SUMÁRIO:
1) O Tribunal Arbitral é competente para conhecer do pedido de anulação de liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário. 2) O acto tributário objecto de Pedido de Pronúncia Arbitral deve ser concretamente indicado e junto com o articulado inicial, cfr. art.ºs 10.º/2, al. b) do RJAT, 108.º/1 do CPPT e 79.º/3, al. a) do CPTA (aplicáveis ex vi art.º 29.º do RJAT). 2) É sobre o Autor que recai o ónus de observar os requisitos da petição inicial, ónus processual conforme ao princípio da auto-responsabilidade das partes. 3) Notificada a Requerente para se pronunciar sobre a matéria de excepção invocada pela Requerida, e tendo a mesma, quanto à excepção de ineptidão da petição inicial, vindo afirmar ser-lhe impossível a junção ou sequer a identificação do(s) acto(s) tributário(s) objecto do Pedido, ficando o Tribunal no desconhecimento do(s) acto(s) impugnado(s), confirma-se, desde logo, a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, que determina a nulidade de todo o processo, obsta ao conhecimento do mérito e é causa de absolvição da instância, cfr. art.ºs 577.º, b) e 576.º/2 do CPC (aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT).
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A..., LDA., nipc..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Vila Franca de Xira, doravante “Requerente”, ou simplesmente “Req.te”, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
Requer a constituição do Tribunal “com vista à declaração de ilegalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa (...) e, bem assim, a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação que englobam o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e outros tributos, referentes ao período compreendido entre agosto de 2019 e dezembro de 2022, mas unicamente na parte respeitante à liquidação em CSR.”[1]
Apresentou pedido de revisão oficiosa “do ato tributário de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário suportada entre agosto de 2019 e dezembro de 2022” e, uma vez que não houve decisão, o mesmo é de considerar tacitamente indeferido, sustenta. Segundo expõe, a 03.01.2024.
Por essa razão, afirma, interpõe o Pedido de Pronúncia Arbitral, e o mesmo é tempestivo.
Alega utilizar na sua actividade veículos, que para os abastecer contratou o fornecimento de combustível a crédito com a B... Lda., e que esta, assim, lhe emitiu facturas de combustível, que pagou. Lista elementos identificativos das facturas, dos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, e quantifica os litros de gasóleo que alega ter adquirido e pago.
Sustenta, nesta sequência, que “suportou, na qualidade de consumidor final, um total de 25.991,93€ a título de Contribuição de Serviço Rodoviário” - expõe o cálculo aritmético que faz para apurar este montante -, a qual “embora tenha sido paga em primeira linha pela B... (...) Lda., tais valores acabaram por se repercutir nos preços dos combustíveis”. E, sustenta, “em consequência foram efetivamente suportados no caso em apreço pela Requerente.”
Segundo expõe, a CSR deve ser considerada um imposto desconforme ao art.º 1.º, n.º 2 da Directiva n.º 2008/118/CE de 16.12.2008 (doravante “a Directiva”) e nesse sentido se pronunciou o TJUE no Acórdão no Proc. C-460/21, de 07.02.2022. Assim, “o ato tributário objeto de reclamação sofre de erro quanto aos pressupostos de direito em que se baseou.”
“[P]or discordar com a liquidação da CSR pela administração tributária” vem apresentar “pedido de revisão do ato tributário de liquidação da CSR repercutida nos abastecimentos de gasóleo e gasolina por si realizados entre agosto de 2019 e dezembro de 2022 e retratados nas faturas juntas”, “requerendo que as liquidações correspondentes sejam declaradas nulas por vício de violação de lei”. (cfr. artigo 51.º do PPA)
Refere que a lei criadora do tributo é ilegal por violação da Directiva e que, assim, “as liquidações de CSR impugnadas padecem do vício de ilegalidade abstrata”, e sustenta haver que “concluir pela ilegalidade das liquidações de CSR que se repercutiram no preço” - pago por si à B... Lda. (B... Lda.) - e que são “objeto de impugnação neste processo”. (cfr. artigos 54.º e 55.º do PPA)
Os comercializadores não poderiam deixar de repercutir o imposto, alega, sob pena de praticarem preços de venda inferiores aos de aquisição dos produtos petrolíferos, e “a repercussão tributária consiste na transferência do valor económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo através da integração do tributo no preço”. Pelo que, embora não seja sujeito passivo, “o encargo desta contribuição financeira é suportado pelo consumidor do combustível.” (cfr. artigos 59.º a 62.º do PPA)
Peticiona “lhe seja restituído o montante de 25.991,93€ por si suportado a título de Contribuição de Serviço Rodoviário, relativamente a abastecimentos realizados em postos de abastecimento de combustível da B... (...) e cobrado indevidamente - de forma ilegal - pela administração tributária”. (cfr. artigo 64.º do PPA)
Para o que, assevera, “tem total interesse e, por conseguinte, está dotada de legitimidade”.
Requer, a final, que seja declarada a ilegalidade (i) do ato indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e (ii) dos atos de liquidação de CSR, e que (iii) a Autoridade Tributária seja condenada a reembolsá-la pelo valor total de CSR indevidamente pago entre Agosto de 2019 e Dezembro de 2022, acrescido de juros indemnizatórios.
Requer, ainda, a notificação da B... Lda. para juntar aos autos as declarações de introdução no consumo (doravante “as DIC” ou “DICs”) acompanhadas de comprovativos de pagamento (apela ao art.º 432.º do CPC).
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É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 14.02.2024 e notificado à AT.
Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.
As Partes foram notificadas da designação de árbitro por comunicação de 03.04.2024 e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído a 23.04.2024. E por despacho da mesma data o Tribunal notificou a Requerida para apresentar Resposta e juntar o PA.
A Requerida veio apresentar Resposta, e juntar o PA - consistente no Pedido de revisão oficiosa.
Na Resposta, e após enquadrar a CSR fáctico-normativamente, a Requerida defende-se, desde logo, por excepção. Invoca, desenvolvendo: A) Ineptidão da petição inicial, B) Ilegitimidade processual e ilegitimidade substantiva da Requerente, C) Incompetência do Tribunal em razão da matéria, e D) Caducidade do direito de acção.
Após, e sem conceder, defende-se por impugnação, pugnando pela total improcedência do PPA.
Entre o mais, expõe o seu entendimento no sentido de não existir prova que sustente os factos que vêm alegados pela Requerente, bem como, como melhor desenvolve, no sentido de não haver desconformidade entre o regime da CSR e a Directiva.
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Por despacho de 05.06.2024, o Tribunal notificou a Requerente para se pronunciar, querendo, sobre toda a matéria de excepção invocada pela Requerida na sua Resposta. E a Requerente veio, por requerimento de 20.06.2024, fazê-lo.
Defende não se verificar qualquer das excepções invocadas.
Quanto à ineptidão da petição inicial, refere que não só identificou as facturas que lhe foram emitidas pela sua fornecedora de combustíveis, “em que houve lugar à repercussão da CSR”, como indicou a quantia global que suportou a título de CSR. Juntou aos autos, afirma, a totalidade dos documentos que tem em seu poder. Reitera que “não assumindo a qualidade de sujeito passivo do tributo, não tem na sua posse quaisquer outros documentos”. Mais que não lhe pode ser exigida a apresentação das DICs. Apela ao princípio da colaboração (e ao art.º 59.º, n.ºs 1 e 2, al. d) da LGT) e defende que, tendo a AT as DICs, poderá solicitar a coadjuvação do sujeito passivo na sua identificação. Posição contrária buliria com o princípio do acesso ao Direito, e com os seus direitos a uma tutela jurisdicional efectiva e à reposição da legalidade, por fazer depender a efectivação desses direitos de documentos que a Requerente “não possui nem tem a obrigação legal de possuir”. Os actos tributários de liquidação de CSR estão “identificados e documentados pelo único meio possível qual seja a emissão de faturas emitidas pelo fornecedor do combustível que consubstancia a repercussão do encargo tributário na esfera jurídica dos adquirentes”. Não lhe compete a si o ónus de identificação e comprovação “dos atos de liquidação repercutidos”. O “contribuinte” está “na impossibilidade de obter elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade, por não ser ele também o sujeito passivo do imposto”. A AT, sim, estava em condições de realizar as diligências necessárias a apurar a realidade subjacente às operações em questão, defende, convocando o princípio do inquisitório (e, entre o mais, o art.º 58.º da LGT). Não pode ver agravada a sua situação por “não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso” quando a AT se absteve de a obter. Os actos de liquidação estão identificados “ainda que por remissão para documentos juntos”, e não lhe seria exigível fazer “a prova da sua conexão com as faturas de aquisição de combustível”, defende. Não obstante, “para prova que os atos de repercussão da CSR suportada pelo sujeito passivo no preço dos combustíveis adquiridos pela aqui Requerente efetivamente ocorreram” junta “a declaração emitida pela C... Lda. da qual consta que a Requerente liquidou o respetivo imposto a título de contribuição de serviço rodoviário (CSR), que incide sobre os combustíveis”.
Quanto à ilegitimidade, apela ao art.º 18.º, n.º 4, al. a) da LGT e defende que “pode impugnar os próprios atos de liquidação do imposto, através de qualquer daqueles meios procedimentais ou processuais, como modo de reagir contra a ilegalidade da repercussão”. São os repercutidos que “têm legitimidade para impugnar os atos que afetaram as suas esferas jurídicas, no exercício do direito de impugnação de todos os atos lesivos que lhe é constitucionalmente garantido (refere os artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP)”. Os art.ºs 18.º, n.º 4, al. a), 54.º, n.º 2, 65.º e 95.º, n.º 1 da LGT, em conjugação com o art.º 9.º, n.º 1 e 4 do CPPT, reconhecem legitimidade a quem for titular de um interesse legalmente protegido, pelo que tem legitimidade procedimental e processual. Contra os argumentos de possível enriquecimento sem causa e de multiplicação de reembolsos assevera que, havendo repercussão, só o repercutido tem direito ao reembolso, e que houve repercussão completa cobrada pela sua fornecedora (junta declaração desta para prova de as facturas estarem pagas), mais não há prova de ela própria ter repercutido/repassado o imposto a jusante.
Quanto à incompetência material, assevera que não assiste razão à Requerida ao qualificar a CSR como contribuição financeira e daí retirar a consequência de o Tribunal Arbitral ser materialmente incompetente. A CSR é um imposto “dado o seu caráter inequivocamente unilateral”, sustenta. E “mesmo que, à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional português, a CSR houvesse de ser qualificada como uma contribuição financeira, nem por isso ela – tal como está desenhada – deixaria de ser um imposto indireto na aceção da Diretiva (...)”. Apela aos princípios da interpretação conforme e do primado do Direito da UE (refere o art.º 8.º, n.º 4 da CRP) para defender que os dispositivos legais que regulam a CSR devem ser interpretados como consagrando um imposto indireto sobre o consumo de produtos petrolíferos. Improcedendo assim, defende, a invocada excepção. E improcedendo ainda, acrescenta, quando fundamentada na - também pela Requerida invocada - falta de competência dos Tribunais Arbitrais para apreciar a legalidade de um regime jurídico no seu todo. Expõe que não é disso que se trata, que “o objeto da presente ação arbitral não é a impugnação da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto (nem a sua declaração de ilegalidade), mas, sim, a decisão (de indeferimento tácito) do pedido de revisão oficiosa (objeto imediato) e os atos de liquidação de CSR (objeto mediato)”. E a impugnação judicial de um ato de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade, nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito internacional convencional, expõe.
Quanto à caducidade do direito de acção, nota que a Requerida alega que a falta de identificação dos actos de liquidação impede aferir da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, e que este não podia ser apresentado no prazo de 4 anos do art.º 78.º/1 da LGT. Porém, expõe, “deduziu um pedido de pronúncia arbitral contra os atos tributários de repercussão da CSR” identificados e documentados pelas facturas, e “não lhe compete o ónus de identificação e de comprovação dos atos de liquidação repercutidos”. Mais “a alegada falta de identificação dos atos de liquidação não é imputável à Requerente, e esta não dispõe sequer de legitimidade processual para impugnar esses atos tributários, pelo que não pode daí extrair-se a intempestividade do pedido de revisão oficiosa.” A revisão oficiosa do acto tributário pode ser efectuada a pedido do contribuinte no prazo de 4 anos contados da liquidação se houver erro imputável aos serviços, o PPA foi deduzido precisamente “para discutir a validade do entendimento adoptado pela Administração na decisão de indeferimento tácito”, no pedido de revisão oficiosa foi invocado erro imputável aos serviços, e o pedido “deu entrada na Alfândega de Peniche em 30.08.2023 e reporta-se a atos de repercussão da CSR no período compreendido entre agosto de 2019 a dezembro de 2022” e assim foi submetido dentro do referido prazo de 4 anos do art.º 78.º/1 da LGT. Mais o PPA também é tempestivo, apresentado que foi dentro do prazo de 90 dias após o decurso do prazo para apreciação do pedido de revisão oficiosa, remata.
Juntou duas declarações, com carimbo comercial pela C..., Lda.[2] (uma no sentido de que a Requerente adquiriu os combustíveis “mais liquidou o respectivo imposto a título de CSR”; outra de a conta corrente entre a Requerente e a C... Lda. estar saldada). Protestou juntar declarações da mesma entidade a identificar as entidades a quem adquiriu o gasóleo que lhe forneceu a si Requerente e “de repercussão da CSR” na própria (i.e., na fornecedora da Requerente).
Com o PPA apenas havia junto facturas.
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Por despacho de 08.07.2024, e por os autos reunirem já então os elementos suficientes para conhecimento do pedido, como aí vertido, o Tribunal notificou as Partes da dispensa da reunião do art.º 18.º do RJAT e da produção de alegações escritas finais, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, celeridade e simplificação.
2. Saneamento
As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e estão devidamente representadas, cfr. art.ºs 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03.2011.
Vem invocada na Resposta matéria de excepção. A saber, vêm invocadas as excepções de ineptidão da petição inicial, ilegitimidade da Requerente - processual e substantiva, incompetência material do Tribunal e caducidade do direito de acção. A Requerente, de seu lado, notificada pelo Tribunal para o efeito, veio pronunciar-se sobre as mesmas e defender nenhuma delas ocorrer (tudo como supra).
Vejamos. Iniciando pela excepção de incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, como segue.
2.1. Da excepção de incompetência do Tribunal em razão da matéria
Nos termos conjugados do disposto no art.º 16.º do CPPT, art.º 13.º do CPTA, e nos art.ºs 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, 576.º, n.º 2 e 577.º, al. a) e 578.º, todos do CPC[3], a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do Tribunal, que é de conhecimento oficioso, precedendo o de qualquer outra matéria. Tratando-se de excepção dilatória obsta a que o Tribunal conheça do mérito e conduz à absolvição da instância.
Sendo que a competência em razão da matéria há-de determinar-se pelo pedido do Autor (pelo quid decidendum).[4] Se se preferir, através do confronto entre as normas que a definem e o teor da petição inicial, com destaque para o pedido e a causa de pedir.
E o Tribunal Arbitral, refira-se, tem competência para decidir sobre a sua própria competência: é o “princípio da competência da competência do Tribunal Arbitral”[5], desde há muito reconhecido como regra em matéria de arbitragem[6] (v. art.ºs 18.º da LAV[7] e 181.º/1 do CPTA).
A Requerida invoca esta excepção fundando-se, primeiramente, no seu entendimento de que o thema decidendum não é arbitrável. Do disposto no art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2021, de 22 de Março, decorre expressamente, expõe, que o legislador quis restringir a vinculação nesta sede ao âmbito de pretensões que respeitem especificamente a impostos, não se incluindo tributos de outra natureza, como as contribuições. E que o tributo de que se trata nos autos - CSR - é uma contribuição e não um imposto. Sempre sem conceder invoca, depois, a mesma excepção com fundamento em (i) pretender a Requerente, no rigor, a não aplicação de diplomas legislativos, e não caber na competência do Tribunal Arbitral a fiscalização da legalidade de normas em abstracto, “sem enquadramento processual impugnatório de acto concreto de liquidação”; (ii) não poder o Tribunal Arbitral pronunciar-se sobre actos de repercussão de CSR, subsequentes e autónomos da sua liquidação.
A Requerente veio defender em contrário - cfr. supra, p. 7.
Apreciando.
A Arbitragem Tributária, como arbitragem institucionalizada que é, reveste especificidades próprias. Desde logo a que decorre de, não obstante a sua natureza de arbitragem, tratar de direitos (créditos) indisponíveis. Assim, o respeito pelo Princípio da indisponibilidade, aplicável à AT, conduziu a que o legislador - cfr. art.º 4.º do RJAT - tivesse sido exigente ao ponto de determinar que a comum convenção de arbitragem sofresse aqui adaptações e, assim, que a AT se vinculasse à via da arbitragem, previamente, por Portaria.
De onde decorre que a competência do presente Tribunal se afere pelo disposto a este respeito nas disposições conjugadas do RJAT e da já referida Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação). Através da qual uma das partes, a AT, veio previamente vincular-se à jurisdição dos Tribunais Arbitrais a funcionar sob a égide do CAAD. À qual decidiu assim submeter-se, nos termos e condições que aí definiu por conjugação com o disposto no RJAT. Ao abrigo do disposto neste último Diploma legal, a saber, no seu art.º 4.º, n.º 1.[8]
Ora, se por um lado no RJAT a competência dos Tribunais Arbitrais é estabelecida nos termos do seu art.º 2.º, n.º 1, por outro, nos termos do art.º 2.º da referida Portaria, a AT recortou (excluindo) daquela esfera de competência (que, assim, delimitou) a apreciação das pretensões relativas a determinadas situações, a que não aceitou vincular-se.
Não vem sendo pacífica a questão de saber se na delimitação de competência pela Portaria se pretendeu excluir do conjunto das pretensões relativamente às quais a AT aceitou vincular-se, as de declaração de ilegalidade de actos em tributos que não constituam impostos stricto sensu.
Vejamos os dispositivos legais.[9] No RJAT, o art.º 2.º, no que aqui mais releva, dispõe:
“Artigo 2.º - Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; /(...)”
Por sua vez, na Portaria de Vinculação, rege o respectivo art.º 2.º assim:
“Artigo 2.º – Objecto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.”[10]
Da conjugação dos normativos supra - no art.º 2.º do RJAT a referência a “tributos” e, depois, no art.º 2.º da Portaria, a certo passo, a palavra “impostos” – resultaria (e em conjugação com outros argumentos que nessa interpretação se invocam) que teriam ficado excluídas da esfera de competência material dos Tribunais Arbitrais as pretensões respeitantes a outros tributos que não os pertencentes à espécie impostos. Como vem defendido na Resposta. E como, ademais, vem sendo uma das posições seguidas na Jurisprudência Arbitral.
Neste sentido podem ver-se, entre outras, as Decisões Arbitrais nos processos n.º 347/2017-T, n.º 115/2018-T, n.º 138/2019-T, n.º 31/2023-T.
Pela nossa parte, entendemos compreendida na competência material dos Tribunais Arbitrais a apreciação das pretensões ali indicadas seja quando referentes a impostos stricto sensu, seja quando referentes a outros tributos (“impostos” lato sensu, portanto). Apenas não se verificando essa competência nos casos expressamente excluídos pela Portaria de Vinculação – a saber, nas várias alíneas do respectivo art.º 2.º (supra, e v., aí, nossos destacados – a demonstrar, quanto a nós, como da própria letra da lei decorre que o vocábulo “impostos” foi utilizado no corpo do art.º 2º da Portaria no seu sentido lato, impostos lato sensu; nem de outra forma se compreenderia a utilização do vocábulo tributos dentro do artigo, na al. e), aditada em 2019). E desde que se trate de tributos cuja administração esteja cometida à AT. Como melhor desenvolvemos já em Decisão Arbitral de 18.08.2021, no processo n.º 879/2019-T (e já antes aproximáramos no processo n.º 599/2018-T), para cuja fundamentação remetemos.
Não se desconhecendo o Douto Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 545/2019, de 16.10.2019, em que a interpretação no sentido inverso é considerada compaginável com a Constituição; e v. a Douta Decisão Sumária do mesmo Venerando Tribunal, n.º 70/2024, de 08.02.2024, no processo n.º 1347/2023.
No sentido, que é o do nosso entender, de que cabe na competência dos Tribunais Arbitrais a apreciação das pretensões ali indicadas (art.º 2.º do RJAT) também quando referentes a outros tributos, que não impostos stricto sensu, se pronunciaram também os Tribunais Arbitrais, entre outros, nos processos n.º 312/2015-T, n.º 142/2018-T, n.º 156/2018, n.º 305/2020-T.
Quanto, por sua vez, à natureza jurídica da CSR, em qualquer caso sempre se faça uma breve referência. (Sem prejuízo do que já deixámos dito: como quer que seja, é nosso entendimento que o Tribunal Arbitral tem competência material para conhecer do PPA que tem por objecto actos de liquidação de tributos, sejam eles impostos stricto sensu, sejam eles contribuições financeiras ou, ainda, taxas - tem, pois, competência, nos termos conjugados do art.º 2.º do RJAT com o art.º 2.º da Portaria de Vinculação, para conhecer de pretensões em impostos lato sensu).
E também esta não é matéria pacífica, desde logo na Jurisprudência Arbitral. Considerando o tributo em apreço como sendo um imposto (stricto sensu) se pronunciaram, entre outros, os Tribunais Arbitrais nos processos n.º 629/2021-T, n.º 305/2022-T, n.º 113/2023-T, n.º 410/2023-T. Já em sentido diverso, de este tributo constituir efectivamente, em consonância com o seu nomen iuris, uma Contribuição, Contribuição Financeira, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nos processos n.º 31/2023-T, n.º 508/2023-T, n.º 520/2023-T (no mesmo sentido vão também diversos votos de vencido, como naqueles processos n.º 305/2022-T, n.º 410/2023-T). Sendo que quanto a tratar-se de tributo administrado pela Requerida é assente.[11]
Ao nosso olhar, e tal como o tributo foi configurado pela lei sua criadora, a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto[12], vigente ao tempo dos factos, estamos perante uma Contribuição Financeira.[13] Para tal apontam, quanto a nós, as características nela ínsitas de ser um tributo destinado a financiar um objectivo público - financiar a rede rodoviária nacional (art.º 1.º) no que respeita à sua concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento (art.º 3.º, n.º 2 e art.º 8.º), fim público cujo financiamento é assegurado subsidiariamente pelo Estado (art.º 2.º), constituir uma contrapartida pela utilização dessa rede conforme verificada pelo consumo de combustíveis (art.º 3.º), incidir sobre a gasolina e o gasóleo sujeitos ao ISP (incidência objectiva) e sobre os sujeitos passivos deste último imposto (incidência subjectiva) (art.ºs 4.º e 5.º), constituir receita própria da entidade pública encarregue do referido objectivo/fim público (art.º 6.º), e tendo sido pretendido o tributo não vir agravar os preços de venda dos combustíveis em causa (art.º 7.º).
Às Contribuições Financeiras, uma das (hoje comummente aceite, três) espécies de tributos admitidas pelo nosso Ordenamento Jurídico, se referiu o nosso legislador seja no art.º 3.º, n.º 2, parte final, da LGT, seja, desde logo, no art.º 165.º, n.º 1, al. i) da CRP. Sendo que são conhecidas as dificuldade/delicadeza de delimitação entre as espécies de tributos, precisamente em especial entre as Contribuições e os Impostos (stricto sensu).[14] A LGT define em geral os pressupostos tributos, maxime dos Impostos e das Taxas, cfr. art.º 4.º, n.ºs 1 e 2. E Doutrina e Jurisprudência vêm densificando ao longo do tempo os conceitos nesta delimitação tripartida dos tributos.
“Os impostos têm sempre por finalidade imediata o financiamento de despesas públicas, realizadas por entidades de direito público, não directamente individualizáveis (no sentido de que lhes é alheia uma ideia de contraprestação, pelo menos directa) e cujo financiamento é unilateral e autoritariamente imposto com base num princípio de capacidade contributiva. Ou que, nos termos do art.º 4.º, n.º 1 da LGT, assentam essencialmente na capacidade contributiva.[15] Já as taxas, não obstante terem, tal como os impostos, uma finalidade de financiamento dos encargos com funções públicas, circunscrevem-se ao âmbito de funções públicas individualizáveis, susceptíveis de proporcionar vantagens ou benefícios - que são identificáveis de forma directa, em concreto - a quem as utiliza ou delas simplesmente beneficia. Revestem-se, assim, de carácter não já unilateral mas sim sinalagmático (...).”[16]
As Contribuições, por sua vez, são de qualificação jurídica mais difícil, “(...) estaremos aqui perante tributos a meio caminho entre os impostos e as taxas, que reúnem características próprias quer de uma, quer da outra espécie. Uma figura híbrida, a que diversos Autores se vêm referindo como um “tertium genus” de receitas. Deles é própria também uma contraprestação, porém difusa, não individualizável. Sendo pois os respectivos beneficiários receptores de uma contraprestação colectiva, homogénea nesse conjunto de sujeitos, mas distinta daquela que seria a satisfação do interesse colectivo da comunidade como um todo. Revestem assim natureza grupal, e são também apelidadas de tributos paracomutativos por se entender traduzirem a contrapartida de prestações relativamente às quais apenas se presume (de uma forma mais difusa que nas taxas, mas menos que nos impostos) que os respectivos sujeitos passivos serão beneficiários. (...).”[17] Ou causadores. Contraprestação, pois, mas difusa - beneficiários presumíveis receptores de uma contraprestação colectiva, homogénea nesse grupo. Ou, bem assim - participantes do grupo causadores - presumíveis - da necessidade de tal prestação. Sinalagma difuso. No grupo.
Como escrevia Saldanha Sanches, “[a]o lado dos impostos que constituem a receita normal do Estado, e que se encontram afectos ao financiamento global das suas despesas, encontramos receitas tributárias – tributos parafiscais, parafiscalidade – que comparticipam de todas as características normais dos impostos – unilateralidade, coactividade, ausência de qualquer objectivo punitivo – mas se encontram afectas ao funcionamento de certas entidades públicas que comparticipam no preenchimento de objectivos públicos.”[18]
São tributos que têm como característica, assim também, a respectiva receita se encontrar destinada precisamente aos fins da prestação pública em causa, tendencialmente acompanhados de consignação da mesma, seja material seja orgânica, em favor de entidades públicas de base não territorial.
Retornando à CSR.
Como percorrido supra, do respectivo regime jurídico decorre a mesma se destinar a financiar objectivos públicos cuja prossecução se encontra a cargo de entidade pública de base não territorial (a então E.P. – Estradas de Portugal, E.P.E.). Quanto a estarmos perante fins públicos v. também o art.º 84.º, n.º 1, al. d) da CRP - as estradas pertencem ao domínio público. E terá o legislador entendido que os respectivos sujeitos passivos (art.º 5.º, n.º 1, da Lei 55/2007) serão presumíveis beneficiários da prossecução deste fim público - a devida concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. Presumíveis receptores de uma contraprestação colectiva, homogénea nesse grupo, que lhes aporta benefícios. Com efeito, não deixa de, com alguma propriedade, ser possível detectar, nos sujeitos passivos em questão (v. art.º 4.º do CIEC, ex vi art.º 5.º da Lei 55/2007), que introduzem no consumo os ditos combustíveis, para fins rodoviários, uma vantagem, para a sua actividade, proveniente de tal prestação a cargo da concessionária. Desde logo, será através da rede rodoviária existente, através assim da circulação rodoviária, que o seu produto vai, de forma intensiva, escoar-se. Assim o sinalagma difuso próprio das Contribuições Financeiras.
Por fim, também não será por o TJUE se ter pronunciado no sentido de a imposição em questão ser violadora da Directiva 2008/118/CE (cfr. Despacho Vapo Atlantic, proc. C-460/21) que a natureza jurídica que foi conferida ao tributo pelo legislador que a criou, o nosso legislador, no Ordenamento Jurídico Português, resultará outra. Desde logo para efeitos de aferir da competência material do Tribunal. Uma coisa será o TJUE, considerando, num primeiro momento, o tributo recair na Directiva, e aferindo, depois, das suas características, tê-lo por violador da mesma. Tomando-o por imposição indirecta - para os efeitos da Directiva. Coisa distinta será o regime jurídico-tributário próprio do tributo, tal como consagrado pelo legislador, portanto, e assim a sua natureza jurídica. Não assistindo razão à Requerente também quando a este respeito invoca os princípios da interpretação conforme e do primado da Direito da UE para defender que os mesmos impõem interpretar as normas reguladoras da CSR como consagrando um imposto indirecto. À luz dos ditos princípios haverá sim que interpretar-se que, como quer que o legislador nacional a qualifique, a ela recair na Directiva, e a não reunir os respectivos requisitos, será desconforme ao Direito da UE (com as consequências daí decorrentes). Não se viola, assim, o art.º 8.º, n.º 4 da CRP, antes se lhe dá cumprimento.
Dito isto, seja considerando a CSR, ao tempo, como uma Contribuição Financeira, como propendemos a considerar, e como, afinal, o legislador a qualificou, assim lhe concedendo o seu nomen iuris - ademais com as implicações que também daqui se podem retirar para efeitos de aferir da competência material do Tribunal[19] (e tendo também em mente, como ao início dizíamos, que a competência em razão da matéria há-de determinar-se pelo pedido do Autor, pelo quid decidendum) -, seja a considerando como um verdadeiro imposto stricto sensu, retira-se a consequência de que o Tribunal é materialmente competente para conhecer do Pedido, tudo como percorrido supra.
Improcede, assim, a excepção, com o fundamento que vinha invocado e que vimos de apreciar.
A Requerida fundamenta ainda esta excepção em dois outros pontos (v. supra, p. 9), a saber, estarem a ser peticionadas: (i) a fiscalização da legalidade de normas em abstracto (o regime jurídico da CSR), e (ii) a “pronúncia sobre actos de repercussão de CSR”.
Quanto a (i), sumariamente se diga que não procede o invocado fundamento. Resulta do PPA que a Requerente invoca como causa de pedir para a peticionada anulação dos actos de liquidação de CSR erro de direito. Erro este alegadamente consistente na desconformidade da CSR com o Direito da UE, por violação da Directiva 2008/118/CE. E a impugnação de actos de liquidação pode efectivamente ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade – cfr. art.º 99.º do CPPT e art.º 10.º, n.º 2, al. c) do RJAT. Sendo que é o acto de liquidação (não concretamente identificado, é certo) aquilo que vem impugnado, ainda que com as vicissitudes que mais adiante se verá.
Quanto a (ii), e além do que acaba de se dizer (são palavras da Requerente, entre o mais, “...impugnar os próprios atos de liquidação do imposto (...) como modo de reagir contra a ilegalidade da repercussão”; a final, no petitório, “que seja declarada a ilegalidade” – apenas, além da do “acto de indeferimento tácito” – “dos atos de liquidação”), o invocado fundamento não chegaria a relevar, quanto a nós, em sede de excepção de competência material do Tribunal. É ponto que mais adiante na Decisão trataremos, e para onde desde já remetemos (infra ao tratarmos de conceitos, a final).
Improcede, em qualquer caso, a excepção de incompetência material do Tribunal.
Assim sendo.
Cabe então apreciar, agora, se se verifica a excepção de ineptidão da petição inicial, também invocada pela Requerida. Que é de conhecimento oficioso, pode ser conhecida a todo o tempo até ao trânsito em julgado da decisão final, e que, a ocorrer, é determinante da nulidade de todo o processo, e causa de absolvição da instância (v. art.º 98.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CPPT, art.ºs 87.º, n.ºs 2 e 7 e 89.º, n.ºs 2 e 4, al. b), do CPTA, e art.º s 186.º, n.º 1, 196.º, 278.º, n.º 1, 576.º, n.º 2 e 577.º, al. b), e 578.º, todos do CPC).[20]
2.2. Da excepção de ineptidão da petição inicial
A Requerida invoca esta excepção com fundamento em falta de objecto. E, num segundo momento, com fundamento em ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e a causa de pedir. Numa súmula, quanto ao primeiro fundamento por a Requerente não identificar quaisquer actos de liquidação de ISP/CSR praticados pela Administração Tributária, nem as DIC submetidas pelo sujeito passivo de imposto, e apenas identificar/apresentar facturas de aquisição de combustíveis à sua fornecedora. Sendo que estas não comprovam qualquer acto tributário e delas também não resultam provados actos de repercussão da CSR; nem ela Requerida pode proceder a tal identificação, dos actos de liquidação, por impossível, conforme melhor desenvolve. Não tendo a Requerente identificado os actos tributários também não foi possível ao dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no art.º 13.º do RJAT, e a não identificação do acto compromete a finalidade do Pedido. Quanto ao segundo fundamento, por sua vez, expõe que, pedindo a Requerente a anulação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa referente às liquidações de CSR, e apresentando como causa de pedir, para efeitos do reembolso, a repercussão de tributo alegadamente inválido (desconforme ao DUE), não identifica qualquer acto, ou sequer nexo entre repercussões e liquidações, sendo que não pode a ilegalidade das alegadas repercussões inferir-se da alegada ilegalidade das liquidações.
E tendo a Requerente vindo exercer o contraditório, notificada para o efeito, pronunciou-se em defesa da não verificação da excepção, como supra (v. pp. 5-6). Em face do que, e atento o teor do dali constante (v. também nossos destacados aí), entende o Tribunal ocorrer caso de manifesta desnecessidade de novo contraditório com convite à junção e/ou concreta identificação dos actos tributários objecto do Pedido, nos termos do art.º 3.º, n.º 3 do CPC e ao abrigo do princípio da livre condução do processo arbitral (cfr. art.º 19.º do RJAT).
Vejamos.
Quanto ao seu conteúdo, a petição inicial deve observar determinados requisitos, sob pena de ser considerada inepta. O pedido é um elemento objectivo da instância, não podendo subsistir incertezas/dúvidas quanto ao conteúdo da solicitação do autor e quanto ao objecto da actividade jurisdicional subsequente.
Dispõe o legislador no art.º 98.º do CPPT, versando sobre as nulidades do processo judicial tributário, assim:
“Artigo 98.º - Nulidades insanáveis
1. São nulidades insanáveis no processo judicial tributário:
a) A ineptidão da petição inicial; / (...)”
Por sua vez, nos termos do disposto no art.º 186.º do CPC é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial. Dispõe assim o artigo, no que aos autos mais releva:
“Artigo 186.º - Ineptidão da petição inicial
1. É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2. Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
(...)”
A ineptidão da petição inicial é, pois, de tal modo grave que gera a nulidade de todo o processo.
A nulidade de todo o processo é uma excepção dilatória, que cumpre ao Tribunal conhecer, e que, a verificar-se, obsta a que se pronuncie sobre o mérito da causa (v. art.ºs 98.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT, 87.º, n.ºs 2 e 7 e 89.º, n.ºs 2 e 4, al. b) do CPTA, 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.º 2 e 577.º, b) do CPC).
O Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) corresponde materialmente a uma petição inicial.
A Requerente submeteu o PPA na origem dos presentes autos e requereu, em sede de petitório:
“a) Que seja declarada a ilegalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de Revisão Oficiosa referente aos atos de liquidação em causa; b) Que seja declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de Contribuição de Serviço [Rodoviário] no que respeita aos abastecimentos realizados pela Requerente em postos de abastecimento de combustível da empresa B... (...) LDA. localizados dentro do território português entre agosto de 2019 e dezembro de 2022; c) Que a Autoridade Tributária seja condenada a reembolsar a Requerente pelo valor total de Contribuição de Serviço Rodoviário indevidamente pago no período de agosto de 2019 a dezembro de 2022, conforme faturas juntos aos autos sob os Docs. 4 a 7 supra aludidos, no montante de 25.991,93€ (vinte e cinco mil novecentos e noventa e um euros e noventa e três cêntimos), acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor.”
Não obstante, não juntou aos autos - seja ab initio, como devido, seja posteriormente quando confrontada com a invocação da excepção pela Requerida e, notificada pelo Tribunal para o efeito, ao exercer o contraditório em resposta (cfr. supra) - o ou os actos tributários cuja anulação vem peticionar em juízo.
Os actos tributários, pois, que em contencioso anulatório, como é o nosso caso, constituem necessariamente o objecto do Pedido.[21]
Não só não juntou, como era seu dever - e sendo que tal constitui requisito da petição inicial, documento a ser necessariamente junto (cfr. art.º 10.º, n.º 2, al. b), do RJAT, e v. também o art.º 108.º, n.º 1 do CPPT e art.ºs 78.º, n.º 2, al. e) e 79.º, n.º 3, al. a) do CPTA) -, como sequer identificou concretamente esse ou esses que serão os actos que pretende ver anulados pelo Tribunal.
Trata-se de documento que deve acompanhar, instruir, a petição, sendo certo que é sobre a Requerente que recai o ónus de dar cumprimento aos requisitos da mesma previstos naqueles preceitos legais (v. parágrafo anterior).
Em comentário ao art.º 108.º, n.º 1 do CPPT, escreve Jorge Lopes de Sousa[22] assim: “(...) sendo o fim essencial do processo de impugnação judicial a eliminação jurídica de um acto em matéria tributária, desde que o impugnante o identifique e indique os vícios que entende que o afectam, poderá entender-se que há um pedido implícito de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência daquele acto. O essencial será que seja perceptível a intenção do impugnante.”
Não há, neste contexto, pedido perceptível sem identificação do concreto acto. Diga-se.
Tenha-se presente, ademais, o Princípio processual da auto-responsabilidade das partes, que é inerente ao princípio do dispositivo, e segundo o qual estas sofrem as consequências jurídicas prejudiciais da sua negligência ou inépcia na condução do processo, que fazem a seu próprio risco. Ao qual o Princípio da cooperação não será alheio, é certo, sem que, porém, elimine aquela responsabilidade, como bem se compreende. Ademais, estando nós em sede de acção constitutiva de anulação. Acção em que se pretende, pois, fazer valer um direito à anulação de um certo acto tributário, o acto concretamente impugnado (ao qual se imputam certos vícios).
Sobre o que, há-de ser proferida uma sentença que, a seu tempo, adquirirá força de caso julgado. Anulando, ou não, tal acto. Donde também, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, a importância de que se reveste a identificação do acto impugnado sem equívocos e/ou dúvidas.
Em coerência, v. como determinou o legislador tributário no, já referido, art.º 108.º, n.º 1, do CPPT, sob a epígrafe “Requisitos da petição inicial”: “[a] impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juíz do tribunal competente, em que se identifiquem o acto impugnado e a entidade que o praticou (...)”. O acto que se impugna é aquele, o acto X, e não o Y ou o Z.
*
O processo de impugnação traduz o exercício de uma “jurisdição restrita”, contencioso de mera legalidade, visando a anulação dos actos tributários (ou a declaração da sua nulidade ou inexistência) - v. art.ºs 99.º e 124.º do CPPT.[23]
Entre os elementos essenciais da causa figura, precisamente, o objecto da acção.
O próprio acto em crise pode[24] perspectivar-se como sendo o objecto (stricto sensu) da acção.
(V., de novo, e entre o mais, o disposto pelo legislador no RJAT, art.º 10.º, n.º 2, al. b): “O pedido de constituição do tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via eletrónica (...) do qual deve constar: (...) b) A identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral.”; ou, assim também, ainda no RJAT, os art.ºs 13.º, n.º 4 e 24.º, n.º 2, respectivamente: “A apresentação dos pedidos de constituição de tribunal arbitral preclude o direito de (...) suscitar pronúncia arbitral sobre os actos objecto desses pedidos (...)”, “(...) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão (...) preclude o direito de (...) suscitar pronúncia arbitral sobre os actos objecto desses pedidos (...).”)[25]
Já numa perspectiva lato sensu, o objecto da acção será o que se alcança pela conjugação entre pedido e causa de pedir. (V., entre o mais, o mesmo art.º 10.º, n.º 2, agora al. c), do RJAT.)
O Regime da Arbitragem Tributária foi concebido pelo legislador como um meio alternativo de resolução conflitos em matéria tributária, ainda que só para determinados tipos de litígios (v. art.ºs 1.º e 2.º do RJAT). A acção arbitral tributária foi, a final, delineada como um meio alternativo ao processo de impugnação judicial.[26]
A impugnação judicial dos actos da Administração Tributária concretizados na liquidação de tributos (incluindo os actos que o legislador equiparou a actos de liquidação para este efeito[27]) segue a forma do processo tributário por excelência, a saber, o, já referido, processo de impugnação, comummente também designado “processo de impugnação judicial” – v. art.s 99.º e ss do CPPT.
Para o RJAT o legislador transportou, com potencial relevo para os autos, tão só, precisamente, o processo de impugnação judicial de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta - cfr. art.º 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.[28] Assim, dos actos tributários stricto sensu.
Ora, retornando aos autos, a Requerente não juntou e nem indentificou qualquer concreto acto tributário stricto sensu, qualquer acto tributário de que o Tribunal Arbitral pudesse conhecer. A saber, não juntou e nem identificou concretamente quaisquer liquidações de CSR (ou sequer as declarações de introdução no consumo - DICs processadas/submetidas pelos sujeitos passivos).
Ainda que tenha indicado ser esse - “as liquidações de CSR” - “o objeto de impugnação neste processo” (cfr., entre o mais, artigos 54.º e 55.º do PPA); “a decisão (de indeferimento tácito) do pedido de revisão oficiosa (objeto imediato) e os atos de liquidação de CSR (objeto mediato)” (cfr. artigo 78.º do requerimento de resposta às excepções).
Mais, invocada a excepção de ineptidão da petição inicial na Resposta com este fundamento (falta de junção/identificação do acto ou actos de liquidação impugnados), e notificada pelo Tribunal para se pronunciar, a Requerente veio afirmar que o único meio possível para identificar e documentar os actos tributários de liquidação de CSR são as facturas emitidas pela sua fornecedora (cfr. 11.º do requerimento de resposta às excepções – “req.to”), que não tem na sua posse outros documentos (cfr. 4.º e 5.º do req.to), que é prova documental que não lhe é possível apresentar e a que não pode ter acesso (cfr. 17.º do req.to) - cfr. supra.
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Aqui chegados, deve também dizer-se, bem se compreende, face a tudo o que antecede, que não procede o argumento da Requerente de que seria à Parte contra quem interpõe a acção que caberia suprir aquele seu ónus processual, de dar cumprimento aos requisitos da petição inicial. Antes de mais porque estamos perante um verdadeiro pressuposto processual[29], pressuposto relativo ao objecto da causa. Sem o cumprimento do qual a petição não é apta. Com efeito, o Tribunal conhece daquilo que se lhe pede e na medida em que se lhe pede.
E também por assim ser, nem o legislador deixou de prever meios ao alcance das partes para obterem a documentação de que devam munir-se neste contexto. Sem prejuízo do princípio da colaboração a que estão mutuamente obrigados Administração Fiscal e contribuintes (v. art.ºs 48.º do CPPT e 59.º da LGT e, ainda, 11.º, n.º 1 do CPA, que a Requerente convoca ao pugnar pela não verificação da excepção de ineptidão, e que, como bem se compreende, não resultam violados). Sendo sobre o Autor que recai o ónus de proceder às investigações tidas por adequadas para obtenção dos elementos em falta na identificação do acto impugnado, tem ele a possibilidade de socorrer-se seja do procedimento previsto no art.º 24.º, n.º 1 do CPPT, seja do direito de consulta e informação previsto nos art.ºs 61.º e seguintes do CPA, seja ainda, a ser necessário, do meio processual previsto no art.º 104.º e seguintes do CPTA.
Não cabia, pois, à Requerida, contrariamente ao que vem alegado pela Requerente, suprir o ónus desta e em sua substituição prover ao processo a documentação de que o prosseguimento dos autos depende. Não só nem tal se revelaria praticável em situações como a do caso - como desenvolvidamente a Requerida expõe na sua Resposta - como, também contrariamente ao invocado, os deveres decorrentes para a mesma do princípio do inquisitório não vêm aqui em questão. A Req.te apela ao art.º 58.º da LGT (em resposta à excepção de ineptidão), que dispõe
que “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.” Desde logo e além do mais, tal não deve confundir-se, esse dever da Requerida AT de descobrir por si a verdade factual no seio do procedimento /processo tributário, com o ónus da prova dos factos que caiba aos contribuintes, a este não se sobrepondo. Mais também não deve confundir-se o que no presente está em questão – a identificação do ou dos actos tributários objecto da acção, que a Requerente peticiona ao Tribunal anule – com aquilo que sejam elementos de prova dos factos indicados no Pedido. Dispensando maiores desenvolvimentos, v. como logo no RJAT as realidades não se confundem: art.º 10.º, n.º 2, al. b) versus al. d). Não ocorre, perante tudo o já exposto, a alegada preterição do princípio do inquisitório/a violação dos dispositivos que o consagram.
Nem daqui decorre violado o princípio do acesso ao Direito e/ou o direito à tutela jurisdicional efectiva ou à “reposição da legalidade”, alegadamente por se fazer depender a efectivação desses direitos de documentos que a Requerente reconhece não possuir nem ter obrigação legal de possuir. Com efeito, sendo o processo uma série de actos dirigidos a um fim, qual seja a Decisão judicial/arbitral que põe fim à lide, torna-se necessário, e compreensível, que o mesmo obedeça a formas e regras/requisitos adequados ao dito fim. Na ausência de regras o processo redundaria em insegurança, permitiria a indisciplina das partes e manobras prejudiciais a obter uma Decisão em tempo razoável e útil. Valor este precisamente afirmado pelo legislador Constituinte no art.º 20.º, n.º 4. E também assim se dando, afinal, cumprimento ao art.º 268.º, n.º 4 da CRP.
Nem caberia também, por outro lado, o incumprimento do ónus processual da Requerente ser suprido pelo Tribunal, como parece a mesma entender ao requerer “ao abrigo do disposto no artigo 432.º do CPC, a notificação da B...Lda. para juntar aos autos as declarações de introdução no consumo”. Além do que vimos (princípio processual da auto-responsabilidade das partes incluído), e do mais que ainda se verá, nem este Tribunal está munido dos poderes para que a Requerente apela ao convocar o dito art.º 432.º - a saber, poderes de autoridade para intimar entidades externas à apresentação de documentos sob as penalidades da lei (v. art.º 417.º, n.º 2 ex vi art.ºs 432.º e 439.º, todos do CPC).
Impende sobre o impugnante o ónus processual de completa identificação do acto que pretende impugnar, cfr., entre o mais, os já referidos art.ºs 10.º, n.º 2, al. b) do RJAT e 108.º, n.º 1 do CPPT. Normativos que não prevêem a possibilidade de o Tribunal suprir oficiosamente a falta de identificação do acto impugnado em termos de substituição dos ónus processuais que impendem sobre o Autor, transferindo-os para o Julgador. A Requerente não juntou e nem identificou o ou os actos impugnados. “I. Se a impugnante não identificou na petição o acto impugnado, não incumbia ao Tribunal a quo substitui-se à mesma na identificação e junção do mesmo acto. II. Ocorrendo total ausência de indicação do acto de liquidação passível de ser impugnado, no âmbito da presente impugnação judicial, daí decorre a falta de objecto da mesma e a inintilegibilidade do pedido apresentado na petição inicial.” (cfr. Acórdão do STA de 07/02/2018, proc.º 01400/17).
À dificuldade neste contexto reconhecida pela Requerente não será alheia, sempre se diga, a sua posição não ser nem a de sujeito passivo, nem outra, na relação jurídico-tributária de que fala. Como melhor também se verá infra.
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Conclui-se que o processo carece, assim, de objecto – perspectivado este em sentido estrito (v. supra). Inexiste nos autos acto (ou actos) que o Tribunal possa anular ou declarar ilegal. Sequer indicação concreta/identificação do acto impugnado que constituiria o objecto da acção arbitral que a Requerente desencadeou. O acto (ou actos) que pretendesse impugnar como lesivo dos seus direitos não foi por si junto ou sequer concretamente identificado. (E lembrando que o acto tributário só pode ser provado por documento, prova legal).
Perspectivando, por sua vez, se necessário fosse, o objecto no seu sentido amplo, conjugação do pedido e da causa de pedir, vejamos.
Se no petitório se lê, como supra, “Que seja declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de CSR” (desde logo nem o acto vindo indentificado, insista-se[30]), percorrendo o PPA são diversos os passos em que se revela de difícil apreensão o que é pedido e com que base a Requerente o pede. Assim (v. também negritos - Relatório, supra), fala-se em: visar a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação que englobam o ISP, a CSR e outros tributos, referentes ao período compreendido entre Agosto de 2019 e Dezembro de 2022, unicamente na parte respeitante à liquidação em CSR. Mas isto (como depois vem exposto) no que respeita, afinal, a abastecimentos realizados, nesse período, pela Requerente - “(...) do ato tributário de liquidação da CSR repercutida nos abastecimentos de gasóleo e gasolina por si realizados entre agosto de 2019 e dezembro de 2022 e retratados nas faturas juntas”. Fala-se, também, em dever ser restituído à Requerente o valor que suportou a título de CSR nas respectivas facturas - e que a Requerida cobrou. E em dever esta reembolsar a Requerente pelo valor de CSR indevidamente pago por esta naquele período, conforme aquelas faturas - acrescido de juros indemnizatórios. Lê-se no petitório “Que seja declarada a ilegalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de Revisão Oficiosa referente aos atos de liquidação em causa”, mas depois também se lê (no req.to de resposta às excepções, é certo) que tal pedido “deu entrada na Alfândega de Peniche... e reporta-se a atos de repercussão da CSR” no dito, mesmo, período, e que “a alegada falta de identificação dos atos de liquidação não é imputável à Requerente, e esta não dispõe sequer de legitimidade processual para impugnar esses atos tributários, pelo que não pode daí extrair-se a intempestividade do pedido de revisão oficiosa”. Fala-se também em o processo arbitral ser deduzido para “discutir a validade do entendimento adoptado pela Administração na decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa”. Mais fala-se em liquidações de CSR impugnadas e em “decisão (de indeferimento tácito) do pedido de revisão oficiosa” como objeto imediato, e nos actos de liquidação de CSR como objeto mediato, mas depois também se lê “deduziu um pedido de pronúncia arbitral contra os atos tributários de repercussão da CSR”. Diz-se a fornecedora ter suportado em primeira linha o tributo (requerendo até ao Tribunal notificá-la para juntar aos autos as DICs), e depois (após a Resposta) também se protesta juntar declarações daquela a informar a que fornecedores terá adquirido os combustíveis que veio a vender à Requerente.
A acrescer, pois, à falta de objecto, por inexistência, nos autos, do acto a sindicar - só por si causa de ininteligibilidade do pedido e, assim, de ineptidão da petição inicial nesta sede (contencioso tributário de mera anulação) - a exposição apresentada pela Requerente revela-se confusa e não permite apreender, com segurança, o objecto, lato sensu, da causa.
Sempre se coloque, aqui chegados, a pergunta: a ser considerada procedente a acção qual o acto que o Tribunal anulava? Não se sabe.
E a decisão arbitral tributária assume, como a decisão dos Tribunais Tributários em processo de impugnação judicial, um carácter cassatório, de eliminação, total ou parcial, da Ordem Jurídica, do acto impugnado.
Ficando o Tribunal em tal desconhecimento, de qual seja o acto impugnado, e por tudo o que vem de percorrer-se, não pode senão concluir-se pela ineptidão da petição inicial. Por falta de objecto e/ou ininteligibilidade do pedido e causa de pedir. O que determina a nulidade de todo o processo. Excepção dilatória que constitui nulidade absoluta que afecta todo o processo, obsta ao conhecimento do mérito e tem por consequência a absolvição da instância. Tudo como vimos. E como se decidirá.
Antes, porém, refiram-se ainda três pontos.
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Um primeiro, para dizer que não seria por a Requerida se ter defendido nos autos que a conclusão a que chegámos poderia ser outra. A Requerida exercer defesa, ademais estando em causa direitos indisponíveis, é compreensível e desejável, e pode sim revelar que a mesma aproximou o sentido do pedido - em tese. É natural que se defenda, em tese, quanto às imputações que são feitas. Mesmo se se concluísse que a Requerida tinha interpretado convenientemente a petição inicial[31], não teria em qualquer caso sido compreendido qual o acto impugnado. E, em decorrência de tudo o que se viu, o contencioso em que nos movemos não é compatível com tal desconhecimento. Do acto.
No caso, a falta de clareza da petição sempre acarretou reflexos na defesa apresentada pela Requerida. E - determinante - o acto tributário objecto continua indeterminado.[32] Mais uma vez: a admitir que a acção fosse procedente, e que vinha a ser proferida uma decisão com força de caso julgado material, qual seria então o acto a anular? Nem foi junto, nem decorre do Pedido qual seja. O processo administrativo, e, mais ainda, o processo tributário, não se compadecem com generalidades, e o acto tributário só pode ser provado por documento (prova legal). A excepção de nulidade do processo decorrente da ineptidão da p.i. confirma-se em qualquer caso.
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Um segundo para deixar claro não ter o (alegado) indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa a virtualidade de constituir verdadeiramente o acto objecto dos autos. Como é bom de ver, o que se vem peticionar nessa sede, arbitral tributária, é a anulação/declaração de ilegalidade do acto de liquidação (rectius liquidação, autoliquidação, retenção na fonte ou pagamento por conta) – v. art.º 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT. E o acto de segundo grau serve precisamente o propósito de abrir a via para a apreciação da legalidade do acto de liquidação. A redacção conferida pelo legislador ao art.º 2.º do RJAT é clara a respeito, ao expressamente identificar as pretensões para as quais os Tribunais Arbitrais têm competência, e aí apenas se incluindo os actos de primeiro grau (diferentemente, v. o art.º 97.º, n.º 1, al.s c) e d) do CPPT; e poder ver-se, também, como na lei de autorização do RJAT[33] se previa como objecto possível do processo arbitral tributário, além dos actos que o legislador transportou para o RJAT (cfr. al.s a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º) também outros, e aí se incluindo os actos de “indeferimento de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, (...)”). O (alegado) indeferimento (tácito) do pedido de revisão não é, pois, o acto em crise, como a certo passo a Requerente também parece ao mesmo pretender referir-se - “o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adotado pela Administração na decisão de indeferimento tácito.”[34] [35] Aquele cuja anulação a Requerente vem, afinal, peticionar, com base na al. a), do n.º 1, do art.º 2.º do RJAT, que convoca. E que não pode deixar de ser um acto tributário stricto sensu.[36]
Mais, e sem prejuízo do que se disse, nem será dado assente, no caso, poder presumir-se o indeferimento. (Aqui voltaremos ao tratar a excepção de ilegitimidade, infra pp 44-45)
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E um terceiro, por fim, para sempre referir que outras excepções se verificavam nos autos.
Desde logo, a Requerente carece de legitimidade processual (activa).
Não é esse o entendimento da própria (ainda que a certo passo também pareça reconhecê-lo[37]).
Em seu entender, assiste-lhe legitimidade. Assim singelamente o afirma no PPA: “tem total interesse e, por conseguinte, está dotada de legitimidade”. Se bem interpretamos o PPA neste ponto, por ter, segundo alega, suportado na qualidade de consumidor final um total de € 25.991,93 a título de CSR (“calculado com base nas taxas previstas no art.º 4.º, n.º 2 da Lei 55/2017 na sua redação atualizada...” sobre o número de litros que apurou, pelas facturas, ter adquirido) - “o encargo desta contribuição financeira”, expõe, é suportado pelo consumidor do combustível.
Depois desenvolve a respeito no contraditório à excepção de ilegitimidade (v. supra, p. 6). Convoca, vimos, em especial o art.º 18.º, n.º 4, al. a) da LGT e defende essencialmente que “pode impugnar os próprios atos de liquidação do imposto, através de qualquer daqueles meios procedimentais ou processuais (...)”, e que os repercutidos “têm legitimidade para impugnar os atos que afetaram as suas esferas jurídicas”.
Será, pois, nessa qualidade, de repercutido, que vem aos autos. Defende ter legitimidade procedimental e processual activa. Essencialmente com base no art.º 18.º, n.º 4, al. a) da LGT (refere, também, os 54.º, n.º 2, 65.º e 95.º, n.º 1 na LGT). Convoca, ainda, os art.ºs 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP. Normativos que, expõe, reconhecem legitimidade a quem for titular de um interesse legalmente protegido.
Vejamos.
2.3. Da excepção de ilegitimidade
A ilegitimidade das partes configura uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que, sendo julgada procedente, obstará a que o Tribunal conheça do mérito da causa - v. art.º 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, al. e) do CPTA, e art.ºs 576.º, n.º 2 e 577.º, al. e) e 578.º do CPC.
Quanto ao regime da legitimidade das partes no contencioso tributário, vejamos.
Dispõe o legislador no art.º 65.º da LGT, sob a epígrafe “[l]egitimidade”, ainda que por referência ao procedimento tributário, que “[t]êm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”
Na LGT determina ainda o art.º 54.º, n.º 2 (que a Requerente também convoca) que “as garantias dos contribuintes (...) aplicam-se também à (...) repercussão legal a terceiros da dívida tributária, na parte não incompatível com a natureza destas figuras.”
No CPPT dita o art.º 9.º, também sob a epígrafe “[l]egitimidade”, no seu n.º 1, assim: “[t]êm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos (...) e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.” E o seu n.º 4, por sua vez, determina que têm legitimidade no processo judicial tributário (a par de outras) as entidades referidas nos números anteriores e, assim, naquele n.º 1.
No RJAT (v. Preâmbulo) o legislador cuidou de litígios “que opõem a administração tributária ao sujeito passivo”, e do pedido de constituição do tribunal arbitral deve constar a “identificação do sujeito passivo” (cfr. art.º 10.º, n.º 2, al. a) do RJAT).
Por sua vez, em matéria de legitimidade, conceito, v. o art.º 9.º do CPTA, que determina que o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida. Pelo que, “(...) a legitimação processual é aferida pela relação jurídica controvertida, tal como é apresentada pelo autor. Deste modo, há que atender à relação jurídica tal como o autor a apresenta e configura, isto é, à pretensa relação jurídica, e não à relação jurídica material, tal como ela se constituiu na realidade, sendo por isso indiferente, para a verificação da legitimidade, a questão de saber se o direito existe na titularidade de quem o invoca (...), matéria que diz antes respeito à questão de fundo e poderá, quando muito, determinar a improcedência da ação (...).”[38]
Princípio geral em matéria de legitimidade activa este, vindo de ver, que tem correspondência no CPC, art.º 30.º - “Conceito de legitimidade”, n.º 3: “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”. Ou seja, são partes legítimas as pessoas que o autor indique como sendo os sujeitos da relação controvertida.[39]
Ora, nos nossos autos, a própria Requerente reconhece não ser sujeito da relação jurídica controvertida. Reconhece vir aos autos não na qualidade de sujeito (passivo) da relação jurídico-tributária que configura (e do(s) acto(s) de liquidação), mas sim na qualidade, outra, de consumidor final – “repercutido”. E assim pugna pela sua legitimidade processual (e substantiva) (cfr. supra). “Enquanto entidade repercutida pode impugnar os próprios atos de liquidação do imposto (...).”
Também esclarece, a certo passo do PPA, que “repercussão tributária consiste na transferência do valor económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo através da integração do tributo no preço do bem adquirido pelo cliente.”
Dito isto.
Tal como apresenta a relação controvertida, a Requerente não é sujeito (passivo) da mesma. É, diferentemente, e segundo alega, entidade que suporta o encargo do imposto por repercussão. Como consumidor final dos combustíveis em apreço.
Mas a Requerente, ainda assim, entende que tem legitimidade activa nos presentes autos. Desde logo, processual. E porquê? Porque apesar de o legislador tributário ter sido claro ao determinar que não é sujeito passivo da relação jurídico-tributária “quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal” - v. n.º 3 versus n.º 4, al. a), do art.º 18.º da LGT - ainda assim o legislador disse que este (o repercutido legal que por essa via suporte o encargo do imposto) não o é (sujeito passivo), mas sem prejuízo do direito a meios de defesa nos termos das leis tributárias. Assim (inserido no Título II – Da relação jurídica tributária):
“Artigo 18.º - Sujeitos / (...)
3. O sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva (...) que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.
4. Não é sujeito passivo quem:
a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias;”
O que dizer, então?
Que é certo que quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal não deixará de ter meios de defesa, administrativos e jurisdicionais, ao seu alcance, no pressuposto de que prove interesse legalmente protegido (v., na LGT, art.ºs 9.º, n.º 1 – “[é] garantido o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos” e 65.º, segunda parte – “[t]êm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido”, e no CPPT, art.º 9.º, n.º 1, parte final - “[t]êm legitimidade (...) os contribuintes (...) e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”, e n.º 4).
Porém, desde logo, meios ao seu alcance nos termos das leis tributárias – como logo o disse o legislador no art.º 18.º, n.º 4, al. a) da LGT (supra).
Ou seja (e como primariamente decorreria do que já vimos de ver) não bastará a prova de qualquer interesse legalmente protegido, para o interessado poder figurar como parte activa na acção. Além de que tais interesses terão que ser interesses afectados pela decisão que possa ser tomada no procedimento tributário[40], recorde-se ainda a regra da correspondência entre direito e acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo: salvo se a lei determinar o contrário, haverá apenas um determinado meio processual que em cada caso pode ser utilizado para obtenção da tutela judicial (v. também o art.º 98.º, n.º 4 do CPPT, e o art.º 2.º, n.º 2 do CPC).[41]
Pois bem.
Os meios existentes - as formas de processo, se se preferir (e pensando agora apenas no processo) – são diversos (v. art.º 95.º, n.º 1 da LGT: “O interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei.”).
E só podem ser utilizados por referência a determinados tipos de actos.
O processo de impugnação judicial é a forma de processo tributário por excelência, dissemos já. Não a única, pois. E foi no seu âmbito que o legislador criou, como alternativa, a Arbitragem Tributária (v. art.ºs 1.º, 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 2 do RJAT).
O processo de impugnação judicial tem por objecto actos tributários (lato sensu).
A impugnação judicial prevista na al. a) do n.º 1 do art.º 97.º do CPPT – aquela que tem correspondência na al. a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT[42] – é a forma de processo adequada, o meio, próprio, nos termos das leis tributárias, para sindicar actos tributários stricto sensu (v. também supra, pág. 24).
A repercussão - repercussão legal - não é acto tributário stricto sensu.
Sequer acto tributário. Lembrando que o acto tributário é um acto administrativo. E v. no art.º 148.º do CPA (e no art.º 60.º do CPPT – Secção II – Da decisão), entre o mais, o elemento “decisão”, sempre presente. Decisão no exercício de poderes jurídico-administrativos.
Não o sendo a repercussão legal, já se vê, também assim a repercussão meramente económica. Como se concluirá suceder no caso.
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Aproximando:
Estamos em CSR, reportando-se os autos a período em que vigorava a Lei n.º 55/2007.
A Requerente é consumidora de combustíveis, em concreto gasóleo (cfr. facturas que junta).
Não sendo, como reconhece, sujeito passivo da CSR, sujeito passivo na relação jurídico-tributária em que se enquadram os falados, mas não concretamente identificados, actos de liquidação de CSR. Que teriam ocorrido na esfera jurídica de empresa a si fornecedora dos mesmos (ou antes desta na esfera jurídica, afinal, de outra, como no req.to de resposta às excepções também parece reconhecer). Porém, segundo alega, tendo-lhe sido repercutido a si o tributo em questão. Quando adquiriu os ditos combustíveis (aquisições constantes de facturas que junta, de datas entre Agosto de 2019 e Dezembro de 2022).
A ser assim, como alega ser, a Requerente estaria a suportar ela própria o encargo da CSR.
Ao adquirir gasóleo, ao pagar o respectivo preço, estaria também a incorrer - segundo alega afinal - no pagamento de CSR, a CSR que antes de si o sujeito passivo do tributo pagou ao Estado. O sujeito passivo a quem o tributo foi liquidado (v. art.º 11.º do CIEC, ex vi art.º 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007) estaria, assim se terá que concluir, a fazer incluir no preço de venda à Requerente, daqueles litros do combustível em questão, o valor que em momento anterior pagou, por aqueles mesmos litros do combustível (... são os actos de liquidação ocorridos sobre os mesmos que vem pedir sejam anulados), de CSR, ao Estado (fazendo ademais a Req.te um cálculo por aplicação das respectivas taxas em vigor não necessariamente à data das liquidações - rectius da exigibilidade, cfr. art.º 8.º CIEC -, data que se desconhece..., mas sim à data das facturas...).
Estaria assim a Requerente a suportá-lo, o tributo, a CSR, e segundo sustenta, por repercussão.
O que faria com que a sua situação recaísse, segundo também sustenta, na al. a) do n.º 4 do art.º 18.º da LGT. Quando aí se refere que não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal.
Previu o legislador, no art.º 18.º, n.º 4, al. a) da LGT, a possibilidade de acesso à justiça tributária, para tutela de direitos ou interesses legalmente protegidos, daqueles a quem, suportando o encargo do imposto por repercussão legal, possa, por essa via, advir lesão de interesses legalmente protegidos.
Ora.
Antes de mais, a repercussão, a ocorrer em CSR, sempre o será, diga-se, em moldes desde logo distintos da repercussão que se vê ocorrer em IVA, aí sim determinada por lei com carácter de obrigatoriedade – v. art.º 37.º do CIVA (com mais desenvolvimento v. Decisão Arbitral, de 14.08.2024, no processo n.º 473/2023-T[43]).
No funcionamento do tributo aqui em questão, ao tempo, CSR, desde logo em se estando perante uma Contribuição Financeira, como propendemos a entender (v. supra), não haverá uma repercussão legal – pelo menos com o alcance que a Req.te pretende ver reconhecido de um valor (alegadamente) igual ao suportado a montante pelo sujeito passivo ser por si suportado a jusante ao adquirir os combustíveis. Não terá sido querido pelo legislador tributário visar/onerar senão o grupo com o qual se estabelece o já referido sinalagma difuso (os sujeitos passivos do tributo), pelo que não se sustentaria a argumentação da Requerente. V., ademais, cfr. já supra também, como o legislador visou sim assegurar a neutralidade do tributo não o fazendo recair no preço – cfr. art.º 7.º da Lei 55/2007.
Ainda assim, considerando que é para o disposto no CIEC que a Lei 55/2007 remete em matéria de liquidação, cobrança e pagamento da CSR (ou mesmo atentando à alegada, pela Requerente, qualificação do tributo ao tempo como um imposto, e como é também um entendimento corrente na Jurisprudência Arbitral recente no tema), sempre se dê a seguinte nota.
Em matéria de impostos especiais sobre o consumo é conhecida a proximidade a características próprias da parafiscalidade (bem como do direito aduaneiro).
Diferentemente do que sucede em IVA, estamos aqui perante impostos monofásicos. O facto gerador do imposto verifica-se, em regra (excepções existem[44]), no momento da introdução no consumo (e quanto a esta, v. art.º 9.º do CIEC). Uma única vez, pois (v. art.º 7.º e ss. do CIEC).
Bem se vê já por aqui, a haver repercussão, mesmo que querida - por ser essa a lógica neste seio - pelo legislador, ela será um mecanismo particular (no sentido de levado a cabo por um particular), moldável, na disponibilidade dos operadores económicos, que operam, precisamente, no mercado, no seio das contingências próprias deste. Para dizer que não há, aqui, uma imposição legal de repercutir o tributo (menos ainda há uma imposição, sequer a possibilidade, de liquidação de novo do tributo; como, aliás, patente nas facturas, que nada contêm a título de CSR). Dir-se-á que estaremos perante o convocar - num contexto em que, apartando-se o princípio legitimador do da capacidade contributiva para se aproximar do princípio do benefício... - de uma regra geral, como na frase popularizada por Friedman, de que não há almoços grátis.
E nem será pela recentemente aditada formulação expressa “sendo repercutidos nos mesmos”, no art.º 2.º do CIEC, que o que vem de se dizer se altera. Também aí, nessa actualizada redacção, há um mero esclarecer da mesma regra geral que já vinha de antes (como, aliás, a atribuição de natureza interpretativa à norma também o revela[45]).
Em qualquer caso, a ser feita repercussão/transmissão para a frente de CSR pelo sujeito passivo - rectius do encargo económico - em casos como este, a isso suceder, e mesmo que ao longo da cadeia económica, não só a operação em questão não resulta de uma concreta imposição expressa do legislador, desde logo tal não integrando o regime jurídico do tributo (diferentemente do que sucede em IVA). Como - e determinante - sempre estaremos perante uma operação do próprio agente económico (como assim, aqui sim, também afinal em IVA[46]). Que não da Administração Tributária (sequer operação que lhe viesse a ser submetida tornando-se a seu tempo definidora de uma situação individual e concreta).
A assim ocorrer, a Requerente poderá suportar o encargo económico do imposto por via de repercussão (poderá arcar com efeitos económicos do tributo, diríamos).
Operação, facultativa, realizada pelos agentes económicos.
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Dito isto.
Admitindo o legislador, na LGT, lei geral, que se pretendia ser uma lei de valor reforçado, como se sabe, a possibilidade, neste contexto, de o repercutido legal se ver lesado nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria tributária, determinou (al. a) do n.º 4 do art.º 18.º) que o mesmo poderá (sendo o caso) fazer uso de meios, procedimentais e processuais, para a respectiva tutela “nos termos das leis tributárias”. Habilitando/dirigindo assim o legislador a concretizá-lo nas leis tributárias. Referiu meios, remetendo pois (como nem poderia deixar de ser) para o disposto nas leis tributárias.
Ainda na LGT v. os art.ºs 9.º, n.º 2 e 95.º, n.º 1 - actos impugnáveis ou recorríveis nos termos da lei / direito de impugnar ou recorrer segundo as formas de processo prescritas na lei -, e o art.º 101.º, contendo o elenco de meios processuais tributários, depois concretizado no art.º 97.º do CPPT, de onde constam, na al. a) (com correspondência na al. a), n.º 1, art.º 2.º do RJAT) a forma de processo de impugnação sobre actos tributários stricto sensu, e, nas alíneas seguintes, outras (impugnação de outros actos tributários e outras formas de processo).
Ao recorrer à forma de processo de impugnação que tem por objecto actos tributários stricto sensu (via Arbitragem Tributária) a Requerente estava a escolher o meio processual nos termos das leis tributárias adequado à apreciação da legalidade de actos de liquidação de CSR. Acto tributário stricto sensu. Que a repercussão - mesmo a repercussão legal, como em IVA - não é, vimos, e aqui ainda voltaremos.
Não sendo sujeito passivo dos actos de liquidação de CSR que pretende impugnar (ainda que sem os identificar concretamente), carece de legitimidade processual para o efeito, uma vez que não é sujeito da relação controvertida (a relação jurídico-tributária em que tais actos se inserem), desde logo tal como por si delineada (cfr. supra).
E não estava, nisto também, em qualquer caso, a escolher meio processualmente adequado em sede de repercussão legal nos termos das leis tributárias. (O processo judicial tributário na forma de processo de impugnação judicial cfr. al. a) do n.º 1 do art.º 97.º do CPPT, e v. al. a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, tem por objecto a apreciação da legalidade de actos tributários stricto sensu, insista-se.)
Também não se verifica, sempre se refira, ao não assistir legitimidade processual nos presentes autos à Requerente, e por tudo o visto, preterição de quaisquer normativos Constitucionais. Desde logo os que vêm invocados pela mesma como lhe garantido “direito de impugnação de todos os atos lesivos” que afectem a sua esfera jurídica, a saber os art.ºs 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP. Com efeito, dando concretização às garantias consagradas na Constituição em matéria de tutela jurisdicional efectiva, dita desde logo o art.º 95.º, n.º 1 da LGT: “[o] interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei” (v., ainda, aí, o art.º 9.º, n.º 2).
A terminar, e na sequência de tudo o que vimos, retornemos ainda, por uma última vez, ao art.º 18.º, n.º 4, al. a), da LGT, in fine: “nos termos das leis tributárias”.
Bem se conhece a manifesta complexidade da Ordem Jurídica tributária, complexidade que também nestas matérias - âmbito de aplicação de meios processuais tributários - impera. Não sendo inclusive de fácil apreensão, por vezes, a interligação entre LGT e CPPT.
Certo, porém, é que na LGT o legislador previu os princípios – os princípios fundamentais (cfr. Preâmbulo no respeitante ao Título IV - processo tributário), a depois ser desenvolvidos em sede de direito tributário adjectivo e de codificações especiais de cada tributo.
O art.º 18.º, n.º 4, al. a), não foi excepção, vimos, assim se remetendo para o disposto nas leis tributárias. Que é, pois, onde encontraremos os meios que o legislador consagrou, cumprindo o normativo.
Ora, vindo a Requerente aos autos (nos termos que vimos e sustentando-se na alegada qualidade de repercutida) pretender a anulação de actos tributários de liquidação em CSR, sempre seríamos remetidos para a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (v. supra) e, por remissão da mesma (v. art.ºs 4.º e 5.º), para o Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).
A Requerente, vimos, pretende, através da peticionada anulação dos actos de liquidação de CSR, o reembolso do tributo alegadamente por si suportado - o reembolso, a si, do montante de CSR que alegadamente teria suportado, como consumidor dos combustíveis, por repercussão.
No CIEC previu o legislador, como bem se compreende, meios procedimentais próprios, na esfera dos sujeitos passivos, para obtenção de reembolsos de imposto pago. Assim, dispõe o art.º 15.º, n.º 2 (CIEC), em sede de regras gerais de reembolso - no “Capítulo II, Liquidação, pagamento e reembolso do imposto” e, assim, norma aplicável ex vi art.º 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007 - que “[p]odem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.”
Ou seja, é aos sujeitos passivos do imposto que assiste (que o legislador nas leis tributárias atribui) legitimidade activa para requerer o reembolso. Sujeitos passivos, a saber: o depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado (v. art.º 4.º para que ali se remete). E reembolso que pode ter por fundamento, entre outros, erro na liquidação (v. art.º 16.º do CIEC).[47] Mecanismo de reembolso que corresponde a uma restituição do imposto pago pelo sujeito passivo. Pedidos de reembolsos a favor do sujeito passivo estes que são facultativos (v. n.º 2 daquele art.º 15.º - “[p]podem”), ficando na sua disponibilidade.
A ser suportado o encargo do tributo por repercussão, quem assim se considere lesado nos seus direitos poderá então, desde logo, junto dos seus fornecedores procurar fazê-los valer. Lembrando que repercussão nos preços (repercussão indirecta dos impostos através dos preços), a única possível no caso, sempre será algo que fica dependente do normal funcionamento dos mercados. Realidade própria do mundo económico. Repercussão eventual, mesmo se pretendida pelo legislador, ao longo do circuito económico. (Distintamente do que sucede em IVA, em que o próprio regime do imposto se estruturou com base na obrigação legalmente imposta, ao longo da cadeia, aos sujeitos passivos - todos os intervenientes na cadeia até ao consumidor final -, de liquidar o imposto e assim o cobrar juntamente com o preço dos bens/das operações a jusante, nas facturas, assim obrigatoriamente o repercutindo[48]).
Não deixando, neste contexto, já se vê, o sistema do Estado de prever a tutela de outros possíveis interesses lesados. Desde logo[49] em sede de relações jurídico-privadas.
Nem a harmonização Comunitária nesta sede, e o Direito da UE, se vêm coartados com o que vimos de ver, desde logo tendo em consideração o mais que também o nosso sistema judicial pode garantir. Com interesse v. (e lembrando que estamos em relações no seio do funcionamento do mercado, como vimos, portanto que não limitadas ao seio administrativo-tributário) Acórdão do TJUE de 20.10.2011, proc. C-94/10, Danfos A/S, com o seguinte ponto 1 no dispositivo: “As normas do direito da União devem ser interpretadas no sentido de que um Estado‑Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil.”
Em todo o caso, e em coerência com tudo o que vem de se percorrer, v. ainda o disposto na Lei 55/2007 (art.º 5.º, n.º 1) e sempre se recorde que os meios de reacção aos actos de liquidação previstos pelo legislador tributário são comuns ao Direito ao tributário e ao aduaneiro (v. art.º s 1.º da LGT e 1.º do CPPT).
Conclua-se.
Contrariamente ao que vem defendido pela Requerente, a norma - art.º 18.º, n.º 4, al. a) da LGT- não confere ao repercutido (sequer ao repercutido legal, que a Requerente nem é) o direito de “impugnar os próprios atos de liquidação do imposto, através de qualquer daqueles meios procedimentais ou processuais.”
Tudo como percorrido.
Como assim também não assiste razão à Requerente ao defender que os art.ºs 18.º, n.º 4, al. a), 54.º, n.º 2, 65.º e 95.º, n.º 1 da LGT, em conjugação com o art.º 9.º, n.º 1 e 4 do CPPT, reconhecem legitimidade a quem for titular de um interesse legalmente protegido, pelo que tem legitimidade procedimental e processual nos autos.
A impugnação judicial terá por objecto um acto tributário, que no caso seria o acto de liquidação de CSR (cfr. art.º 11.º do CIEC, ex vi art.º 5.º da Lei 55/2007), e terá legitimidade na impugnação correspondente o respectivo sujeito passivo (que é o sujeito da respectiva relação jurídico-tributária, desde logo tal como configurada pelo Autor - cfr. supra). De poder ter um interesse legalmente protegido em matéria tributária e poder assistir ao repercutido (legal) interesse em recorrer aos Tribunais (v. art.º 9.º do CPPT a que a Req.te faz apelo) não decorre que possa ser parte em acção de impugnação judicial tributária, que possa ser parte legítima na mesma. Como se sabe. E por tudo o que se viu.
(E o mesmo quanto à alegada legitimidade procedimental. Referimos já que à Req.te não assiste, ao não ser sujeito passivo, legitimidade para o mecanismo dos pedidos de reembolso - cfr. CIEC, v. supra. Nem, ademais, assim o vemos, lhe assistia legitimidade em sede de pedido de revisão oficiosa. Por tudo o percorrido, a Requerente nos autos não qualifica como contribuinte de CSR, nem como sujeito passivo da mesma. Sendo que “a revisão dos actos tributários prevista e regulada no art.º 78.º da LGT pode ser desencadeada tanto pela administração tributária como pelos contribuintes ou outros sujeitos passivos das relações jurídicas tributárias”[50]. Ou seja, e voltando onde mais atrás o aproximáramos, o pedido de revisão oficiosa submetido pela Req.te não é de presumir-se, tacitamente, indeferido. Ao não existir, no contexto exposto, dever de decisão – v. art.º 56.º da LGT – por não preenchido o pressuposto procedimental subjectivo da legitimidade activa).
Do mesmo passo, as mesmas consequências se retiram com referência à acção arbitral tributária, meio de que a Requerente veio fazer uso e que é alternativo àquele, seguindo os mesmos termos no essencial.
Ainda se dê, aqui chegados, duas notas finais.
Uma, em qualquer caso se refira (independentemente de a Req.te não qualificar como repercutida legal... mas já que convoca a norma para vir interpor a presente acção arbitral), a de que é também, quanto a nós, de admitir (sem prejuízo de tudo o que se disse), na menção, no art.º 18.º, n.º 4, al. a), a “pedido de pronúncia arbitral”, ter o legislador partido do teor da lei de autorização do RJAT, onde se referia como podendo vir a incluir-se no objecto do processo arbitral tributário “direitos ou interesses legítimos em matéria tributária”. Com efeito, o trecho em questão da norma é anterior à publicação do RJAT, no qual o objecto do processo arbitral viria a resultar mais restrito (assim amputado dessa matéria).[51] Temos presente o elemento temporal na interpretação.
Outra a carecer de algum maior aprofundamento (sempre sem prejuízo de tudo o que se disse), a de que nem as facturas - os únicos documentos que a Req.te carreou nos autos[52] (mesmo após notificada para se pronunciar sobre a falta de junção do acto/a excepção de ineptidão) - supririam a inexistência do acto tributário, nem a sua junção permitiria alterar o que quer que seja do que vem dito. Assevera a Requerente que nas facturas que lhe foram emitidas pela sua fornecedora de combustíveis “houve lugar à repercussão da CSR”. Fala em “ato tributário de liquidação de CSR repercutida nos abastecimentos (...) e retratados nas faturas”. Apelida as facturas de “atos tributários de repercussão da CSR”. Pretende, pois, que as mesmas documentariam actos tributários, actos tributários de repercussão de CSR. Defendendo não lhe ser exigível juntar mais que as facturas.[53] Sempre nos foquemos aqui, muito sinteticamente. Aproximado que ficou, entretanto, de que se fala quando se fala em repercussão, em CSR (v. supra, pp. 37-39).
Comecemos então pelos conceitos.
Repercussão.
Depois, Facturas.
E por fim, revertendo ao início, Acto tributário.
Repercussão.
O legislador em CSR não tratou de repercussão, desde logo aquando da criação do tributo, cfr. máxime art.º 7.º da Lei 55/2007. Se atentarmos no disposto no CIEC, por sua vez, e atento o também disposto naquela mesma Lei (art.º 5.º, e segmento do CIECs para que aí se remete) veremos que, muito embora em sede de IECs esteja presente um princípio do benefício, legitimador, o legislador não determinou uma obrigação de repercussão dos mesmos. Diferentemente do que sucede em IVA, não há qualquer obrigação seja de liquidação ao longo da cadeia, do tributo, seja de repercussão do mesmo. Como acima já aflorado, mesmo a premissa que passou mais recentemente a constar do art.º 2.º do CIEC não é mais que a exteriorização de uma regra geral própria da realidade económica, já antes necessariamente presente.
De que se trata, afinal? De os agentes da cadeia económica - máxime o sujeito passivo (que é apenas um, recorde-se, estamos em sede de impostos monofásicos, e, portanto, também o único no conhecimento exacto do que foi pago a título de CSR) - poderem fazer recair/reflectir, no valor do preço que cobram aos seus clientes, despesas em que antes incorreram. Assim sendo uma possibilidade fazerem-no ponderando também o custo em que aí incorreram a montante inclusive com referência à CSR. Tratar-se-à, assim, em todo o caso, de fazer incluir no valor do preço dos bens esse custo, antes incorrido. Que não um adicionar à factura do montante que se liquidasse, aí, de imposto (como em IVA). Sem surpresa, não figura CSR nas facturas que a Requerente junta.
A repercussão a ocorrer será, pois, em casos como o dos autos - art.º 7.º, n.º 1 do CIEC -, a transmissão, na cadeia económica, do encargo económico do tributo, incorporado-o, esse encargo, como custo da actividade económica que também é, nos preços. Em alguma medida.
Pois que não há aqui, como visto, uma imposição legal de proceder à repercussão. Os agentes económicos fá-lo-ão, a ser o caso, - essa incorporação do encargo nos preços - que não por uma concreta imposição determinada legalmente. Vimos.
Repercussão económica, afinal. Que não repercussão legal cfr. art.º 18.º, n.º 4, al. a).
Aquele, por sua vez, a quem esta possível transmissão do encargo/custo antes incorrido com o imposto afectará, o agente económico seguinte na cadeia, pagará um determinado preço que reflectirá também esse custo. Mas não porque quem o antecede esteja, nisso, a dar cumprimento a uma imposição legal de (liquidação e) repercussão.
Não há, neste contexto, repercutido legal, a Requerente não o é.
Poderá ser repercutida - no sentido de sofrer nestes termos um encargo próprio dos efeitos económicos do imposto. Mas não por via de uma imposição legal de repercussão do imposto liquidado, CSR. Não lhe é exigido o pagamento de CSR. Não é, pois, sujeito de qualquer dívida tributária em CSR.
Facturas.
As facturas titulam/documentam o negócio jurídico a elas subjacente.
E nem nelas figura qualquer verba a título de CSR.
Não se alcança, assim, como possa ver-se as facturas como documentando actos tributários de repercussão da CSR, como retratando actos tributários de liquidação.
A possível transmissão-repercussão de custos económicos, incorporando-os nos preços dos bens, não será senão levada a cabo pelos próprios agentes económicos, inexistindo imposição por parte do legislador tributário de que assim o façam.
Nem há aí qualquer liquidação, sequer pelo sujeito passivo/pelos agentes económicos (como em IVA sucede).
E a ocorrer essa transmissão-repercussão económica, inexiste qualquer intervenção (seja então, seja em posterior assentimento/aceitação/ confirmação ou não) da Administração Tributária.
Não há, pois, um acto tributário ou liquidação, seja em sentido estrito, seja em sentido amplo. Não há uma decisão administrativa sobre uma situação individual e concreta respeitante ao contribuinte em aplicação da lei tributária material.
Sequer se alcança como possa ver-se essa transmissão do custo como um acto. Menos ainda como um acto administrativo - acto tributário. A querer-se qualificá-lo como um acto, estamos perante um acto do agente económico (seja ele o sujeito passivo, seja agente económico posterior na cadeia).
Sem maiores desenvolvimentos, recorremos às palavras (a ler com as necessárias adaptações e actualizações) de Alberto Xavier[54]: “É certo que, ao menos em certos impostos - como no imposto de transacções e nos direitos aduaneiros - a liquidação não é uma simples operação mental, por se dever corporizar num documento (factura ou fórmula de despacho), cuja elaboração é rigorosamente disciplinada por lei (...). A elaboração dos referidos documentos, de harmonia com a lei fiscal, bem como a indicação neles do imposto correspondente ao valor da transacção, constitui, porém, não a forma de um acto jurídico de aplicação da norma tributária material, anterior ao pagamento, mas a simples realização de um dever tributário acessório, imposto por lei (...). Ora, foi a inegável autonomia destas operações de registo e escrita em relação ao pagamento que levou o próprio legislador a assimilá-las à actividade da Administração fiscal, usando os mesmos conceitos para as designar (...) sem se preocupar em distinguir aí onde se verifica a prática de um acto de aplicação da norma material pela Administração dali onde um simples particular, cumprindo um dever instrumental, regista em documentos adequados os factos sujeitos a imposto e o tributo que lhes corresponde.”
Pois bem, no caso da CSR, como visto, tão pouco chega a haver liquidação do tributo entre agentes económicos e/ou ao consumidor final/utilizador. Repercussão legal. Não há, aqui, o cumprir de uma obrigação acessória/de um dever instrumental.
Aqui não estamos perante repercussão legal. Por maioria de razão não há acto tributário.
Adicionado que seja, pelo agente económico, um custo no preço em reflexo do custo em que incorreu ao pagar a CSR, tal é alheio a qualquer intervenção da Administração Tributária.
Faculdade dos agentes económicos, ainda que admitida/querida pelo legislador, havíamos visto. Operação dos agentes económicos, a ocorrer.
Própria do mundo económico.
Acto tributário.
Aproximámos acima (máxime na p. 36) o conceito de acto tributário. Remetemos para o disposto no art.º 148.º do CPA, e no art.º 60.º do CPPT.
O acto tributário é, além do mais, e do já dito, organicamente administrativo.[55]
Não cabe, pois, visto o percorrido, falar num tal de acto tributário de repercussão de CSR (e que as facturas documentariam) como pretende a Requerente.
Pois bem.
Acto tributário em CSR será o constante do art.º 11.º do CIEC (v. também aí art.º 10.º-A) – a liquidação de CSR, que é efectuada com base nas DIC apresentadas/submetidas pelos agentes económicos sujeitos passivos de CSR. Liquidação lato sensu. Acto tributário stricto sensu e, assim, o acto impugnável nos termos do art.º 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
*
Em suma, verificava-se nos autos, a par da excepção de ineptidão da petição inicial, também e desde logo, excepção dilatória de ilegitimidade processual activa.
3. Decisão
Termos em que decide este Tribunal Arbitral:
Declarar nulo todo o processo por ineptidão da petição inicial e, consequentemente, absolver a Requerida da instância.
4. Valor do processo
Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 25.991,93, valor indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida.
5. Custas
Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, a cargo da Requerente (cfr. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, considerando-se, quanto à acção, que a perde o Autor quando o Réu é absolvido da instância).
Lisboa, 9 de Setembro de 2024
O Árbitro,
(Sofia Ricardo Borges)
[1] Todos os sublinhados e/ou negritos na presente serão nossos, salvo se indicado em contrário.
[2] Alegadamente actual denominação da B... Lda.
[3]Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para os mesmos se remeter na presente).
[4] V. Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil", Coimbra 1979, pág. 91
[5](na sua vertente positiva)
[6] Diferentemente do Centro de arbitragem institucionalizada, que não tem interferência nas decisões dos casos submetidos a cada Tribunal Arbitral. V. Mariana França Gouveia, “Curso de Resolução Alternativa de Litígios”, Almedina, 3.ª Edição, 2014, pp. 183 e 125
[7] Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14.12).
[8] “Artigo 4.º – Vinculação e funcionamento
1 – A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.”
[9](na versão actualmente em vigor)
[10] A al. e) foi aditada pela Portaria n.º 287/2019, de 03 de Setembro.
[11] V. art.º 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, e v. Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de Dezembro.
[12] São desta Lei os artigos para que agora remetermos.
[13] O que não se confunde com apreciar da sua conformidade à Constituição, que nos presentes autos não se coloca.
[14] Sobretudo enquanto na ausência de Regime Geral (cfr. art.º 165.º, n.º 1, al. i) da CRP), v. Sofia Ricardo Borges in “Contributos contenciosos para o estudo da natureza e das implicações dos regimes jurídicos das taxas e contribuições financeiras (...)”, RFPDF, Ano XII, ¼, Almedina, 2021, pp. 290 e ss.
[15]Art.º 4.º, n.º 1 da LGT: “Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.”
[16] V. Sofia Ricardo Borges in “A Taxa de Segurança Alimentar Mais” - (…)”, RFPDF, Ano X, ¾, Almedina, 2018, p. 187 e ss.
[17] Sofia Ricardo Borges in “A Taxa de Segurança Alimentar Mais” - (…)”, RFPDF, Ano X, ¾, Almedina, 2018
[18] Saldanha Sanches, “Manual de Direito Fiscal”, 1998, p. 25
[19] Como se lê em declaração de voto de vencido (Jorge Lopes de Sousa) no processo n.º 410/2023-T, que neste ponto acompanhamos, “nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. (...)”
[20] Todos Diplomas Legais aplicáveis ex vi art.º 29.º do RJAT.
[21] Se dúvidas houvesse, pode ver-se Joaquim Freitas da Rocha, in “Lições de Procedimento e Processo Tributário”, Almedina, 6.ª Ed., 2018, p. 307, ii) in fine (reportando-se ao processo de impugnação judicial): “(...) o certo é que, indubitavelmente, é o ato de liquidação (ou equiparado) o seu objeto.”
[22] in “Código de Procedimento e de Processo Tributário” Anotado e Comentado, Vol. II, Áreas Editora, 6.ª Ed., p. 208.
[23] (ainda que com a abrangência, que se reconhece na competência dos Tribunais que neste contexto decidem, de condenar nas consequências dessa mesma anulação)
[24] (e deve, no nosso contexto, vimo-lo já)
[25] (de notar, com especial relevo para os autos, como também atentando nestes últimos dispositivos fica por demais evidente a indispensabilidade da concreta identificação do acto ou actos objecto do Pedido)
[26] V., entre o mais, o n.º 2 da Lei de Autorização - Lei n.º 3-B/2010, de 28.04, art.º 124.º (não tendo a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, que dali constava, sido concretizada no RJAT).
[27] Autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta, cfr. art.º 97.º, n.º 1, al. a) do CPPT
[28] (incluídos foram, também, em separado, os actos de fixação da matéria tributável em certas circunstâncias, actos de determinação da matéria colectável, e actos de fixação de valores patrimoniais - cfr. não já al. a) mas sim al. b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT – o que não releva para os nossos autos)
[29] V. José Lebre de Freitas, in “Introdução ao processo civil...”, 3.ª Ed., Coimbra, 2013
[30] (dispensando maiores desenvolvimentos, e sem prejuízo do que já se viu, sempre se diga que nem seria uma referência genérica a determinado espaço temporal dentro do qual foram emitidas à Requerente facturas de combustíveis por comerciantes dos mesmos que cumpriria, como bem se compreende, com o desiderato, i.e., que permitiria identificar os actos de liquidação de CSR que a Requerente pretenderá ver anulados)
[31] (a expressão do legislador no CPC, art.º 186.º, n.º 3)
[32] (nem, além do mais e sem prejuízo de tudo o que se disse, a Req.da estaria no conhecimento, desde logo, da correspondência entre sucessivas e inúmeras facturas de comerciantes dos combustíveis, combustíveis que a seu tempo hão-de ter sido introduzidos no consumo, e as e-DICs a montante e/ou as liquidações mensais emitidas então aos sujeitos passivos)
[33] LOE 2010, art.º 124.º (Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril)
[34] (no req.to de resposta às excepções)
[35] E que foi o acto que a Requerente juntou ao Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral (acompanhado do talão dos CTT com A/R).
[36] No mesmo sentido de ser objecto da acção arbitral o acto de primeiro grau, e não os de segundo ou terceiro, pode ver-se Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Anotado”, Almedina, 2016, pp. 70-71
[37] (no req.to de resposta às excepções)
[38] v. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 5.ª edição, Almedina, 2021, p. 95.
[39] (salvo quando a lei disponha em contrário)
[40] V. Jorge Lopes de Sousa em anotação ao art.º 9.º do CPPT, op. cit., Vol. I, p. 120, nota 11.
[41] Também o referindo, em anotação ao art.º 98.º do CPPT, v. Jorge Lopes de Sousa, op. cit., Vol. II, p. 88
[42] (vimos já que nem a outra al. do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT releva aos autos)
[43] (a pp. 23-24 e 30-33)
[44] V. art.º 7.º, n.º 2 do CIEC
[45] V. art.º 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro.
[46] V. Decisão Arbitral no processo n.º 473/2023-T
[47] Pedido de reembolso a submeter pelos sujeitos passivos - que a Requerente não é – no prazo de 3 anos a contar da liquidação, cfr art.º 15.º.
[48] Em cumprimento afinal de uma obrigação acessória em IVA (como melhor desenvolvemos na Decisão Arbitral de 14 de Agosto de 2024 no processo n.º 473/2023-T).
[49] (sempre sem preocupações de exaustão)
[50] José Casalta Nabais, in “Estudos de Direito Administrativo Fiscal”, Almedina, 2020, p. 83
[52] (além do seu articulado de pedido de revisão oficiosa, cfr. supra).
[53] (junta declarações, cfr supra aflorado, para apenas, expõe, provar que pagou as facturas e que a sua fornecedora teria repercutido nela CSR, sustentando que nem mais do que as facturas seria exigível; sendo que as declarações, por evidente em face do que vem exposto, não alteram o que quer que seja do que vimos concluindo).
[54] Alberto Pinheiro Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, Livraria Almedina, Coimbra, 1972, pp. 62-63
[55] Como também nas palavras de Alberto Xavier, op cit, p. 89