Sumário:
Para efeitos de apuramento do crédito por dupla tributação jurídica internacional, a prova do imposto pago no estrangeiro pode ser efetuada por qualquer meio admitido em direito.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A. Dinâmica processual
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A..., NIF..., residente na Rua ..., ..., ..., ... (“Requerente”) apresentou pedido de pronúncia arbitral ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), para que seja declarada a ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa bem como do respetivo ato de liquidação que a tinha como objeto, relativo ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2022..., referente ao período tributário de 2018 e, consequentemente, o mesmo anulado, e efetuado o reembolso correspondente, acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.
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No dia 30 de janeiro de 2024 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado ao Requerente e à AT.
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O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, 1, e artigo 11.º, 1, b), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 14 de março de 2024 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 3 de abril de 2024.
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No dia 13 de maio de 2024, o Requerente, devidamente notificado para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
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No dia 8 de junho de 2024 foi proferido despacho no sentido de indeferir o pedido de aproveitamento da prova produzida no processo arbitral número 271/2023-T, bem como de se pretender dispensar a realização da reunião prevista no art. 18.º, RJAT.
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No prazo faculdade, as partes não se pronunciaram sobre a pretensão de dispensa de realização da referida reunião pelo que, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art. 16.º, e n.º 2 do art. 29.º, ambos do RJAT, a 20 de junho de 2024 foi dispensada a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, bem como a de apresentação de alegações escritas. Mais foi indicado que a decisão final seria notificada até ao dia 24 de julho de 2024.
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A 11 de julho de 2024 foi proferido despacho no sentido de a Requerente juntar aos autos o RAI e não o projeto de relatório, como tinha feito, como doc. 3, bem como a AT juntar o PA, sendo que a primeira o fez, em tempo.
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A 24 de julho de 2024 foi proferido despacho no sentido de fixar o dia 15 de setembro de 2024 como a data previsível para a prolação da decisão arbitral, ficando sem efeito a data anteriormente designada.
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Apesar de notificada para o efeito, a AT não juntou o PA.
B. Posição das partes
Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, que é sócio da B..., SP, RL, NIPC ..., tendo esta sido objeto de um procedimento inspetivo para comprovação dos valores inscritos no anexo G da Informação Empresarial Simplificada (IES), relativo a deduções à coleta por dupla tributação internacional. Estão em causa, em concreto, retenções na fonte de imposto sobre o rendimento relativo a pagamentos efetuadas por clientes residentes em Angola, Gabão, Congo e Quénia à sociedade pela prestação de serviços jurídicos.
Os referidos montantes de retenções na fonte são inscritos pela B... no Anexo G da IES (campo G03), para efeitos de dedução à coleta em Portugal por dupla tributação internacional.
Uma vez que a B... se encontra abrangida pelo regime da transparência fiscal, a referida correção foi refletida nas declarações de rendimentos apresentadas pelos seus sócios (entre os quais o ora Requerente), para efeitos de IRS, na proporção da respetiva quota.
Na sequência do RIT, a AT procedeu à correção do referido anexo D das declarações de rendimentos Modelo 3 do ora Requerente, desconsiderando o montante de € 409,65. Consequentemente, foi emitida a nota de liquidação cuja legalidade ora se aprecia, de € 548,58.
Apesar de o Requerente ter reclamado do ato de liquidação, a AT manteve o entendimento que já tinha espelhado no RIT: a referida prova de retenção e pagamento de imposto deveria ter sido efetuada através de certidão emitida pelas autoridades tributárias dos respetivos países, não sendo suficiente a prova que foi apresentada pela B... no procedimento de inspeção (faturas, recibos de pagamento, troca de correspondência entre a sociedade e os seus clientes, declarações por estes outorgadas, em vez de documentos emitidos pelas autoridades fiscais dos referidos países).
O Requerente insurge-se contra este entendimento, alegando que tal posição não tem qualquer fundamento legal, sendo que o Ofício Circulado n.º 20030, de 18 de dezembro, a partir do qual a AT estriba a sua posição, não vincula os contribuintes. Além do mais, considera que não existe para o efeito regime de prova vinculada, o que significa que qualquer documento comprovativo pode ser valorado para efeitos probatórios. Cita jurisprudência nesse sentido. Conclui, depois, argumentando que a posição da AT viola os arts. 128.º, 1, e 81.º, 1, CIRS, e ainda os princípios da proporcionalidade e do inquisitório, bem como atuou em venire contra factum proprium, pois alterou recentemente o seu entendimento a respeito da documentação exigida para efeitos de comprovação do imposto suportado no estrangeiro, tendo decidido em sentido diametralmente oposto num caso exatamente igual e também a respeito da B... .
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Por sua vez, a AT pugna pela legalidade do ato de liquidação pois considera que os documentos de suporte apresentados pela B... não permitem justificar o valor de retenção na fonte declarado pelo Requerente, no Mod. 3, Anexo D.
Para a AT, embora admita para o caso a inexistência de uma prova vinculada, os documentos apresentados não permitem estabelecer uma relação direta entre todas as faturas, os recibos e os detalhes das transferências, isto é, considera que é impossível aferir se os valores das alegadas retenções foram efetivamente retidos e entregues à autoridade fiscal daqueles países.
Além do mais, por força do Ofício Circulado n.º 20030, de 18 de dezembro, para efeitos de crédito de imposto por dupla tributação internacional, os documentos têm de ser documentos originariamente emitidos pelas autoridades fiscais do Estado onde o imposto foi pago, ou então fotocópias autenticadas por essas mesmas autoridades fiscais.
Desta forma, para a AT, inexistindo prova suficiente demonstrativa das retenções na fonte cujos montantes foram corrigidos, não restava alternativa do que manter a liquidação ora impugnada, por a mesma ser válida.
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 1, a), 5.º, 6.º, 1, e 10.º, 1, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. arts. 4.º e 10.º, 2, RJAT, e art. 1.º, Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
III FUNDAMENTAÇÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
A) O Requerente é sujeito passivo residente em Portugal.
B) O Requerente é sócio da B..., SP, RL, NIPC ..., que tem por objeto a prestação de serviços de advocacia, estando coletada para o exercício de atividades jurídicas — CAE 69101 —, tendo iniciado a sua atividade em 22 janeiro de 2002.
C) A referida sociedade foi alvo de procedimento externo de inspeção tributária a coberto das OI2019...e OI2019... aos exercícios de 2017 e de 2018, para confirmação dos valores declarados pela sociedade, no anexo G da declaração anual de informação contabilística e fiscal dos referidos anos, a título de retenção na fonte, bem como dos montantes de imposto retido no estrangeiro, ou seja, os valores relativos a dupla tributação internacional.
D) Sobre o preço dos serviços jurídicos que a B... presta a clientes estrangeiros é devido imposto que deve ser deduzido por estes no momento do pagamento dos serviços, montante esse que corresponde ao imposto sobre o rendimento a pagar nos respetivos países.
E) A B... declarou valores de imposto pago no estrangeiro (dupla tributação internacional) e retenções na fonte efetuadas no território nacional no montante de € 198.907,60 (dupla tributação internacional) e de € 307,66 (retenções na fonte).
F) Do RIT resulta que dos valores declarados pelo sujeito passivo não foi possível comprovar o montante de € 7.462,89 no ano de 2018, respeitantes aos documentos mencionados no anexo 1 do relatório, relativos ao imposto pago no estrangeiro (Angola, Congo, Quénia, Gabão e São Tomé e Príncipe), pelo que, no campo G03 do quadro 3 do anexo G entregue pela B... do ano de 2018, deveria constar o valore de € 191.444,71 como dupla tributação internacional.
G) Na sequência da análise efetuada à declaração de rendimentos Mod. 3 referentes ao ano em causa entregue pelo Requente, resultou uma divergência no que se refere a retenções na fonte relacionadas com rendimentos obtidos no estrangeiro.
H) A dedução das referidas retenções na fonte havia sido efetuada por cada um dos sócios da B..., na respetiva proporção da sua quota, no quadro 4A do anexo D (rendimentos obtidos no estrangeiro) da respetiva declaração anual de rendimentos Modelo 3.
I) A AT procedeu à correção do referido anexo D das declarações de rendimentos Modelo 3 do ora Requerente, relativos às deduções à coleta no valor de € 484,22, passando do valor declarado de imposto pago no estrangeiro de € 12.706,59 para o valor corrigido de € 12.222,37.
J) Na sequência da referida correção, a Autoridade Tributária procedeu à emissão da liquidação adicional de IRS n.º 2022..., da qual resultou um valor a pagar de € 548,58.
K) O Requerente procedeu ao pagamento do valor apurado.
L) O Requerente apresentou a competente reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IRS relativas ao ano de 2018.
M) A AT decidiu pelo indeferimento da reclamação graciosa e pela consequente manutenção das liquidações adicionais promovidas, do qual resulta:
N) O Requerentes apresentou as faturas e quadro resumo de recibos emitidos pela B... aos seus clientes, das quais consta o valor do serviço prestado identificado como “Valor Documento” e o valor final a receber do cliente identificado como “Valor Atribuído”, cuja diferença corresponde à dedução da retenção na fonte devida no país da fonte do rendimento, apresentada em termos separados como “Valor Pendente” — cfr. doc. n.º 6 junto pelo SP.
O) O Requerente apresentou os comprovativos das transferências bancárias relativas às faturas referidas, tendo sido transferido a favor da B... o valor identificado como “Valor Atribuído” — cfr. doc. n.º 6 junto pelo SP
P) O Requerente apresentou mensagens eletrónicas com quadros resumo com o número de faturas e valores retidos bem como mapas de pagamentos — cfr. doc. n.º 7 junto pelo SP.
Q) A B... elaborou mapa de "controlo das retenções efetuadas pelos clientes", de 1 de janeiro de 2018 a 31 de dezembro de 2018.
R) Verifica-se uma correspondência entre os valores faturados, retidos e recebidos pela B... .
S) Das mensagens eletrônicas trocadas é possível verificar que as entidades pagadoras declaram ter efetuado as respetivas retenções na fonte.
T) A B... solicitou por diversas vezes aos seus clientes o envio de comprovativos certificados pelo Ministério das Finanças relativos às retenções na fonte realizadas nos países estrangeiros em causa, evidenciando a liquidação do imposto sobre os pagamentos que lhe foram efetuados.
U) O Requerente efetuou o pagamento da nota de liquidação IRS n.º 2022..., e respetivos juros, no montante de € 548,58.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não foram identificados outros factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, 2, CPPT, e art. 607.º, 3, CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, 1, a) e e), RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior art. 511.º, 1, CPC, correspondente ao atual art. 596.º, aplicável ex vi art. 29.º, 1, e), RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do art. 110.º, 7, CPPT, e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DE DIREITO
B.1 Questão a decidir — da prova vinculada para efeitos de comprovação das retenções na fonte efetuadas em países terceiros
Basicamente, o que está aqui em causa é o de saber se a prova apresentada pela B... e, in casu, pelo Requerente, é ou não é a suficiente para demonstrar se se ocorreu ou não uma efetiva tributação no Estado da fonte do rendimento por intermédio de retenções na fonte efetuadas por clientes sedeados em países africanos (Angola, Congo, Quénia, Gabão e São Tomé e Príncipe), os quais foram deduzidos pelo Requerente na proporção da sua quota.
Para o Requerente, não resulta do quadro legislativo português qualquer exigência legal expressa de prova vinculada para os efeitos em apreciação até porque, se fosse o caso, o mesmo imporia ao SP uma obrigação de impossível observância, em termos práticos, tendo em consideração as jurisdições em causa, em virtude do facto de se traduzir numa exigência que se encontra por inteiro fora do controlo da B..., e mais ainda do controlo do Requerente, porquanto nenhum destes tem qualquer relação com as autoridades fiscais dos países da fonte dos rendimentos.
Além do mais, a existir ofícios circulados em sentido contrário, eles não podem juridicamente vincular os contribuintes.
A AT considera que, para efeitos de admissibilidade da dedução à coleta das retenções na fonte efetuadas no estrangeiro, caberia ao SP apresentar certificados emitidos pela autoridade fiscal do país da fonte do rendimento que atestem que o imposto retido pelos clientes da sociedade de advogados foi efetivamente entregue a essa autoridade.
Esta exigência de prova defendida pela AT resulta de uma instrução administrativa (Ofício-Circulado n.º 20030, de 18 de dezembro de 2000).
Vejamos.
Situação idêntica à que aqui se discute foi já objeto de decisão no CAAD — v.g., cfr. o processo n.º 270/2023-T e o n.º 271/2023-T.
Do primeiro citado aresto resulta que “A prova do imposto pago no estrangeiro, para efeitos do apuramento do crédito por dupla tributação jurídica internacional, pode ser feita por qualquer meio de prova admitido em direito, designadamente com faturas, recibos e correspondência, demonstrativos de que os clientes procederam a retenção na fonte, relativamente aos serviços prestados”, concluindo o Tribunal que “Com estes elementos carreados para os autos (documentos 5 e 6 em anexo ao pedido de pronúncia arbitral), como se refere na fundamentação da matéria de facto, ficou provado, que o imposto foi retido no estrangeiro, para efeito de crédito de imposto por dupla tributação internacional, cf. n.º 1 do artigo 81.º e n.º 1 do artigo 128ç.º do CIRS."
O segundo aresto tem entendimento idêntico para a mesma questão: "não existe um sistema de prova vinculada para efeitos da comprovação das retenções na fonte efetuadas no estrangeiro, e ainda que tal entendimento resulte de uma instrução administrativa, esta é insuscetível de vincular juridicamente os contribuintes” bem como “Na falta de documentos emitidos pelas autoridades fiscais estrangeiras, outros elementos de prova, designadamente faturas, comprovativos de pagamento e declarações obtidas dos clientes estrangeiros, cuja veracidade não é posta em causa, permitem chegar ao resultado da admissibilidade das deduções à coleta, em sede de IRS, das retenções na fonte de imposto efetuadas no estrangeiro pelos clientes da Sociedade B...”
Na verdade, alinhados com esta posição, entendemos que a lei não estabelece, logo, não obriga, a um regime de prova vinculada. O que a lei prevê é que o SP apresente os documentos comprovativos dos rendimentos e das respetivas deduções, nos termos do artigo 128.º, 1, CIRS.
Com efeito, determina este preceito que: "As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija."
Ora, se é assim, então o sujeito passivo que viu parte dos seus rendimentos sujeitos a retenção na fonte, processada no estrangeiro, poderá fazer prova do direito a dedução através de qualquer documento comprovativo dos factos em que assenta o seu direito, não se exigindo forma especial para tal documento comprovativo.
Esta posição tem acolhimento pelo STA. Conforme cita o Requerente (Acórdão de 20 de abril de 2005, processo n.º 1254/04), "a questão que aqui se coloca é a de saber se é — como considerou o Mmo. Juiz do tribunal a quo — à Administração Tributária (AT) que incumbe tal obrigação, ou se, ao invés, é sobre os sujeitos passivos que recai tal ónus. Porém, essa elisão verificou-se, pois o Mmo. Juiz decidiu que os impugnantes fizeram a prova de que o desconto foi feito, ao estatuir que “os documentos apresentados pelo impugnante ... revelam o montante dos rendimentos obtidos no estrangeiro bem como o montante do imposto retido. É certo que a questão poderia ter outra solução se a lei exigisse um determinado tipo de prova (como parece sustentar a Fazenda Pública); no caso, e como expressamente refere, uma “declaração emitida ou autenticada pela Administração Fiscal do território onde foi prestado o trabalho e alegadamente pago o imposto. Mas não é assim. A lei não estipula um regime de prova vinculada. Pelo contrário, nesta matéria, o n.º 3 do art. 128.º do CIRS [correspondente ao atual art. 128.º n.º 4] aponta até em sentido diverso.”
Com efeito, competia ao Requerente provar que, i) o rendimento da B... foi objeto de dedução (o que almejou com êxito, conforme matéria provada); e ii) que tal dedução se deveu à obrigação de retenção na fonte de imposto que recai sobre os clientes daquela sociedade (o que também se verificou).
Conforme a prova produzida nos presentes autos, ficou demonstrado que o imposto foi retido no estrangeiro, para efeitos de crédito de imposto por dupla tributação internacional, nos termos do art. 81.º, 1, e 128.º, 1, ambos CIRS.
B.2. O pedido de reembolso de quantia indevidamente paga e juros indemnizatórios
O Requerente formula um pedido de reembolso do IRS indevidamente pago bem como o pagamento dos juros indemnizatórios.
É jurisprudência uniforme — maxime, cf. Ac. 630/2014-T, CAAD — que de acordo com disposto no art. 24.º, 1, b), RJAT "a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».
E continua o citado Ac.: "Com efeito, apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.
Sendo processualmente viável apreciar o pedido de juros indemnizatórios será necessariamente também possível apreciar o pedido de reembolso da quantia indevidamente paga, cujo montante é factor de determinação do montante dos juros indemnizatórios.
Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.
Ficou dado como provado (art. 110.º, 7, CPPT, ex vi, art. 29.º, RJAT, e art 16.º, e), RJAT) que o Requerente pagou a quantia liquidada acima identificada.
Consequentemente, determino que a AT reembolse a Requerente do valor de liquidação de IRS indevidamente pago, porque não devido, conforme fundamentação já expedida supra.
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Quanto aos juros indemnizatórios.
Determina o art. 24.º, 5, RJAT que "“é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, e 100.º, LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Este “erro imputável aos serviços” é uma responsabilidade objetiva, independente de culpa, e corresponde a qualquer ilegalidade, não imputável ao SP mas à AT, com ressalva do erro na autoliquidação — cf. Acórdão STA, proc. n.º 0886/14, proferido em 19/11/2014, e Acórdão STA, proc. n.o 0771/08, proferido em 21/01/2009.
Posto isto, são devidos juros indemnizatórios ao Requerente desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito, à taxa de 4% (cf. arts. 43.º, 4, e 35.º, 10, ambos da LGT, e artigo 1.º da Portaria 291/2003, de 8 de abril), tudo nos termos do disposto art. 61.º, 3, CPPT,
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Considerando a posição assumida nos presentes autos e a respetiva fundamentação, fica prejudicada a apreciação das outras questões que foram suscitadas pelo Requerente, por manifesta inutilidade.
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
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Julgar procedente o pedido de anulação do ato de liquidação de IRS melhor identificado, e, consequentemente, o ato de indeferimento da reclamação graciosa;
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Julgar procedente o pedido de reembolso de quantia paga pelo contribuinte bem como os respetivos juros indemnizatórios, calculados à taxa legal, nos termos do art. 61.º, CPPT, condenando a Autoridade Tributária a efetuar o respetivo pagamento ao Requerente;
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Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em 548,48 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 306,00 € nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto no artigo 22.º, n.º 4, RJAT.
Notifique-se.
Bom Sucesso, 13 de setembro de 2024
O Árbitro Singular
(Ricardo Marques Candeias)