visando a Requerida contraditar o aduzido pela Requerente, admite que esta tem razão: i)  quando refere que os SIT não questionaram a “veracidade das faturas ou dos demais documentos disponibilizados” (§126.º do PPA); ii) não questionaram também “que tais gastos foram incorridos ou suportados pela Requerente para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC” (§127.º do PPA); iii) e que “não puseram em causa os pagamentos referentes àqueles gastos” (§116.º do PPA). Dizendo logo de seguida que “(...) o não questionamento daqueles factos, por parte dos SIT, encontra explicação na posição tomada pela Requerente – não ter trazido ao conhecimento dos SIT mais elementos/informação do que aquela que resulta das próprias faturas (...).”
  13. Sustentando a Requerida que “[C]omo bem resulta da fundamentação, não é de todo possível afirmar, diante dos elementos oferecidos pela Requerente em sede de procedimento inspetivo: a) que os gastos incorridos traduzem a eventual prestação de serviços efetuada pela  B...b) quais as prestações de serviço efetivamente prestadas, isto é, como e onde foram prestadas; c) que a Requerente incorreu naqueles gastos na prossecução da sua atividade, ou seja, se os gastos estão ou não relacionados com a atividade da Requerente, isto é, se são passíveis de serem considerados essenciais para a Requerente vir a “obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, e como tal, avaliar a sua dedutibilidade fiscal nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.”
  14. Afirmando a Requerida que “Tais questões não encontram resposta nos presentes autos, justamente porque a documentação não cumpre os requisitos exigidos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, como refere a alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC. Razão que justifica que os gastos referentes a encargos pagos à B..., não são dedutíveis fiscalmente, como bem referem os SIT.”
  15. Tentando ancorar tal indedutibilidade dos gastos aqui em causa, traz a Requerida à colação os ensinamentos de Gustavo Lopes Courinha, quando aquele diz que os gastos indevidamente documentados impossibilitam “qualquer forma de identificar ou escrutinar o gasto”.
  16. E dali retira a Requerida que “(...) diante de ausência de informação constante no descritivo da fatura ou em outro documento (por remissão daquele descritivo) que permita responder às anteriores questões, é de todo impossível “identificar ou escrutinar o gasto” de forma a poder reconhece-lo fiscalmente nos termos do n.º 1 do art.º 23.º. do CIRC.”
  17. Voltando aos ensinamentos de Gustavo Lopes Courinha, a Requerida aduz: “(...) quando se mostrem parcialmente incumpridos os critérios de documentação dos n.ºs 3 e 4 do art.º 23.º do Código do IRC, fala-se em gastos indevidamente documentados, havendo lugar à sua não consideração para efeitos fiscais. É a solução que podemos encontrar no art.º 23.º-A/n.º 1/ alínea c) do Código do IRC.” (COURINHA, 2020, p.106).”
  18. Sustentando a Requerida que “(...) não passando o crivo do disposto nos termos do n.º 4 do art.º 23.º do CIRC, torna impossível a capacidade de averiguar a eventual dedutibilidade fiscal à luz do n.º 1 do mesmo artigo.” Aduzindo ainda como segue: “[E] foi perante esta falta de informação (que não consta da documentação apresentada), que respeite os requisitos exigidos no n.º 4 do art.º 23.º do CIRC, que a AT ficou impossibilitada de poder aferir a sua dedutibilidade fiscal nos termos do n.º 1, que na sua falta, o legislador previu, naqueles termos, a sua imediata rejeição, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC.”
  19. Em jeito de conclusão e partindo do acima referido, defende a Requerida que “(...) a AT não questionou se os gastos relacionados com os serviços prestados pela B... foram ou não “incorridos ou suportados pela Requerente para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, porquanto o desrespeito pelo disposto no n.º 4 do art.º 23.º do CIRC, [a] impossibilitou “identificar e escrutinar o gasto”.”
  20. A Requerida faz ainda considerações sobre os documentos juntos aos autos pela Requerente que aqui se devem considerar reiteradas, dizendo resultar evidenciado que “(...) não foram respeitados o n.º 3 e os requisitos exigidos do n.º 4 do art.º 23.º do CIRC, assim tais gastos não podem ser dedutíveis fiscalmente, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 23º-A do mesmo Código.”
  21. Quanto às correcções efectuadas em sede de IVA começa a Requerida por dizer que o que é objeto de discussão nos presentes autos, é a questão de saber se se encontram preenchidas as formalidades legais das faturas emitidas à Requerente pelo fornecedor B..., para que, desse modo, a Requerente possa exercer o direito à dedução do IVA que suportou na aquisição dos serviços que com aquela contratou.
  22. Depois de explicitar algumas das conhecidas características do imposto, discorre a Requerida sobre o direito à dedução e sobre o mecanismo do crédito de imposto e até sobre as condições formais e substanciais exigidas para que tal desoneração se efective, trazendo à discussão jurisprudência emanada do TJUE, nomeadamente: i) o Acórdão de 19 de Outubro de 2017, SC Paper Consult SRL, C-101/16, EU:C:2017:775, n.º 35 e 36 e legislação aí referida; ii) o Acórdão de 21 de março de 2018, Volkswagen, C-533/16, EU:C:2018:204, n.º 40 e 41 e ainda a legislação aí referida. Explicita ainda a Requerida a legislação comunitária aplicável, ou seja, os artigos 167.º a 192.º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006) e quanto aos requisitos ou às condições substantivas, a alínea a) do artigo 168.º da Diretiva IVA. No que tange ao direito interno refere a Requerida os artigos 19.º e 20.º do CIVA, dizendo daí resultar “(...) que para ser dedutível o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços estas devem ter uma relação directa e imediata com as operações a jusante que conferem esse direito.”
  23. Relativamente aos requisitos formais a que deve obedecer o direito à dedução, aduz a Requerida no sentido de que “[C]om efeito, o imposto a deduzir deve estar mencionado em faturas ou documentos equivalentes processados na forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, considerando-se como tal, os documentos que contêm os requisitos previstos no artigo 36.º, ex vi artigo 19.º n.º 6, ambos do Código do IVA.” E ainda “[O]ra, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA, os sujeitos passivos de IVA devem sempre emitir uma fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, bem como pelos pagamentos que lhes sejam efetuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços.” Entendendo a Requerida trazer ainda à discussão o n.º 1 do art.º 44º do CIVA que impõe aos sujeitos passivos disponham de contabilidade organizada, adequada ao apuramento e fiscalização do imposto, em ordem a «possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto»
  24. Invocando a jurisprudência acima melhor identificada e vulgarmente conhecida por Acórdão SC Paper Consult SRL, concretamente os seus considerandos 41, 42 e 43, refere a Requerida: «Segundo jurisprudência constante, o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se as exigências materiais estiverem satisfeitas, mesmo que os sujeitos passivos tenham omitido certas exigências formais.» E ainda: «No entanto, pode assim não suceder se a violação dessas exigências formais tiver por efeito impedir a prova irrefutável de que as exigências materiais foram observadas.» Mais: «Do mesmo modo, decorre de jurisprudência constante que o direito a dedução pode ser recusado quando se provar, com base em elementos objetivos, que esse direito é invocado de maneira fraudulenta ou abusiva. Com efeito, a luta contra a fraude, a evasão fiscal e os eventuais abusos é um objetivo reconhecido e encorajado pela Diretiva 2006/112, e os sujeitos passivos não podem, de maneira fraudulenta ou abusiva, invocar as normas do direito da União.»
  25. De seguida entende ainda a Requerida trazer à colação o Acórdão de 15 de Setembro de 2016, vulgarmente conhecido por Barlis 06 — Investimentos Imobiliários e Turísticos, C 516/14, EU:C:2016:690, concretamente o seu considerando n.º 43, que refere «Daqui resulta que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.ºs 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.»
  26. Não se ficando pela transcrição do Considerando 43, explicita ainda a Requerida o que está no considerando 44 daquela decisão do TJUE e que refere: «A este respeito, a Administração Fiscal não deve limitar-se ao exame da própria fatura. Deve igualmente ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo. Esta constatação é confirmada pelo artigo 219.º da Diretiva 2006/112 que equipara a fatura qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca.» E ainda o que está no Considerando 49: «[o] artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.ºs 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos.»
  27. E volvendo para o caso dos autos, aduz a Requerida no sentido de que “[E]m sede de ação inspetiva, a AT não se limitou ao exame das “próprias” faturas que se encontram em causa nos presentes autos, porquanto notificaram a Requerente para apresentar elementos comprovativos das operações documentadas por cada uma delas.”
  28. Prossegue a Requerida dizendo que os serviços de Inspecção “(...) realizada a análise às faturas e aos elementos adicionais solicitados, entenderam que os mesmos são insuficientes para que se considerem satisfeitos os requisitos do direito a dedução do IVA, conforme fundamentos enumerados nos subpontos «III.1.1. e IX.2» do RIT.”
  29. Discorrendo de seguida a Requerida sobre o ónus da prova, invocando, para o efeito, os Acórdãos do STA n.ºs 0871/02, de 09/10/2002; 001483/02, de 20/11/2002; 001480/03, de 14/01/2004; e, 0241/03, de 30/04/2003, considera aquela que é à Requerente, enquanto sujeito passivo que solicita a dedução do IVA, que incumbe provar que preenche os requisitos para dela beneficiar, dizendo ainda que a Requerente, em sede de ação inspetiva, não cumpriu as formalidades legais das facturas e tendo sido notificada para apresentar elementos comprovativos da realização das operações também não o logrou fazer.
  30. Concluindo no sentido de que foi o efeito combinado daqueles dois factos que levou a AT à conclusão de que a Requerente deduziu indevidamente IVA nos períodos assinalados no subponto «III – 3.1» do RIT.
  31. Quanto à documentação complementar às facturas apresentadas pela Requerente no âmbito do procedimento inspectivo dealbado e também no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, a Requerida refere-se aos elementos apresentados, explicitando-os, e traz ainda à discussão a posição da AT sobre tais elementos complementares empreendida no âmbito daqueles dois procedimentos que transcreve e donde retira não se considerarem satisfeitos os requisitos substantivos do direito à dedução. A tal propósito, diz a Requerida: “[C]om efeito, os documentos complementares apresentados pela Requerente não permitem colmatar as falhas das faturas e, nessa medida, não são passíveis de suprir os requisitos substantivos relativos ao exercício do direito à dedução.”
  32. Concluindo a Requerida como segue: i) “(...) os aludidos documentos não indicam de forma suficientemente detalhada «[a] quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável».”; ii) “(...) tendo-se observado que as faturas em causa não preenchem os requisitos legais a que se refere a apontada alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA e, mais, que os documentos apresentados pela Requerente não são suscetíveis de serem equiparados a uma fatura, nem, tão-pouco, complementares das faturas, deve concluir-se que a AT não dispõe dos dados necessários para controlar a base tributável e o apuramento do imposto.”; iii) “(...) não obstante a jurisprudência comunitária acima referida, no sentido de que o sujeito passivo pode demostrar através de prova adicional/complementar os serviços visados, a extensão dos mesmos e a data concreta em que foram celebrados, a verdade é que, a prova carreada pela Requerente, quer em sede inspetiva, quer no âmbito da RG, quer mesmo nesta sede, não serve para suprir as faltas demonstradas pelas faturas.”; iv) “(...) não tendo sido apresentados pela Requerente elementos documentais que contenham um conteúdo que permita suprir as lacunas das faturas, não é admissível o direito à dedução.”; v) “(...) a Requerente não logrou fazer prova dos factos constitutivos do direito à dedução, nem no decurso da ação inspetiva, nem em sede de direito de audição, como também, não logra, agora, no âmbito do PPA, fazer prova.”
  33. Quanto aos juros indemnizatórios defende a Requerida não serem devidos, porquanto os actos de liquidação sindicados não padecem de qualquer vício ou erro imputável à AT que resulte na anulação dos mesmos.

 

II. THEMA DECIDENDUM:

 

  1. O thema decidendum reporta-se à questão de saber se as facturas emitidas pela fornecedora B... satisfazem os requisitos de forma previstos na alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA e, no pressuposto do seu incumprimento, quais as consequências que podem emergir do mesmo e, nomeadamente, a de saber se elas envolvem a liminar a desconsideração do direito à dedução por mor do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 19.º do CIVA, ou a imposição à AT de procedimentos de controlo dos pressupostos substantivos do direito à dedução com a avaliação da verificação (ou não) dos requisitos materiais do direito à dedução previstos nos art.ºs 19.º e 20.º do CIVA; e ainda à questão de saber se essas mesmas facturas emitidas pela fornecedora B... satisfazem os requisitos de forma previstos nos n.ºs 3 e 4 do art.º 23.º do CIRC com base nos mesmos fundamentos que estão a estribar as correcções em sede de IVA, ou seja, o facto de não densificaram adequadamente os serviços prestados pela B... e ainda as quantidades e valores unitários dos serviços ali titulados e, no pressuposto do seu incumprimento, quais as consequências que podem emergir do mesmo, nomeadamente, a de saber se elas envolvem a liminar a desconsideração do custo em sede de IRC.
  2. Além de que entende o Tribunal há uma questão de natureza exceptiva que, por poder obstar ao conhecimento do pedido e ao julgamento de mérito do objecto do processo, é necessário apreciar e decidir no presente processo arbitral, consubstanciando-se tal excepção na cumulação ilegal de pedidos na medida em que podem não estar reunidos os pressupostos previstos no n.º 1 do art.º 3.º do RJAT.
  3. Não procedendo a excepção, empreender-se-á julgamento de mérito sobre o objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

Cumpre, então, agora, proferir decisão.

 

III. SANEAMENTO:

 

  1. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer das liquidações de IVA e JC ora impugnadas e bem assim como das liquidações de IRC e JC aqui sindicadas à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
  2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciarias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de Março).
  3. A acção é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
  4. O processo não enferma de nulidades.

 

IV. DECISÃO:

 

IV.A) Factos que se consideram provados:

 

  1. Antes de mais, cumpre-nos fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:

 

  1. A Requerente iniciou a sua actividade em 01.06.1998 e tem como área principal de actividade a fabricação de argamassas. (Cfr. art.º 15.º do PPA e n.º 17 da Resposta; e ainda Ponto II.3.1.1, a fls. 5/44 do RIT junto ao PA, descrito como “Processo Administrativo – Parte 23”, ficheiro RIT 11-RIT.pdf e Doc. n.º 4 junto ao PPA).  
  2. A Requerente comercializa argamassa seca destinada à execução de rebocos de acabamento areado médio em paredes e tetos. (Cfr. n.º 17 da Resposta; Ponto II.3.1.1, a fls. 5/44 do RIT junto ao PA, descrito como “Processo Administrativo – Parte 23”, ficheiro RIT 11-RIT.pdf e Doc. n.º 4 junto ao PPA).  
  3. Em sede de IVA, a Requerente encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal; (Ponto II.3.1.3, a fls. 6/44 do RIT junto ao PA, descrito como “Processo Administrativo – Parte 23”, ficheiro RIT 11-RIT.pdf e Doc. n.º 4 junto ao PPA).  
  4.  Em sede de IRC, a Requerente encontra-se enquadrada no regime geral de tributação. (Ponto II.3.1.3, a fls. 6/44 do RIT junto ao PA, descrito como “Processo Administrativo – Parte 23”, ficheiro RIT 11-RIT.pdf e Doc. n.º 4 junto ao PPA).  
  5. A B..., fornecedora da Requerente, dedica-se, entre o mais, à prestação de serviços de limpeza ecológica e manutenção industrial, pinturas e construção civil, bem como à manutenção e reparação de máquinas e equipamentos industriais . (Cfr. art.º 16.º do PPA – facto não contestado pela Requerida).
  6. A Requerente, no exercício da sua actividade, solicitou a contratação dos serviços da B... para três necessidades específicas, sob pedido de orçamento. (Cfr. art.º 17.º do PPA – facto não contestado pela Requerida).
  7. A B... orçamentou o débito da prestação de serviços para cada uma das três necessidades. (Cfr. art.º 18.º do PPA – facto não contestado pela Requerida).
  8. Do teor do Orçamento n.º ORC 2018/..., conta que “o preço está apresentado para um horário das 9h às 18h, o acréscimo de horário será faturado à parte com as taxas legais em vigor”, e inclui “custos legais referentes a feriados, Sub. Natal, Sub. Férias, Sub. Férias não gozadas, seguro de acidentes de trabalho e indemnização por caducidade”. (Cfr. Doc. n.º 9 junto ao PPA, fls. 25/79 do Doc. n.º 9 a 13; Ponto III.1.1, a fls. 15/44 do RIT junto ao PA, descrito como “Processo Administrativo – Parte 23”, ficheiro RIT 11-RIT.pdf e Doc. n.º 4 junto ao PPA).  
  9. Em 2019, a Requerente adjudicou as seguintes prestações de serviços que, depois de realizadas,  foram tituladas pelas facturas que uma vez desconsideradas vieram a dar origem às liquidações sindicadas: i) Apoio à produção, nomeadamente para controlo de produção na linha de produção n.º 2, expedição de produto acabado; arrumação e limpeza de armazém, concretizado por funcionário da B...; ii) Apoio à produção na zona de ensaque, paletização e plastificação de produto acabado; arrumação e limpeza de armazém, concretizado por funcionário da B...; iii) Apoio à área administrativa para substituição de uma colaboradora, da ora aqui, Requerente, que se encontrava em licença de maternidade, concretizado por funcionário da B... . (Cfr. art.º 20.º do PPA – facto não contestado pela Requerida).
  10. A fim de apurar o valor mensal a facturar à Requerente pelos serviços prestados pela B..., era elaborado um mapa mensal, em formato Excel, com o apuramento das horas efectivamente trabalhadas em cada mês por cada um dos referidos responsáveis pela prestação daqueles serviços no período em apreço, para efeitos de facturação. (Cfr. art.º 21.º do PPA – facto não contestado pela Requerida e Doc. n.º 8 junto ao PPA).
  11. A Requerente identificou uma sua colaboradora que era responsável pela verificação das presenças e ausências de cada uma das pessoas referidas no ponto J) do Probatório, assim como da realização da prestação de serviços contratada e pela inclusão dessa informação no mapa referido no ponto J) do Probatório (Cfr. art.º 21.º do PPA – facto não contestado pela Requerida e Doc. n.º 8 junto ao PPA).
  12.  O mapa referido no ponto J) do Probatório inclui informação com referência a cada uma das pessoas que concretiza o serviço prestado pela B... à Requerente, as horas trabalhadas e os valores unitários que estão na base no apuramento do valor a facturar à Requerente. (Cfr. art.º 21.º do PPA e Doc. n.º 8 junto ao PPA).
  13. O mapa referido no ponto J) do Probatório era enviado por email para a responsável da B..., a Dr.ª. C..., que procedia à emissão da(s) respectiva(s) factura(s). (Cfr. art.º 24.º do PPA).
  14. As facturas foram emitidas com dois tipos de descrições: “prestação de serviços no apoio administrativo e de expedição, arrumação e organização” e “trabalhos de apoio à ensacagem, limpeza, organização do edifício fabril” e no seguimento de Orçamento referido no ponto G) do probatório. (Cfr. facturas e Orçamento que integram o Doc. n.º 9 junto ao PPA, fls. 1 a 24/75 e 25/79 do Doc. n.º 9 a 13).  
  15. As descrições transcritas no ponto N) do probatório correspondem à denominação usual dos serviços prestados. (Cfr. art.º 26.º do PPA).
  16. As facturas respeitam aos serviços prestados em cada mês, ou seja, têm periodicidade mensal, sendo a quantidade indicada de 1. (Cfr. art.º 27.º do PPA).
  17. A Requerente, com base nas facturas recebidas e no mapa de presenças, verificava o valor debitado e enviava as referidas facturas à B..., por e-mail, para aprovação ou eventual correcção do montante facturado. (Cfr. e-mails enviados após recepção da factura relativos a três meses diferentes constantes do Doc. n.º 10 junto ao PPA).
  18. A Requerente foi objecto de procedimento inspectivo interno, de âmbito parcial, realizado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2021.... (Cfr. Ponto II.1, a fls. 4/44 do RIT junto ao PA, descrito como “Processo Administrativo – Parte 23”, ficheiro RIT 11-RIT.pdf e Doc. n.º 4, fls. 63/172 junto ao PPA).  
  19. Do procedimento inspectivo realizado e referido no ponto R) do Probatório resultaram correcções meramente aritméticas na esfera da Requerente. (Cfr. mapa Resumo das correcções resultantes da acção de inspeção, a fls. 4/44 do RIT junto ao PA, descrito como “Processo Administrativo – Parte 23”, ficheiro RIT 11-RIT.pdf e Doc. n.º 4, fls. 62/172 junto ao PPA).  
  20. No âmbito dessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo e cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte: III.1 - EM SEDE DE IVA - III.1.1 - Dedução indevida do IVA relativo a faturas não emitidas de forma legal, € 8.010,95 - alínea a) do n.º 2 do artigo 19.º e n.º 5 do artigo 36.° do CIVA - O contribuinte deduziu IVA, no montante total de € 8.010,95, relativamente as faturas indicadas no quadro seguinte, que se juntam a este relatório em Anexo III (24 Folhas), todas emitidas pelo fornecedor B..., LDA. (NIPC...) e referentes a ‘Prestação de serviços no apoio administrativo e de expedição, arrumação e organização”, com indicação do valor mensal total, a maior parte refere que está conforme o Orçamento n.º  2018/...:

 

O orçamento referido nas faturas, n.º 2018/8 de 14/06/2018, conforme imagem seguinte e em anexo III, refere-se a 1 unidade pelo valor de € 1.420,00 e tem na descrição “prestação de serviços no apoio administrativo e de expedição, arrumação e organização – Proposta Mensal.”

 

Apesar da existência de um orçamento geral, com um valor único, e 1 Unidade, nem o orçamento nem as faturas referidas contém os serviços prestados discriminados, ou seja, a identificação dos funcionários cedidos, o número de horas de trabalho e o tipo de prestação de serviços por cada um dos funcionários, assim como valores unitários e totais, até porque são emitidas uma a três faturas por mês, de diferentes valores e todas fazem referência ao referido orçamento.

Atendendo as descrições genéricas que se encontram nas faturas, não conferem direito a dedução de IVA de acordo com o artigo 19.º°, n.º 2, alínea a) do Código do IVA, uma vez que só confere direito a dedução o imposto mencionado em documentos, em nome e na posse do sujeito passivo e que, sendo faturas, estas sejam passadas na forma legal, esclarecendo o n.º 6 do mesmo artigo que “Para efeitos do exercício do direito a dedução, consideram se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º, consoante os casos.”

(...).” (Transcrição do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA).

“(...) Da análise dos documentos (...) que servem de suporte ao IVA deduzido, verifica-se que não cumprem com os requisitos de emissão de fatura previstos no n.º 5 do art.º 36.° do CIVA, mais especificamente com o previsto na alínea b).

Com efeito, o Código do IVA estabelece, por regra, a obrigatoriedade dos sujeitos passivos procederem a emissão de uma fatura pelas prestações de serviços que efetuarem, estabelecendo no art.º 36.° os requisitos a que a mesma deverá obedecer, sendo o seu cumprimento determinante para considerar os documentos assim emitidos processados em forma legal, devendo conter a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, especificando Os elementos necessários à determinação da taxa aplicável, de modo a uma correta identificação dos bens vendidos ou dos serviços prestados.

A descrição constante dos documentos é limitada a “Prestação de serviços no apoio administrativo e de expedição, arrumação e organização”, não permitindo identificar quais os serviços prestados, discriminados por dias, horas, pessoal, a que se refere cada fatura, até porque o orçamento n.º ORC 2018/... a que as faturas se referem menciona ainda “estes preços incluem os custos legais referentes a feriados, subsídio de Natal, subsídio de férias, subsídio de férias não gozadas, seguro de acidentes de trabalho e indemnização por caducidade; o custo do exame medico está incluído, assim como eventuais EP’s que possam vir a ser necessários”, tratando-se de cedência de pessoal, mas sem a discriminação necessária para o adquirente poder deduzir o IVA de acordo com a lei.

Os documentos em causa não cumprem a exigência legal, nem remetem para qualquer documento donde conste o cumprimento da mesma. Apesar de ter sido solicitado a remessa desses documentos, e de ter sido remetido um orçamento, cada fatura não faz referência aos trabalhos em específico cujo valor faturado se refere dentro dos enumerados no orçamento.

Ora, só a remissão na própria fatura, para outro documento, contemporâneo da mesma, com descrição das prestações de serviços, funcionários, horas, valores unitários, seria suscetível de suprir a forma legal da fatura, o que, no caso concreto, não se verifica.

Na verdade, só com estes elementos é que a Administração Fiscal consegue fazer um controlo da situação tributária quer do sujeito passivo emitente das faturas, quer do sujeito passivo adquirente e sem os quais não se consegue identificar quais os trabalhos propriamente efetuados, nem o preço da mão-de-obra e eventuais materiais utilizados.

As faturas em causa não cumprem com os requisitos de emissão de fatura previstos no n.º 5 do art.º 36.° do CIVA, mais especificamente com o previsto na alínea b), nem remete para qualquer documento complementar que contenha essa informação por cada fatura. (...) Daqui resulta, que o IVA mencionado nas faturas foi indevidamente deduzido uma vez que de acordo com o n.º 2 do artigo 19.º do CIVA, na sua alínea a) só confere direito a dedução o imposto mencionado em faturas emitidas na forma legal. (...).”III.2 - EM SEDE DE IRC - III.2.1 - Gastos não devidamente documentados, € 34.828,72; n.º 4 do artigo 23° e alínea c) do n.º 1 do artigo 23°-A do CIRC -  Conforme análise efetuada no Ponto Ill – 1.1 – “IVA Deduzido indevidamente relativo a faturas que não foram emitidas de forma legal”, as faturas emitidas pelo fornecedor B..., LDA (NIPC...), contabilizadas como gastos na conta 62608009 — Outros Serviços, no montante de € 34.828,72, concluiu-se que nas mesmas não constam informação relativa aos serviços prestados em cada um dos períodos a que as faturas se referem, em termos qualitativos e quantitativos, nem nenhum documento acessório que permita identificar funcionários, horas, dias em que os serviços foram efetivamente efetuados. Constatou-se assim que o sujeito passivo contabilizou e considerou para efeitos fiscais, conforme quadro seguinte, através dos registos contabilísticos referidos, gastos cujos documentos justificativos (faturas) não constam dos elementos legalmente exigidos, encontrando-se os mesmos em incumprimento relativamente à alínea c) e d) do n.º 4 do art.º 23.º do CIRC:

 

(Transcrição dos n.ºs 3 e 4 do art.º 23.º do CIRC e da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC).

Não cumprindo a fatura em causa com os requisitos estipulados no n.º 4 do artigo 23.º do código do IRC, o valor da referida fatura não pode ser considerado para efeitos de apuramento do resultado fiscal do exercício, conforme se encontra estipulado na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.°-A do código do IRC.

Os documentos disponibilizados não foram suficientes de modo a cumprir com o exigido pelo n.º 4 do artigo 23° do CIRC, nomeadamente “c) A quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados” e “d) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados”, pois não especificam o tipo de serviço efetuado, quantidades, valores unitários.

Neste contexto, em que não foi possível validar a legitimidade das deduções destes gastos, efetuada pelo sujeito passivo, tendo em conta a forma como a operação foi formalmente faturada e o enquadramento legal que foi descrito, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 23°-A, não são dedutíveis para determinação do lucro tributável os encargos cuja documentação não cumpra o disposto no n.º 3 e 4 do artigo 23°, estamos perante um gasto a desconsiderar no valor de € 34.828,72 que deverá ser acrescido ao RLP no Campo 731 — Encargos não devidamente documentados, da declaração de rendimentos modelo 22.” (Cfr. Ponto III.1.1, a fls. 14/44 do RIT junto ao PA e Ponto III.2.1, a fls. 23/44, descrito como “Processo Administrativo – Parte 23”, ficheiro RIT 11-RIT.pdf e Doc. n.º 4, fls. 73/172 e ss. e fls. 82/172 e ss. junto ao PPA).  

  1. Em 11.10.2022, através do Ofício n.º... de 04/10/2022, a Requerente foi notificada do projeto de conclusões do relatório de inspeção, para, no prazo de 15 dias, exercer, querendo, o direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia, previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e no artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCIPTA) (Cfr. Capítulo «IX – Direito de Audição» do RIT junto ao PA e descrito como “Processo Administrativo – Parte 23”, ficheiro RIT 11-RIT.pdf e Doc. n.º 4, junto ao PPA).
  2. Em 26.10.2022, no decurso do prazo concedido para a audição prévia, a Requerente exerceu o seu direito de participação. (Cfr. capítulo «IX.1 – Elementos e alegações apresentados no Direito de Audição» do RIT junto ao PA e descrito como “Processo Administrativo – Parte 23”, ficheiro RIT 11-RIT.pdf e Doc. n.º 4, junto ao PPA).)
  3. No ponto IX.2 do Relatório de Inspecção, sobre a epígrafe “ANÁLISE DOS ELEMENTOS E ALEGAÇÕES APRESENTADOS  NO DIREITO DE AUDIÇÃO”, consta:  “[R]elativamente as seguintes propostas de correcão apresentadas no projeto de relatório da inspeção tributária e aos elementos e alegacões apresentados pelo sujeito passivo concluímos o seguinte: Dedução indevida do IVA relativo a faturas não emitidas de forma legal, € 8.010,95 - alínea a) do n.º 2 do artigo 19.º e n.º 5 do artigo 36.° do CIVA - O IVA das faturas descriminadas no quadro (...) [idêntico ao quadro 12 reproduzido no ponto U) do Probatório e que aqui se deve considerar repristinado] foi considerado deduzido indevidamente, no valor total de € 8.010,95, uma vez que do acordo como n.º 2 do artigo 19° do CIVA, na sua alínea c) só confere direito a dedução o imposto mencionado em faturas emitidas de forma legal, o que não acontece, uma vez que as faturas em causa não contêm os elementos contantes na alínea b) do n.º 5 do artigo 36° do CIVA pois nenhuma discrimina ou quantifica os trabalhos efetuados, nem nas mesmas é efetuada qualquer referência a documentos complementares que contivessem os elementos necessários de modo a compreender os valores totais faturados. A descrição constante das faturas indicadas é limitada a “Prestação de serviços de apoio administrativo e de expedição, arrumação e organização”, “Trabalhos de apolo a ensacagem, limpeza e organização do edifico fabril”, identificando o mês, havendo duas ou mais faturas por mês, não permitindo identificar o preço da mão-de-obra unitária, as horas de trabalho e os funcionários cedidos, a que corresponde cada fatura, impedindo o controlo da situação tributária pelos serviços da Administração Fiscal, quer do sujeito passivo emitente das faturas, quer do sujeito passivo adquirente. No âmbito do direito de audição o sujeito passivo remeteu mapas mensais que apresentam o número de horas em cada dia útil de trabalho e referente a cada um dos três funcionários, conforme descrito no ponto anterior, no entanto após a sua análise não se conseguiu, com os elementos disponibilizados, compreender como se chega ao valor total de cada fatura, uma vez que o contribuinte não valorizou as horas referidas e apesar dos esforços para calcular o valor tal não foi possível tendo em conta que: -  São emitidas duas faturas por mês, e não se sabe a que funcionários respeitam, mesmo que uma delas tivesse relacionada com um funcionário e a outra com dois, não se conhece o valor diário pago por cada trabalhador em cada mês, não se conseguindo calcular os montantes totais faturados; - Analisando os emails em Anexo II ao direito de audição percebe-se que o valor pago por dia pelo funcionário “C...” é de €60,45 no mês de setembro e de €63,64 no mês de outubro. O valor pago pelo funcionário “D...” é de € 60,45 no mês de agosto e de € 63,18 no mês de setembro, não se conseguindo estabelecer o valor unitário correto em cada mês, nem para todos os funcionários; - Em alguns meses há indicação de horas extraordinárias, das quais não há informação sobre a sua valorização; - Por outro lado, as horas totais referidas no mês de fevereiro de 464 horas não têm correspondência com a soma das horas registadas mensalmente que é de 472 horas. Conclui-se que não se conseguiu valorizar as horas mensais apresentadas, além de que as faturas em causa não cumprem com os requisitos de emissão de fatura previstos no n.º 5 do art.º 36.° do CIVA, mais especificamente com o previsto na alínea b), nem remete para qualquer documento donde conste o cumprimento da mesma, Ora, só a remissão na própria fatura, para outro documento, contemporâneo da mesma, seria suscetível de suprir a forma legal da fatura, o que no caso concreto, não se verifica. As faturas ou contêm a informação completa ou referenciam o documento complementar que contêm essa informação, nomeadamente um orçamento, contrato ou os mapas que foram desmobilizados, que deverá estar junto da fatura, quanto muito se não tiver junto da fatura é solicitado o respetivo documento. No caso em análise nem com os mapas disponibilizados se consegue valorizar com rigor as horas de trabalho, agora disponibilizadas, dos funcionários cedidos pela fornecedor B... . As faturas não cumprem com o disposto no artigo 19.º, n.º 2, alínea a) do Código do IVA, o qual estipula que só confere direito a dedução o imposto mencionado em documentos, em nome e na posse do sujeito passivo e que, sendo faturas, estas sejam passadas na forma legal, esclarecendo o n.º 6 do mesmo artigo que “Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º, consoante os casos.” Conforme já explicado no ponto III deste relatório o artigo 36° dispõe acerca da formalidade das faturas, nos seguintes termos: [Transcreve-se o n.º 5 do art.º 36.º do CIVA].  Com efeito, o Código do IVA estabelece, por regra, a obrigatoriedade dos sujeitos passivos procederem à emissão de uma fatura pelas prestações de serviços que efetuarem, estabelecendo no art.º 36.° os requisitos a que a mesma deverá obedecer, sendo o seu cumprimento determinante para considerar os documentos assim emitidos processados em forma legal, em que as faturas devem conter a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, especificando os elementos necessários a determinação da taxa aplicável, ou seja, devem conter todos os elementos necessários a uma correta identificação dos bens vendidos ou dos serviços prestados. A descrição constante das faturas não permite identificar os funcionários cedidos e as horas trabalhadas, nem remetem para qualquer documento onde conste o cumprimento da mesma. Como já afirmado, só a remissão na própria fatura, para outro documento, contemporâneo da mesma, seria suscetível de suprir a forma legal da fatura, o que, no caso concreto, não se verifica. E conforme já referido, e apesar do esforço, não se conseguiu concluir pelo cálculo do valor total das faturas com base nos documentos extra enviados. Estes requisitos são elementos essenciais que devem constar das faturas e que não podem ser supridos por outro melo de prova para efeitos de dedução do IVA, nos termos do art.º 19.º, n.º 2 e n.º 6 do CIVA, que dispõe que só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas e documentos equivalentes passados em forma legal. Esta opinião tem siclo rebatida nos tribunais, havendo diversos acórdãos neste sentido, conforme já referidos no ponto III do projeto. Relativamente aos acórdãos apresentados pelo contribuinte, que dizem nomeadamente “que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais”, conclui-se que os requisitos materiais também não foram cumpridos uma vez que os mapas apresentados não permitem chegar ao cálculo dos valores totais das faturas, não dispondo assim a AT de todos os dados. Como o facto tributário em causa é a “prestação de serviços”, os documentos relevantes para efeito de liquidação do IVA são as faturas. O elevado grau de formalização exigido confere às faturas valor probatório para efeitos de dedução de IVA e, não sendo possível identificar e valorizar o concreto serviço prestado, não é possível confirmar a dedutibilidade do IVA contido nas faturas. E não há que aceitar um cumprimento desses requisitos de forma aligeirada. A consequência de as faturas não preencherem todos os requisitos legais previstos no art.º 36.° do CIVA é não serem suporte válido para a dedução de imposto de harmonia com o n.º 2 do art.º 19.° do mesmo diploma. Pelo exposto, a pretensão do sujeito passivo não pode ser atendida, quanto ao IVA mencionado nas faturas em causa, não sendo de aceitar a dedução efetuada do imposto refletido nos documentos indicados no Quadro 21 supra, sendo de corrigir o valor de € 8.010,95 respeitante a IVA deduzido indevidamente. Gastos não aceites para efeitos de apuramento do resultado fiscal, no montante de € € 34.828,72, n.º 4 do artigo 23.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC - Conforme descrito no ponto III.2.1 do relatório e no ponto anterior deste capítulo, não foram aceites as alegacões do sujeito passivo mantendo-se assim os respetivos gastos não aceites fiscalmente, num total de € 34.828,72, cujas respetivas faturas se encontram descriminadas no quadro 22, (...) [idêntico ao quadro 13 reproduzido no ponto U) do Probatório e que aqui se deve considerar repristinado] Não cumprindo as faturas em causa com os requisitos estipulados no n.º 4 do artigo 23.° do código do IRC, os valores das referidas faturas não podem ser considerados para efeitos de apuramento do resultado fiscal do exercício, conforme se encontra estipulado na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.°-A do código do IRC. Os documentos disponibilizados não foram suficientes de modo a cumprir com o exigido pelo n.º 4 do artigo 23° do CIRC, nomeadamente em termos de valorização das horas trabalhadas para concluir pelo valor total de cada fatura. De acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 23°-A, não são dedutíveis para determinação do lucro tributável os encargos cuja documentação não cumpra o disposto no n.º 3 e 4 do artigo 23°, tendo em conta os elementos insuficientes das faturas contabilizadas, estamos perante um gasto a desconsiderar no valor de €34.828,72, que deverá ser acrescido ao RLP no Campo 731 – Encargos não devidamente documentados, da declaração de rendimentos modelo 22. (...).” (Cfr. fls. 36/44 do RIT junto ao PA e descrito como “Processo Administrativo – Parte 23”, ficheiro RIT 11-RIT.pdf e Doc. n.º 4, fls. 95/172, junto ao PPA).)
  4. A Requerente apresentou pedido de reclamação graciosa, ao qual foi atribuído o n.º de procedimento ...2023..., dirigida às liquidações sindicadas. (Cfr. Doc. n.º 5, fls. 105 a 131/172, junto ao PPA).)
  5. Através de despacho do Chefe de Divisão da DF de Santarém, datado de 25.09.2023, exarado sobre a Informação datada de 12/09/2023, foi decidido o indeferimento da RG n.º ...2023..., com base nos factos e fundamentos que constam da Informação que aqui se dá por integralmente reproduzida. (Cfr. ponto 33 da Resposta e fls. 1/10 do ficheiro junto ao PA e descrito como “Processo Administrativo – Parte 10”, ficheiro “PRG 10 – Despacho Final CAT 2023....pdf”).
  6. Não concordando com a decisão, a Requerente apresentou o presente PPA.
  7. A Requerente procedeu, em 7.2.2023, ao pagamento da totalidade das liquidações sindicadas. (Cfr. Comprovativos do pagamento juntos ao PPA como Doc. n.º 12.);
  8. O PPA foi enviado ao CAAD em 10.1.2024, pelas 19:00 horas e veio a dar origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD);
  9. O pedido foi aceite em 12.1.2024, pelas 15:26 horas (Cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD).

IV.B) Factos não provados:

 

  1. Não há factos dados como não provados.

 

IV.C) Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:

 

  1. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
  2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (Cfr. art.º 596.º do CPC).
  3. A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária e nomeadamente na prova documental junta aos autos pela Requerente e Requerida.
  4.  Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o princípio da livre apreciação.
  5. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

 

IV.D) MATÉRIA DE DIREITO (FUNDAMENTAÇÃO):

 

IV.D.1) DA EXCEPÇÃO DA CUMULAÇÃO ILEGAL DE PEDIDOS SUSCITADA PELA REQUERIDA:

 

  1.  A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou a excepção de cumulação ilegal de pedidos, por entender, em suma, que não estarem reunidos os pressupostos do nº 1 do art.º 3º do RJAT, já que “[O] facto de os pedidos resultarem da mesma acção inspetiva não implica que estejamos perante a possibilidade legal de cumulação de pedidos prevista no artigo 3.º n.º 1 do RJAT uma vez que os pedidos formulados nos presentes autos respeitam a diferentes actos tributários, mais concretamente a liquidações de IRC, de IVA e não dependem da aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.”
  2. A Requerente respondeu defendendo que a alegação da Requerida que sustenta a verificação da excepção da cumulação ilegal de pedidos, mostra-se totalmente improcedente por desprovida de fundamento legal, sendo, aliás, igualmente contrária à mais recente jurisprudência arbitral e à melhor doutrina.
  3. No requerimento superveniente, entrado no SGP do CAAD em 19.6.2024, onde responde à excepção na sequência do despacho de 29.5.2024, diz a Requerente: “[6.] Dispõe o artigo 3.º, n.º 1, do RJAT que “[A] cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.” 7. Pela simples leitura desta norma, torna-se evidente que este artigo não exige que os pedidos cumulados se reportem a “tributos idênticos”. 8. Por outro lado, quanto à aplicação subsidiária das regras do CPPT, em particular do disposto no artigo 104.º daquele compêndio legal, conforme previsto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, naturalmente a mesma terá de ser feita considerando a sua redacção actual e não aquela resultante do diploma que o aprovou em 1999… 9. É a versão de 1999 que a Administração Tributária cita no artigo 8.º da sua resposta e é na mesma que, inexplicavelmente, funda a excepção invocada. 10. Em 2019, o artigo 104.º do CPPT sofreu extensiva revisão que torna in casu inócua a sua redacção em 1999 e inócua também a jurisprudência mencionada pela Administração que se baseou naquela redacção.  11. Sobre a interpretação do referido artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, ensina o Exmo. Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa do modo claro que “pode ser pedida a   um tribunal arbitral a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de IVA  e IRC que tenham subjacente a mesma materialidade fáctica detetada em ação de inspeção”, não sendo necessário, para essa cumulação de pedidos, “que haja uma              identidade absoluta das              situações fácticas, bastando que seja essencialmente              idêntica a questão jurídico‐fiscal             a apreciar e que a situação fáctica seja semelhante nos     pontos que relevem para a decisão” (cf.      Guia da Arbitragem Tributária, Coord: Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, Almedina, 2013, pp. 145-148).  12. Ao que acresce que, considerando-se que esta questão não se encontra suficientemente regulada no âmbito do RJAT, será, como já aflorado, de aplicar subsidiariamente o previsto no artigo 104.º do CPPT, de acordo com o qual: “Na impugnação judicial é admitida a cumulação de pedidos, ainda que relativos a diferentes       atos, e a coligação de autores, desde que, cumulativamente: a) Aos pedidos corresponda a mesma forma processual;            e b) A sua apreciação tenha por    base as mesmas circunstâncias de facto ou o mesmo relatório             de inspeção tributária, ou sejam suscetíveis de ser decididos com     base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo”. 13. Ora, considerando que os actos de liquidação objecto do presente pedido visam concretizar as correcções decorrentes do mesmo procedimento de inspecção e reflectidas num único relatório de inspecção tributária que incidiu sobre o IVA e IRC do exercício de 2019 e ainda que subjacentes àqueles actos se encontram os mesmos factos e um mesmo conjunto de gastos cuja dedutibilidade foi pela Administração Tributária negada, em sede de IVA e de IRC, com base em enquadramento idêntico, i.e., alegando que os mesmos não se encontram adequadamente documentados. 14. Então, é possível a cumulação pretendida, estando preenchidos os requisitos dos quais a aceitação da mesma depende. 15. Neste exacto sentido, vejamos a decisão arbitral proferida no processo n.º 243/2021-T em 5 de Março de 2022 ou a decisão arbitral emitida no processo n.º 442/2020-T em 31 de Maio de 2021. 16. É de sublinhar ainda que resulta também da jurisprudência arbitral que as regras sobre cumulação de pedidos têm subjacentes razões de economia processual, pelo que devem ser interpretadas teleologicamente não com a perspectiva de colocação de obstáculos à apreciação das pretensões dos sujeitos passivos, mas sim, com o alcance de viabilizarem a cumulação sempre que as razões de economia se verifiquem.  17. Donde a cumulação da contestação destes actos de liquidação se deve ter não apenas como possível, na medida em que se encontram preenchidos todos os requisitos para a cumulação de impugnações constantes do n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, mas também como desejável por esta ser a única solução que garante a economia de meios e a uniformidade das decisões, assegurando a concretização do princípio constitucional da igualdade e da tutela jurisdicional efectiva. 18. Assim, e face ao exposto conclui-se pela legalidade da cumulação de pedidos formulados pela Requerente, improcedendo consequentemente a excepção da ilegalidade da mesma suscitada pela Administração Tributária no âmbito da sua resposta.”  
  4. Dispõe o art.º 104º do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, no sentido de que: 1 - Na impugnação judicial é admitida a cumulação de pedidos, ainda que relativos a diferentes atos, e a coligação de autores, desde que, cumulativamente: a) Aos pedidos corresponda a mesma forma processual; e b) A sua apreciação tenha por base as mesmas circunstâncias de facto ou o mesmo relatório de inspeção tributária, ou sejam suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo. 2 - Não obsta à cumulação ou à coligação referida no número anterior a circunstância de os pedidos se reportarem a diferentes tributos, desde que todos se reconduzam à mesma natureza, à luz da classificação prevista do n.º 2 do artigo 3.º da Lei Geral Tributária. (...).”
  5. Ora, in casu, nos presentes autos, sindicam-se IRC e IVA, estando nós, por isso, perante tributos da mesma natureza, ou seja, ambos impostos, decorrendo as liquidações aqui em causa da mesma factualidade e baseando-se a causa de pedir e o pedido de anulação das liquidações aqui em causa nos mesmos fundamentos de facto e de direito, sendo ainda o mesmo o tribunal competente para conhecer de todos os pedidos, bem como, a mesma entidade recorrida, pelo que exigências de racionalidade de meios, de celeridade da decisão e até para se evitarem decisões contraditórias, apontam, diga-se desde já, no sentido daquelas liquidações deverem ser analisadas na mesma acção, assim se justificando a cumulação de pedidos a que se referem o n.º 1 do art.º 3.º do RJAT e também o art.º 104º do CPPT.
  6. A ancorar a hermenêutica vinda de explicitar leve-se na devida conta a mais recente corrente jurisprudencial emanada do STA, nomeadamente: i) o Acórdão de 17.12.2014, proferido no âmbito do Processo n.º 0544/14, de 29.5.2013; ii) o Acórdão de 6.3.2013, proferido no âmbito do Processo n.º 01327/12; iii) o Acórdão de 24.10.2012, proferido no âmbito do Processo n.º 0747/12, cujo sumario diz: “I - O facto de a impugnação judicial respeitar a IVA e a IRC - sendo o IVA um imposto sobre a despesa e o IRC um imposto sobre o rendimento - não obsta ao prosseguimento dos autos, pois que em ambos os casos se está perante tributos com a natureza de impostos (art.º 104º do CPPT). II - Decorrendo as liquidações adicionais de um mesmo facto, que foi a alteração da matéria tributável, efectuada por métodos indirectos, e baseando-se a anulação das liquidações adicionais no mesmo fundamento de facto e de direito, exigências de racionalidade de meios, da celeridade da decisão e até para evitar decisões contraditórias, tudo aponta também no sentido das liquidações em causa serem analisadas na mesma acção, devendo o art.º 104º do CPPT ser interpretado à luz do princípio pro actione, corolário do direito à tutela judicial efectiva (...).” No sentido da adequação da cumulação de impugnações vejam-se também os ensinamentos de Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, in “Contencioso Tributário”, Volume II, 2017, Almedina, pp 207 a 211.
  7. O n.º 1 do art.º 3.º do RJAT dispõe no sentido de que “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.”
  8. Assim sendo, a admissibilidade da cumulação não depende da identidade absoluta de questões de facto e de direito.
  9. E assim o sustentamos fundados na circunstância de decorrer da letra do n.º 1 do art.º 3º que a procedência dos pedidos dependa “essencialmente” da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, ou seja, intuindo-se daqui que não tem de haver identidade absoluta de questões de facto e de direito para que na arbitragem tributária se admita a cumulação.  
  10. A cumulação de pedidos é admitida por razões de economia processual e celeridade, pelo que, numa interpretação teleológica do n.º 1 do art.º 3.º do RJAT, deve ser admitida quando há suficiente identidade (não identidade absoluta) entre os pedidos que permita concluir que valem aquelas razões de economia processual e de celeridade.
  11. Acompanhando Jorge Lopes de Sousa em despacho interlocutório proferido no Processo Arbitral n.º 1047/2023-T, onde o aqui signatário igualmente integrava o colectivo e que decidiu o dissídio submetido ali a julgamento, entende este Tribunal estarmos perante matéria em que não estão em causa valores de direito substantivo, mas meras opções legislativas que têm subjacentes considerações pragmáticas relativas à  optimização dos serviços de justiça, que, em regra, é amplificada com a economia processual e uniformidade de decisões que a cumulação (como a coligação) têm potencialidade para proporcionar. Assim, a concretização legislativa das situações de admissibilidade da cumulação e coligação corresponderá ao juízo legislativo sobre a optimização dessa eficiência, restringindo-as em situações em que se afigura legislativamente que poderão afectar a eficiência em vez de a promover. Com a Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, que alterou o artigo 104.º do CPPT, verificou-se uma ampliação das possibilidades de cumulação de pedidos no processo de impugnação judicial, no âmbito do “aprofundamento de mecanismos processuais potenciadores de uma maior racionalidade e celeridade na tramitação dos processos tributários”, mostrando a nova redacção a perspectiva legislativa actualizada sobre a conveniência ou não de cumulação de pedidos. Assim, numa perspetiva que tenha em conta a unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), idênticas possibilidades de cumulação de pedidos devem ser aplicadas também ao contencioso arbitral, pois é manifesto que não valem neste menos do que no processo de impugnação aquelas razões de economia e celeridade e até há neste na arbitragem maiores preocupações deste tipo (como decorre do princípio da celeridade e do prazo para proferir decisão arbitral). Na verdade, a nova redacção do artigo 104.º do CPPT é a mais actualizada perspectiva legislativa sobre a matéria, em que se chegou à conclusão que, nas condições actuais, as vantagens a nível de eficiência superam as desvantagens quando está em causa o mesmo relatório, mesmo que não se esteja perante mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito. O legislador do RJAT admite todas as situações de cumulação previstas no artigo 104.º do CPPT, na redacção inicial, mais algumas, pois não afastava a cumulação quando estivessem em causa tributos diferentes, o que revela que, na perspectiva legislativa, não há razões para admitir na arbitragem todas as situações de cumulação admitidas em processo de impugnação judicial. O que, aliás, se compreende, pois se se concluiu que, nas situações indicadas no processo de impugnação judicial, a cumulação favorece a celeridade e eficiência, não haverá razões para não a admitir na arbitragem em que essas preocupações de celeridade e eficiência são acentuadas. Por isso, o artigo 3.º do RJAT, numa interpretação actualista, que atenda à perspectiva legislativa mais recente sobre a possibilidade de cumulação de pedidos e assegure a congruência reclamada pelo princípio da unidade do sistema jurídico (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), deve ser entendido como não obstaculizando a cumulação em todas as situações em que ela é admitida no processo de impugnação judicial. Nos termos daquele artigo 104.º do CPPT, é admissível a cumulação e pedidos quando:  i) lhes corresponda a mesma forma processual; ii) a sua apreciação tenha por base as mesmas circunstâncias de facto ou o mesmo relatório de inspeção tributária, ou sejam suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo; iii) não obsta à cumulação ou à coligação referida no número anterior a circunstância de os pedidos se reportarem a diferentes tributos, desde que todos se reconduzam à mesma natureza, à luz da classificação prevista do n.º 2 do artigo 3.º da Lei Geral Tributária. Não é exigida, pelo artigo 104.º do CPPT a identidade de questões de direito, o que decorre da admissibilidade de cumulação de pedidos relativos a tributos diferentes.
  12. In casu, verificam-se todos os requisitos da cumulação, pois: i) todos os pedidos de anulação de liquidações podem ser formulados em processo arbitral; ii) a sua apreciação tem por base o mesmo relatório de inspeção tributária; iii) as circunstâncias de facto relevantes para apreciação da legalidade das liquidações de IVA é a mesma que releva para as correspondentes correcções em sede de IRC; e, finalmente, iv) todos os pedidos de anulação de reportam a impostos, a tributos da mesma natureza, à luz da classificação prevista do n.º 2 do artigo 3.º da Lei Geral Tributária. 
  13. Ademais, não estamos aqui, sequer, perante a aplicação de normativos substancialmente diferentes, já que os requisitos formais impostos à emissão de facturas, tendentes a titular gastos em sede de IRC, quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura nos termos do Código do IVA, são, por remissão para as regras previstas no CIVA no que tange à facturação, empreendida pelo n.º 6 do art.º 23.º do CIRC, os exigidos para a sua relevância para efeitos do direito à dedução naquela sede. Significando isto que, in casu, a procedência dos pedidos apresentados pela Requerente, depende “essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”, tal como se diz no n.º 1 do art.º 3.º do RJAT.
  14. Improcede, assim, a excepção da cumulação ilegal suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

 

IV.D.2) DA (I)LEGALIDADE DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO DE IRC E IVA AQUI SINDICADOS:

 

IV.D2.1) O DIREITO À DEDUÇÃO EM SEDE DE IVA E ENUNCIAÇÃO DO QUADRO NORMATIVO (NACIONAL E COMUNITÁRIO) QUE O ENCERRA:

 

  1. O IVA, tendencialmente, tributa a generalidade das operações realizadas ao longo da cadeia de valor, permitindo que os sujeitos passivos se desonerem do imposto que suportam a montante das operações activas que realizam. A este propósito adequado se mostra trazer aqui à colação o disposto no n.º 2 do art.º 1.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006([2]) (doravante Directiva IVA) que estatui: “O princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exactamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.”
  2. O IVA opera através do método subtrativo indireto, sendo este o mecanismo essencial do funcionamento do imposto, tido como a sua trave-mestra, permitindo, através do direito à dedução e regime dos reembolsos, que se alcance a neutralidade e se previna o efeito cumulativo, garantindo que o imposto é suportado pelo consumidor final.
  3. O princípio da neutralidade enquanto pilar basilar do sistema de IVA pressupõe que o imposto incorrido pelo sujeito passivo no âmbito da sua atividade económica seja integralmente dedutível ao imposto que este liquide no âmbito dessa atividade.
  4. A dedução do imposto suportado pelos sujeitos passivos nas operações intermédias do circuito económico é um elemento central do funcionamento do sistema do IVA, que tem como objetivo tributar apenas o consumo final.
  5. O direito à dedução pressupõe, pois, que os sujeitos passivos recuperem, em regra, o IVA suportado em bens e serviços com vista à realização de operações tributadas, dentro dos limites estabelecidos no Código do IVA.
  6. Nesse sentido, o n.º 1 do art.º 19.º do CIVA estatui no sentido de que, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram: i) o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos; ii) o imposto devido pela importação de bens; iii) o imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidas pelas alíneas e), h) e j) e l) do n.º 1, do art.º 2.º; iv) o imposto pago como destinatário de operações tributáveis efetuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não tenham faturado imposto; v) e, finalmente, o imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro de acordo com art.º 15.º, n.º 6 do CIVA.
  7. O n.º 2 do mesmo normativo estabelece, no entanto, um condicionalismo formal, segundo o qual só confere o direito à dedução o imposto mencionado em faturas passadas em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, considerando-se passadas na forma legal, as faturas que contenham os requisitos enunciados no n.º 5 do art.º 36.º ou no n.º 2 do art.º 40.º, ambos do CIVA.
  8. Por outro lado, o artigo 20.º, n.º 1 do CIVA, determina que só pode deduzir- se o imposto suportado pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitos a imposto e dele não isentas, nos termos da sua alínea a), ou nas operações elencadas na sua alínea b).
  9. Intuindo-se das aludidas normas que o imposto susceptível de desoneração por via do exercício do direito à dedução, corresponde, em princípio, a todo o imposto suportado pelo sujeito passivo para o exercício da sua atividade económica, ou seja, a imposto que tenha sido suportado em aquisições de bens e serviços que sejam utilizados para a realização de operações activas tributadas.
  10. Contudo, a regra geral do direito à dedução comporta algumas excepções, as quais têm previsão legal no art.º 21.º do CIVA e estão, sobretudo, relacionadas com imposto relativo a aquisições de determinados bens ou serviços cujas características os torna não essenciais à atividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos privados e, por isso, não empresariais.
  11. Em sede de IVA e nos termos e em conformidade com o disposto no art.º 21.º do Código do IVA, encontra-se excluído do exercício do direito à dedução o imposto suportado nas operações ali referidas e que aqui se devem considerar reiteradas.
  12. Volvendo agora a nossa abordagem para o ordenamento jurídico-comunitário, diga-se que o exercício do direito à dedução em sede de IVA, consubstancia uma das principais características deste imposto, em conformidade, aliás, com o regime consagrado na Sexta Diretiva (Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17.5.1977), concretamente no seu art.º 17.º [que corresponde, actualmente, ao art.º 167.º e seguintes da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro, relativa ao sistema comum do IVA (vulgarmente denominada de "Diretiva IVA")], preceito que consagra as regras do exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objetivos e subjetivos do exercício do referido direito.
  13. O direito comunitário é matriz e fundamento do Sistema Comum do IVA.
  14. Sendo que, o direito interno dos Estados-membros (o nacional e a tal propósito, basicamente explicitado acima) não pode conceber e adotar soluções legislativas que se mostrem em contravenção com a matriz a que todos os Estados da União Europeia devem obediência.
  15. O direito à dedução é elemento estruturante e basilar de funcionamento do IVA e, por princípio, não pode ser limitado ou simplesmente excluído, excepto nas situações previstas expressamente no normativo comunitário em vigor. Vejamos,
  16. O aludido Sistema Comum do IVA, já o dizia o art.º 2.º da Diretiva n.º 67/227/CEE (o que se mantém perfeitamente inalterado na actual Diretiva n.º 2006/112/CE) “(...) consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.”
  17. O cálculo do IVA pelos operadores económicos efectua-se através do designado método subtrativo indirecto, em conformidade com o estabelecido no 2.º parágrafo do n.º 2 do art.º 1.º da actual Diretiva n.º 2006/112/CE - “Diretiva IVA” - nos seguintes termos: “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”
  18. O regime das deduções que enforma o Sistema Comum do IVA, visa, assim, desonerar inteiramente o empresário do imposto que suporte no âmbito de todas as suas atividades económicas, desde que, elas próprias, estejam efectivamente sujeitas a imposto.
  19. Como reiteradamente vem afirmando o TJUE: “O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA”. Neste sentido vejam-se Acórdãos do TJUE: - de 5.7.2018, Proc. C-320/17, Marie Participations; - de 2.5.2019, Proc. C-225/18, Grupa Lotos; - de 3.7.2019, Proc. C-316/18, The Chancellor, Masters and Scholars if the University of Cambridge; e - de 26.2.2020, Proc. C-630/19, PAGE International.
  20. O direito à dedução “constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União, pelo que o referido direito faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.” (Cfr. Acórdão do TJUE de 14.6.2917, Proc. C-38/16, Compass Contract Services e ainda Acórdão do TJUE de 18.10.2018, Proc. C- 153/17, Volkswagen Financial Services).
  21. O regime comunitário das deduções tem consagração expressa na Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11/2006 (DIVA), entre outros, nos seus artigos 167.º, 168.º e 178.º, correspondentes aos artigos 17.º e 18.º da anterior Diretiva 77/388/CEE (Sexta Diretiva IVA).
  22. Dispondo a alínea a) do art.º 168.º, da DIVA, no sentido de que, na medida em que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito a deduzir o imposto devido ou pago relativo a esses bens ou serviços.
  23. No plano formal, a dedução do imposto relativo à aquisição de bens e serviços implica, em conformidade com o disposto na alínea a) do art.º 178.º da DIVA, a posse de uma factura emitida nos termos legais, isto é, contendo todos os elementos previstos na norma da Diretiva relativa à facturação.
  24. Tal como resulta do disposto no n.º 1 do art.º 19.º do CIVA, para apuramento do IVA devido em cada período de tributação, grosso modo, os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram, o imposto suportado subjacente às operações realizadas a montante (inputs) e demais operações previstas nas alíneas b) a e) do n.º 1 do art.º 19.º do CIVA.
  25. Tal dedução do imposto suportado a montante efectiva-se, nos termos do n.º 2 do art.º 22.º do CIVA, na declaração correspondente ao período de tributação ou a período de tributação posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das respetivas faturas.
  26. Por outro lado, sempre que, no período de tributação correspondente, o montante do IVA dedutível supere o montante do IVA liquidado (e ligado à realização das correspondentes operações activas tributadas), o correspondente excesso é deduzido nos períodos de tributação seguintes, operando-se, assim o reporte do imposto que não foi possível deduzir para o período ou períodos seguintes em conformidade com o estatuído no n.º 4 do art.º 22.º do CIVA acima transcrito.
  27. Face ao quadro normativo nacional e comunitário acima traçado, resulta meridianamente clarividente que o exercício do direito à dedução a empreender pelos sujeitos passivos de IVA está dependente da verificação de requisitos de ordem formal, assim como, de requisitos substanciais ou materiais.
  28. Os requisitos formais respeitam ao conjunto de formalidades a que deve obedecer a emissão dos documentos de facturação e que estão ínsitos no n.º 5 do art.º 36.º do CIVA; já os requisitos materiais, respeitam à efectividade das operações e respectiva conexão com as actividades exercidas pelos sujeitos passivos a quem é conferido tal direito.
  29. Relevante para a apreciação da verificação dos requisitos materiais que encerram o direito à dedução é o n.º 1 do art.º 19.º do CIVA, que, como dito acima, estatui no sentido de que, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram: i) o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos; ii) o imposto devido pela importação de bens; iii) o imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidas pelas alíneas e), h) e j) e l) do n.º 1, do art.º 2.º; iv) o imposto pago como destinatário de operações tributáveis efetuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não tenham faturado imposto; v) e, finalmente, o imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com art.º 15.º, n.º 6 do CIVA. Ainda relevante, na perspetiva dos requisitos materiais a que deve obedecer o direito à dedução em sede de IVA, é o n.º 1 do art.º 20.º do Código do IVA, que estatui como segue: “[...] 1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas; b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em: I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º; II) Operações efetuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efetuadas no território nacional; III) Prestações de serviços cujo valor esteja incluído na base tributável de bens importados, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º; IV) Transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 e pelos n.ºs 8 e 10 do artigo 15.º; V) Operações isentas nos termos dos n.ºs 27) e 28) do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam diretamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade; VI) Operações isentas nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro.” O n.º 1 do art.º 20 do CIVA, tem como matriz, no sistema comum do IVA que está materializado na Directiva IVA, o art.º 168.º daquele compendio normativo e que dispõe: “[...] Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes: a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo; b) O IVA devido em relação a operações assimiladas a entregas de bens e a prestações de serviços, em conformidade com a alínea a) do artigo 18.º e o artigo 27.º; c) O IVA devido em relação às aquisições intracomunitárias de bens, em conformidade com o artigo 2.º, n.º 1, alínea b), subalínea i); d) O IVA devido em relação a operações assimiladas a aquisições intracomunitárias, em conformidade com os artigos 21.º e 22.º; e) O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado–Membro.”
  30. Já quanto aos requisitos formais a que devem obedecer ao documentos de facturação, estão, como dito, explicitados no n.º 5 do art.º 36.º do Código do IVA, que, sob a epigrafe “Prazo de emissão e formalidades das faturas”, estatui: “[...] 5 - As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos: a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto; b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução; c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável; d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido; e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso; f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura. No caso de a operação ou operações às quais se reporta a fatura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável. [...].”
  31. A matriz comunitária daquele normativo é o art.º 226.º da Directiva IVA, que, na Secção 4, sob a epígrafe “Conteúdo das Facturas”, dispõe: “[...] Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente diretiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.º e 221.º  são as seguintes: 1) A data de emissão da fatura; 2) O número sequencial, baseado numa ou mais séries, que identifique a fatura de forma unívoca; 3) O número de identificação para efeitos do IVA, referido no artigo 214.º, ao abrigo do qual o sujeito passivo efetuou a entrega de bens ou a prestação de serviços; 4) O número de identificação para efeitos do IVA do adquirente ou destinatário, referido no artigo 214.º, ao abrigo do qual foi efetuada uma entrega de bens ou uma prestação de serviços pela qual aquele seja devedor do imposto ou uma entrega de bens referida no artigo 138.º; 5) O nome e o endereço completo do sujeito passivo e do adquirente ou destinatário; 6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados; 7) A data em que foi efetuada, ou concluída, a entrega de bens ou a prestação de serviços ou a data em que foi efetuado o pagamento por conta, referido nos pontos 4) e 5) do artigo 220.º, na medida em que essa data esteja determinada e seja diferente da data de emissão da fatura; 7-A) Quando o IVA se torna exigível no momento em que o pagamento é recebido em conformidade com a alínea b) do artigo 66.º e o direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, a menção «Contabilidade de caixa»; 8) O valor tributável para cada taxa ou isenção, o preço unitário líquido de IVA, bem como os abatimentos e outros bónus eventuais, se não estiverem incluídos no preço unitário; 9) A taxa do IVA aplicável; 10) O montante do IVA a pagar, salvo em caso de aplicação de um regime especial para o qual a presente diretiva exclua esse tipo de menção; 10-A) Quando a fatura for emitida pelo adquirente ou destinatário da entrega de bens ou da prestação de serviços, e não pelo fornecedor ou prestador, a menção «Autofaturação»; 11) Em caso de isenção, a referência à disposição aplicável da presente diretiva, ou à disposição nacional correspondente, ou qualquer outra menção indicando que a entrega de bens ou a prestação de serviços beneficia de isenção; 11-A) Quando o adquirente ou destinatário for devedor do imposto, a menção «Autoliquidação»; [...]”.
  32. Ainda a propósito do quadro normativo que conforma a existência de formalismos a que devem obedecer os documentos de facturação e com relevância para a dilucidação da questão submetida a julgamento, importa aqui trazer os n.ºs 2 e 6 do artigo 19.º do CIVA, que, relativamente ao direito à dedução, prescrevem: “[...] 2 – Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo: a) Em faturas passadas na forma legal; [...] 6 – Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º, consoante os casos. [...]”. A matriz comunitária daqueles normativos é a alínea a) do art.º 178.º da Directiva IVA que refere: “[P]ara poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições: a) Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.º, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma fatura emitida nos termos das secções 3 a 6 do capítulo 3 do título XI; [...].”
  33. Traçado o quadro normativo que conforma a questão sub judicio, segue-se a enunciação de jurisprudência emanada do TJUE sobre as consequências que emergem do incumprimento dos requisitos formais (acima explicitados) e, nomeadamente, se esse incumprimento pode, ipso facto, ter relevância no que tange à desoneração do IVA por via do exercício do direito à dedução que é conferido aos sujeitos passivos. Vejamos,

 

IV.D2.2) ENUNCIAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA SOBRE AS CONSEQUÊNCIAS QUE DECORREM DO INCUMPRIMENTO DOS REQUISITOS FORMAIS A QUE ESTÁ SUBORDINADA A FACTURAÇÃO CUJA POSSE LEGITIMA O EXERCÍCIO DO DIREITO À DEDUÇÃO EM SEDE DE IVA:

 

  1. Em termos de Jurisprudência Comunitária e no concernente às consequências resultantes do incumprimento de algum ou de alguns dos requisitos formais na emissão dos documentos de facturação que suportam a concretização do direito à dedução em sede de IVA, o TJUE tem vindo a ser chamado a pronunciar-se sobre tal temática, começando por se destacar, designadamente: i) o Acórdão Mahagében e Dávid de 21 de Junho de 2012, Processos n.ºs C-80/11 e C-142-11 e que pode ser lido in https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=124187&pageIndex=0&docla ng=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=4365437 ; e o Acórdão PPUH Stehcemp de 22 de Outubro de 2015, Processo n.º C-277/14, consultável in https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=170302&pageIndex=0&docla ng=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=4368172
  2. Não devendo olvidar-se que as decisões do TJUE constituem fonte de direito imediata, logrando-se, com isso, a desejável uniformidade e harmonização na aplicação do direito comunitário no espaço físico da União Europeia.
  3. E também que a jurisprudência do TJUE (aqui chamada à colação) não pode deixar de beneficiar do chamado “precedente vinculativo” na medida em que vincula todos os tribunal nacionais do Estados-membros tal como resulta do acórdão do TJUE de 15 de Julho de 1964, Pº Costa/Enel – 6/64, disponível in https://eur-lex.europa.eu/legal- content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61964CJ0006&from=NL .
  4. E ainda da vigência do princípio da interpretação conforme com o direito da União, que decorre da interpretação que o TJUE faz das disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 3 do TUE e 288.º, n.º 3 do TFUE.
  5. Tal princípio impõe que o intérprete ou aplicador do direito nacional atribua às disposições nacionais um sentido conforme ou compatível com as disposições do direito da União. E quanto ao sentido e alcance deste princípio, no Acórdão Von Colson, o TJUE entendeu que a obrigação de interpretação da norma nacional que transpõe uma diretiva, em conformidade com o texto e objetivo daquela, obriga o juiz nacional a dar prioridade ao método – de entre os métodos de interpretação permitidos pela ordem jurídica interna – que lhe permita atribuir à disposição nacional em causa uma interpretação compatível com a Directiva.
  6. Segundo jurisprudência bem assente do TJUE, o direito à dedução em sede de IVA, é um princípio fundamental do sistema comum do imposto que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante. Neste sentido, refere-se nos considerandos 38 e 39 do Acórdão referido em i) o seguinte: “[...] 38. Como o Tribunal de Justiça sublinhou reiteradamente, o direito à dedução previsto nos artigos 167.º e seguintes da Diretiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Em especial, esse direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (v., designadamente, acórdãos de 21 de março de 2000, Gabalfrisa e o., C-110/98 a C-147/98, Colet., p. I-1577, n.º 43; de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, Colet., p. I-6161, n.º 47; de 30 de setembro de 2010, Uszodaépítő, C-392/09, Colet., p. I-8791, n.º 34; e Comissão/Hungria, já referido, n.º 43). 39. O regime das deduções visa aliviar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante dessa forma a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente do seu fim ou do seu resultado, na condição de essas atividades estarem elas mesmas, em princípio, sujeitas a IVA (v., designadamente, acórdãos Gabalfrisa e o., já referido, n.º 44; de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o., C-255/02, Colet., p. I-1609, n.º 78; Kittel e Recolta Recycling, já referido, n.º 48; e de 22 de dezembro de 2010, Dankowski, C-438/09, Colet., p. I-14009, n.º 24). (...).”
  7. Abordando agora mais especificamente as consequências que decorrem do incumprimento dos requisitos formais a que está subordinada a facturação, decorre do segmento decisório do Acórdão Mahagében e Dávid de 21 de Junho de 2012, o seguinte: “[...] 1) Os artigos 167.º, 168.º, alínea a), 178.º, alínea a), 220.º, n.º 1, e 226.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prática nacional em virtude da qual a autoridade fiscal recusa a um sujeito passivo o direito de deduzir do montante de imposto sobre o valor acrescentado de que é devedor o montante do imposto devido ou pago pelos serviços que lhe foram fornecidos, pelo facto de o emitente da fatura correspondente a esses serviços ou por um dos seus fornecedores ter cometido irregularidades, sem que essa autoridade demonstre, com base em elementos objetivos, que o sujeito passivo em causa sabia ou devia saber que a operação invocada como fundamento do direito a dedução fazia parte de uma fraude cometida pelo emissor da fatura ou por outro operador interveniente a montante na cadeia de prestações. 2) Os artigos 167.º, 168.º, alínea a), 178.º, alínea a), e 273.º da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prática nacional em virtude da qual a autoridade fiscal recusa o direito a dedução com o fundamento de que o sujeito passivo não se certificou de que o emitente da fatura correspondente aos bens em relação aos quais o direito a dedução é pedido tinha a qualidade de sujeito passivo, dispunha dos bens em causa e estava em condições de os fornecer e tinha cumprido as suas obrigações de declaração e pagamento do imposto sobre o valor acrescentado, ou com o fundamento de que o referido sujeito passivo não dispõe, além da referida fatura, de outros documentos suscetíveis de demonstrar que essas circunstâncias estão reunidas, apesar de os requisitos materiais e formais previstos na Diretiva 2006/112 para o exercício do direito a dedução estarem preenchidos e de o sujeito passivo não dispor de indícios que justifiquem a suspeita da existência de irregularidades ou de fraude por parte do referido emitente. (...).”
  8. Já no Acórdão acima identificado em ii), ou seja, no Acórdão PPUH Steheemp, de 22-10-2015, proc. C-277/14, analisando o caso de faturas com número de identificação fiscal considerado inexistente, foi decidido o seguinte: “As disposições da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, conforme alterada pela Diretiva 2002/38/CE do Conselho, de 7 de maio de 2002, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que recusa a um sujeito passivo o direito de deduzir o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago relativamente a bens que lhe foram entregues pelo facto de a fatura ter sido emitida por um operador que deve ser considerado, face aos critérios previstos nessa regulamentação, um operador inexistente e de ser impossível determinar a identidade do verdadeiro fornecedor dos bens, exceto se estiver provado, perante elementos objetivos, e sem serem exigidas ao sujeito passivo verificações que lhe não incumbem, que o sujeito passivo sabia ou tinha a obrigação de saber que a entrega estava envolvida numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.”
  9. Nos considerandos n.ºs 40 a 42 da fundamentação jurídica do Acórdão PPUH Steheemp, de 22-10-2015, proc. C-277/14, diz-se o seguinte: “[...] 40. Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que um eventual incumprimento pelo fornecedor de bens da obrigação de declaração do início de atividade tributável não põe em causa o direito à dedução do destinatário dos bens entregues no que diz respeito ao IVA pago por estes. Assim, o referido destinatário beneficia do direito a dedução mesmo que o fornecedor desses bens seja um sujeito passivo que não está registado para efeitos de IVA, se as faturas relativas aos bens entregues contiverem todas as informações exigidas pelo artigo 22.º, n.º 3, alínea b) da Sexta Diretiva, especialmente as necessárias para a identificação da pessoa que emitiu as faturas e a natureza dos bens (v., neste sentido, acórdãos Dankowski, C-438/09, EU:C:2010:818, n.ºs 33, 36 e 38, e Tóth, C-324/11, EU:C:2012:549, n.º 32). 41. O Tribunal de Justiça conclui daqui que as autoridades tributárias não podem recusar o direito a dedução pelo facto de o emitente da fatura já não dispor de um alvará́ de empresário em nome individual, e, portanto, já não ter direito a utilizar o seu número de identificação fiscal, quando a fatura inclua todas as informações enumeradas no artigo 22.º, n.º 3, alínea b) (v., neste sentido, acórdão Tóth, C-324/11, EU:C:2012:549, n.º 33). 42. No caso em apreço, resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça que as faturas relativas às operações em causa no processo principal mencionam, em conformidade com a referida disposição, a natureza dos bens entregues e o montante do IVA devido, assim como o nome da Finnet, o seu número de identificação fiscal e o endereço da sua sede social. Assim, as circunstâncias indicadas pelo tribunal de reenvio e resumidas no n.º 30 do presente acórdão não permitem concluir pela inexistência da qualidade de sujeito passivo da Finnet nem, portanto, recusar à PPUH Stehcemp o direito a dedução.(...).”
  10. Intuindo-se dos segmentos acima transcritos das decisões jurisprudenciais identificadas supra em i) e ii) que o TJUE não considera que seja inevitável o afastamento do direito à dedução, como consequência de uma violação de algum ou de alguns dos requisitos formais previstos no artigo 226.º da Diretiva IVA.
  11. Não podendo, pois, intuir-se da jurisprudência referenciada a ideia de que tendo a prestadora de serviços B... utilizado um descritivo nas facturas que emitiu que não permite ao interprete compreender adequadamente a discriminação e quantificação dos trabalhos executados e ali titulados, bem assim como o preço unitário fixado para os serviços ali em causa, ou seja, mostrando-se em causa o implicitamente admitido pela Requerente [o incumprimento dos requisitos formais previstos na alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA], tal não pode,  ipso facto, deixar de consequenciar o afastamento da desoneração do imposto que está referido nos respectivos documentos de facturação postos em crise.
  12. A jurisprudência comunitária está, como visto, nos antípodas desta hermenêutica.
  13. É que, para o TJUE e tal como está referido no considerando 42 do Acórdão Barlis de 15 de Setembro de 2016, consultável in https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=1FCBCF68254F3F9520BE252CAD 3D3799?text=&docid=183364&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid= 5066627 “(...) o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C-385/09, EU:C:2010:627, n.º 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. Wąsiewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, n.º 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.ºs 58, 59 e jurisprudência aí referida).”
  14. Esta posição já tinha sido anteriormente sufragada pelo TJUE, entre outros, no Acórdão de 30 de Setembro de 2010, Uszodaépítő kft, Processo n.º C-392/09, que a dado passo da sua fundamentação jurídica refere: “[...] 39. A este respeito, já foi decidido que o princípio da neutralidade fiscal exige que a dedução do IVA a montante seja concedida se os requisitos substantivos tiverem sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (acórdão de 8 de Maio de 2008, Ecotrade, C-95/07 e C-96/07, Colect., p. I-3457, n.º 63).[...].”
  15. Adequando se mostrando convocar ainda o Acórdão de 1 de Março de 2012, Kopalnia, Pº C- 280/10, que no seu considerando 48 diz: “[O] Tribunal de Justiça declarou, por outro lado, que, embora uma fatura tenha efetivamente uma função documental importante pelo facto de poder conter dados controláveis, existem circunstâncias nas quais os dados podem ser validamente comprovados através de outros meios que não sejam uma fatura e em que a exigência de dispor de uma fatura em todos os pontos conforme com as disposições da Diretiva 2006/112 teria como consequência pôr em causa o direito a dedução de um sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão de 1 de abril de 2004, Bockemühl, C-90/02, Colet., p. I-3303, n.ºs 51 e 52).
  16. E trazer também à colação o Acórdão de 28 de julho de 2016, Giuseppe Astone, P.º C-332/15, que, em breve síntese tratava do seguinte: o Tribunale di Treviso (Tribunal de Treviso) decidiu submeter ao TJUE duas questões prejudiciais. A que mais interessa para a dilucidação do presente litígio é a segunda questão colocada e que referia: “(...) As disposições da [diretiva IVA], conforme interpretadas pela jurisprudência comunitária suprarreferidas [na decisão de reenvio], opõem-se às normas nacionais dos Estados-Membros — como as suprarreferidas [na decisão de reenvio] e vigentes em Itália (artigos 25.º e 39.º do Decreto do Presidente da República 633/1972) — que excluem a possibilidade de ter em consideração, também sob o aspeto penal, para efeitos da dedução do IVA, as faturas passivas que o contribuinte nunca registou?” O TJUE, reformulando a questão prejudicial colocada referia: “Nestas condições, e tendo em conta o exposto pelo órgão jurisdicional de reenvio e recordado no n.º 25 do presente acórdão, há que entender que, com a sua segunda questão, esse órgão jurisdicional pergunta, em substância, se os artigos 168.º, 178.º, 179.º, 193.º, 206.º, 242.º, 244.º, 250.º, 252.º e 273.º da diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite que a Administração Fiscal recuse a um sujeito passivo o direito a dedução do IVA se for provado que este último não cumpriu a maior parte das obrigações formais que lhe incumbiam para poder beneficiar deste direito.” E relativamente à segunda questão prejudicial colocada, decidiu o TJUE tal como está no ponto 2) do dispositivo e a seguir se transcreve: “[O]s artigos 168.º, 178.º, 179.º, 193.º, 206.º, 242.º, 244.º, 250.º, 252.º e 273.º da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite que a Administração Fiscal recuse a um sujeito passivo o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado se for provado que este último não cumpriu fraudulentamente, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a maior parte das obrigações formais que lhe incumbiam para poder beneficiar deste direito.” Provada a actuação fraudulenta do sujeito passivo que pretenda desonerar-se do IVA, em resultado do incumprimento das obrigações formais que sobre ele impendem ou rectius, sobre a sua contraparte, legitima-se o afastamento da dedutibilidade do IVA.
  17. Na senda do vindo de referir e em comentário ao Acórdão Barlis, André́ Conde Morais e Sofia Saraiva de Menezes, in “Formalidades das Facturas e Direito à Dedução: o Acórdão Barlis”, Cadernos IVA, 2017, Almedina, pp. 61 e 62, advoga-se: “[L]ogo, o TJUE conclui que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio considerar todas as informações constantes não só das faturas mas também dos documentos anexos apresentados pela Barlis de modo a constatar se se encontram reunidos os requisitos materiais do seu direito à dedução. O Tribunal ressalva ainda que, não sendo a supressão do direito a dedução uma consequência admissível, à luz da Directiva IVA e jurisprudência do TJUE, para a violação das regras de faturação, é ainda assim facultado aos Estados-Membros a previsão de dois tipos de consequências: (i) uma respeitante à determinação do ónus da prova, que incumbe ao sujeito passivo nos casos em que não observe os requisitos formais, podendo a Administração Fiscal exigir-lhe provas (da verificação dos requisitos materiais); (ii) outra, respeitante à competência que os Estados-Membros possuem para prever sanções aplicáveis à violação de requisitos formais do direito à dedução. Assim, incumprida alguma formalidade, os Estados-Membros, podem, por exemplo, aplicar uma multa uma sanção pecuniária.”

 

IV.D3) DESCENDO AO CASO CONCRETO E SUBSUMINDO-O NO DIREITO ENUNCIADO ACIMA:    

 

  1. Antes de mais importa dizer que para o Tribunal Arbitral Singular os fundamentos de facto e de direito que estão a estribar as liquidações sindicadas são os constantes dos pontos U) e X) do probatório e já não os aduzidos aquando da apreciação da reclamação graciosa apresentada ou até mesmo os argumentos explicitados em sede de Resposta apresentada pela Requerida.
  2. Não devendo olvidar-se que a efectividade das prestações de serviços realizadas pela B... à Requerente e que estão a ser aqui controvertidas, não foi sequer questionada no âmbito do procedimento inspectivo ao ano de 2019 entretanto dealbado.
  3. Tanto assim  que é a Requerida, em sede de Resposta, a admitir não haver sido questionada a aludida efectividade no âmbito daquele procedimento inspectivo. 
  4.  Quiçá em sede de apreciação da reclamação graciosa apresentada pela Requerente e entretanto indeferida; ou até, também, em sede de Resposta apresentada pela Requerida nos presentes autos, tal questão da efectividade possa estar ao menos implicitamente suscitada?
  5. É que, a Requerida, na sua Resposta e tal como visto acima, não deixa de dizer que em face da ausência de informação, constante no descritivo das faturas ou constante de documentos complementares por remissão daquele descritivo [que permitisse responder a questões como a seguintes: i) que gastos incorridos traduzem a eventual prestação de serviços efetuada pela B...; ii) quais as prestações de serviço efetivamente prestadas, isto é, como e onde foram prestadas; iii) a Requerente incorreu naqueles gastos na prossecução da sua atividade, ou seja, se os gastos estão ou não relacionados com a atividade da Requerente, isto é, se são passíveis de serem considerados essenciais para a Requerente vir a “obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”], não deixa de dizer, referíamos, que era de todo impossível “identificar ou escrutinar o gasto” de forma a poder reconhece-lo fiscalmente nos termos do n.º 1 do art.º 23.º. do CIRC e também, diríamos, aferir da respectiva dedutibilidade em conformidade com o disposto nos art.ºs 19.º e seguintes do CIVA. Para a Requerida, a AT não questionou a dedutibilidade e os gastos relacionados com os serviços prestados pela B..., porquanto, o desrespeito pelo disposto na n.º 4 do art.º 23.º do CIRC, a impossibilitou de “identificar e escrutinar o gasto”. Tal como, diríamos, na senda do aduzido em sede de IRC, o desrespeito pelos requisitos previstos no n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, tê-la-ão igualmente impossibilitado de aferir da dedutibilidade do IVA titulado nas respectivas facturas.
  6. Considerações deste jaez, já poderiam consubstanciar, ao menos implicitamente, o questionamento da efectividade das prestações de serviços realizadas e aqui em causa.   
  7. Contudo e não obstante uma tal hermenêutica e modo de estribar as correcções aqui sindicadas, não está reflectida no RIT, tal como se pode intuir da leitura dos pontos U) e X) do Probatório e, não estando tal circunstancialismo no RIT, a sua invocação subsequente só poderia configurar uma situação de fundamentação a posteriori, sendo que a jurisprudência emanada dos tribunais superiores vai repudiando tal tipologia de fundamentação.
  8. A fundamentação a posteriori é irrelevante para a decisão judicial que vai apreciar a legalidade de um concreto acto tributário de liquidação, na medida em que não será́ com base na fundamentação subsequente que poderá́ ser aferida a eventual legalidade do acto tributário sindicado judicialmente.
  9. Neste sentido veja-se o Acórdão do STA, tirado no âmbito do Processo n.º 0324/15, de 27-01-2016, onde se diz: “O tribunal tem de quedar-se pela formulação de um juízo sobre a legalidade do acto tal como ele ocorreu, apreciando a sua legalidade à luz da sua fundamentação contextual. Sabido que o direito à fundamentação dos actos administrativos reclama que o particular apenas tenha de defender-se dos pressupostos que aí foram enunciados e dos quais se distraíram os efeitos lesivos, não será́ de admitir qualquer fundamentação a posteriori nem o aproveitamento do acto quando isso implique a valoração de razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, pois se assim não fosse o particular ver-se-ia surpreendido em juízo com a invocação de uma outra realidade e isso representaria uma contracção do seu direito de impugnação contenciosa face à impossibilidade de utilizar os meios conferidos por lei para sindicar os actos tributários e que são mais favoráveis que os meios conferidos por lei para impugnar decisões judiciais.” Traga-se ainda à colação o vertido no Acórdão do STA de 4.10.2017, Processo n.º 0406/13, que a dado passo refere: “[A] fundamentação por remissão, como é a do acto impugnado, obriga a que a informação, parecer ou proposta para que se remete contenha as razões de facto e de direito, ainda que de forma sucinta, mas de modo a que se perceba por que se decidiu naquele sentido. Não contendo tal informação, com suficiência e clareza os motivos, causas ou pressupostos da decisão, estamos perante a falta de fundamentação do acto administrativo, de acordo com o disposto no art.º 125, n.ºs 1 e 2 do CPA velho, que é o aqui aplicável: a obscuridade e insuficiência da fundamentação do acto valem como falta de fundamentação. Por seu turno, a falta de fundamentação inquina o acto de ilegalidade que determina a sua anulabilidade. É certo que ulteriormente, como bem refere a sentença recorrida, já em sede de reclamação graciosa, na informação n.º 115-AJT/05, que foi apropriada pela decisão de indeferimento proferida no âmbito daquele meio de impugnação graciosa (cfr. pontos 4. e 6. da factualidade dada como assente), a AT veio dizer que o comprovativo da “qualidade de não residente” era exigido pelo n.º 1 do art.º 9.o do Decreto-Lei n.º 215/89, bem como, no que se refere aos emigrantes, pelo n.º 1 da Portaria n.º 1476/95, de 23 de Dezembro. No entanto, como ficou já dito e a sentença judiciosamente registou, esta fundamentação a posteriori não pode ser relevada quando estamos a sindicar a legalidade da liquidação sob a óptica do cumprimento do dever legal de fundamentação.”
  10. A fundamentação a posteriori que completasse, clarificasse ou até mesmo se pudesse configurar como tendo um carácter inovador, quando comparada com a fundamentação do acto tributário notificado ao interessado, colocaria em causa princípios de segurança jurídica e até poderia coartar os direitos de defesa do interessado que a jurisprudência e a doutrina claramente não aceitam; hermenêutica à qual aqui se adere.
  11. Assim sendo, os fundamentos de facto e de direito que vão fundar a apreciação da questão sub judicio limitar-se-ão à questão da alegada violação dos requisitos de ordem formal que o CIVA impõe à facturação e que, por remissão do n.º 6 do art.º 23.º do CIRC, são exactamente os mesmos que os referidos naquela sede.  
  12. Além de que também não se manifestaram ou foram sequer alegados quaisquer indícios de fraude ou de abuso por parte da prestadora  B... que levassem à instauração de procedimento criminal tendente ao sancionamento de tais eventuais condutas.
  13. Não há nos autos evidência de que esse circunstancialismo tenha levado ao accionamento do RGIT tendo em vista o sancionamento de tais eventuais condutas.
  14. Foi, portanto, no quadro do normal desenvolvimento das atividades e relações comerciais que vinham sendo outorgadas entre a Requerente e a B... (prestadora de serviços daquela) que ocorreu a emissão das faturas cujo IVA foi considerado não dedutível pela AT e cujo custo foi igualmente neutralizado por acréscimo ao lucro tributável declarado, com fundamento na circunstância de não estarem cumpridos os respetivos requisitos formais previstos na alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, por aplicação conjugada, também, do n.º 6 do art.º 23.º do CIRC.
  15. No sentido de se consubstanciar melhor a ideia de que estavam aqui em causa operações cuja efectividade/materialidade não foi posta em causa pela Requerida, mister é trazer-se agora à colação o Acórdão de 14.7.2014, prolatado no processo 00030/05.6BEPNF, da 2.a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), onde a dado passo se diz: “[É] o problema da repartição do ónus probatório entre a administração tributária e o sujeito passivo na aferição da legalidade do exercício à dedução. Sobre esta matéria, dispõe com interesse o artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Assim, e tomando como modelo o procedimento de liquidação da iniciativa da administração tributária, esta terá o ónus de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos- pressupostos da existência, qualificação e quantificação do facto tributário). E o sujeito passivo terá́ o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito. Todavia, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2003- 05-07 (Processo n.º 01026/02, disponível a redação integral in www.dgsi.pt, seguindo o entendimento do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2002-04-17, processo n.º 026635, também ali disponível), firmou jurisprudência no sentido de que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. A razão de ser deste entendimento é a seguinte: ao contrário do que sucede em regra, em que a administração tributária afirma a ocorrência do facto de que deriva o direito à tributação, neste caso é o sujeito passivo que afirma o facto tributário de que deriva o direito à dedução e a administração tributária que põe em causa a sua ocorrência. Deve salientar- se, porém, que esta regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu (no caso, que não ocorreu entre os sujeitos mencionados na fatura. Ou seja (para utilizar as palavras do mesmo aresto), depois da administração tributária ter emitido «um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei». O que, de resto, resultava já do artigo 82.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (na redação então em vigor) segundo o qual a rectificação das declarações do sujeito passivo ocorreria quando a administração tributária fundadamente considerasse que nelas figurara um imposto superior ou uma dedução superior aos devidos. E que nem poderia ser de outra forma, porque o exercício do direito à dedução tem por base a declaração a que então aludia o artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código. Declaração essa que, nos termos do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, se presume verdadeira quando seja apresentada nos termos previstos na lei e os dados dela constantes se encontram inscritos na sua contabilidade ou escrita, por sua vez organizadas de acordo com a legislação comercial ou fiscal. E quando alguém tem a seu favor uma presunção legal não tem que provar o facto a que ela conduz – artigo n.º 350.º, n.º 1, do Código Civil. Pelo que, quando o direito à dedução tenha por base declaração do sujeito passivo apresentada nos termos da lei, a administração tributária que pretenda infirmar a ocorrência do facto em que se suporta essa dedução invocando a simulação de sujeitos, não tem que demonstrar que o acordo simulatório existiu (o que seria muito difícil demonstrar, na generalidade dos casos), mas tem que reunir indicadores objetivos de que tal acordo deveria ter existido. (...)”. A partir daqui, e considerando a situação particular em apreciação nos autos, tem de entender-se que para haver simulação seria necessário que a administração fiscal tivesse reunido elementos que relacionassem a utilizadora das facturas com o esquema de fraude, ou seja, que tivesse reunido indícios de que a utilizadora das facturas participou ou que sabia ou devia saber que a emitente das facturas não era o verdadeiro fornecedor da mercadoria em apreço, na medida em que pode acontecer que a utilizadora de facturas falsas não saiba nem tenha possibilidades de saber da falsidade. Com efeito, basta que um operador, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se desloque às instalações de um outro revendedor, ofereça as mercadorias, acorde um preço e desconte o cheque usado como meio de pagamento. A aceitar-se que o ónus da Fazenda Publica se basta com a recolha de indícios de falsidade relativamente aos emitentes das facturas levaria a que os utilizadores das facturas falsas, que não sabem que são falsas, não pudessem deduzir custos que efectivamente suportaram, sem que tivessem participado em qualquer esquema fraudulento. Dir-se-á que, sempre tais utilizadores inocentes poderiam fazer prova da veracidade das transacções - na aplicação do quadro probatório acima fixado: à administração tributária cabe o ónus de demonstrar indícios da falsidade; cumprido tal ónus passa a caber ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das transacções. Mas facilmente se percebe que tal prova, nestas circunstâncias, de fraude a montante, que desconhece, será impossível para o utilizador das facturas provar o que quer que seja para além do que resulta da sua contabilidade, e que, não se deve esquecer, goza de presunção de veracidade. Se houve fraude e o utilizador das facturas desconhece não pode provar que as mercadorias foram adquiridos aos emitentes das facturas, porque não foram; nem pode provar que os adquiriu a outrem, porque para este utilizador de facturas a mercadoria foi comprada ao emitente, desconhecendo o real vendedor. O que pode fazer o utilizador das facturas nestas circunstâncias é tão-só́ esclarecer como é que as negociações se desenvolveram e com quem se desenvolveram. (...). Deste modo, havendo indícios de que a emitente das facturas não forneceu a mercadoria mencionada nas facturas, impunha-se que a administração fiscal indagasse da participação da ora Recorrida no esquema simulatório. Ora, a administração tributária não diz que a recorrente sabia ou devia saber que estava a comprar a pessoa diferente da que figura na factura e o utilizador da factura não está obrigado a saber a situação empresarial ou fiscal do emitente da factura que lhe entrega a mercadoria. Aceitar-se que um utilizador de facturas veja os custos desconsiderados sem que de alguma forma a administração tributária o ligue ao esquema fraudulento, seria violador do principio da justiça. E poria em causa a confiança nas relações comerciais. Este entendimento vai de encontro ao do Tribunal de Justiça que no Acórdão de 31 de Janeiro de 2013, processo C-642/11 - que tratava de uma questão de dedutibilidade de IVA, reportando-se aos casos em que as irregularidades se verificam na esfera dos emitentes, pronunciou-se assim: «47 Assim, cabe às autoridades e aos tribunais nacionais recusar o direito a dedução, se se demonstrar, face a elementos objectivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (v., neste sentido, acórdão de 6 de Julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, Colet., p.I-6161; e acórdãos, já referidos, Mahagében e David, n.º 42, e Bonik, n.º 37). 48 Contudo, também segundo jurisprudência bem assente, não é compatível com o regime do direito a dedução prevista pela Diretiva 2006/112 sancionar, com a recusa desse direito, um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA (v., especialmente, acórdão de 12 de Janeiro de 2006, Optigen e o., C-354/03, C-355/03 e C-484/03, Colet., p. I-483, n.ºs 52 e 55; e acórdãos, já referidos, Kittel e Recolta Recycling, n.ºs 45, 46, e 60, Mahagében e Dávid, n.º 47, e Bonik, n.º 41). 49 Além disso, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.ºs 61 a 65 do acórdão Mahagében e David, já referido, que a Administração Fiscal não pode exigir de maneira geral que o sujeito passivo que pretenda exercer o direito a dedução do IVA, por um lado, verifique que o emitente da fatura referente aos bens e aos serviços em função dos quais o exercício deste direito é pedido dispõe da qualidade de sujeito passivo, possui os bens em causa e está em condições de os entregar e cumpre as suas obrigações de declaração e de pagamento do IVA, a fim de se certificar de que não há irregularidades ou fraude ao nível dos operadores a montante, ou, por outro, possua documentos a este respeito. 50. Daqui decorre que o tribunal nacional que deva decidir se, num determinado caso, existe operação tributável, tendo a Administração Fiscal alegado no processo que a existência de irregularidades cometidas pelo emitente da fatura ou por um dos seus fornecedores, como omissões contabilísticas, deve zelar por a apreciação da prova não conduza a esvaziar de sentido a jurisprudência recordada no n.º 48 do presente acórdão, obrigando de forma indireta o destinatário da fatura a proceder a verificações junto do seu contratante que, em principio, não lhe incumbem.» E a final declarou:«(...) 2- Os princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da confiança legitima devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que seja o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante seja recusado ao destinatário de uma factura, por inexistência de uma operação tributável efectiva, quando, no aviso retificativo de tributação enviado ao emitente da fatura, o imposto sobre o valor acrescentado declarado pelo emitente não tiver sido corrigido. Contudo, se, por causa de fraudes ou irregularidades cometidas pelo emitente ou a montante da operação invocada como base do direito à dedução, se considerar que essa operação não foi efectivamente realizada, deve provar-se, perante elementos objetivos e sem exigir ao destinatário da fatura verificações que lhe não incumbem, que o mesmo destinatário sabia ou tinha obrigação de saber que a operação estava implicada numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.» (...) No caso, repete-se, estando demonstrado que a ora Recorrida adquiriu a mercadoria em causa, teria a administração tributária que recolher indícios bastantes de que a recorrida sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a pessoa que figurava nas facturas. E não tendo tal acontecido, concluímos que a administração tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar as liquidações impugnadas, as quais estão, assim, feridas de ilegalidade, impondo-se assim acompanhar a decisão recorrida quando determinou a anulação das liquidações impugnadas. (...).”
  16. Aderimos, in totum, à jurisprudência vinda de transcrever, fazendo nossa, com a devida vénia, a clarividente e sensata hermenêutica que dali decorre. E a este propósito da (ao menos) prova indiciária da falta de efectividade das operações aqui em causa o que se diz no Relatório de Inspecção? Como visto, nada, rigorosamente nada! A AT tinha de ter afastado a relevância do gasto e a dedutibilidade do IVA aqui em causa, fundada na violação de requisitos substanciais previstos nos art.º 19.º e seguintes do CIVA, ou até, quanto aos gastos, com estribo na violação, também, de requisitos substanciais previstos no art.º 23.º do CIRC e a tal propósito simplesmente calou; tal como, em alternativa ou cumulativamente, tinha de ter reunido elementos (ao menos indiciários) que relacionassem a aqui Requerente (que relevou as facturas cujo IVA foi desconsiderado e cujo gasto foi igualmente considerado irrelevante para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC) com um qualquer esquema de fraude (nem sequer aventado e menos ainda demonstrado), ou seja, tinha de ter reunido indícios sérios e seguros de que a Requerente, enquanto utilizadora das facturas colocadas em crise, participou no esquema de fraude ou que sabia ou devia saber que a emitente das facturas não era a verdadeira prestadora dos serviços em apreço e, mais uma vez, não o logrou fazer.
  17. Resolvida a questão da efectividade (ou ausência dela) das operações aqui em causa, a questão de fundo é agora a de saber se o incumprimento dos requisitos meramente formais associados à facturação de que depende a legitimação do direito à dedução em sede de IVA, pode levar, em termos de consequências, à sua desconsideração na esfera jurídica da adquirente das operações colocadas em causa pela AT, ou seja, é a de saber se o incumprimento de requisitos formais como os que estão aqui em causa (estritamente estes) e ligados à inadequada discriminação e quantificação dos trabalhos efectuados pela B... em violação dos requisitos formais previstos na alínea b) do n.º 5 do art.º 36º do CIVA, pode levar, ipso facto, à desconsideração do IVA deduzido pela adquirente dessas operações, aplicando-se o n.º 2 do art.º 19.º do CIVA por interpretação a contrario.
  18. A Requerente nega o incumprimento de qualquer requisito formal imposto pela n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, sustentando que as facturas cujo IVA foi desconsiderado continham todos os requisitos legais de forma, incluindo toda a informação mencionada no n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, ou ainda que assim não fosse, que em função dos documentos complementares que apresentou, tal completa discriminação dos serviços em causa e até a quantificação dos mesmos se mostrava, incontornavelmente, empreendida em manifesto respeito pela previsão da alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA.
  19. O Tribunal entende que a emissão de factura que enferme de inadequada discriminação e quantificação dos trabalhos efectuados, i.e., em violação dos requisitos formais previstos na alínea b) do n.º 5 do art.º 36º do CIVA, consubstancia uma situação de facturação emitida em desrespeito pelos requisitos formais impostos pelo CIVA.
  20. Admite até que, em concreto, os documentos de facturação colocados em crise podem não respeitar cabalmente os requisitos impostos pela citada alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA. No entanto,
  21. Estamos, aqui, no domínio do incumprimento dos requisitos formais da facturação, sendo que, por isso, o que importa averiguar, doravante, é se esse incumprimento leva às consequências que a Requerida dele retirou; ou se, ao invés, são outras as consequências, socorrendo-nos, essencialmente, da jurisprudência acima identificada para tomarmos posição sobre tal controvérsia.
  22. Partindo da factualidade que nos dá conta de que a B... (prestadora de serviços à Requerente), pode ter emitido facturas que estão enfermadas de inadequada discriminação e quantificação dos trabalhos efectuados (esse é o pressuposto de partida) e que essas facturas foram relevadas contabilisticamente pela Requerente e, em resultado disso, aquela exerceu o direito à dedução do IVA nelas contido, donde, desonerou-se de IVA contido em facturas emitidas sem adequadamente se mostrarem discriminados e quantificados os serviços ali titulados, coloca-se a questão de saber se estamos perante mera irregularidade ou se, ao invés, se estamos perante uma situação em que a consequência é a impossibilidade de desoneração do IVA suportado.
  23. E com respaldo na jurisprudência do TJUE (acima sobejamente identificada e até em parte transcrita), entende o Tribunal Arbitral Singular que garantido que esteja que, ainda assim, está na disponibilidade da AT controlar os requisitos de ordem material para o exercício do direito à dedução e desde que verificados esses requisitos materiais, não pode a AT eleger como consequência decorrente da falta de cumprimento de algum ou de alguns dos requisitos formais previstos no n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, a desconsideração liminar do direito à dedução do IVA inscrito nos respectivos documentos de facturação.
  24. Sendo que a verificação dos aludidos requisitos materiais não só parece estar garantida, como, a sua falta, nem sequer foi aduzida no RIT como fundamento para afastar a dedução do IVA aqui em causa, sendo que a AT admite a sua verificação já que na fundamentação de direito esgrimida no RIT nem sequer invoca a violação daqueles normativos para afastar a dedução.
  25. Assim sendo, os requisitos materiais previstos nos art.ºs 19.º e 20.º do CIVA, i.e., a efectividade das operações aqui em causa e até a sua conexão directa e imediata com a actividade exercida pela Requerente, vamos dá-los por verificados, sobrando, assim, o único fundamento invocado pela AT para colocar em causa a dedutibilidade do IVA aqui em causa e que é o de que as facturas colocadas em causa não estão adequadamente discriminadas e quantificadas, donde, estão em violação do que estatui a tal propósito a alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA.
  26. Não devendo olvidar-se que o art.º 58.º da LGT estabelece que “[A] administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.” Em perfeita sintonia com o disposto naquela norma, no Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA), estabelece-se o princípio da verdade material, daí decorrendo o dever de “A administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo.”
  27. Assim, no caso de considerar insuficientes as facturas apresentadas durante a inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira tinha o dever, em respeito pelo princípio do inquisitório, de apreciar outros elementos de prova que pudessem completar a inadequada discriminação e quantificação ínsita nas facturas, ou seja, de completar a informação em falta que está a enfermar a facturação aqui em causa por falta de cumprimento do requisito previsto na alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA.
  28. No caso em apreço, é certo que a Requerente, no decorrer do procedimento de inspecção, apresentou tais elementos probatórios complementares, tendentes ao cumprimento de tal desígnio e é igualmente certo que a AT apreciou esses mesmos elementos probatórios complementares, tendo, não obstante, decidido que eles continuavam a não ser suficientes para dar cumprimento ao que determina, a respeito da discriminação e da quantificação das operações tituladas nas facturas, a alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA.
  29. E ao fazê-lo deixa de se pode imputar à Autoridade Tributária e Aduaneira a omissão dos deveres de diligência que sobre si impendem, donde, tem de se retirar a conclusão de que aquela não violou o princípio do inquisitório no decorrer do procedimento de inspecção.
  30. Assim, em conformidade com tudo quanto vem sendo exposto e sem necessidade de mais delongas, considera o Tribunal Arbitral Singular que os requisitos formais previstos na alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, estão, in casu, cumpridos, donde, tem de se concluir que os actos tributários de liquidação de IVA aqui sindicados e relativos ao ano de 2019, enfermam de vício substantivo e, por isso, devem ser anulados, em conformidade com o disposto no art.º 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo.
  31. Volvendo agora para a análise à propalada falta de cumprimento dos requisitos formais da documentação em sede de IRC, verifica o Tribunal que a fundamentação de direito esgrimida em sede de procedimento inspectivo e tendente a estribar as correcções propostas e as liquidações de IRC subsequentes, aponta para a violação do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC e alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A também do CIRC, por inobservância dos requisitos formais das facturas.
  32. Ainda assim  e não obstante, não pode olvidar-se que as facturas aqui colocadas em crise, foram emitidas por sujeitos passivos de IVA (a contratante da aqui Requerente B...), pelo que estava aquela obrigada a emitir aquelas mesmas facturas nos termos e em conformidade com a alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA.
  33. A tal propósito, dispõe o n.º 6 do artigo 23.º do CIRC, como segue: “Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.”
  34. E assim sendo, nos casos em que é obrigatória a emissão de facturas nos termos do CIVA por parte de sujeitos passivos de IRC, os requisitos formais exigíveis são os previstos no CIVA, designadamente os que constam do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA e já não os indicados no n.º 4 do artigo 23.º do CIRC.
  35. Isto dito não pode deixar de se concluir que há aqui um manifesto erro de direito na fundamentação das correcções efectuadas em sede de IRC uma vez que o n.º 4 do art.º 23.º do CIRC não se mostrava aqui aplicável, o que, por si só, enfermaria os actos de liquidação de IRC e JC aqui em causa
  36. Prosseguindo se dirá que, se as exigências formais, aplicáveis à emissão de facturas em sede de IVA, têm de se conformar com as imposições formais (acima abundantemente referidas) previstas na Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006, por força da primazia do Direito da União Europeia em relação ao Direito Nacional que está prevista no n.º 4 do art.º 8.º da CRP, então, essas mesmas exigências, por força do disposto no n.º 6 do art.º 23º do CIRC, são válidas em sede de IRC, aplicando-se até, naquela sede, por via da remissão acima referida, a jurisprudência emanada do TJUE que vem sendo prolatada a tal respeito.
  37. Importando repristinar aqui a jurisprudência “Barlis 06” acima melhor identificada e que, no Considerando 25, diz: “o artigo 226.° da Diretiva IVA indica que, sem prejuízo das disposições específicas previstas nesta diretiva, só as menções citadas nesse artigo devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto no artigo 220.° da referida diretiva. Daqui decorre que não é legítimo aos Estados-Membros associar o exercício do direito à dedução do IVA ao preenchimento de pressupostos relativos ao conteúdo das faturas que não estão expressamente previstos nas disposições da Diretiva 2006/112 (v., neste sentido, acórdão de 15 de julho de 2010, Pannon Gép Centrum, C368/09, EU:C:2010:441, n.os 40 e 41).”
  38. No entanto e não obstante o vício por este tribunal apontado às liquidações de IRC que estão enfermas de erro de direito na fundamentação tal como acima explicitado, e admitindo-se a falta de cumprimento dos requisitos formais, previstos na alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA e no n.º 6) do artigo 226.º da Directiva n.º 2006/112/CE, relativamente às facturas aqui em causa, importa saber se do princípio da neutralidade decorre que quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar o direito à dedução [e quanto a esta parte do dissídio, já vimos acima que assim é], pelo que, como decorre da remissão que no n.º 6 do artigo 23.º do CIRC se faz para os requisitos formais previstos no CIVA, quando os o fornecedor de bens e serviços estiver obrigado à emissão de factura ou documento equivalente nos termos deste Código, as exigências de documentação aplicáveis em matéria de IVA devem ser aplicadas em sede de IRC [por força do princípio da coerência valorativa do sistema jurídico (art.º 9.º, n.º 1, do Código Civil) e da regra da primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional (art.º 8.º, n.º 4, da CRP)], designadamente com o alcance que não se justificam em sede de IRC exigências de documentação superiores às que são exigidas pelo direito da U.E. e pelo  TJUE para exercício do direito à dedução, donde, o decidido pelo TJUE quanto à possibilidade de serem supridas deficiências formais das facturas deverá se aplicado tanto em sede de IVA como em sede de IRC.
  39. Há aqui uma similitude de tratamento que não pode deixar de se aplicar em resultado da remissão operada pelo n.º 6 do art.º 23.º do CIRC para, em matéria de facturação, o que dispõe o CIVA.
  40. Repisando-se no sentido de que o TJUE entendeu, entre outros, no acórdão de 15.09.2016, proferido no processo n.º C-516/14, que o art.º 178.º, alínea a), da Diretiva 2006/112, do Conselho, de 28-11-2006, se opõe a que "As autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.ºs 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos". E se a dedução do IVA não pudesse firmar-se por violação dos requisitos substantivos previsto no CIVA, já a fundamentação de direito que está a estribar tal afastamento tinha de fundar-se noutros normativos que não os previstos no n.º 5 do art.º 36.º do CIVA (em resultado da remissão operada pelo n.º 6 do art.º 23.º do CIRC), mas antes nos art.ºs 19.º e seguintes do CIVA e, em sede de IRC, no art.º 23.º do respectivo compendio normativo, o que no RIT não vem minimamente aduzido.
  41. Para além disso, como resultou manifestamente da prova produzida, foram efectivamente realizadas as prestações de serviços aqui em causa, não sendo colocada em causa, nem mesmo pela Autoridade Tributária e Aduaneira quer no âmbito do procedimento inspectivo quer até em sede de Resposta, a efetividade das aludidas prestações, o que, só por si, afasta que se possa recusar a dedutibilidade total como gasto em sede de IRC, bem como a possibilidade de se recusar, in totum, o direito à dedução do imposto suportado a montante, tal como acima sobejamente explicitado.
  42. E isto dito, não subsiste dúvida razoável de que a Requerente contratou os serviços que estão titulados nas facturas colocadas em crise e ainda que tais serviços foram prestados pela B... que foi quem emitiu as facturas que não foram aceites pela Autoridade Tributária e Aduaneira para efeitos de determinação do lucro tributável de IRC e para efeitos do exercício do direito à dedução em sede de IVA.
  43. Neste contexto, se é certo que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão para ter dúvidas quanto à discriminação e quantificação dos serviços facturados, em face da falta de referência a essa quantificação nas facturas questionadas, também o é que não tem fundamento para desconsiderar, in limine, a totalidade dos valores dessas facturas, para efeitos de gastos e de exercício do direito à dedução, excepto se invocasse a ausência de efectividade das operações que tais facturas estavam a titular, o que, in casu, manifestamente, não vinha sequer aduzido pela AT, que, ao invés, no RIT, reconhece a realização das referidas operações
  44. Na verdade, a solução prevista na lei para situações em que da «insuficiência de elementos de contabilidade» (como é o caso das facturas de suporte dos lançamentos contabilísticos) resulte «impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto» é a utilização de métodos indirectos [artigos 87.º, n.º 1, alínea b), e 88.º, alínea a), da LGT, 57.º do CIRC e 90.º do CIVA], e não a total irrelevância fiscal dessas facturas, quando há a certeza de que correspondem a operações efectivamente realizadas, o que não se compagina com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça (artigo 266.º, n.º 2, da CRP) e com o princípio da neutralidade do IVA que proíbe que se possa recusar completamente o direito à dedução do IVA suportado a montante quando há a certeza que as facturas têm subjacentes operações efectivamente efectuadas.
  45. Termos em que se conclui que as liquidações impugnadas enfermam de vícios de violação de lei, por erros sobre os pressupostos de direito, que justificam a sua anulação de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

                                         

IV.D4) DA RESTITUIÇÃO DO IMPOSTO INDEVIDAMENTE PAGO E DA LIQUIDAÇÃO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS A FAVOR DA REQUERENTE:

                                                                      

  1. Estatui o art.º 43.º da LGT, sob a epígrafe “Pagamento indevido da prestação tributária”, como segue: “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. 3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos; b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.o dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito; c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária. d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. 4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios. 5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”
  2. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende, aliás, do acima transcrito n.º 1 do art.º 43.º, da LGT.
  3. De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».
  4. Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários.
  5. O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
  6. O pagamento de juros indemnizatórios depende da existência de quantia a reembolsar e, em face da aventada decisão de anulação dos actos de liquidação de IVA e JC de 2019 e de IRC e JC de 2019, insere- se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.
  7. Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.
  8. Na sequencia da anulação das sindicadas liquidações de IVA e JC de 2019 e de IRC e JC de 2019, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias indevidamente pagas, na parte em que elas estão enfermadas de ilegalidade.
  9. O direito a juros indemnizatórios, é regulado, como visto, no acima transcrito art.º 43.º da LGT.
  10. Diz o n.º 1 do art.º 43.º da LGT que: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
  11. Ora, tendo o Tribunal Arbitral Singular julgado no sentido de que as liquidações de IVA e JC de 2019 e de IRC e JC de 2019, enfermam de ilegalidade, ficou, assim, inequivocamente patenteada a legitimidade do aludido pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente por subsunção no referido n.º 1 do art.º 43.º da LGT, já que as liquidações sub judicio são imputáveis à AT e mostram-se enfermadas por violação de lei, sendo, por isso, devidos juros desde o dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, em conformidade com o estatuído no art.º 43.º da LGT e art.º 61.º do CPPT.
  12. É, por isso, a Requerente credora da AT do montante correspondente IVA e JC de 2019 e de IRC e JC de 2019 indevidamente pago (Cfr. ponto AA) do probatório) e a determinar em execução de julgado, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios vencidos e vincendos, a calcular até à emissão da respectiva nota de crédito.

 

 

 

IV.D5) QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO:

 

  1. Julgando-se procedente o PPA, tal como já se deixou antever, fica prejudicada, por inútil, a apreciação da questão da eventual violação dos princípios constitucionais referidos no ponto II) das “Alegações da Requerente” explicitadas no ponto I.A) acima.

 

V. DECISÃO:

 

Face ao exposto, o Tribunal Arbitral Singular decide:

 

  1. Julgar improcedente a  excepçao da cumulação ilegal de pedidos arguida pela Requerida;  
  2. Declarar ilegal a decisão de indeferimento (referida no ponto Y) do Probatório) que recaiu sobre a reclamação graciosa (n.º ...2023...);
  3. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, anular as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios dos períodos de Janeiro, Março, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2019, das quais resultou valor a pagar de 9.062,05 € e também anular a liquidação adicional de IRC (n.º 2023...) e juros compensatórios de 2019, das quais resultou valor a pagar de 8.489,42 €, por estarem enfermadas de vício substantivo e, por isso, deverem ser anuladas em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 163.º do Código do Procedimento Administrativo;
  4. Julgar procedente o pedido de restituição do imposto e dos juros compensatórios indevidamente pagos e ainda procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a determinar nos termos do art.º 43.º da LGT e art.º 61.º do CPPT.

                           

VI. VALOR DO PROCESSO:

                                                                      

Fixo o valor do processo em 17.551,48 € em conformidade com o disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão do art.º 3.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII. CUSTAS:

                                                                      

Fixo o valor das custas em 1.224,00 €, calculadas em conformidade com a tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem em função do valor do pedido (sendo que, tal valor foi o indicado pela Requerente no PPA e não contestado pela Requerida) a cargo da Requerida, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 E 22.º, n.º 4 do RJAT E ainda do artigo 4.º, n.º 5 do RCPAT e artigo 527.º, n.ºS 1 e 2 do CPC, ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de Setembro de 2024.

 

O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro [RJAT], regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, com excepção das citações.

 

O Árbitro,

 

(Fernando Marques Simões)

 

 



[1] Bem como na informação que está a fundamentar a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente.

[2] A Directiva no 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, veio substituir, revogando-a, a Directiva do Conselho no 77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977, vulgarmente conhecida por 6.ª Directiva.