Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 94/2024-T
Data da decisão: 2024-09-19   Outros 
Valor do pedido: € 82.266,14
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR); competência dos tribunais arbitrais; legitimidade
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SUMÁRIO:

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é um tributo que se qualifica como “imposto” e não como “contribuição”, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar matérias a ela respeitantes.
  2. Os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação de CSR e já não de atos de repercussão daquele imposto.
  3. A Requerente não suportou o encargo da CSR por repercussão legal, pelo que carece de legitimidade processual para contestar a legalidade dos atos de liquidação daquele imposto.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os signatários, Juiz José Poças Falcão (Presidente), Prof. Doutor Rui Miguel de Sousa Simões Fernandes Marrana (Vogal) e Dra. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso (Vogal e Relatora), foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, o qual foi constituído em 02 de abril de 2024.

 

I. RELATÓRIO

 

            1. A..., S.A., com o NIPC ... e sede na ..., ..., ..., ...-... Porto, (doravante, Requerente), apresentou no dia 23 de janeiro de 2024 pedido de pronúncia arbitral (PPA), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto‑Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

              O presente PPA tem por objeto os (i) actos de indeferimento tácito dos pedidos de revisão de actos tributários (cfr. doct. n.º 1) e sobre os referidos (ii) actos de liquidação de contribuição de serviço rodoviário emitidos na sequência da submissão das declarações de introdução ao consumo de gasóleo, efectuados pelas sociedades B..., S.A. e C..., S.A., referente aos anos de 2019, 2020, 2021 2022.

O pedido formulado pela Requerente no PPA foi o seguinte:

Termos em que, devem V.Excias. julgar a presente acção procedente, por provada, declarando-se a nulidade, ou pelo menos, a anulação dos actos, ainda que tácitos, de indeferimento da revisão das liquidações postas em crise e, bem assim, e em consequência, a declaração de nulidade, ou pelo menos, de anulação dos actos de liquidação de contribuição de serviço rodoviário em apreço, com todos os legais efeitos daí decorrentes, designadamente, a obrigação de restituição à Requerente do imposto indevidamente suportado no valor global de € 82.266,14 (oitenta e dois mil e duzentos e sessenta e seis euros e catorze cêntimos), acrescido dos respectivos juros indemnizatórios”.

Sumariamente, a Requerente alega:

- que “apresentou, em 30-06-2023, perante as Alfândegas de Aveiro e do Jardim do Tabaco, serviços alfandegários competentes da área dos sujeitos passivos B... e C..., respectivamente, requerimento de revisão das liquidações de CSR, relativamente aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022 (...) Isto significa que as respectivas Alfândegas deveriam ter concluído o respectivo procedimento de revisão do tributário desencadeado por iniciativa da Requerente, até 30-10-2023. Não o tendo feito, forma-se a presunção de indeferimento tácito do pedido, para efeitos impugnatórios, assim podendo a Requerente impugnar esses indeferimentos tácitos, nos termos dos arts. 97.º/1-d), 102.º/1-d) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 10.º/1-a) do RJAMT”.

- que tem legitimidade para deduzir o PPA: A Requerente, apesar de não ser o sujeito passivo do imposto em causa – contribuição de serviço rodoviário – foi o contribuinte de facto daquele, ou seja, foi quem suportou economicamente o imposto, conforme se demonstrou supra. Nos termos da LGT, apesar de não ser o sujeito passivo, quem suportou o imposto, por repercussão legal, pode reclamar, recorrer, impugnar ou apresentar pedido de pronúncia arbitral; A favor da sua posição, a Requerente invoca o “(art. 18.º/4-a) da LGT e 9.º/1 e 4 do CPPT) e constitucional (art. 268.º/4 da constituição da República portuguesa)”;

- quanto à questão de fundo, que No âmbito nacional, a jurisprudência dos Tribunais Arbitrais constituídos junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), tem declarado ilegal a CSR, na sequência da jurisprudência estabelecida no caso “Vapo Atlantic, S.A. contra Autoridade Tributária e Aduaneira”. (...)

“Tendo como consequência que todos os actos tributários praticados ao seu abrigo, designadamente os actos objecto o presente pedido arbitral, uma violação do Direito da União. Europeia (artigo 1.º n.º 2, da Directiva 2008/118).”.

Conforme já demonstrado, encontrando-se verificada a desconformidade entre a CSR e o regime geral dos IEC vertido na Directiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2018 (e, consequentemente, a ilegalidade dos actos tributários aqui em causa), impõe-se à Administração Tributária e Aduaneira proceder à revisão oficiosa dos actos tributários objecto do presente pedido e, consequentemente, proceder ao reembolso dos respectivos montantes de CSR pagos pela Requerente. (...)

Neste sentido, e segundo este entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal Administrativo (também no seguimento da jurisprudência do TJUE), a Administração Tributária e Aduaneira está vinculada a desaplicar as normas nacionais que sejam desconformes com as normas do direito da União Europeia, pelo que qualifica as situações de não desaplicação de normas nacionais desconformes como situações de erro imputável aos serviços. Assim, e confrontados com o manifesto incumprimento do referido poder-dever de desaplicação, está fundamentado o recurso ao procedimento de revisão oficiosa de actos tributários, previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, com o consequente dever de revogação, por parte do seu autor, dos actos tributários inquinados por esse vício. Em face do supra referido, conclui-se que a Administração Tributária e Aduaneira está. obrigada a proceder, no âmbito do presente procedimento de revisão oficiosa, à anulação dos actos tributários objecto do presente pedido, já que consubstanciam uma manifesta violação da Directiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2018, com todas as consequências legais, incluindo o reembolso das quantias indevidamente suportadas pela Requerente, no montante global de € 82.266,14 (oitenta e dois mil e duzentos e sessenta e seis euros e catorze cêntimos). Não o tendo feito, conforme se impunha, e assumindo-se o indeferimento dessa pretensão. da Requerente, nos termos que supra se expuseram, a AT incorreu em violação de lei europeia. (Directiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2018) e constitucional nacional (arts. 8.º e 55.º da LGT e 103.º/3 da Constituição da República Portuguesa).

A Requerente pede ainda a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

            2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 12 de fevereiro de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD;

 

              3. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 2 de abril de 2024 e, no dia 8 de abril de 2024, a Requerida foi notificada para apresentar a sua resposta;

 

            4. Em 10 de maio de 2024, a Requerida juntou aos autos o processo administrativo e apresentou a sua resposta, na qual alegou em suma, o seguinte:

I) Por Exceção:

I.1: A incompetência do Tribunal em razão da matéria

caso o legislador pretendesse atribuir à CSR a qualidade de imposto, não deixaria de o ter feito de forma expressa. Por conseguinte, não sendo a CSR um imposto, os tribunais arbitrais do CAAD carecem de competência material para conhecer do mérito do pedido em apreço, por força do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (“Portaria de Vinculação”);Ainda que assim não se entenda, o que se admite por mera hipótese e sem conceder, Resulta do teor do presente pedido de pronúncia arbitral e da sua fundamentação que o que a Requerente vem suscitar, junto desta instância arbitral, é a legalidade do regime da CSR, no seu todo (...) Não sendo da competência do tribunal arbitral nem a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, nem a execução de sentenças/decisões. Afigurando-se inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos aqui formulados pelas Requerentes, quando a letra e o espírito da norma não o permitem. À cautela, e sem conceder, Permitimo-nos o exercício em que se admitiria a competência do tribunal arbitral para apreciação da legalidade dos atos de liquidação de CSR, a questão continuaria a colocar-se com a mesma acuidade, dado que nunca seria possível ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos da sua liquidação. (...) Não obstante, indicamos, desde já que, independentemente da natureza jurídica que se confira aos atos de repercussão – isto é, saber se são atos que integram a relação jurídico-tributária complexa ou se, por outro lado são um fenómeno económico de natureza estritamente privada, a verdade é que “(…) não são atos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria coletável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos atos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada…”, tal como decidido no âmbito do Processo n.º 467/2023-T, em que foi Árbitro Presidente a Senhora Professora Doura Carla Castelo Trindade. Pela positiva, explica-se, na mesma decisão, que os atos de repercussão consistem num “(…) fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem…”. De onde resulta que este fenómeno não se subsume a qualquer uma das realidades previstas no artigo 2.º do RJAT, o qual, por sua vez, “(…) determina que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação (alínea a) do n.º 1) e de atos de fixação da matéria tributável/matéria coletável/valores patrimoniais na eventualidade de não terem originado qualquer ato de liquidação (alínea b) do n.º 1).”. (...) O que acima fica exposto concorre então para a verificação da exceção dilatória nos termos do vertido nos n.ºs 1 e 2 do artigo 576.º e alínea a) do artigo 577.º, ambos do CPC, aplicável ao presente processo por via da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa. Motivo pelo qual deverá o douto tribunal declarar-se incompetente em razão da matéria e, consequentemente, absolver a Requerida da instância.

I.2: A ilegitimidade processual e substantiva da Requerente

apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo de produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago. Face ao referido, e tendo em conta o teor do artigo 10.º da presente resposta, para o qual se remete e se dá por integralmente reproduzido, relembramos que, no âmbito dos impostos especiais de consumo são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo. (...) nos termos do artigo 15.º do CIEC, apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto. (...) Dispondo, também o n.º 1, do artigo 78.º, da LGT, que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária. O que corrobora o estabelecido no CIEC quanto ao titular do direito de revisão do ato tributário, já que, como decorre do n.º 2 do artigo 15.º, conjugado com o artigo 16.º, daquele código, só podem solicitar a revisão oficiosa os sujeitos passivos e a administração tributária. Como tal, no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto. Estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia de comercialização de combustíveis (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais). Ora, no caso concreto, não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica dos repercutidos económicos ou de facto, não podendo as entidades, em que alegadamente teria sido repercutido o imposto, apresentar pedidos de revisão ou de reembolso por erro. Ou seja, não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não tem legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral. (...) Do supra exposto, resulta que, Por um lado, apenas os sujeitos passivos de imposto que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago. O qual não é, certamente, o caso da Requerente. Por outro, também não se assiste, no âmbito da CSR, à prática de uma repercussão legal, caso em que a Requerida até poderia aspirar ter direito ao pedido de pronúncia arbitral por via do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, e ser considerada, por isso, parte legítima na presente instância. O que se constata, no entanto, é que no âmbito da CSR não se observa uma repercussão legal, assistindo-se, sim, à mera possibilidade da repercussão económica ou de facto, total ou parcial, sendo que as faturas apresentadas não corporizam atos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente, enquanto consumidora final. Daqui decorrendo a falta de legitimidade da Requerente na presente ação. (...) a Requerente não logra fazer prova de que efetivamente ocorreu repercussão, parcial ou total, da CSR na aquisição dos combustíveis às suas fornecedoras e que, nessa sequência, efetuou o pagamento e suportou, a final, o encargo da CSR (sem o ter repassado a jusante, no preço dos serviços por si prestados). Face ao que antecede, é de concluir que a Requerente não é sujeito passivo de ISP/CSR e não integra a relação tributária subjacente às liquidações contestadas, não sendo o devedor, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado, que está a jusante do sujeito passivo na cadeia económica, que em termos jurídicos não é um terceiro substituído, que não suporta a contribuição por repercussão legal, nem tão pouco corresponde ao consumidor final, pelo que não tem legitimidade nem para apresentar o pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral, nos termos do n.º 2 do artigo 15.º do CIEC e dos n.º 3 e alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT. inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, carece a Requerente de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e nº 2, 577.º, al. e) e 578.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância. Ou, caso assim se não entenda, Carece a Requerente de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 576.º n.º1 e n.º3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º1 al. e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido.

I.3: Ineptidão da Petição Inicial

I.3.1: Por falta de objeto: Conforme dispõe expressamente o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, do pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a “identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral”, facilmente se constatando que esta é uma condição essencial para a aceitação do pedido de constituição de tribunal arbitral. Ora, sendo aceite o pedido sem a identificação dos atos tributários cuja legalidade se pretende sindicar, é coartada à Requerida a possibilidade do exercício em pleno do seu direito ao contraditório, estando também o próprio tribunal impedido de apreciar o pedido. Com efeito, é de notar que a Requerente alude a diversos atos tributários, sem que, em momento algum, identifique quaisquer atos de liquidação de ISP/CSR praticados pela administração tributária e aduaneira, nem as DIC submetidas pelos alegados sujeitos passivos de imposto. A Requerente limitou-se a identificar e apresentar faturas de aquisição de combustíveis às suas fornecedoras, alegando que estas terão, na qualidade de sujeitos passivos de ISP/CSR, procedido à introdução no consumo dos produtos adquiridos pela Requerente, faturas estas que, no entanto, não comprovam qualquer ato tributário e de onde também não resulta qualquer prova de “atos de repercussão da CSR”. Pelo exposto, salvo douto e melhor entendimento, o pedido arbitral não preenche nem satisfaz os pressupostos legais de aceitação, uma vez que viola a alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, devendo, consequentemente, ser declarado inepto.

I.3.2: Por ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e sua causa de pedir;

I.4: Caducidade do direito de ação:

Tal como atrás se deixou evidente, não logrou a Requerente identificar qualquer ato tributário cuja legalidade pretende sindicar. Esta circunstância determina, para além de outras consequências já abordadas, que se torne impossível aferir da tempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações formulado pela Requerente. (...) Não obstante, caso assim não se entenda, o que apenas por mero dever e cautela de patrocínio se concebe, sempre se concluiria que, tanto, o pedido de revisão oficiosa, como o pedido de constituição de tribunal arbitral são intempestivos. Tendo em conta que a Requerente pretende sindicar as aquisições no período compreendido entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022, e atento o prazo para apresentação de reclamação graciosa, de 120 (cento e vinte) dias a partir do termo do prazo do pagamento do ISP/CSR, previsto na 1ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, facilmente se depreende que, a 30.06.2023, este se encontrava largamente ultrapassado. E é por este motivo que a Requerente apresenta um pedido de revisão oficiosa, fundamentado em erro imputável ao serviço, meio processual previsto na 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, de modo a fazer-se valer do prazo de 4 (quatro) anos aí então previsto para os casos de erro imputável aos serviços. O que sempre seria infundamentado, dado que a Requerida, adstrita que se encontra ao princípio da legalidade, sempre efetuou as liquidações em estrita observância dos normativos legais em vigor à data dos factos, não existindo, portanto, qualquer erro imputável aos serviços. Além disso, bem se faz notar que não foi ainda proferida qualquer decisão interna que declare, com força obrigatória geral, o vício de violação de lei comunitária.

II) Por Impugnação:

constatando-se não existir qualquer referência à CSR nas faturas apresentadas, lógico será que se conclua não se vislumbrar qualquer evidência da sua inclusão no preço de venda que as fornecedoras de combustíveis praticaram nas transações celebradas com a Requerente. Motivos pelos quais resulta não existir qualquer elemento de prova que sustente cabalmente o alegado pela Requerente, nomeadamente que o valor pago pelos combustíveis por si adquiridos tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR. Finalmente, não foram, também, apresentados quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado do ISP/CSR, o que poderia ser, eventualmente, consubstanciado pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (“DUC”) e das Declarações Aduaneiras de Importação/Documentos Administrativos Únicos (DAI/DAU) com averbamento do número de movimento de caixa. (...) não tendo existido certificação da medição da temperatura na descarga do combustível adquirido (temperatura ambiente), que, em atos de medição de reservatórios certificados (varejos) dos sujeitos passivos de imposto, designamos por temperatura observada (TO), não é possível estabelecer correspondência para o número de litros a 15ºC. Tornando-se impossível, na fase da cadeia logística em que a Requerente se encontra, determinar a unidade tributável para efeitos de determinação da CSR e, consequentemente, saber a eventual parte da CSR incluída no preço pago pelo combustível adquirido. Pelo que apenas se poderá concluir que não logra a Requerente fazer prova do que alega, designadamente sobre o alegado facto de ter adquirido e pago combustível e, consequentemente, ter suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR, que a fornecedora de combustível alegadamente repercutiu nas respetivas faturas. Assim, Tendo em conta as regras do ónus da prova constantes do artigo 74.º da LGT, que ditam que o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque, desde já se impugna, de forma expressa, o vertido nos artigos 1.º, 2.º, 4.º, 6.º, 16.º, 17.º, 20.º, 23.º, e 98.º do pedido arbitral, não se devendo dar por provada a alegada repercussão da CSR na esfera da Requerente por parte das entidades supra referidas. Defende ainda a Requerida não haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

              5. Em 14 de maio de 2024, a Requerente foi notificada do seguinte despacho: “Para exercício do direito ao contraditório relativamente às exceções/questões prévias invocadas pela AT na Resposta apresentada, concede-se à Requerente o prazo de 10 (dez) dias. Notifique-se;

 

              6. Em 28 de maio de 2024, a Requerente respondeu às exceções alegadas pela Requerida, conforme despacho referido no ponto anterior, pedindo a integral procedência do presente pedido arbitral – com todos os legais efeitos;

 

              7. Em 3 de junho de 2024 a Requerente foi notificada do seguinte despacho:

I - A reunião do Tribunal com as partes (artigo 18º, do RJAT)

À luz do disposto nos artigos 16º-c), do RJAT e do princípio da proibição da prática de atos inúteis, fica dispensada a reunião do Tribunal com as partes, considerando (i) que se trata, no caso, de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos, diferentes dos comummente seguidos pelo CAAD na generalidade dos processos arbitrais, (ii) que foi já exercido o contraditório relativamente à defesa por exceção e (iii) não há outras questões a tratar e decidir no âmbito dos atos previstos no artigo 18º, do RJAT.

II - Alegações finais

Dispensam-se alegações finais considerando que as questões objeto dos autos se encontram amplamente debatidas nos articulados das partes e na jurisprudência arbitral.

III - Data para prolação e notificação da decisão final

Fixa-se o dia 20-09-2024, como data limite previsível para a prolação e notificação da decisão arbitral final, em que se conhecerá também das exceções.

IV - Taxa de arbitragem remanescente

A Requerente deverá efetuar o pagamento do remanescente da taxa arbitral (artigo 4º-3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária) no  prazo de 15 (quinze) dias.

V - Apresentação dos articulados em formato “word”

À luz do princípio da cooperação [cfr artigo 7º, do CPC], convidam-se ambas as partes a remeter ao CAAD cópias dos respetivos articulados, em formato editável (de preferência, em “Word”) com vista a facilitar e abreviar a tarefa de elaboração do acórdão final no que respeita sobretudo à fixação da matéria de facto;

 

              9. Em 24 de junho de 2024, a Requerente veio aos autos juntar o comprovativo de pagamento da taxa subsequente e, em 3 de setembro de 2024, veio juntar aos autos os documentos comprovativos de todos os pagamentos efectuados das facturas que titulam a aquisição de combustível (e do inerente imposto) juntas aos autos; ainda em 3 de setembro de 2024, a Requerida foi notificada para se pronunciar, querendo, no prazo de 5 (cinco) dias, sobre o requerimento e documentos apresentados pela Requerente;

 

              10. Em 5 de setembro de 2024, a Requerida veio aos autos defender a intempestividade da junção aos autos dos documentos pela Requerente (com base no disposto no artigo 423.º do CPC e no artigo 108.º do CPPT, ex vi do artigo 29.º do RJAT), e veio igualmente reiterar que as faturas de aquisição de combustíveis apresentadas pela Requerente, não fazem qualquer referência a montantes pagos a título de ISP nem de CSR, não existindo nos autos qualquer elemento de prova que sustente que o valor pago pelos combustíveis adquiridos pela Requerente tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR. Vem agora a Requerente solicitar a junção aos autos do conjunto de documentos que consubstanciam “todos os pagamentos efectuados das facturas que titulam a aquisição de combustível”, os quais, no seu entender, “comprovam o pagamento do imposto em causa nos autos”. Tais documentos de pagamento, sendo aptos a fazer prova quanto às aquisições de combustíveis indicadas pela Requerente (o que não foi posto em causa pela Requerida – cfr. artigo 203.o da Resposta da AT supra transcrito), são completamente omissos quanto a quaisquer montantes pagos a título de ISP e/ou CSR. Ou seja, os documentos ora apresentados (os pagamentos das faturas de aquisição de combustíveis), nada acrescentam à presente lide, nem esclarecem a factualidade invocada pela Requerente sobre o pagamento indevido da CSR.

 

II. SANEAMENTO

 

            O Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 3.º, 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT e nos artigos 1.º a 3.º da Portaria de Vinculação.

 

              Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar:

 

  1. A admissão dos documentos juntos pela Requerente em 5 de setembro de 2024:

Em 3 de setembro de 2024, meses depois (a) da entrega do requerimento de resposta à contestação (em 28 de maio de 2024), e (b) do despacho que dispensou a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT e que dispensou a entrega de alegações (em 29 de maio de 2024); a Requerente veio juntar aos autos os documentos comprovativos do pagamento de todas as faturas que juntou com a PI.

Em 5 de setembro de 2024, a Requerida veio opor-se à referida junção de documentos, alegando a intempestividade do requerimento da Requerente, dado que tanto o CPC como o RJAT preveem a junção dos documentos com a petição inicial (o PPA), e veio ainda alegar a falta de interesse dos referidos documentos para os autos.

No que respeita à oportunidade da junção dos referidos documentos, efetivamente de acordo com o disposto no artigo 10.º n.º 1 al. d) do RJAT e de acordo com o artigo 423.º do CPC, os elementos de prova dos factos alegados pela Requerente devem ser juntos com o PPA; sendo que na situação em causa nos autos, a Requerente teve a oportunidade de juntar os referidos elementos quer com o PPA (apresentado em 23 de janeiro de 2024), quer com a resposta às exceções (apresentada em 28 de maio de 2024).

Ademais, por um lado, sendo os documentos juntos pela Requerente os comprovativos de pagamento de todas as faturas juntas aos autos, e tendo a Requerente contabilidade organizada, não é razoável admitir que a apresentação dos referidos comprovativos só foi possível em setembro de 2024 (quando o PPA foi submetido em 23 de janeiro de 2024) — o que afasta a aplicação da primeira parte do artigo 423.º n.º 3 do CPC.

Por outro lado, conforme a Requerida refere na sua Resposta, a Requerida não põe em causa (na contestação) que as faturas juntas aos autos pela Requerente tenham efetivamente sido pagas; de onde decorre que a junção aos autos dos comprovativos de pagamento das faturas não se tornou necessária com a Contestação, ou em consequência de qualquer outro requerimento subsequente apresentado pela Requerida — o que afasta a aplicação da segunda parte do artigo 423.º n.º 3 do CPC.

Não obstante, embora as regras do CPC sejam efetivamente aplicáveis subsidiariamente à arbitragem tributária, nos termos do artigo 19.º do RJAT, o processo arbitral é regido pelo princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo. Conforme decidiu o CAAD na Decisão Arbitral de 2021-06-25, proferida no processo nº 574/2020-T:

(...) a inviabilidade de apresentação de documentos depois da reunião não é um princípio absoluto, pois é naturalmente limitada pela própria finalidade que se tem em vista ao proibir estabelecer fases processuais, que é a de evitar perturbações processuais que possam prejudicar a «obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas» [artigo 16.º, alínea b] do RJAT].. Para além disso, essa restrição à apresentação de documentos tem de ser também compaginada com o dever que o Tribunal Arbitral tem de realizar as diligências probatórias que entender adequadas, nos termos da alínea e) do artigo 16.º do RJAT, inclusivamente o dever de ordenar a junção aos autos de documentos, independentemente de eles terem ou não sido apresentados pelas Partes e do momento em que o foram, designadamente ao abrigo dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material, pertinentemente invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira para justificar a junção ainda mais tardia de um documento, e que são princípios de aplicação generalizada (artigos 13.º do CPPT e 411.º do CPC). Afigura-se, assim, numa ponderação conjugada dos interesses em causa, que aqueles princípios que devem prevalecer sempre que a junção de documentos não provoca perturbação considerável da tramitação normal do processo que afecte a prossecução do princípio da celeridade [artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2, do RJAT], pelo menos quando não haja indícios de uma conduta que possa considerar-se violadora dos deveres de cooperação e  boa fé processual, que também têm de ser observados [artigo 16.º, alínea f), do RJAT].

No caso concreto, não há indícios de uma conduta da parte da Requerente que possa considerar-se violadora dos deveres de cooperação e boa fé processual. Ao que acresce que foi plenamente assegurado o direito da Requerida ao contraditório (que o exerceu em 5 de setembro de 2024), sem qualquer perturbação para a regular tramitação do processo, cuja decisão será proferida dentro do prazo do artigo 21.º do RJAT. Pelos argumentos expostos, este Tribunal decide admitir os documentos juntos pela Requerente em 3 de setembro de 2024.

 

  1. As exceções alegadas pela Requerida, o que será feito por esta ordem a título prévio no âmbito da análise do mérito da causa, logo após a fixação da matéria de facto provada e não provada.

 

II. MATÉRIA DE FACTO

1 – Factos provados

              Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. No âmbito da sua actividade comercial, e no período compreendido entre 01/01/2019 e 31/12/2022, a Requerente adquiriu às sociedades B..., S.A. (doravante “B...” ou “fornecedora de combustível”) com o NIF ... e C..., S.A., com o NIF ... (doravante “C...” ou “fornecedora de combustível, 747874 litros de gasóleo rodoviário;
  2. Da Tabela Anual de Consumos de Combustível resulta:

 

Maia

Palmela

Total

2019

95 020

23 011

118 031

2020

155 897

39 979

195 876

2021

192 292

39 995

232 287

2022

 

 

201 680

2019/2022

 

 

747 874

  

  1. A Requerente apresentou, em 30-06-2023, junto da Alfândega de Aveiro e da Alfândega do Jardim do Tabaco, pedido de revisão da liquidação da contribuição de serviço rodoviária (CSR), relativamente ao imposto suportado nos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022 supra referido;
  2. Até à data de entrada do presente PPA, a Requerente não foi notificada (i) da decisão expressa de indeferimento, (ii) do projeto de decisão, ou (i) do pedido de elementos; no âmbito do pedido de revisão apresentado pelo que, o mesmo considera-se tacitamente indeferido em 30-10-2023.

 

2 – Factos não provados

              Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, não se consideram provados os seguintes factos:

  1. No período em análise (i.e., entre 01/01/2019 e 31/12/2022) a Requerente suportou, a título de contribuição de serviço rodoviário, a quantia de € 82.266,14 (oitenta e dois mil e duzentos e sessenta e seis euros e catorze cêntimos);
  2. Da Tabela Total de Valor Suportado com CSR resulta:

Ano

CSR/litro

Total Gasóleo

Total CSR

2019/2020

0,11 €

747 874

82 266,14

  

  1. A Requerente suportou o imposto (CSR) que lhe foi repercutido pelos sujeitos passivos de imposto (B... e C...) — o que fica demonstrado pelas faturas que titulam a aquisição do combustível em causa.

 

3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e nos artigos 596.º, n.º 1 do CPC e 607.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados nos artigos 16.º, alínea e) do RJAT e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

As faturas juntas aos autos pela Requerente, contém os elementos essenciais previstos no CIVA, designadamente a designação do produto adquirido (combustível) e a quantidade do mesmo, contendo ainda a indicação do IVA cobrado à Requerente. As referidas faturas são aptas a comprovar que a Requerente adquiriu o combustível aos seus fornecedores (factualidade que o Tribunal considerou como provada), mas não são aptas a comprovar o pagamento da CSR, ou a alegada repercussão da CSR sobre a Requerente. No mesmo sentido, o comprovativo do pagamento das referidas faturas, junto em setembro de 2024, apenas é apto a comprovar que as faturas foram pagas — nada comprova relativamente ao efetivo pagamento da CSR, ou à efetiva repercussão (da CSR) na esfera jurídica da Requerente.

 

Concluímos assim, que a Requerente não cumpriu o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no processo n.º C‑460/21. Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte:

(…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).

45 Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26).

46 O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42).

(…)

48 Nestas condições, há que responder à segunda e terceira questões que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo. (destaque nosso)

              Da aplicação da jurisprudência do TJUE ao presente caso resulta que a repercussão da CSR sobre terceiros – que não decorre de qualquer imposição legal prevista na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto que instituiu a CSR, sendo tão só “expectável” perante o regime e funcionamento deste tributo –, não pode ser em qualquer caso presumida.

            O que é compreensível, se se tiver em consideração que a repercussão opera aqui como um fenómeno económico, com uma configuração e amplitude variáveis. Como ensina Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 399:

A repercussão (…) pod[e] operar por mais que uma forma sobre os preços. A forma mais comum é a da repercussão descendente, que se verifica quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem, fazendo com que o comprador o suporte: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes sobem o preço na mesma medida, fazendo com que os consumidores o suportem. A repercussão transversal verifica-se quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem diferente daquele que é onerado pelo tributo: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes diluem esse aumento através do agravamento do preço da generalidade das bebidas alcoólicas. Enfim, a repercussão ascendente verifica-se quando o vendedor subtrai o tributo ao preço de um bem de que é comprador, obrigando os fornecedores a suportar-lhe o peso económico: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes obrigam as empresas cervejeiras a baixar o preço nessa mesma medida.

A repercussão constitui um fenómeno que depende em larga medida das condições económicas que rodeiem uma transacção”.

 

Portanto, a ocorrência do fenómeno de repercussão descendente não pode simplesmente ser presumida por mais que tenha sido querida na lógica de funcionamento do tributo. Pelo contrário, impõe-se uma análise do contexto e dos vários fatores que conformam cada transação comercial para daí extrair a conclusão de que o encargo da CSR foi total ou parcialmente “repassado” ao longo dos vários intervenientes do circuito económico até atingir o consumidor final.

 

              Ora, este exercício de prova não foi realizado pela Requerente, que se limitou a estabelecer meros juízos presuntivos de que suportaram a CSR em virtude de uma suposta – embora inexistente – obrigação legal de repercussão do encargo daquele tributo.

 

              Acresce que mesmo que a Requerente tivesse demonstrado a liquidação e repercussão da CSR, não existem elementos nos autos que permitam certificar que o encargo da CSR se fixou na sua esfera jurídica, isto é, que foi a Requerente a entidade que, em última instância, foi onerada com o tributo em causa, porquanto não incorporou o seu custo no preço dos serviços prestados aos seus clientes que podem situar‑se no circuito ou cadeia económico-comercial como os verdadeiros consumidores finais.

              Por fim, não se deram como provadas, ou como não provadas, alegações feitas pelas partes que apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

Tendo em consideração que as questões em causa nos presentes autos já foram decididas em outras decisões arbitrais em que a matéria de facto em causa é semelhante, tendo em consideração o princípio da uniformidade da aplicação do Direito, este Tribunal remete para a fundamentação expressa na decisão arbitral proferida no processo nº 681/2023‑T, de 29 de abril de 2024:

 

IV.3.1. QUANTO À (IN)COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL

30. O Tribunal Arbitral é competente para conhecer da ilegalidade de liquidações de CSR, por se tratar de um imposto, em linha com a argumentação constante da decisão do processo arbitral 304/2022-T, de 5 de Janeiro de 2023. Neste sentido, reproduzem-se alguns excertos da mencionada decisão:

«Baseando-nos em todas os anteriores contributos jurisprudenciais e doutrinários, mas sobretudo no último acórdão citado do STA, concluímos que não é o simples facto de um tributo ter, desde logo, a designação de “contribuição” (ac. TC n.º 539/2015) e nem o facto de esse tributo ter a respetiva receita consignada (ac. TC n.º 232/2022), que o qualifica automaticamente como “contribuição financeira”; antes é, para tal, necessário, como judicia o STA, que esse tributo tenha com finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.”

Com efeito, o sistema tributário comporta tributos que têm a designação de “contribuições” e são verdadeiros impostos, como se extrai, desde logo, do n.º 3 do art.º 4.º da LGT.

Por outro lado, o sistema tributário comporta igualmente impostos que, ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos (estabelecido no art.º 7.º da Lei de Enquadramento Orçamental [5]), têm a sua receita consignada (vg. ac. TC n.º 369/99, de 16.06.1999, proc. 750/98).

Por conseguinte, nem o nomen juris “contribuição”, nem a afetação da receita a uma finalidade especifica são suficientes para qualificar um tributo como “contribuição financeira”.

O elemento decisivo para essa qualificação é a existência de uma estrutura de comutatividade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita e os sujeitos passivos do tributo.

[...]

Ou seja, para que possamos afirmar estar-se perante uma “contribuição financeira”, é necessário que as prestações públicas que constituem a contrapartida coletiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respetivos sujeitos passivos.

[...]

Entendemos, assim, que o que distingue uma “contribuição financeira” de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública.

A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007).

Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”

Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.

A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1.º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2.º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.

No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4.º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.

Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.

Nos termos do n.º 1 do art.º 20.º da LGT, “a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte”.

Para que estivéssemos, no caso presente, perante uma situação de substituição tributária, era necessário que os consumidores que pagam o preço dos combustíveis aos revendedores estivessem na posição de “contribuintes”.

Sobre o conceito de contribuintes, o n.º 3 do art.º 18.º diz que “o sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.” De onde se retira que o contribuinte é uma das espécies da categoria “sujeitos passivos” e estes são as pessoas (ou entidades) que estão obrigadas ao pagamento da prestação tributária, o que não acontece com os consumidores dos combustíveis. Concluímos, assim, que não estamos perante uma situação de substituição, pelo que os sujeitos passivos da CSR são igualmente os respetivos contribuintes diretos.

Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.

Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira.

[...]”.

31. Em relação aos “actos de repercussão” impugnados, o Tribunal Arbitral não pode conhecer dos mesmos, pois não são actos tributários, não estando prevista a sua sindicabilidade (cfr. artigo 2.º do RJAT). No entanto, como foram, em simultâneo, contestados pela Requerente os actos de liquidação de CSR, é sobre estes que recai a pronúncia do Tribunal Arbitral.

 

IV.3.2. SOBRE A EXCEPÇÃO DE ILEGITIMIDADE DA REQUERENTE

32. Não consta do RJAT a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, como previsto na closure rule do artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, em concreto e de acordo com a natureza dos casos omissos, das normas de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.

33. A regra geral do direito processual, que emana do artigo 30.º do CPC, é a de que é parte legítima quem tem “interesse directo” em demandar1, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade activa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (cfr. artigo 9.º, n.º 1, do CPTA).

34. A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um acto tributário2, cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da LGT, como “a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.”.

35. No domínio tributário, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a AT, agindo como tal, e as pessoas singulares ou colectivas e entidades equiparadas (cfr. artigo 1.º, n.º 2, da LGT).

36. O CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (cfr. artigo 9.º, n.º 1 e n.º 4, do CPPT). No mesmo sentido, ainda que referindo- se somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”.

37. De notar que, em relação aos responsáveis (sujeitos passivos não originários, tal como os substitutos), o legislador teve a preocupação de justificar a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual. Quanto aos responsáveis solidários, deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (cfr. artigo 9.º, n.º 2, do CPPT). No tocante aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (cfr. artigo 9.º, n.º 3, do CPPT). Em ambas as situações, apesar de não corresponderem à figura do sujeito passivo originário, constitui-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias, o que sucede igualmente com o substituto.

38. Na situação em análise, a Requerente invoca a qualidade de repercutido legal para deduzir a acção arbitral.

39. Importa começar por notar que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3, da LGT, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade, neste caso, só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido (cfr. artigo 9.º, n.º 1 e n.º 4, do CPPT).

40. Apesar de o repercutido não ser sujeito passivo, a alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT pressupõe que assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”, estendendo a posição jurídica adjectiva ao repercutido (apesar de não o considerar sujeito passivo), na condição de estarmos perante um caso de “repercussão legal”. A lei implica desta forma que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (cfr. artigo 9.º, n.º 1 e n.º 4, do CPPT).

41. Neste âmbito, assinala JORGE LOPES DE SOUSA: “nos casos de repercussão legal do imposto, apesar de aquele que suporta o encargo do imposto não ser sujeito passivo, é-lhe assegurado o direito de reclamação, recurso e impugnação [art. 18.o, n.o 4, da LGT]. São casos de repercussão legal os do IVA e dos impostos especiais de consumo, pois, em face do respectivo regime legal, a lei exige o pagamento dos tributos aos intervenientes no processo de comercialização dos bens ou serviços, visando fazer com que eles venham a ser pagos pelos consumidores finais, que são os titulares da capacidade contributiva que se pretende tributar.” – cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 115.

42. JORGE LOPES DE SOUSA assinala ainda que, em matéria tributária, “é de considerar ser titular de um interesse susceptível de justificar a intervenção no procedimento tributário quem possa ser directamente afectado pelo que nele possa vir a ser decidido, inclusivamente quando esteja em causa uma mera situação de vantagem derivada do ordenamento jurídico, o que será a interpretação que melhor se compagina com o direito constitucionalmente garantido de participação dos cidadãos nas decisões que lhes disserem respeito (art . 267.º, n.º 5, da CRP), como tal se tendo de considerar, necessariamente, todas as que tenham repercussão directa na sua esfera jurídica.” – cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 120. Raciocínio que, atenta a identidade de razões, deve considerar-se aplicável ao processo judicial tributário.

43. Com posição similar, LIMA GUERREIRO, em anotação ao artigo 18.º, n.º 4, da LGT, refere que o preceito “admite que, da repercussão do IVA, possa resultar a lesão de um interesse legitimamente protegido (é no mesmo sentido a anotação de Saldanha Sanches ao referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, in ‘Fisco’, número 28, pgs. 29 e sgs.). Essa lesão será suficiente para a fundamentação de impugnação judicial ou, se verificasse que este não era o meio apropriado dado o princípio constitucional da tutela plena e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido. A fórmula utilizada declara expressamente, no entanto, a possibilidade de reclamação, impugnação ou recurso contra repercussão ilegalmente efectuada pelo sujeito passivo do IVA, imposto de selo ou de outros tributos sujeitos a mecanismo idêntico, pelo que se infere implicitamente não ser em geral a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse, mas a impugnação judicial o meio adequado para reacção contra a repercussão ilegal do imposto, por razões certamente resultantes da similitude da lesão causada por acto ilegal de liquidação e da lesão resultante de repercussão ilegal e do facto de, no nosso sistema processual tributário, a impugnação não visar necessariamente efeitos meramente demolitórios do acto tributário mas também a reparação de qualquer lesão sofrida pelo impugnante. [...]. O não ser sujeito passivo não quer dizer obrigatoriamente ilegitimidade para intervir no procedimento, em caso de lesão de direito ou interesse legalmente protegido de qualquer natureza”.

44. No entanto, afigura-se claro que a CSR não constitui um caso de repercussão legal. A Lei n.º 55/2007, de 31de Agosto, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas3 repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objectivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (cfr. artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil).

45. Infere-se do articulado da Requerente que esta legitima a sua intervenção processual no facto singelo de lhe ter sido repercutida a CSR pela empresa distribuidora de combustíveis – a B..., S.A..

46. Contudo, importa, antes de mais, salientar que a repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, pois o artigo 9.º do CPPT requer a demonstração de um interesse legalmente protegido, ou seja, que mereça a tutela do direito substantivo. Além de que a Requerente não tem a qualidade de “consumidor” de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos impostos especiais sobre o consumo. Na verdade, e começando por esta última parte, a Requerente é uma sociedade que se dedica ao transporte, nacional e internacional, de passageiros. Desta forma, o combustível adquirido é um factor de produção no circuito económico (de uma cadeia de comercialização de bens), um gasto da actividade de prestação de serviços de transporte realizada pela Requerente, não configurando um consumo final.

47. Acresce que, nos termos da Lei que prevê a CSR (Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto), não existe qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo do ponto de vista económico. Basta atentar, para esta conclusão, no artigo 5.º, n.º 1, da citada lei: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”4 Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma. Nem se identifica como prevendo tal repercussão a norma do artigo 3.º, n.º 1, da mesma lei que diz que a CSR “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.

48. Importa também assinalar, com relevância para esta questão, que a remissão para o CIEC efectuada pela Lei da CSR é expressamente circunscrita aos procedimentos de “liquidação, cobrança e pagamento”.

49. Em resultado do acima exposto, conclui-se, em síntese, o seguinte:

i. A referida Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, define o sujeito passivo e devedor da CSR, mas não contém qualquer regra de repercussão legal, nem se pronuncia sobre a sua repercussão económica;

ii. A Requerente não é consumidor final, o que significa que os gastos em que incorre são presumivelmente, de acordo com as regras da experiência comum, repercutidos no elo subsequente do circuito económico até atingirem os consumidores finais, esses sim, onerados com o encargo económico do imposto e demais gastos incorridos na produção dos bens e serviços;

iii. Se a CSR foi economicamente repercutida pelos distribuidores de combustíveis à Requerente, não há razões para crer que esta, no exercício de uma actividade económica que visa o lucro e dentro dessa racionalidade, não tenham também repassado de alguma forma o encargo da CSR, no todo ou em parte, para os seus clientes, os quais nem sequer são os consumidores finais (os próprios clientes).

50. Ora, não sendo a Requerente o sujeito passivo da CSR, nem repercutido legais desta contribuição, não lhes assiste legitimidade processual, a menos que, como interessada, alegue e demonstre factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, ou seja, a menos que evidencie a existência de um interesse directo e legalmente protegido na sua esfera, passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo, ónus que sobre a mesma impende.

51. Contudo, o único facto que a Requerente alega para este efeito é o de lhe ter sido repercutida a CSR. Qualifica esta repercussão, erradamente, como legal, embora não indique onde está prevista essa repercussão – que, a ser “legal”, sempre teria de constar de uma norma com essa natureza (a qual, porém, não existe). O paralelismo que a Requerente estabelece entre a CSR e o IVA não tem qualquer suporte jurídico, pois a repercussão neste último imposto tem previsão legal expressa no artigo 37.º do Código do IVA, permitindo o seu controlo e prova, dado que o imposto e respectivo montante são mencionados na factura emitida pelo fornecedor de bens ou prestador de serviços.

52. Acresce que, sem prejuízo de a CSR ter sido consagrada como “contrapartida” da utilização da rede rodoviária nacional, a Lei não indica ou sequer sugere sobre quem é que deve constituir encargo.

53. Rigorosamente, a Requerente é tão-só cliente comercial do sujeito passivo que liquidou a CSR. Não é o sujeito passivo dos actos tributários – de liquidação de CSR – impugnados. Não integra, nem é parte da relação tributária, nem é repercutido legal. E também não se descortina, nem disso foi feita prova, que tenham sido a Requerente a suportar economicamente o imposto, para o que seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:

i. Que a CSR foi repercutida à Requerente, quais os montantes e em que períodos;

ii. Que, por sua vez, o preço dos serviços de transportes que presta aos seus clientes não comporta a repercussão de CSR (ou a medida em que não a comporta, se se tratar de repercussão parcial), por forma a poderem sustentar que suportou, de forma efectiva, o encargo do imposto e o respectivo quantum.

(...) De notar, ainda, que das facturas anexas ao pedido arbitral apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspecto. Não logrou, por isso, atestar que suportou o tributo contra o qual reage. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente acção arbitral, tendo em conta que não é sujeito passivo, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutidos legais da CSR.

55. Aliás, compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento / duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplo(s) repercutido(s) económicos da cadeia de valor. Ou seja, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável e mapeável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.

56. Por fim, não se diga que a Requerente ficou desprovida de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra o seu fornecedor, se reunirem os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspectiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efectiva (cfr. artigo 20.º da Constituição).

57. De assinalar, adicionalmente, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao actual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respectiva liquidação precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (cfr. Acórdão de 1/10/2003, processo n.º 0956/03).

58. Em face do exposto, deve julgar-se verificada a excepção de ilegitimidade da Requerente, constituindo a mesma excepção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal Arbitral conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a), e 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea e), do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT.

 

Exatamente no mesmo sentido, pronunciou-se o CAAD em outras decisões arbitrais como na decisão arbitral proferida em 2024-05-07 no processo nº 633/2023-T, na decisão arbitral proferida em 2024-05-27, no processo nº 33/2024-T, entre outras. Uma vez julgada procedente a exceção de ilegitimidade fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no PPA e na respetiva Resposta.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar procedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de repercussão de CSR e, em consequência, absolver parcialmente a Requerida da instância;
  2. Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de liquidação de CSR;
  3. Julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR e, em consequência, absolver a Requerida da instância; e
  4. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

 

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de EUR 82 266,14.

 

VII. CUSTAS

 

              Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de EUR 2 754, a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

  • Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de setembro de 2024.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

Juiz José Poças Falcão,

(Árbitro Presidente)

com a seguinte declaração de voto:

Declaração de voto do árbitro presidente:

  1. Tal como em variadíssimas decisões de Tribunais Coletivos a que presidi, entendo que os Tribunais Arbitrais Tributários são materialmente competentes para apreciar a legalidade quer dos atos de liquidação de CSR quer os atos de repercussão dos mesmos.
  2. Segundo a teoria clássica, a legitimidade, como pressuposto processual, afere-se à luz da forma como é configurada a ação ou, em sede arbitral, o pedido de pronúncia, ou seja, à luz duma mera aparência do interesse em demandar (o autor) ou de contradizer (a entidade demandada) – Cfr artigo 30º, CPC e, na Jurisprudência, por exemplo, os acórdãos do TCAS de 9-6-2016 (Proc nº 07902/14) e TCAN de 13-12-2019 (Proc 00036/06BEVIS ["(...) a parte terá legitimidade como autor, se de acordo com a relação jurídica por ele delineada e atendendo ao direito substantivo aplicável valer a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão exista(...) "(...) o princípio geral em matéria de legitimidade procedimental ativa, é o da titularidade da respetiva relação material controvertida aferida essa titularidade de acordo com a alegação feita pelo contribuinte (...)".
  3. Diferente da legitimidade será a apreciação, em sede instrutória do processo, da confirmação dessa aparência, ou seja, da prova sobre se a parte tem um efetivo e real interesse em demandar ou contradizer aferido pela prova ou contraprova dos factos em que se funda a ação. O que nos conduz à questão do mérito ou demérito do pedido e consequente procedência ou improcedência da ação.
  4. Nesta circunstância, não nos situaremos então, em meu entender, no âmbito da legitimidade mas da procedência ou improcedência do pedido.
  5. Improcedência porquanto, no caso, não ficou demonstrado que  no período em análise (i.e., entre 01/01/2019 e 31/12/2022) a Requerente tivesse suportado, a título de contribuição de serviço rodoviário (CSR), a quantia de € 82.266,14 (oitenta e dois mil e duzentos e sessenta e seis euros e catorze cêntimos) (cfr., supra, tabela) e (ii) a repercussão na requerente pelos sujeitos passivos de imposto (B... e C...)
  6. No caso, entendendo ser materialmente competente, sem restrições, o Tribunal Arbitral, entendo igualmente, na linha da decisão que fez vencimento, mas com algumas nuances ou particularidades na fundamentação, que se mostram verificados os pressupostos da ineptidão da petição ou do pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, a absolvição da instância com esse fundamento é de aceitar como seria, em meu entender, de aceitar, em sede de mérito, a total improcedência do pedido por ausência de fundamento factual de suporte.

 

 

 

Rui M. Marrana (com declaração de voto, no final)

(Árbitro Vogal)

 

 

Elisabete Flora Louro Martins Cardoso

(Árbitro Vogal e Relatora)

 

Declaração do árbitro Rui M. Marrana

A multiplicação de posições no CAAD em matéria de CSR impõe um particular esforço de esclarecimento dos fundamentos das mesmas, por razões transparência, para permitir uma evolução consistente da jurisprudência e até para efeitos de eventual reapreciação. Por tudo isso, ainda que convergindo no sentido da improcedência do pedido, entende-se dever esclarecer algumas divergências pontuais, relativamente aos termos da decisão.

1.        Discorda-se, em primeiro lugar, da aludida incompetência do tribunal arbitral para apreciar actos de repercussão. Isto porque aquilo que é pedido é apenas e só a apreciação da validade dos actos de liquidação de CSR (por violação da Directiva 2008/118). Sendo estes inválidos, a devolução dos montantes pagos é solicitada pelos (alegados) repercutidos. Não parecem existir actos de repercussão cuja validade possa ser apreciada, mas apenas a invocação dessa repercussão que justificará o pedido de devolução por uma entidade diversa do sujeito passivo. Mesmo em sede de pedido de revisão oficiosa e de impugnação do seu indeferimento (expresso ou tácito) a situação não se altera: tanto o pedido de revisão como a impugnação têm como único fundamento a invalidade da liquidação (sendo a repercussão mero facto justificativo do pedido de devolução surgir de entidade distinta do sujeito passivo). É certo que caberá ao tribunal conferir se essa repercussão existiu ou não. Mas essa apreciação tem em vista conferir, já não a competência do tribunal arbitral, mas a legitimidade do Requerente.

2.        Diverge-se ainda, em matéria de repercussão, da interpretação feita do Despacho do TJUE de 7.2. 2022, no processo C-460/21 (Vapo Atlantic c. Autoridade Tributária e Aduaneira). Entende-se que o regime relativo à prova da repercussão que ali é referido (e que, de qualquer forma, no caso, se refere apenas à AT) admite que a repercussão possa ocorrer e seja relevante impondo, todavia, a sua demonstração. Não exige – em momento nenhum, parece – que, quem o faça, tenha ainda de demonstrar a inexistência de repercussão a jusante. De facto, no sentido do que é expressamente referido na própria decisão, não se admitindo qualquer presunção, aquele que demonstre ter-lhe sido repercutido o encargo não terá de fazer a prova negativa de que o não repercutiu. O ónus probatório recairá eventualmente sobre quem invoque a existência dessa repercussão (já que não beneficia, para o efeito, de qualquer presunção) – ao contrário do que refere nomeadamente no § 53 ii).

3.        Concorda-se que a não identificação do acto tributário (de liquidação da CSR) gere a ilegitimidade do requerente, mas apenas subsidiariamente, já que essa falta torna, desde logo, a petição inepta (devendo esta excepção ser apreciava primeiramente).

De facto, em relação à CSR, se o pedido não é apresentado pelo sujeito passivo (mas por uma entidade alegadamente repercutida), essa não identificação do acto tributário (através da junção de cópias das Declarações de Introdução no Consumo, ou de Documento Administrativo Único/Declaração Aduaneira de Importação ou eventualmente de outros documentos que lograssem tal identificação com um mínimo de certeza) impede que o próprio tribunal arbitral confira a sua existência e aprecie, em concreto, da sua validade (por isso, torna a petição inepta). Sendo certo que, além disso, torna também impossível conferir da sua efectiva repercussão. De facto, não havendo repercussão legal, esse efeito não poderá presumir-se, carecendo de prova, a qual dependerá - novamente - da identificação dos actos tributários de liquidação originários. O que conduz à ilegitimidade do Requerente quando repercutido, se não demonstra esses actos e a efectiva repercussão.

Diverge-se, portanto, dos termos em que é fundamentada, na presente decisão, a ilegitimidade (especialmente no referido no § 49 ii e iii).

4.        Entende-se ainda que a referida imprescindibilidade da identificação do acto tributário surge também como elemento essencial para a conferência dos prazos relevantes (dos pedidos de revisão oficiosa e arbitral), já que estes dependem da identificação do acto tributário. Sem conferir este, será impossível fazer-se a necessária verificação da tempestividade (tal como refere a Requerida, na Resposta – cf art.os 180.º ss.).

Nestes termos, entende-se genericamente que a imprescindibilidade da identificação do acto tributário cuja declaração de nulidade é requerida faz com que a inexistência dessa identificação torne a petição inepta por falta de objecto (art. 186.º e 576.º/2 do CPC ex vi art. 29.º/1 e) do RJAT), conduzindo simultânea e subsidiariamente à ilegitimidade da Requerente, tornando ainda impossível conferir da tempestividade do exercício do direito de revisão do acto e do pedido arbitral (art. 576º/2 e 3 e 577.º a)  ex vi art. 29.º/1 e) do RJAT).