Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 24/2024-T
Data da decisão: 2024-09-13  IRC  
Valor do pedido: € 25.338,88
Tema: IRC –Artigo 44º do CIRC – Quotizações para associações empresariais – limite à consideração do gasto fiscal.
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SUMÁRIO:

  1. O legislador fez prever no n.º 1 do artigo 44º do CIRC a consideração, enquanto gasto fiscal, para efeitos de determinação do lucro tributável, do valor correspondente a 150% dos encargos incorridos com quotizações suportadas junto de associações empresariais, com o limite de 2/1000 do volume de negócios do exercício, nos termos do n.º 2 do versado preceito.
  2. A interpretação segundo a qual do resultado do cálculo do limite referido no n.º 2 se obtém o teto máximo aplicável apenas à majoração de 50% não é consentânea com as regras de interpretação da lei, designadamente, com o disposto no artigo 9º do Código Civil, violando assim tal interpretação o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 44º do CIRC.
  3. Tal errónea interpretação - aplicando critério não acolhido pela lei – quando gerador de retardamento da liquidação pelo montante devido, por facto imputável ao sujeito passivo, configura uma conduta negligente deste, destituída da diligência normal e expectável, legitimadora da liquidação de juros compensatórios por tal atraso na arrecadação do imposto devido.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            O árbitro Luís Sequeira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

 

            A..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., n.º ..., ... a ..., Lisboa (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) e Juros Compensatórios (“JC”) n.ºs 2023... e 2023..., referentes ao exercício fiscal de 2019.

 

            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral (“PPA”) submetido em 03.01.2024 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

             O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 26 de fevereiro de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral singular ficou constituído em 15 de março de 2024.

 

            Tendo sido devidamente notificada para o efeito, a Requerida apresentou resposta em 29 de abril de 2024, tendo em 30 de abril sido junto o respetivo PA instrutor.

 

            Em 06 de setembro de 2024, foi proferido despacho a dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e bem assim a formulação de alegações.

 

 

 

 

II. SANEAMENTO

 

 O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, que foi tempestivamente apresentado, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades, nem existem outras excepções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Factos provados

 

             Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

  1. O Requerente, na determinação do seu resultado tributável de 2019, considerou o valor de € 525.304,50 como gastos fiscais, a título de quotizações fiscais a favor de entidades reputadas enquanto «associações empresariais».
  2. Tal valor de gastos decompõe-se do seguinte modo:

i) € 350.203,00, como gasto na conta SNC 6883;

ii) € 175.101,50 - inscritas no Anexo D, Q04C407 - enquanto majoração dos gastos incorridos com as quotizações referidas na subalínea anterior;

  1. No versado exercício de 2019, o Requerente obteve um volume de negócios de € 214.593.589,12.
  2. Na sequência da emissão da Ordem de Serviço n.º OI2022..., de 11.04.2022, o Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção externa, de âmbito parcial – IRC - referente ao período de tributação de 2019, de cujo Relatório de Inspeção (“RIT”) resultaram diversas correções à matéria coletável em sede de IRC, de entre as quais, a que serve de objeto a estes autos, no montante total de € 96.117,32 – cfr. PA instrutor  e doc. n.º 4 junto pelo Requerente com o PPA;
  3. Para a referida correção, sustentou a Requerida, nos termos seguintes:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. Em resultado do RIT, o Requerente veio a ser notificado das liquidações de IRC e JC, , com os n.ºs 2023... e 2023..., referentes ao exercício fiscal de 2019 – cfr Docs. 1 e 2 juntos com o PPA.
  2. O Requerente, em 28 de novembro de 2023, procedeu ao pagamento dos supra identificados atos tributários - cfr. Doc. 6 junto com o PPA.
  3. Inconformado com tal correção, o Requerente apresentou PPA contra os atos de liquidação referidos na alínea h), o qual deu origem aos presentes autos.

 

 

 

 

§2 – Factos não provados

 

            Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que não se tenham considerado provados.

 

§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

            Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente da prova documental junta aos autos pelo Requerente e do PA junto aos autos pela Requerida, que foram apreciados pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos e tendo presente a ausência da sua contestação especificada pelas partes, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

 

 

 

 

 

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

§1 – Objeto do processo e questões decidendas

 

Discute-se no presente processo a legalidade dos atos tributários de liquidação de IRC e JC, referentes ao exercício de 2019, que concretizou correções feitas pelos serviços de inspeção tributária (“SIT”) relativamente à dedução pelo Requerente no período de tributação de 2019 de gastos incorridos com quotizações para entidades empresariais.

 

Em concreto, cumpre determinar a interpretação que deve resultar, em matéria de consideração para efeitos de determinação do lucro tributável de tais gastos majorados, tendo presente a limitação decorrente do teor do n.º 2 do artigo 44º do CIRC e, em caso de procedência do pedido de ilegalidade, ser apreciado o direito a juros indemnizatórios, por erro imputável aos serviços.

 

Na eventualidade do não provimento do pedido quanto à ilegalidade de tal liquidação de IRC, cumprirá aferir da existência de violação de lei referente ao ato tributário de juros compensatórios em apreço.

 

Porém, antes de se analisar cada uma daquelas questões, haverá que fixar a posição das partes.

 

§2 – Posição das partes

 

Na fundamentação do pedido de pronúncia arbitral invocou o Requerente, em síntese, os seguintes argumentos:

  • O artigo 44.º do Código do IRC, consagra assim um incentivo fiscal que consiste na majoração extracontabilística dos gastos relativos a quotizações suportadas a favor de associações empresariais em 50% do respetivo montante, limitando os efeitos desse incentivo a 2/1000 do volume de negócios do sujeito passivo, não podendo, assim, confundir-se o limite desse incentivo fiscal consagrado no artigo 44.º do Código do IRC com a dedutibilidade do gasto subjacente às referidas quotizações, apenas sujeito aos critérios previstos no artigo 23.º do Código do IRC.
  • Cumprindo os critérios previstos no artigo 23.º do Código do IRC, o montante das quotizações poderá ser integralmente considerado pelo sujeito como gasto do exercício, sendo a este respeito irrelevante o regime previsto no artigo 44.º do Código do IRC.
  • Desta forma, o montante que, nos termos do artigo 44.º, n.º 2, do CIRC, não pode exceder o equivalente a 2/1000 do volume de negócios do sujeito passivo de IRC é o que resulta da majoração dos gastos com quotizações a favor de associações empresariais, já relevados nos termos do artigo 23.º do CIRC, para o apuramento do lucro tributável.
  • Efetivamente, o artigo 44.º, n.º 2 do CIRC, não constitui uma limitação à dedutibilidade dos gastos – função reservada aos artigos 23.º e 23.º-A, do CIRC – pelo que o limite fixado nessa sede só poderá aplicar-se ao valor do benefício fiscal – i.e., a majoração do gasto.
  • Conclui assim que à luz dos artigos 23.º e 44.º do CIRC:

a) As quotizações pagas pelo sujeito passivo a favor de associações empresariais são, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, consideradas integralmente como custo do exercício, i.e. a 100%

b) Além da dedutibilidade dos gastos em questão, o artigo 44.º, n.º 1, do CIRC, consagra um benefício fiscal que se traduz na majoração de tal gasto em 50% do montante efetivamente suportado;

  • c) O benefício fiscal consagrado no artigo 44.º, n.º 1, do CIRC, tem um limite equivalente a 2/1000 do volume de negócios do sujeito passivo.
  • Pelo que, conclui o Requerente que as correções subjacentes à liquidação adicional de IRC são ilegais, por violação do artigo 44.º do CIRC, sendo, como tal, ilegais e anuláveis
  • nos termos do artigo 163.º do CPA, as liquidações de imposto e juros compensatórios em crise, o que se invoca para os devidos efeitos legais
  • Idêntica ilegalidade apontando à liquidação de JC, por o Requerente entender ter agido sem culpa, porquanto nenhuma dúvida restará que a sua interpretação das normas supra citadas é legítima, plausível e de boa-fé, não se verificando assim a existência de qualquer negligência ou dolo, mas uma mera divergência interpretativa em relação à

Administração Tributária quanto à aplicação do disposto no artigo 44.º, n.º 2 do CIRC.

 

            Na resposta, a Requerida defendeu a improcedência da pronúncia arbitral, em suma, com base nos seguintes argumentos:

  • A interpretação na sua forma literal, ou seja, de acordo com a letra da lei é clara, referindo expressamente que o limite imposto no seu n.º 2 aplica-se ao “valor correspondente a 150% do total das quotizações pagas pelos associados a favor das associações empresariais em conformidade com os estatutos”, ou seja, ao valor total majorado dos gastos com as quotizações pagas a favor de associações empresariais (aos 150%) e não à majoração como vem defendendo a Requerente.
  • No presente caso, ultrapassando o montante de 525.304,50 € (correspondente aos gastos com as quotizações pagas a favor de associações empresariais, mais a majoração correspondente a 50 % dos respetivos gastos), o valor de 429.187,18 € correspondente ao limite referido, o excesso de 96.117,32 €, não pode ser aceite como custo fiscal.
  • Não pode ser feita qualquer analogia entre a situação aqui em apreço, com aquela a que se refere no art.º 59.º - D do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), conforme defende a Requerente, pois no n.º 13 dessa norma (em decorrência do anterior n.º 12), refere-se especificamente que, o montante máximo da majoração é que não pode exceder o equivalente a 8/1000 do volume de negócios referente ao exercício em que são realizadas as contribuições. não se concebendo a analogia entre o disposto neste art.º 59.º - D do EBF com o disposto no art.º 44.º do CIRC, pois, verificamos que o legislador utilizou expressões totalmente distintas.
  • Em matéria de Juros Compensatórios, o disposto no n.º 1 do art.º 35.º da LGT refere, que os juros compensatórios são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou da entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.
  • O mesmo sentido encontramos na redação o n.º 1 do art.º 102.º do CIRC, i.e., recai sobre os sujeitos passivos o dever de pagar ao Estado juros compensatórios sempre que, por facto que lhes seja imputável, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto.
  • Significa que os juros compensatórios visam ressarcir o Estado pelo prejuízo sofrido com o retardamento da liquidação, por facto imputável ao contribuinte.
  • Ora, no caso em apreço, existe uma incorreta aplicação da norma legal em causa por parte da Requerente, pretendendo esta atribuir-lhe um sentido totalmente desconforme com a letra da lei, ou seja, não estarmos perante um “erro desculpável” e “compreensível”, aplicação essa que a Requerente vem defendendo reiteradamente, a qual originou que, na determinação da matéria colectável de IRC referente ao exercício de 2019, tivesse sido considerado como gasto um montante superior ao devido, assiste-lhe culpa no retardamento na liquidação respeitante a esse período.

 

            Cumpre apreciar e decidir.

 

§3 – Da limitação do valor dos gastos fiscais a que se refere o artigo 44º do CIRC:

 

            Se bem se alcança da leitura do PPA, o posicionamento expendido pelo Requerente vai no sentido de que a aferição de tal limitação decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 44º do CIRC apenas se aplica à majoração de 50% e não ao total do majorado - 150% - entendendo assim que apenas o efetivo quantum majorado é que não poderá exceder os dois por mil do volume de negócios.

 

Entende, em perspetiva oposta, a Requerida, no sentido de que a limitação de dois por mil face ao volume de negócios se refere ao total do quantum resultante da aplicação dos 150%.

 

Vejamos então o enquadramento legal em que se circunscreve a questão a decidir nestes autos:

 

Dispõe o n.º 1 do artigo 44.º do Código do IRC que: “É considerado gasto do período de tributação, para efeitos da determinação do lucro tributável, o valor correspondente a 150% do total das quotizações pagas pelos associados a favor das associações empresariais em conformidade com os estatutos.”

Importa, antes de mais, de molde a dilucidar a interpretação que se deve colher do versado no normativo supra, o farol jurídico em matéria de interpretação, artigo 9º do Código Civil (“CC”), do qual decorre nos termos do seu n.º 1 que: “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

Acrescentando o legislador, no n.º 2, que “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Analisado o teor da disposição legal que está na base do dissenso, permite-se concluir que o disposto no n.º 1 do artigo 44º do CIRC configura um benefício conferido aos sujeitos passivos de IRC, traduzido na possibilidade de dedução de 150% do valor incorrido com quotizações pagas para associações empresariais, em conformidade com os estatutos dos respetivos sujeitos passivos.

No entanto, não obstante o estabelecimento de tal percentagem, entendeu igualmente o legislador, nos termos do n.º 2, limitar essa mesma dedutibilidade, a dois por mil (2/1000), por referência ao volume de negócios do respetivo sujeito passivo.

Que o mesmo equivale por afirmar que até ao limite de 2/1000 do volume de negócios o valor suscetível de dedução, enquanto gasto fiscal com quotizações com associações empresariais, é considerado em 150% do valor do encargo efetivamente incorrido.

Ou seja, caso o valor correspondente a 150% dos encargos incorridos com quotizações para associações empresariais seja igual ou inferior a 2/1000 do volume de negócios do sujeito passivo, o valor a considerar enquanto gasto fiscal será o correspondente a 150% do custo efetivamente incorrido.

Mas se, ao invés, do montante dos 150% com encargos de tal natureza resultar um montante superior a dois por mil do volume de negócios, o valor da dedução para efeitos de determinação da matéria tributável, será o correspondente a esse mesmo limite de 2/1000, conforme decorre do n.º 2 do artigo 44º do CIRC.

Cremos que a regulação fixada nos n.º 1 e 2 da versada norma se afigura objetiva e clara quanto aos critérios erigidos e consequentemente em matéria da sua operacionalização, no âmbito da determinação da lucro tributável, a saber: é passível de consideração enquanto gasto fiscal o montante equivalente a 150% do valor incorrido com quotizações empresariais, com o limite máximo de dedutibilidade fixado no n.º 2: dois por mil, por referência ao volume de negócios obtido nesse exercício.

Não se vislumbra do teor, quer isolada, quer conjugadamente, dos n.º 1 e 2 do artigo 44º do CIRC, que permita concluir, atento os princípios de interpretação da norma jurídica, que o limite do n.º 2 se deva efetuar com recurso a critério distinto daquele que o legislador decidiu erigir para tal efeito.

É que, conforme decorre do n.º 3 do artigo 9.º do CC, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

 

Assim, tendo o legislador consagrado que a limitação do n.º 2 se efetua tendo por base “O montante referido no número anterior….”, carece de um mínimo de apoio no texto da lei, a solução interpretativa que dimana do posicionamento do Requerente, o qual, necessariamente, redundaria na adoção de um critério absolutamente diverso daquele que veio a ser consagrado pelo legislador.

Isto é, prosseguindo-se aquela que é a perspetiva defendida pelo Requerente nesta matéria, não poderia o legislador ter formulado o n.º 1 tendo por base critério correspondente a 150% do valor do encargo incorrido, mas antes e apenas impondo referir-se à percentagem de majoração que através de tal preceito se pretenderia conferir.

Ora, atento o disposto no artigo 9º do CC, não se poderá deixar de presumir que o legislador estabeleceu aquela que entendeu ser a solução mais acertada para alcançar a finalidade por este pretendida e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados ao teor do texto legal.

Tendo o legislador optado pela adoção de critério que se reconduz ao valor correspondente a 150% do total das quotizações pagas a associações empresariais e sendo certo que para esse critério decorrente do n.º 1 expressamente remete o n.º 2 para efeitos de aferição do cumprimento do limite neste último preceito consagrado, não se vislumbram razões que legitimem interpretação que sempre redundaria na aplicação de critério diverso do legalmente vigente.

No caso dos autos, conforme decorre dos factos fixados na presente decisão, o Requerente incorreu em encargos inferiores ao limite de 2/1000 estabelecido no n.º 2, no entanto, o mesmo procedeu sobre esse valor a uma majoração de 50%, refletindo-a na totalidade para efeitos de determinação do seu lucro tributável, na medida em que entende que o valor relevante para efeitos de aferição da ultrapassagem ou não de tal limite, se estriba  no montante correspondente a uma hipotética majoração de 50% e não no montante correspondente a 150% dos encargos com quotizações para associações empresariais. 

Sucede que, o valor do encargo com as quotizações em causa, quando acrescido do montante de majoração pelo Requerente adotada (50%,) supera o limite de dois por mil sobre o volume de negócios do exercício de 2019.

Ante esta factualidade, entendeu a AT corrigir o valor deduzido pelo Requerente a título de gasto fiscal, pelo valor que excede o limite do n.º 2 do artigo 44º do CIRC, ou seja, fazendo acrescer ao lucro tributável o montante que excede dois por mil do volume de negócios, tendo por base o valor correspondente a 150% do valor dos gastos com quotizações para associações empresariais, procedimento corretivo este que, em face do vindo de expor, não pode merecer censura, porquanto radicar de interpretação alinhada com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 44º do CIRC.

 

§4 – Dos Juros Compensatórios:

 

O Requerente alega que não estão demonstrados e provados os factos constitutivos do direito à liquidação de juros compensatórios constantes do artigo 35.º, n.º 1, da LGT, pelo que a liquidação destes enferma de ilegalidade.

 

 O Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se recentemente sobre o requisito da culpabilidade do sujeito passivo no retardamento da liquidação ínsito no artigo 35.º, n.º 1, da LGT, no Acórdão de 02-02-2022, processo n.º 0671/18.1BELLE, no qual se pode ler:

De acordo com o disposto no artigo 91.º do Código do IRS “Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35º da lei geral tributária”.

 

Preceitua o artigo 35.º, n.º 1, da LGT, que “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

Nesta sequência, os Recorrentes defendem que em nenhum momento no âmbito do procedimento de liquidação em causa, a AT demonstrou os pressupostos legais de que depende a liquidação de Juros Compensatórios, previstos no artigo 35.º da LGT, que prevê adicionalmente o período pelo qual os mesmos são devidos e a respectiva taxa, limitando-se a exigir, de forma automática o indicado valor a título de juros compensatórios, ultrapassando as formalidades legais estabelecidas para a respectiva liquidação, inquinando, assim, os actos tributários de liquidação de juros compensatórios impugnados, de violação de lei por ofensa ao disposto nos artigos 91.º do Código do IRS e 35.º, n.º 1, da LGT e, bem assim, de vício de forma por falta de fundamentação.

Será assim?

(...)

É que a exigência de juros compensatórios pressupõe a culpa do sujeito passivo, a qual resulta comprovada nos autos pelo que, estando verificados os pressupostos de que a lei (artº 35º da LGT) faz depender o direito do Estado a liquidar juros compensatórios, não devem os mesmos ser anulados.

 

Na verdade, estando demonstrada a legalidade das correcções, o atraso das liquidações é claramente imputável ao impugnante ao não imputar os proveitos ao exercício em causa pelo que tais juros são devidos por forma a completar a indemnização devida, compensando o Estado do ganho perdido até ter alcançado a reintegração do seu crédito.

 

Sempre que a liquidação do imposto só possa ser efectuada com a colaboração do contribuinte, deve este apresentar, no prazo previsto na lei, a declaração ou documento necessários para que a referida liquidação possa ser operada.

 

Não fazendo o contribuinte a entrega ou apresentação, designadamente porque entende que não tem essa obrigação declarativa, ou fazendo-a mas contendo deficiências, fica sujeito, aquando liquidar o imposto, a juros compensatórios, que são devidos quando o atraso da liquidação for imputável ao contribuinte.

 

Já o Conselheiro Rodrigues Pardal, in «Questões de Processo Fiscal» - Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, págs. 19 e ss, luminosamente ensinava que «Os juros compensatórios aparecem como um agravamento "ex-lege" proveniente de omissão de declarações ou de apresentação de documentos ou de falta de auto-liquidação ou insuficiente liquidação ou da falta de participação de qualquer ocorrência as quais tiveram como consequência o atraso da liquidação.

 

Fundamentam-se no princípio geral de que a utilização de um capital ou de uma coisa frutífera alheia obriga o utente ao pagamento de uma quantia correspondente ao tempo do respectivo gozo. Trata-se de uma «indemnização» pelo dano resultante do atraso da liquidação (cfr. artº 562º do Cód. Civil).» (...)

 

Os juros compensatórios integram mais um caso de cláusula penal legal- «sopratassa», dos italianos (artº 5º da Lei de 7 de Janeiro de 1929, nº 4) - tendo a mesma natureza que a obrigação de imposto, liquidando-se conjuntamente com a obrigação principal.»

 

E segundo a jurisprudência Uniforme do S.T.A. (vide, por todos, o Acórdão supra transcrito), são três os requisitos da existência de juros compensatórios, a saber:- (i) retardamento da respectiva liquidação base; (ii) do imposto devido; e (iii) por facto imputável ao contribuinte.

 

Trata-se, pois, de uma obrigação com carácter indemnizatório, com equivalente no direito privado na responsabilidade pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso da prestação (artº 798º CCivil).

 

(...)

 

Diga-se ainda que, para que o sujeito passivo deva juros compensatórios exige-se um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual da prestação, sendo que a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou negligência, devendo, em todo o caso, indagar-se se a culpa está ou não excluída em concreto, sendo que a desculpabilidade ou razoabilidade, em termos de um contribuinte normal ou médio, do critério adoptado, em divergência com o Fisco, mesmo que erróneo, afasta a culpa, como se refere no Acórdão do S.T.A. de 18-02-1998, Proc. nº 22325.

 

Ainda de acordo com a jurisprudência pacífica do S.T.A., consagrada, entre outros, no acórdão de 11-10-2011, Proc. nº 04163/10, www.dgsi.pt, a culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte actuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, considerando, dessa forma, que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (como, por exemplo, a nível de custos fiscais) ou a erro desculpável do contribuinte, acrescendo ainda que não basta uma mera divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária para que seja excluída a culpa do contribuinte, é, ainda, necessário que tal divergência seja “compreensível”.

(...)

Nesta sequência, e quanto à matéria da falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, tal como se aponta na decisão recorrida, a jurisprudência deste Supremo Tribunal refere que “[e]stá cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 89º do CIVA e 35º da LGT) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art. 559º nº 1 do CCivil) e o valor dos juros” - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Março de 2016, Proc. nº 0805/15, www.dgsi.pt.”

 

 Tal como se colhe do teor do presente aresto, nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da LGT, são três os requisitos para a liquidação de juros compensatórios: (1) retardamento da liquidação base; (2) de imposto devido; e (3) por facto imputável ao contribuinte.

 

Ante os versados requisitos do artigo 35.º, n.º 1, da LGT, não se poderá deixar de concluir estarem todos eles preenchidos no caso dos autos.

 

O facto de o Requerente ter procedido à indevida dedução ao lucro tributável de valor enquanto suposto gasto fiscal retardou a liquidação correta do imposto legalmente, levando a que tivesse de ser a AT, no seguimento de ação inspetiva externa, a emitir posteriormente uma liquidação corretiva relativa ao valor indevidamente deduzido ao lucro tributável.

 

Resulta assim pacífico que se está perante o retardamento da liquidação do imposto – IRC-  devido, no valor de € 25.338,88, retardamento esse que decorre de facto imputável ao Requerente, designadamente ao apurar na Modelo 22 valor inferior ao legalmente devido.

 

É também evidente que a conduta do Requerente é censurável, embora não a título de dolo, mas a título de negligência.

 

Ao adotar um critério para efeitos de cálculo da quantificação do valor suscetível de dedução enquanto gasto fiscal ao abrigo do artigo 44º do CIRC, sem qualquer aderência ao critério de tal normativo dimanante, o Requerente não agiu com a diligência normal e expectável, a qual deve ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência, aptidão e conhecimentos de um bonus pater familiae, tendo assim omitido, de forma reprovável, um dever de diligência, pelo que não pode sobre ele deixar de recair um labelo de culpa na adoção de critério absolutamente diverso daquele que decorre, de forma muito objetiva, da norma violada

 

Razão pela qual, não se estando perante questão interpretativa do texto legal cuja dilucidação envolva evidente complexidade, não nos é possível concluir pela existência de lapso desculpável, de onde não pode o pedido do Requerente quanto à ilegalidade de juros compensatórios obter o pretendido provimento.

 

§5 – Dos Juros indemnizatórios:

 

            No pedido de pronúncia arbitral peticionou ainda o Requerente a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

            Em face do não provimento decorrente das causas de pedir melhor expendidas nos pontos que antecedem e, consequentemente, concluindo-se pela legalidade dos atos tributários arbitralmente sindicados, fica assim prejudicada a apreciação da invocada existência do direito a juros indemnizatórios, fundado em existência de erro imputável aos serviços.

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente, mantendo-se assim na ordem jurídico-tributário, por legais, os atos tributários de liquidação de IRC e JC do exercício de 2019, com os n.ºs 2023... e 2023...;
  2. Condenar o Requerente nas custas do processo;

 

VI. VALOR DO PROCESSO

           

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 25.338,88.

 

VII. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 1.530,00, a suportar pelo Requerente, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de Setembro de 2024

 

 

O Árbitro,

 

Luís Sequeira