Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 461/2024-T
Data da decisão: 2024-09-09  IRS  
Valor do pedido: € 357.969,72
Tema: IRS. Mais-valias. Benefício fiscal. Obras de reabilitação de imóveis. Responsabilidade por juros compensatórios.
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Decisão Arbitral

 

 

           Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente) Dra. Rita Guerra Alves e Dr. Luís Ricardo Farinha Sequeira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 14-06-2024, acordam no seguinte:

 

          

           1. Relatório

 

A..., titular do número de identificação fiscal..., com domicílio na Rua ..., n.º..., ..., ...-...,  Lisboa,  (doravante designado como “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação da acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares («IRS») e de juros compensatórios n.º 2022..., a que corresponde o documento de acerto de contas n.º 2022..., relativa ao ano fiscal de 2018, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou.

A Requerente pede ainda a restituição da importância que considera indevidamente retida, com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 03-04-2024.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 23-05-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 14-06-2024.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 02-09-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e o Tribunal é competente.

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A Requerente adquiriu em dezembro de 2015, o prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., ... e ..., Freguesia da..., Concelho de Lisboa, foi à sociedade B..., LDA.(documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 2015, através do processo n.º .../DOC/2015, a Requerente solicitou à Câmara Municipal de Lisboa vistoria para efeitos de determinação do nível de conservação antes de iniciar as obras, «tendo sido atribuído ao edifício e às frações um estado de conservação: “Médio” e um  nível de conservação:”3” (…)» (Documento n.º 18 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Em 15 de Junho de 2016, a Requerente iniciou as obras de reabilitação no referido imóvel (documento n.º 19 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Em abril de 2018, a Requerente alienou 30% do prédio urbano referido (documentos n.ºs 11 a 16 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  5. As obras de reabilitação foram concluídas em 01 de Abril de 2019 (documento n.º 18);
  6. Em 11 de Abril  de 2019, foi realizada a vistoria ao imóvel para verificação do estado de conservação após a conclusão das obras, tendo sido elaboradas as respetivas fichas de avaliação, da qual resultou num estado de conservação “Excelente” e num índice de conservação: “5” para o edifício e para as frações do 1º ao 4º Andar (…)». (Documento n.º 18);
  7. Apesar de as obras de reabilitação terem sido concluídas em Abril de 2019, foi a Requerente quem realizou todas obras de conservação antes e após a referida venda (Documento n.º 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  8. À data da alienação de parte do imóvel, a Requerente já havia concluído cerca de 95% das obras de reabilitação, sendo que a conclusão das mesmas se protelou para além do que era expetável por motivos concatenados com a demora na obtenção da documentação necessária junto da Câmara Municipal de Lisboa (artigo 90.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado);.
  9. Em 27 de Junho de 2019, a Requerente procedeu à submissão da respetiva Declaração de Rendimentos Modelo 3, referente ao ano fiscal de 2018, que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, na qual evidenciou o incentivo a que alude o n. º5 do artigo 71º do EBF, consubstanciado na tributação à taxa de 5%  das mais-valias decorrentes da alienação de parte (30%) do referido imóvel;
  10. Em 26 de Março de 2021, foi a Requerente notificada para, querendo, se pronunciar sobre o projeto de decisão concatenado com a comprovação de imóveis de reabilitação – Anexo G, da Declaração de Rendimentos referente ao ano de 2018, nos termos que constam do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Através da declaração de rendimentos modelo 3 do ano de 2018, a Administração Fiscal verificou que preencheu no anexo G o campo 4A, respeitante a imóveis recuperados ou objeto de ações de reabilitação, com comprovação emitida pela entidade competente, nos termos dos n.ºs 4 a 24º do art. º71º do EBF (Estatuto dos Benefícios Fiscais). 

A referida declaração foi selecionada para análise, para efeitos de comprovação da condição de imóveis recuperados ou objeto de reabilitação, pelo que deverá apresentar documentos comprovativos.

A não apresentação dos referidos documentos terá como consequência, a sua correção retirando os campos preenchidos no quadro 4ª.

Caso pretenda pronunciar-se sobre o teor do ato notificado, deverá fazê-lo, no prazo de 15 dias, contados continuamente a partir do 3.º dia útil posterior ao do registo,, dizendo o que se lhe oferecer e juntar os documentos relevantes para comprovar que os imóveis estão qualificados como recuperados ou objeto de reabilitação ao abrigo do art.º 71º do EBF.

 

  1. Em 9 de Abril de 2021, a Requerente exerceu o respetivo direito de audição (Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 29-10-2021, a Requerente foi novamente notificada, mediante Ofício n.º ..., da DIREÇÃO DE FINANÇAS DE LISBOA - DIVISÃO DE LIQUIDAÇÃO DO IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO, nos termos que constam do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Através das declarações de rendimentos modelo 3 do ano de 2018, a Autoridade Tributária e Aduaneira verificou que preencheram nos respetivos anexos G dos Quadros 4A, respeitantes a imóveis recuperados ou objeto de ações de reabilitação, com comprovação emitida pela entidade competente, nos termos dos nºs 4 a 23 do art. 71º d0 EBF.

As referidas declarações foram selecionadas para análise, para efeitos de verificação da reunião dos requisitos legais necessários para o devido enquadramento enquanto imoveis recuperados ou objeto de reabilitação, pelo que deverão apresentar os documentos comprovativos de tal realidade. A falta de apresentação dos referidos documentos terá como consequência, a correção das declarações Modelo 3 de IRS para o ano de 2018, retirando os campos preenchidos nos Anexos G - Quadros 4A, por falta de aplicabilidade do beneficio previsto no já referido art.0 71º do EBF. Estas correções, de índole oficiosa, são feitas ao abrigo do n.º 4 do artigo 65.º do Código do IRS.

Caso pretendam pronunciar-se sobre o teor dos atos aqui notificados (em requerimento sempre dirigido ao Ex.mo Sr. Diretor de Finanças de Lisboa -Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa) poderão fazê-lo no prazo de 15 dias, contados continuamente a partir do 3.º dia útil posterior ao do registo, enviando a documentação que julgarem pertinente a esta Direção de Finanças de Lisboa, sita na ALAMEDA DOS OCEANOS, Edifício Sul N 55, 1998-027 LISBOA, podendo também utilizar para o efeito o endereço de correio eletrónico: dflisboa-dlird@at.aov.pt (anexando os documentos em formato PDF), mas sempre no prazo referido anteriormente.

Poderão ainda, caso concordem com o teor da presente notificação, regularizar tal falta, entregando as declarações de substituição, através do Portal da AT, até ao termo do prazo para o exercício do direito de audição.

 

  1. Em 8 de Novembro de 2021, a REQUERENTE exerceu novamente o respetivo direito de audição e procedeu à junção dos documentos que constam do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se incluem: 

• ESCRITURA DE COMPRA DO IMÓVEL (ANO DE 2015);

• ESCRITURAS DE VENDA DO IMÓVEL (ANO DE 2018);

• DECISÃO PROFERIDA PELA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA;

• FATURAS REFERENTES AOS IMÓVEIS;

• COMPROVATIVO DE PAGAMENTO DAS DESPESAS;

• CONTRATOS CONCATENADOS COM A REALIZAÇÃO DAS OBRAS:

• ALVARÁ

  1. Em 7 de Janeiro de 2022, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRS n.º 2022..., que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se incluem os juros compensatórios liquidados por retardamento da liquidação, determinados nos termos da liquidação n.º 2022...;
  2. Em 7 de Fevereiro de 2022, foi a REQUERENTE notificada, mediante carta postal registada com aviso de receção (RH...PT), expedida em 3 de Fevereiro de 2022, do Despacho da Senhora DIRETORA DE FINANÇAS ADJUNTA DE LISBOA, que costa do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que, além do mais, se refere:

Na sequência do Direito de Audição Prévia, não foram apresentados novos documentos, pelo que se elaborou a informação n. º4720/2021, de que se junta cópia.

Em resultado da alteração acima referida, irá proceder-se à liquidação adicional de imposto, cuja nota de cobrança lhe será oportunamente remetida pelos Serviços Centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, com a indicação do prazo para o respetivo pagamento, bem como, dos respetivos meios legais de defesa. 

 

  1.  Na referida Informação 4720/2021 refere-se, além do mais, o seguinte:

Através da declaração de rendimentos modelo 3 do ano de 2018, a Administração Fiscal verificou que foi preenchido no anexo G (campo 4 A), respeitante a imóveis recuperados ou objeto de ações de reabilitação, nos termos dos nºs 4 a 24 do arte71e do EBF.

Foi o contribuinte notificado, para, no prazo de 15 dias, regularizar a situação, tendo ficado igualmente notificado nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, para, querendo, exercer o direito de audição prévia, no prazo anteriormente referido.

Consultado o sistema informático verificou-se que não foi entregue nenhuma declaração de substituição para o ano 2018.

Os incentivos fiscais consagrados no art.º 71º do EBF, são aplicáveis aos imoveis que sofreram ações de reabilitação e que se encontrem em áreas de reabilitação Urbana.

O documento solicitado pela notificação tem de ser emitido pela entidade competente, Câmara Municipal, de acordo com o n.º 24, do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que estabelece o seguinte:

A comprovação do início e da conclusão das ações de reabilitação é da competência da câmara municipal ou de outra entidade legalmente habilitada para gerir um programa de reabilitação urbana para a área da localização do imóvel, incumbindo-lhes certificar o estado dos imóveis, antes e após as obras compreendidas na ação de reabilitação".

Assim, tendo o prazo sido ultrapassado, e face à informação prestada, se superiormente for aceite, proceder-se-á à elaboração de uma declaração oficiosa, nos termos do n.º 4 do art. 65.º do Código do IRS (CIRS), onde se irá proceder à correção acima referida.

Caso o sujeito passivo não concorde com a posterior liquidação poderá ou reclamar ou impugnar nos termos estabelecidos nos art.º 140.º do CIRS e 70 e 102.º do Código de Processo e de Procedimento Tributário (PPT).

  1. Em 24-06-2022 a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida, nos termos que constam do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;
  2. A reclamação graciosa foi tramitada na DIREÇÃO DE FINANÇAS DE LISBOA sob o n.º ...2022... (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3.  A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 29-12-2023, proferido pelo Director de Finanças Adjunto, com os fundamentos que constam do documento n.º 1, em que se refere, além do mais o seguinte:

V. DESCRIÇÃO SUCINTA DOS FACTOS

1. Na consulta ao sistema informático, constam as seguintes Declarações Modelo 3 de IRS referente ao período de 2018:

1.1. Declaração nº ... - 2018 - ...-... submetida em 2019-06-27, liquidada em 2019-06-28 (nota de Liquidação nº 2019...., com o valor a pagar de € 87.560,14).

1.2. Declaração oficiosa nº ... - 2018- ...-... submetida em 2021-12-22, (nota de Liquidação nº 2022..., com o valor a pagar de € 445.529,86).

2. Na declaração entregue pela reclamante, no Anexo G, esta inscreveu no Quadro 4 a alienação 30% do prédio urbano inscrito na matriz sob o art..., da Freguesia ..., adquirido em 12/2015 pelo valor de € 285.000,00 e alienado em 04/2018 pelo valor de € 2.100.000,00, com € 140.265,84 de despesas e encargos.

3. Identificou também, no quadro 4-A, respeitante a imóveis recuperados ou objeto de ações de ,reabilitação com comprovação emitida por entidade competente, nos termos dos nºs 5 e 23 do art.º 71º, do EBF, o referido imóvel.

A. Na Declaração Oficiosa, o Anexo G manteve os valores de aquisição, alienação e despesa declarados pela reclamante, apenas tendo sido retirada a identificação do imóvel do Quadro 4-A.

 

V--ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER

1. Pretende a reclamante a anulação da liquidação reclamada, por ilegalidade, com fundamento na violação do dever de fundamentação desta. Não nos parece, porém, que a pretensão da reclamante possa obter provimento.

2. Tal como referido no ponto 3 da DESCRIÇÃO SUCINTA DOS FACTOS, a reclamante assinalou no quadro 4-A do Anexo G o imóvel aqui em causa como tendo sido objeto de reabilitação.

3. Como consta do título do referido campo, "Mencione os campos do quadro 4 respeitantes a imóveis recuperados ou objeto de ações de reabilitação com comprovação emitida por entidade competente, nos termos dos n.ºs 5 e 23 do art. 71,º, do EBF", resulta desde logo do exposto que o preenchimento deste campo está sujeito a comprovação emitida por entidade competente.

4. Assim, no âmbito do procedimento de comprovação dos imóveis de reabilitação, foi a reclamante notificada para juntar os respetivos documentos comprovativos de que o imóvel alienado estaria qualificado como recuperado ou objeto de reabilitação ao abrigo do art. 71º EBF, bem como a cominação de que, caso não o fizesse, a declaração seria corrigida oficiosamente, ao abrigo do n.º4 do art. 66º CIRS.

5. Ora, resulta desta notificação, que os documentos a apresentar para comprovação do declarado, teriam necessariamente de comprovar o preenchimento dos pressupostos dos n.ºs 5 e 23 do art. 71.º, do EBF.

6. De acordo com o nº 5 deste artigo, na redação à data, "As mais-valias auferidas por sujeitos passivos de IRS residentes em território português decorrentes da primeira alienação, subsequente à intervenção, de imóvel localizado em área de reabilitação urbana, são tributadas à taxa autónoma de 5%, sem prejuízo da opção pelo englobamento.", referindo o nº 23º do mesmo que, "Para efeitos do presente artigo, considera-se:

a) 'Ações de reabilitação' as intervenções de reabilitação de edifícios, tal como definidas no Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, em imóveis que cumpram uma das seguintes condições:(Redação da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro) i) Da intervenção resultar um estado de conservação de, pelo menos, dois níveis acima do verificado antes do seu início; (Redação da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro) ii) Um nível de conservação mínimo 'bom' em resultado de obras realizadas nos quatro anos anteriores à data do requerimento para a correspondente avaliação, desde que o custo das obras, incluindo imposto sobre valor acrescentado, corresponda, pelo menos, a 25 % do valor patrimonial tributário do imóvel e este se destine a arrendamento para habitação permanente; "

7. Sendo que, de acordo com o nº 24 do mesmo artigo, "A comprovação do início e da conclusão das ações de reabilitação é da competência da câmara municipal ou de outra entidade legalmente habilitada para gerir um programa de reabilitação urbana para a área da localização do imóvel, incumbindo-lhes certificar o estado dos imóveis, antes e após as obras compreendidas na ação de reabilitação, sem prejuízo do disposto na subalínea ii) da alínea a) do número anterior", a reclamante teria de ter junto um documento emitido pela Câmara Municipal de Lisboa comprovando o início e conclusão das ações de reabilitação do prédio em causa, bem como a certificação do estado de conservação inicial e de que, dos trabalhos efetuados, havia resultado um estado de conservação pelo menos 2 níveis acima deste.

8. Da documentação que a reclamante alega ter junto em sede de direito de audição, e cuja cópia anexa ao presente processo, apenas consta um ofício da Câmara Municipal de Lisboa, datado de 17/06/2020, com o assunto "Pedido de Isenção do IMI e IMT na aquisição destinada a intervenção e na primeira transmissão, bem como certificação da natureza da obra para efeitos de tributação de mais-valias à taxa de 5% em sede de IRS, todos nos termos do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na sequência de obra de reabilitação urbana".

9. De referir que o ofício em causa indefere o pedido relativamente à unidade do R/C-Loja (Atual Fração A) (Conforme Informação nº .../INF/UTC_UITCH_BLXCH/GESTURBE/2019), apenas se referindo à certificação da obra relativa aos andares do 1º ao 4º piso.

10. Este ofício remete para um despacho de 17/06/2020, exarado à margem da Informação nº.../DRF/DMF/CML/2020 (cuja cópia não consta do presente processo), o que desde logo colide com o ano a que se refere a liquidação aqui em causa (2018), inferindo-se que, à data em que os imóveis foram alienados, a reclamante não possuía qualquer despacho por parte da Câmara Municipal de Lisboa que certificasse que o imóvel alienado pudesse ser considerado como objeto de ação de reabilitação, como pretendido.

11. Além disso, não consta deste ofício qualquer indicação que, dos trabalhos realizados no imóvel alienado, ocorreu uma subida de 2 níveis no estado de conservação do mesmo, nem quais as datas de início e conclusão das obras, tal como decorre das normas do EBF acima referidas.

12. Ademais, constando do mesmo que, relativamente à isenção de IMI, a mesma apenas vigorará a partir de 2019 (ano de conclusão de obra, atestada pelo alvará de utilização), mais se infere que, relativamente a 2018, não existiam elementos documentais emitidos pela entidade com competência para tal, sendo que apenas a partir de 2019 o edifício passou a possuir as características que permitiriam a concessão dos benefícios fiscais cuja certificação a requerente solicitou à Câmara Municipal de Lisboa.

13. Não obstante o art. 77º LGT referir que a administração fiscal tem o dever de fundamentar os actos ide liquidação, o mesmo poderá ser feito de forma sumária, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, entendendo-se que o ato tributário está suficientemente fundamentado quando o destinatário do mesmo, colocado na posição de um destinatário normal (designadamente, o bonus pater familiae, consagrado no art. 487.º n.º 2 do CCiv.), possa apreender os fundamentos de facto e de direito que estão na sua génese, ou seja, permitindo-lhe compreender o iter cognoscitivo realizado pela administração fiscal para determinação do ato, para que possa optar entre a aceitação deste ou o acionamento dos meios de defesa.

14. No caso concreto e conforme ofícios que junta, a reclamante foi notificada duas vezes, em sede de direito de audição no procedimento de comprovação dos imóveis de reabilitação (sendo a única questão em apreciação no âmbito daquele procedimento), para comprovação da condição de imóveis recuperados ou objeto de reabilitação, emitida pela entidade competente nos termos dos nºs 4 a 23 do art. 71º EBF, pelo que teve duas oportunidades para a junção de elementos comprovativos do pretendido, sendo que, do conjunto de elementos que juntou, o único que havia sido solicitado seria o documento emitido pela Câmara Municipal, e que, aquele, cuja cópia juntou, como já referimos, apenas demonstrava a concessão de benefício a partir do ano de 2019.

15. Na informação que acompanhou o despacho que determinou a recolha da declaração oficiosa consta, mais uma vez, a necessidade de apresentação do documento emitido pela Câmara Municipal de Lisboa, nos termos referidos no art. 71º EBF, nomeadamente a comprovação do início e conclusão das ações de reabilitação bem como a certificação do estado dos imóveis antes e após as obras compreendidas na ação de reabilitação.

16. Não tendo junto tal documento, como se refere naquela informação, foi a reclamante informada da não aceitação do benefício fiscal pretendido e que havia assinalado na declaração por si entregue, sendo que esta foi a única correção efetuada pelos serviços na sequência deste procedimento de comprovação dos imóveis de reabilitação.

17. Assim, parece-nos, que a reclamante não poderá vir agora invocar desconhecimento de quais as correções efetuadas, bem como alegar falta de fundamentação da liquidação, pois resulta dos elementos que a própria junta a razão da única correção efetuada que, reiteramos, teve por base os valores por si inicialmente declarados no Anexo G, apenas se retirando o declarado no campo 4-A do Anexo G, sendo que do teor da presente petição se poderá aferir que a reclamante demonstra pleno conhecimento dos atos tributários em sindicância, tanto a nível factual, como a nível de enquadramento jurídico, pelo que não poderemos considerar que o ato se encontra insuficientemente fundamentado, decaindo este argumento.

18. Igualmente é nosso parecer que decai o argumento violação do disposto no nº 7 do art. 60º LGT de que a AT não ter apreciado os argumentos expendidos pela reclamante e os elementos documentais juntos. Efetivamente, consta da notificação que lhe foi remetida que, na sequência do direto de audição não foram apresentados novos documentos, dado que, como referirmos, o elemento documental passível de comprovar o pretendido e cuja indicação constava das notificações remetidas para o exercício do direito de audição não foi junto, mostrando-se os demais irrelevantes para a concessão do benefício pretendido, não nos parece que, em sede do procedimento em causa, houvesse necessidade da existência de uma apreciação dos mesmos, parecendo-nos suficiente a indicação constante da informação remetida de que tendo a reclamante sido notificada para a junção daquele elemento, não o fez, tendo sido informada da alteração a efetuar, nos termos do nº 4 do art. 65º, bem como dos meios ao seu dispor no caso da não concordância com a liquidação posterior.

19. Ademais, caso a reclamante considerasse que a comunicação que lhe foi remetida não estava devidamente fundamentada, poderia ter sempre lançado mão do disposto no art. 37º CPPT, o que não consta que tenha feito.

20. Aferida que está a legalidade da liquidação, mostra-se também evidente que a reclamante está perfeitamente consciente da matéria aqui em causa, tanto mais que vem, por esta via, reiterar o pedido de consideração do benefício fiscal que foi desconsiderado em sede do procedimento de comprovação, voltando a juntar apenas os elementos já objeto de análise naquele e que, como demonstrámos, não se mostram aptos a comprovar o pretendido.

21. Quanto à liquidação de juros compensatórios, igualmente não nos parece que a reclamante tenha qualquer fundamento para a sua contestação. Efetivamente, decorre do disposto no art. 91º CIRS que "Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35.º da lei geral tributária."

22. Ora, ao declarar que pretende um benefício fiscal, sem que o direito ao mesmo se mostre comprovado, fez com que a liquidação inicial evidenciasse um montante de imposto a pagar bastante inferior àquele que veio a ser apurado, pelo que se verifica a clara existência de retardamento do imposto devido, sendo que, nos termos referidos, tal incorre, no acréscimo, ao imposto apurado, dos respetivos juros compensatórios, calculados nos termos do art. 35º LGT.

23. Desta forma, sendo uma decorrência de uma previsão legal, não vislumbramos qualquer vício de falta de fundamentação, tendo a AT se limitado à aplicação das normas legais que regulam esta matéria.

24. Do que antecede e atenta a ausência de novos elementos face aos apresentados em sede do procedimento de gestão de comprovação de imóveis em reabilitação, que permitam a análise do pretendido pela reclamante, a quem compete a comprovação dos factos alegados nos termos do art. 74º LGT, é nosso parecer que a sua pretensão não poderá ser atendida, pelo que o pedido deverá ser indeferido mantendo-se, por legal, a liquidação reclamada.

25. Acrescenta-se, ainda, que, por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, não assiste à Reclamante o direito a juros indemnizatórios.

 

VI. CONCLUSÃO E PROJETO DE DECISÃO

Pelo exposto, propõe-se o INDEFERIMENTO do pedido, devendo a Reclamante ser notificada para o exercício do direito de audição, nos termos da al. b) do n.1 do artigo 60.º da LGT.

 

Informação Sucinta

 

Atendendo aos fundamentos de facto e de direito constantes do projeto de decisão, foi exarado em 28/11/2023, despacho no sentido do indeferimento do pedido, pelo Diretor de Finanças Adjunto, por delegação, relativamente à Liquidação n.º 2022..., relativa a Imposto sobre Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do período de 2018, que apurou um valor a pagar de€ 445.529,86.

A reclamante foi notificada, na pessoa do seu mandatário, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, para exercer o direito de audição prévia, no prazo de 15 (quinze) dias, através do ofício nº..., de 29/11/2023, expedido através do registo CTT RH ... PT, datado de 29/11/2023.

 

  1. Em 17 de Junho de 2020, a Câmara Municipal de Lisboa enviou à Requerente o ofício cuja cópia consta do documento n.º 20 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Serve o presente para notificar V. Exa. que, por meu despacho, datado de 17-06-2020, exarado à margem da informação n.º .../DRF/DMF/CMU20, foram indeferidos os pedidos de isenção de IMT, na aquisição destinada a intervenção e na primeira transmissão (todo o imóvel), bem como os pedidos de isenção de IMI e de certificação da natureza da obra para efeitos do n.º 5 do art. 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, no que respeita à unidade do R/C-Loja (atual fração A) conforme fundamentos constantes da Informação nº .../INF/UCT_UITCH_BLXCH/GESTURBE/2019, da Unidade de Intervenção Territorial Centro Histórico, datada de 08 de maio de 2019, já notificada a V. Exa. em sede de audição prévia - e da supramencionada informação n.º .../DRF/DMF/CML/20,cuja cópia se anexa.

Mais se comunica que, pelo mesmo despacho, relativamente aos andares, do 1º ao 4º, correspondentes às atuais frações B a I, foi atestado, nos termos e para os efeitos previstos nos nºs 5 e 7 do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redação anterior à Lei nº 114/2017, de 29 de dezembro (aplicável por ser o regime em vigor à data do início da obra), que a obra executada nestes andares é uma obra de reabilitação urbana nos termos estabelecidos naquele normativo. Reiterando-se, com exclusão da loja correspondente à atual fração A. A isenção de IMI é pelo período de 5 anos, com início no ano de 2019 (ano da conclusão da obra atestada pelo alvará de utilização). Mais se refere que foi dado conhecimento deste despacho ao Serviço de Finanças de Lisboa ... .

  1. No referido ofício inclui-se ainda transcrição de um despacho da Diretora da Unidade de Intervenção Territorial Centro Histórico, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Face ao exposto na presente informação e nas fichas anexas, atendendo a que o imóvel se insere em Área  de Reabilitação Urbana e, em caso de concordância superior propõe-se a homologação dos níveis de conservação propostos, do 1 .0 ao 4.0 andares, antes e após a intervenção se verificou o acréscimo de pelo menos 2 níveis de conservação, cumprindo assim os requisitos previstos no n°7 do art 71.° do EBF (incentivos â reab1htação), para isenção de IMI. assim como para reconhecimento da tributação a taxa de 5% do IRS das ma1s-11ahas auferidas. Conforme previsto nos n.ºs 5 e 7 do art. 71 ° do EBF.

  1. Em 08-02-2022, a Requerente pagou a quantia liquidada (documento n.º 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 01-04-2024, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, que não foram impugnados, e os que constam do processo administrativo, para além de afirmações da Requerente cuja correspondência à realidade não é questionada. 

Não há controvérsia sobre a matéria de facto fixada.

 

3. Matéria de direito

 

           A Requerente imputa à liquidação de IRS e à decisão da reclamação graciosa impugnadas vícios de preterição do direito de audição, de falta de fundamentação, de erro sobre os pressupostos de direito e de facto e de violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da adequação.

           Para além disso,  a Requerente imputa a liquidação de juros compensatórios vícios autónomos de falta de fundamentação e de violação do artigo 35.º, n.º 1, da LGT.

 

 

           3.1. Vício de preterição do direito de audição    

 

           A Requerente foi notificada por duas vezes para exercício do direito de audição antes da liquidação, tendo apresentado documentos.

           Assim, o vicio de preterição do direito de audição imputado à liquidação impugnada não se reporta à falta de oportunidade para se pronunciar, mas sim à falta de consideração na decisão de correcção dos elementos apresentados no exercício daquele direito, o que a Requerente defende que viola o preceituado no artigo 60.º, n.º 7, da LGT.

           Este n.º 7 do artigo 60.º da LGT estabelece que «os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão».

           A decisão de correcção da matéria tributável que está subjacente à liquidação, bem como a informação 4720/2021, para que remete [alíneas O) e P) da matéria de facto fixada], não contêm qualquer sinal de terem sido tidos em conta os documentos apresentados pela Requerente e, inclusivamente, refere-se naquela decisão que «na sequência do Direito de Audição Prévia, não foram apresentados novos documentos», o que não corresponde à realidade, pois os documentos apresentados pela Requerente não constavam do processo administrativo, tal como foi apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo.

           Assim, conclui-se que ocorreu violação do preceituado no artigo 60.º, n.º 7, da LGT.

           No entanto, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação em que cuja decisão foram apreciados os documentos apresentados no exercício do direito de audição, que também foram apresentados na decisão da reclamação graciosa.

           Na  verdade, refere-se na informação em que se baseou a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que

 

14. No caso concreto e conforme ofícios que junta, a reclamante foi notificada duas vezes, em sede de direito de audição no procedimento de comprovação dos imóveis de reabilitação (sendo a única questão em apreciação no âmbito daquele procedimento), para comprovação da condição de imóveis recuperados ou objeto de reabilitação, emitida pela entidade competente nos termos dos nºs 4 a 23 do art. 71º EBF, pelo que teve duas oportunidades para a junção de elementos comprovativos do pretendido, sendo que, do conjunto de elementos que juntou, o único que havia sido solicitado seria o documento emitido pela Câmara Municipal, e que, aquele, cuja cópia juntou, como já referimos, apenas demonstrava a concessão de benefício a partir do ano de 2019.

 

           Nestas condições, os documentos apresentados pela Requerente foram tidos em conta na decisão da reclamação graciosa que manteve a liquidação, mas considerados irrelevantes por não ter sido apresentado o documento que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que era indispensável que é «documento emitido pela Câmara Municipal, e que, aquele, cuja cópia juntou, como já referimos, apenas demonstrava a concessão de benefício a partir do ano de 2019».

           Neste contexto, a questão que se coloca é a de saber se esta consideração na reclamação graciosa dos documentos apresentados torna irrelevante a preterição do direito de audição antes da liquidação.

           A resposta maioritária que o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo deu a esta questão é no sentido de que «a preterição da formalidade pode não ter efeitos invalidantes (cfr. o n.º 5 do art. 163.º do actual CPA), designadamente quando, em procedimento de segundo grau, o interessado pôde pronunciar-se sobre as questões relativamente às quais foi omitida a audiência no procedimento de primeiro grau» (acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 26-09-2018, processo n.º 01506/17.8BALSB).

           Esta posição foi seguida pelo Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 30-10-2019, processo 01238/08.8BEPRT 0492/18 e de 08-02-2023, processo 0348/16.2BELRA. ( [1] )

           Assim, estando-se perante uma situação e que foi proferida decisão expressa da reclamação graciosa, com fundamentação diferente da que esteve à decisão de correcção da matéria tributável, será de entender que o acto que decidiu a reclamação graciosa configura a posição final da Administração Tributária, mantendo a correcção e a liquidação mas com a nova fundamentação, operando a revogação, por substituição da fundamentação inicial.

           Improcede, assim, o vício de preterição do direito de audição.

          

           3.2. Vício de falta de fundamentação

 

           A exigência de fundamentação dos actos administrativos lesivos é feita no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, que estabelece, que «carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».

           Concretizando o conteúdo da fundamentação no procedimento tributário, o artigo 77.º, n.º 1, da LGT que estabelece a regra geral de que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária».

           O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( [2] )

           Relativamente ao vício de falta de fundamentação imputado à correcção da matéria tributável e liquidação subsequente, coloca-se questão semelhante à da preterição do direito de audição, pelo facto de ter sido proferida uma decisão expressa da reclamação graciosa que alterou a fundamentação da correcção da matéria tributável e subsequente liquidação.

           Quanto um acto de segundo grau, praticado no âmbito de uma impugnação administrativa,  aprecia a legalidade de outro acto e o mantém na ordem jurídica, alterando a sua fundamentação, deverá entender-se que se opera revogação por substituição daquele acto de liquidação (como decorre do artigo 173.º do Código do Procedimento Administrativo) na parte mantida com nova fundamentação, passando a subsistir na ordem jurídica um novo acto que, apesar de manter o mesmo conteúdo decisório, na parte mantida, terá a nova fundamentação. ( [3] )

           «No âmbito do tipo de actos administrativos que reiteram ou reproduzem a definição jurídica e a estatuição de acto anterior, não são meramente confirmativos os que representam uma novação da vontade resolutiva da Administração. Novação que se pode revelar por ter ocorrido alteração da situação factual ou do regime jurídico ou por adição de novos fundamentos que expressem a vontade administrativa de representação da anterior decisão». ( [4] )

           No caso dos autos, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa não é meramente confirmativa da liquidação, pois contém fundamentação muito mais extensa do que a decisão de correcção da matéria tributável e subsequente liquidação, pelo que se reconduz necessariamente à manutenção desta na ordem jurídica com nova fundamentação.

           Isto é, a situação gerada com a decisão da reclamação graciosa que manteve a liquidação com os novos fundamentos é equivalente à emissão de novas liquidações com estes novos fundamentos, pelo que podem enfermar de qualquer vício, inclusivamente a falta de fundamentação, indispensável em todos os actos lesivos (artigo 268.º, n.º 3, da CRP).

           Mas, sendo assim, a fundamentação relevante para apreciar a legalidade da liquidação será a da decisão da reclamação graciosa,

           Por isso, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de e 08-02-2023, processo n.º 0373/17.6BEPNF, «o vício de falta ou insuficiência de fundamentação de que padecesse o ato primário de determinação oficiosa de rendimentos e a liquidação adrede efetuada deve considerar-se sanado», só sendo relevante o vício de falta de fundamentação de que enferme a decisão de indeferimento da reclamação graciosa:

«a preterição do dever formal de fundamentação do ato de liquidação não tem efeitos invalidantes (cfr. o n.º 5 do artigo 163.º do atual Código de Procedimento Administrativo) se, na decisão da reclamação graciosa desse ato lhe for aduzida a fundamentação do ato que permita a sua convalidação e por ter sido então, atingida a finalidade última visada com a concessão daquele direito, que é a de assegurar o exercício de defesa contenciosa contra os seus fundamentos».

 

           Na mesma linha da relevância exclusiva da fundamentação da decisão da reclamação graciosa decidiu o Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 12-02-2020, processo n.º 1661/14.9BEPRT 01321/16,  e de 12-10-2022, processo n.º 02777/10.6BEPRT. 

           Ora, pela decisão da reclamação graciosa percebem-se as razões essenciais pelas quais a Autoridade Tributária e Aduaneira manteve a correcção da matéria tributável e a subsequente liquidação:

– o n.º 24 do artigo 71.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) leva a concluir que «a reclamante teria de ter junto um documento emitido pela Câmara Municipal de Lisboa comprovando o início e conclusão das ações de reabilitação do prédio em causa, bem como a certificação do estado de conservação inicial e de que, dos trabalhos efetuados, havia resultado um estado de conservação pelo menos 2 níveis acima deste» (ponto 7 da informação em que se baseia a decisão da reclamação graciosa);

– à data em que os imóveis foram alienados,  a ora Requerente não possuía qualquer despacho por parte da Câmara Municipal de Lisboa que certificasse que o imóvel alienado pudesse ser considerado como objeto de ação de reabilitação (ponto 10 da informação em que se baseia a decisão da reclamação graciosa);

– não havia documento emitido pela Câmara Municipal de Lisboa com indicação que, dos trabalhos realizados no imóvel alienado, ocorreu uma subida de 2 níveis no estado de conservação do mesmo (ponto 11 da informação em que se baseia a decisão da reclamação graciosa);

– apenas a partir de 2019 o edifício passou a possuir as características que permitiriam a concessão dos benefícios fiscais cuja certificação a requerente solicitou à Câmara Municipal de Lisboa (ponto 12 da informação em que se baseia a decisão da reclamação graciosa);

– a falta de «comprovação do início e conclusão das ações de reabilitação bem como a certificação do estado dos imóveis antes e após as obras compreendidas na ação de reabilitação» justificava a «não aceitação do benefício fiscal pretendido e que havia assinalado na declaração por si entregue» (pontos 14 a 16 da informação em que se baseia a decisão da reclamação graciosa).

 

           Afigura-se claro que se percebem as razões pelas quais a Autoridade Tributária e Aduaneira manteve a correcção da matéria tributável e a subsequente liquidação impugnada, pelo que a decisão da reclamação graciosa não enferma de vício de falta de fundamentação. 

 

           3.3. Erro sobre os pressupostos de facto

 

           Os pressupostos de facto em que assenta a fundamentação relevante da decisão da reclamação graciosa, indicados no ponto anterior, estão em consonância com a matéria de facto fixada.

           Na verdade, a Requerente não possuía em 2018, quando alienou as partes do imóvel de que resultaram as mais-valias, qualquer documento que atestasse o «início e conclusão das ações de reabilitação do prédio em causa, bem como a certificação do estado de conservação inicial e de que, dos trabalhos efetuados, havia resultado um estado de conservação pelo menos 2 níveis acima deste».

           O que resulta inequivocamente do facto, reconhecido pela Requerente, de que as obras de reabilitação só foram concluídas em 2019.

           Assim, não se vislumbra erro sobre os pressupostos de facto referidos, em que assentou a decisão da reclamação graciosa.

           Improcede, assim,  vício de erro sobre os pressupostos de facto.

 

           3.4. Erro sobre os pressupostos de direito

 

           Os n.ºs 5, 23 e 24 do artigo 71.º do EBF, na redacção da Lei 114/2017, de 29 de Dezembro, estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

5 - As mais-valias auferidas por sujeitos passivos de IRS residentes em território português decorrentes da primeira alienação, subsequente à intervenção, de imóvel localizado em área de reabilitação urbana, são tributadas à taxa autónoma de 5 %, sem prejuízo da opção pelo englobamento.

 

(...)

23 - Para efeitos do presente artigo, considera-se:

  1. ‘Ações de reabilitação’ as intervenções de reabilitação de edifícios, tal como definidas no Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, em imóveis que cumpram uma das seguintes condições:

 

  1. Da intervenção resultar um estado de conservação de, pelo menos, dois níveis acima do verificado antes do seu início;

 

(...)

 

24 - A comprovação do início e da conclusão das ações de reabilitação é da competência da câmara municipal ou de outra entidade legalmente habilitada para gerir um programa de reabilitação urbana para a área da localização do imóvel, incumbindo-lhes certificar o estado dos imóveis, antes e após as obras compreendidas na ação de reabilitação, sem prejuízo do disposto na subalínea ii) da alínea a) do número anterior

          

           A questão de direito essencial que se coloca é a de saber se a Requerente pode usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 71.º, n.º 5, do EBF, quanto a mais-valias provenientes de alienações efectuadas em 2018, em momento em que ainda não estavam realizadas todas as obras de reabilitação e não estava comprovada a conclusão das obras de reabilitação, nem apurado que delas resultou «um estado de conservação de, pelo menos, dois níveis acima do verificado antes do seu início».

           O artigo 10.º, n.º 3, do CIRS estabelece a regra de que «os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1», em que se inclui a alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis.

           Por outro lado, nos termos do artigo 12.º do EBF, «o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos».

           Da conjugação destas normas resulta que, se no momento em que os ganhos foram obtidos não se verificavam os pressupostos de que depende o benefício fiscal, o respectivo direito não se constitui.

           Das normas do artigo 71.º do EBF transcritas resulta que o benefício fiscal a que se reconduz a da taxa de tributação autónoma de mais-valias prevista no n.º 5 do artigo 71.º do EBF depende de vários pressupostos, entre os quais a comprovação da conclusão das obras e a certificação de que da intervenção resultou um estado de conservação de, pelo menos, dois níveis acima do verificado antes do seu início.

           Como resulta da matéria de facto fixada, a comprovação da conclusão das obras não existia nem podia existir à data da alienação dos imóveis, pois elas não estavam concluídas, nem existia certificação de que da intervenção resultou um estado de conservação de, pelo menos, dois níveis acima do verificado antes do seu início, pois esta certificação só foi efectuada pela Câmara Municipal de Lisboa no ano de 2019.

           A exigência de comprovação da conclusão das obras não é apenas um requisito formal, mas um corolário do requisito substancial do benefício fiscal previsto no n.º 5 do artigo 71.º, que é o de se tratar de «mais-valias auferidas por sujeitos passivos de IRS residentes em território português decorrentes da primeira alienação, subsequente à intervenção».

           Com efeito, a intervenção em obras de reabilitação é, por natureza, um facto duradouro, pelo que a referência à «primeira alienação, subsequente à intervenção» afasta a aplicação do benefício fiscal às mais valias obtidas com alienações ocorridas durante a intervenção, antes de a recuperação se ter completado.

           No caso em apreço, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, apenas a partir de 2019, com a conclusão das obras e certificação de delas resultou um estado de conservação de, pelo menos, dois níveis acima do verificado antes do seu início o edifício passou a possuir as características que permitiriam a concessão dos benefícios.

           Por isso, por força o artigo 12.º do EBF, não se constituiu, em 2018, o direito ao benefício fiscal, não podendo, consequentemente, a Requerente usufruir dele em relação às mais-valias sujeitas a IRS obtidas em 2018.

Por outro lado, em matéria de benefícios fiscais que visam incentivar actividades que são consideradas de interesse público, como sucede com os benefícios fiscais à reabilitação urbana, apenas quem adopta esses comportamentos nos termos em que a lei os prevê tem direito ao benefício fiscal, pois está proibida a aplicação analógica de benefícios fiscais, por força do preceituado no artigo 10.º do EBF, o que se justifica por se tratar de normas de natureza excepcional, que devem ser interpretadas de forma estrita, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 28-11-2012, processo 0529/12 e  de 22-02-2017, processo n.º 01245/16), onde se lê que:

 

 "Com efeito os benefícios fiscais, entre os quais a isenção de tributação, são, por natureza, de carácter excecional, pois encerram uma derrogação aos princípios gerais que presidem à tributação, visto que, de certo modo, derrogam os princípios da capacidade contributiva, da generalidade e da igualdade da tributação e apenas encontram justificação na tutela de interesses públicos constitucionalmente relevantes, superiores aos da própria tributação, sejam de carácter político, económico, social ou cultural (Manual de Direito Fiscal, 11ª edição com adenda, 2000, páginas 323/326, Nuno de Sá Gomes ...) As normas de benefícios fiscais merecem assim tratamento autónomo porque são normas anti-sistemáticas por definição, estando em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto (Vide Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, pag. 312.). E é essa circunstância que legitima que se sustente quanto a elas um princípio de interpretação estrita ou declarativa (strict interpretation), fundado precisamente na sua natureza excepcional ou anti-sistemática". 

Assim, estando o benefício fiscal previsto apenas para as mais-valias «decorrentes da primeira alienação, subsequente à intervenção», não há fundamento legal para a aplicar às mais-valias obtidas anteriormente, durante a intervenção, antes de ela estar completa.

De resto, o benefício fiscal não é atribuído ao promotor da reabilitação [conceito que não é utilizado pelo EBF para este efeito, embora o seja para outros efeitos, como se vê pelos artigos 41.º, n.º 5, 59.º-F, n.º 8, 62.º, n.º 3, alínea f), 62.º-B, n.º 2, do EBF], mas sim aos proprietários do imóvel sujeito a obras de reabilitação, que são quem pode obter mais-valias com a alienação, pelo que, à face da letra do n.º 5 do artigo 71.º do EBF, os adquirentes de imóvel ou parte dele durante a intervenção não deixam de poder de usufruir do benefício fiscal, quando alienarem os seus direitos depois de completada a reabilitação, o que se justificará por a aquisição de um imóvel durante as obras de reabilitação se reconduzir a participar na intervenção de reabilitação, através da disponibilização do imóvel adquirido para esse fim e, eventualmente,  proporcionando ao vendedor que executa as obras meios pecuniários para as completar.

           Pelo exposto, a correcção da matéria tributável e a liquidação, bem como a decisão da reclamação graciosa que as manteve não enfermam de erro sobre os pressupostos de direito.

 

           3.5. Violação de princípios da igualdade, proporcionalidade e adequação

 

           A Requerente defende que a interpretação adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira ofende os princípios da igualdade, proporcionalidade e adequação, porque, em suma,

– a Autoridade Tributária e Aduaneira «atendo-se, apenas a questões formais, não permite à REQUERENTE, enquanto promotora das obras de reabilitação realizadas no imóvel acima descrito, usufruir do benefício fiscal plasmado no artigo 71 do EBF, que foi instituído justamente com o fito de beneficiar os sujeitos passivos que reabilitaram, efetivamente, imóveis relativamente aos quais se verificou um acréscimo de conservação de pelo menos 2 níveis» e

– «apesar de a REQUERENTE ter promovido as ações de reabilitação - desígnio almejado pelo n.º 5 do artigo 71 ° do EBF-, estava impossibilitada de usufruir da taxa de tributação de 5%»;

– «pese embora tenha sido a promotora das obras de reabilitação, terá um tratamento fiscal diferente de outros sujeitos passivos -também promotores de obras de reabilitação, sendo tributada em termos desproporcionais apenas por questões de natureza meramente formal».

 

           3.5.1. Princípio da igualdade

 

O princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei é estabelecido pelo artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), como um limite à discricionariedade legislativa,  e é também um limite à actuação da Administração Tributária, por força do preceituado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.

Como limite à actuação da Administração Tributária, o princípio da igualdade exige, como densifica o artigo 6.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT que, «nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual». 

A Requerente defende que «embora tenha sido a promotora das obras de reabilitação, terá um tratamento fiscal diferente de outros sujeitos passivos -também promotores de obras de reabilitação, sendo tributada em termos desproporcionais apenas por questões de natureza meramente formal».

Por um lado, como se disse, não é por razões exclusivamente formais que a Administração Tributária decidiu efectuar a correcção. Por outro lado, não se vislumbra, nem é aventado, que se esteja perante qualquer situação de discriminação dos tipos referidos naquele artigo 6.º do CPA no caso em apreço, pelo que não se demonstra violação do princípio da igualdade, como regra a observar pela Administração Tributária. 

Como limite à discricionariedade legislativa, o princípio da igualdade não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional. ( [5] )

A restrição do benefício fiscal às mais-valias decorrentes da primeira alienação subsequente à intervenção, introduzida pela Lei n.º 117/2017, de 29 de Dezembro, não abrangendo as decorrentes de alienações que forem sendo efectuadas pelos sucessivos titulares dos prédios durante a intervenção antes de esta estar concluída, justifica-se, desde logo, como incentivo ao completamento das acções de reabilitação, que é o objectivo que se visa com o benefício fiscal.

Por isso, sob a perspectiva do interesse público subjacente a este benefício fiscal, a situação dos titulares dos prédios sujeitos a intervenção de reabilitação que obtêm mais-valias decorrentes de alienações anteriores à conclusão das obras não é idêntica à daqueles que apenas as obtiveram depois de as obras estarem incluídas, quando já está demonstrado que foram atingidos os desígnios legislativos subjacentes ao benefício fiscal.

Por isso, o regime do artigo 71.º n.º 5, do EBF, tal como foi interpretado pela Autoridade Tributária e Aduaneira não viola o princípio da igualdade.

 

           3.5.2. Princípios da proporcionalidade e da adequação

 

A Requerente não especifica em que termos entende que estes princípios forma violados.

           De qualquer modo, a Requerente defende que ocorreu violação destes princípios partindo do pressuposto de que são apenas razões formais que justificaram a correcção à matéria tributável e a liquidação impugnada, o que não corresponde à realidade, à face da fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

           Na verdade, na decisão da reclamação graciosa refere-se também que «apenas a partir de 2019 o edifício passou a possuir as características que permitiriam a concessão dos benefícios fiscais cuja certificação a requerente solicitou à Câmara Municipal de Lisboa», o que mostra que a correcção da matéria tributável e a liquidação se baseia também no entendimento de que não era permitida a concessão do benefício fiscal em 2018 por o edifício não ter, nesse ano, as características de que essa concessão depende.

           Por outro lado, a comprovação da conclusão das obras de reabilitação bem como a certificação do estado do imóvel, antes e depois das obras, não são apenas requisitos formais, mas corolário do requisito substancial do benefício fiscal previsto no n.º 5 do artigo 71.º, imprescindíveis para determinar a «primeira alienação, subsequente à intervenção» e para apurar se a melhoria do estado do imóvel ter atingido o mínimo exigido pelo n.º 23 do artigo 71.º do EBF, para o benefício fiscal ser reconhecido.

Do princípio da proporcionalidade decorre que não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos. Esse princípio inclui o da adequação, que impõe que a medida que se vai introduzir no ordenamento jurídico deve ser qualitativamente certa para prosseguir o fim que no caso concreto se visa. (  [6] )

A não atribuição do benefício fiscal aos ganhos decorrentes de alienações ocorridas antes de as obras de reabilitação estarem completadas é uma medida legislativa adequada ao fim visado, que é incentivar o completamento dessas obras.

Assim, este regime é o qualitativamente certo para prosseguir o fim que no caso concreto se visa e, por isso, é adequado e não desproporcionado.

Pelo exposto, a interpretação adoptada pela Administração Tributária não é incompaginável com os princípios da proporcionalidade e da adequação.

 

3.6. Vício autónomo da liquidação de juros compensatórios

 

A Requerente imputa ilegalidade autónoma à liquidação de juros compensatórios por, em suma, o artigo 35.º da LGT, ao referir que «são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido» dever ser interpretado como só permitindo a liquidação destes juros quando, por facto imputável (a título de culpa) ao contribuinte, resulte prejuízo para o erário publico.

A Requerente refere ainda que «a liquidação de juros compensatórios não foi acompanhada de qualquer fundamentação que esteasse os pressupostos, de facto e de direito, da sua exigibilidade, tal como impõe o citado dispositivo legal».

O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária».

A responsabilidade objectiva é excepcional, só ocorrendo nos casos especificados na lei (art. 483.º, n.º 2, do Código Civil) e, por isso, deverá entender-se que, para efeitos de responsabilidade por juros compensatórios, só se está perante um «facto imputável ao sujeito passivo» quando puder formular-se um juízo de censura em relação à sua conduta.

Nesta linha, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, uniformemente e desde há muito tempo, que a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios não se basta com a mera ligação objectiva do facto ao contribuinte, seja, com a ilicitude, comportando ainda um juízo subjectivo consistente na atribuição ou imputação da falta de cumprimento à vontade do agente, de forma a poder formular-se a respeito da sua conduta, um juízo de censura, isto é, a culpa. ( [7]  )

Assim, com o Supremo Tribunal Administrativo decidiu, entre outros, no Acórdão do de 11-10-2011, Proc. nº 04163/10, a culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte actuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, considerando, dessa forma, que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária ou a erro desculpável do contribuinte, acrescendo ainda que não basta uma mera divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária para que seja excluída a culpa do contribuinte, é, ainda, necessário que tal divergência seja “compreensível”.

No caso em apreço, é manifesto que a liquidação impugnada não foi acompanhada de qualquer fundamentação relativamente à imputabilidade à Requerente do retardamento da liquidação, a título de culpa, pois limita-se a indicar a forma como os juros compensatórios foram calculados (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral), nem há na decisão de correcção da matéria tributável e nas notificações que foram efectuadas à Requerente qualquer referência aos juros compensatórios.

Na decisão da reclamação graciosa, que é a relevante  para aferir da legalidade da liquidação de juros compensatórios, pelo que se referiu no ponto 3.2. deste acórdão, faz-se referência à imputação da responsabilidade por juros compensatórios nestes termos:

 

22. Ora, ao declarar que pretende um benefício fiscal, sem que o direito ao mesmo se mostre comprovado, fez com que a liquidação inicial evidenciasse um montante de imposto a pagar bastante inferior àquele que veio a ser apurado, pelo que se verifica a clara existência de retardamento do imposto devido, sendo que, nos termos referidos, tal incorre, no acréscimo, ao imposto apurado, dos respetivos juros compensatórios, calculados nos termos do art. 35º LGT.

23. Desta forma, sendo uma decorrência de uma previsão legal, não vislumbramos qualquer vício de falta de fundamentação, tendo a AT se limitado à aplicação das normas legais que regulam esta matéria.

 

Como se vê, está-se aqui perante a imputação de responsabilidade objectiva por juros compensatórios, há muito recusada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, não havendo qualquer referência à imputação a título de culpa, que é necessária para fundamentar tal responsabilidade.

Por isso, a liquidação de juros compensatórios enferma de vício de falta de fundamentação formal e erro sobre os pressupostos de direito, por erro de interpretação do artigo 35.º, n.º 1, da LGT.

 

 

 

3.7. Conclusão

 

Pelo exposto procede o pedido de pronúncia arbitral apenas quanto à ilegalidade imputada à liquidação de juros compensatórios, bem como à ilegalidade da decisão da reclamação graciosa, na parte em que mantém esta liquidação.

 

           4. Reembolso de quantia paga e juros indemnizatórios

 

           A  Requerente pagou a quantia liquidada e pede o seu reembolso com juros indemnizatórios.

           De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

           Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

           O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

           Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

           Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

           Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

           Como decorre do que se expôs, o pedido de pronúncia arbitral procede apenas quanto à ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, no valor de € 30.503,68.

           Assim, na sequência da anulação da liquidação de juros compensatórios e como consequência dela, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia indevidamente suportada, no montante de € 30.503,68.

           No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

           No caso em apreço, conclui-se que há erro na liquidação de juros compensatórios imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta que a elaborou por sua iniciativa.

           Os juros indemnizatórios devem ser calculados com base na quantia de € 30.503,68 e contados desde 08-02-2022, data em que a Requerente efectuou o pagamento da quantia liquidada, até ao integral reembolso deste montante, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

          

5. Decisão        

 

              De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às ilegalidades imputadas à liquidação de IRS;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto à liquidação de juros compensatórios n.º 2022...;
  3.  Anular esta liquidação de juros compensatórios;
  4. Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso n que concerne à da quantia de € 30.503,68, e condenar a Administração Tributária a pagar este montante à Requerente;
  5. Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente esses juros, com base na quantia de € 30.503,68 e contados desde 08-02-2022, até ao integral reembolso deste montante, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 357.969,72, indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6.120,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo Requerente na percentagem de 91,48% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 8,52%.

 

Lisboa, 09-09-2024

 

  Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(relator)

 

 

 

(Rita Guerra Alves)

 

 

 

 

(Luís Ricardo Farinha Sequeira)

 



[1] Em sentido semelhante tem decidido a Secção do Contencioso Administrativo dos Supremo Tribunal Administrativo , como pode ver-se pelos acórdãos de 27-01-2010, processo n.º 0551/09 e de 07-12-2023, processo n.º 037/20.3BALSB.

[2]                Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do STA: de 4-11-1998, processo n.º 40618; de 10-3-1999, processo n.º 32796; de 6-6-1999, processo n.º 42142; de 9-2-2000, processo n.º 44018; de 28-3-2000, processo n.º 29197; de 16-3-2001, do Pleno, processo n.º 40618; de 14-11-2001, processo n.º 39559; de 18-12-2002, processo n.º 48366.

[3]                Neste sentido, sobre a revogação por substituição, podem ver-se o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 18-04-1989, processo n.º 16583 (publicado em publicado em Apêndice ao Diário da República de 07-09-1990, página 271; o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 6-10-1999, processo n.º 23379, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-09-2002, página 3102, e os acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 29-5-2002, processo n.º 47541; de 18-12-2002, processo n.º 48366; de 29-4-2003, processo n.º 363/03; de 28-5-2003, processo n.º 533/03; de 25-2-2009, processo n.º 843/08.

[4]                                 Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 18-4-1989, processo n.º 16583, publicado em Apêndice ao Diário da República de 07-09-1990, página 271.

[5]             Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:

  • n.º 155/92, de 23-4-1992, proferido no processo n.º 204/90, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 416, página 295;
  • n.º 335/94, de 20-4-1994, proferido no processo n.º 61/93, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 436, página 129;
  • n.º 468/96, de 14-3-1996, proferido no processo n.º 87/95, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 455, página 152;
  • n.º 1057/96, de 16-10-1996, proferido no processo n.º 347/91, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 460, página 284;
  • n.º 128/99, de 3-3-1999, proferido no processo n.º 140/97, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 26.

[6] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 231/16, de 03-05-2016, processo n.º 1085/15.

[7] Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:

– de 20-3-1996, processo n.º 20042, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-3-1998, página 1067;

– de 2-10-1996, processo n.º 20605, publicado em Apêndice ao Diário da República de 28-12-1998, página 2707;

– de 18-2-1998, processo n.º 22325, publicado em Apêndice ao Diário da República de 8-11-2001, página 553;

– de 3-10-2001, processo n.º 25034, publicado em Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, n.º 492, página 1615, e publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2080;

– de 29-1-2003, processo n.º 1647/02, publicado em Apêndice ao Diário da República de 25-3-2004, página 164;

– de 12-3-2003, processo n.º 26800, publicado em Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, n.º 506, 219 e publicado em Apêndice ao Diário da República de 25-3-2004, página 545;

       – de 19-11-2008, processos n.ºs 325/08 e 576/08;

– de 11-3-2009, processo n.º 961/08.