Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1037/2023-T
Data da decisão: 2024-09-16  IRC  
Valor do pedido: € 551.109,95
Tema: IRC – Tributação de juros obtidos em Portugal por instituições financeiras não residentes.
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SUMÁRIO: 

 

  1. Como o TJUE já aclarou, o Direito da União Europeia opõe-se a uma legislação nacional que tributa as instituições financeiras não residentes pelos rendimentos de juros obtidos no interior do Estado membro em causa sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas diretamente relacionadas com a actividade em questão, ao passo que essa possibilidade é reconhecida às instituições financeiras residentes.
  2. Conforme decidiu o STA em Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, nas referidas circunstâncias nada mais resta ao Tribunal do que anular integralmente a liquidação de imposto (retenção na fonte), dado que só a AT reúne condições para proceder ao cálculo do rendimento líquido que deve ser sujeito a imposto.
  3. Porém, peticionando a Requerente uma anulação parcial, o tribunal não pode ir além do pedido.

 

 

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., com sede em ..., ..., ..., NIPC ..., (doravante designado por “A...” ou “Requerente”),  veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, requerer a Constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade de atos de liquidação - retenção na fonte - de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC)  referentes ao exercício de 2017, com reconhecimento do direito ao reembolso do imposto pago em excesso, no montante de € 551.109,95, bem como do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento deste imposto indevidamente suportado/retido na fonte a calcular nos termos do disposto nos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária (LGT), e a condenação da Requerida nas custas do processo.

 

a) Tramitação

 

  1.  O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida.
  2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que os ora signatários foram nomeados pelo CAAD em 14 de Fevereiro de 2024.  As partes, devidamente notificadas, não manifestaram intenção de os recusar, tendo o Tribunal ficado constituído em 5 de Março de 2024.
  3. A Requerente não arrolou testemunhas e juntou à petição diversos documentos.
  4. Tendo este Tribunal exarado despacho, a 5 de Março de 2024, para no prazo de 30 se notificar o dirigente máximo do Serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira para apresentar Resposta, a 15 de Abril de 2024 veio a AT apresentar a sua Resposta.
  5. Em 18 de Abril de 2024, foi a Requerente notificada para, querendo, em 15 dias responder às excepções deduzidas pela Requerida, tendo-o feito em 2 de Maio de 2024.
  6. Por despacho de 29 de Setembro de 2024 foram prescindidas a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações. Nenhuma das partes se opôs.

 

  1. O litígio

 

  1. Alega a Requerente, resumidamente, que terá sido alvo de um tratamento discriminatório relativamente às entidades residentes em território português, em violação, nomeadamente, do princípio da livre circulação de capitais (artigo 63.º do TFUE e da proibição da discriminação baseada na nacionalidade, na medida em que não lhe teria sido permitido deduzir, enquanto não residente, os gastos suportados, necessários à obtenção dos rendimentos em causa, o que lhe seria permitido caso fosse residente em território português. Neste contexto, afirma que, enquanto os residentes são tributados com base no seu lucro tributável, isto é, com base no montante líquido do rendimento, os não residentes – como é o seu caso -, são tributados sobre o montante brutos dos rendimentos auferidos em território português, o que, no seu entender, configura uma forma de discriminação. Termos em que, citando abundante jurisprudência do TJUE, do STA e arbitral, solicita a declaração de ilegalidade do indeferimento da revisão oficiosa e, bem assim, a da ilegalidade dos actos de retenção na fonte referentes ao exercício de 2017 já identificados, com a sua consequente anulação, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à Requerente do montante de imposto de € 551.109,95, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 24 de Dezembro de 2021 inclusive até ao seu integral pagamento.

 

  1. A AT, na sua Resposta, invoca uma exceção dilatória (na realidade, várias), consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obstaria ao conhecimento do pedido. Em sede de impugnação afirma, em linhas gerais, que a revisão oficiosa foi indeferida por não existir o tratamento discriminatório alegado pela Requerente pois as diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português, citando jurisprudência do TJUE, do STA e arbitral. Conclui afirmando que a Requerente apenas no âmbito da revisão oficiosa veio, de uma forma genérica, solicitar a tributação dos juros pelo valor líquido, sem apresentar documentação das despesas efetivamente suportadas, não comprovando por qualquer meio quer a efectividade das mesmas, quer a sua relação com os rendimentos em causa. Acresce que, relativamente ao ano em questão (2017), ela, AT já não podia, naquele momento, emitir uma nova liquidação, porquanto já tinha sido ultrapassado o prazo de caducidade do direito à liquidação, de quatro anos (n.º1 do artigo 45.º da LGT).

 

II. SANEAMENTO

 

  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
  2. O objecto principal do processo reporta-se, razão pela qual se verifica a competência deste tribunal arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
  3. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  1. O processo não enferma de nulidades e não foram identificadas questões prévias relativas ao pedido principal, pelo que se impõe, agora, conhecer das excepções invocadas pela Requerida.

 

      III. EXCEPÇÕES

 

  1. Falta de reclamação graciosa necessária

Diz a AT: Ora constata-se que a requerente – na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do art. 132º do CPPT.  Situação esta que está fora da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. Ainda para mais quando a Requerente não recorreu, em tempo, à reclamação graciosa prevista no referido art. 132º do CPPT, deixando, desse modo, precludir o prazo de 2 anos aí previsto. (…). Ora, o procedimento administrativo de revisão oficiosa não pode substituir a reclamação graciosa prevista no art. 132º do CPPT, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no nº 1 de tal artigo.

 

Apreciando,

A argumentação acima louva-se numa jurisprudência antiga, manifestamente, ultrapassada.

A “equiparação”, para este efeito, de um pedido de revisão oficiosa à apresentação de um pedido de reclamação graciosa, propugnada pela doutrina[1] e pela jurisprudência[2], é fácil de compreender se pensarmos na razão de ser das reclamações necessárias.

Antes, recordaremos que a regra, hoje, é a da impugnabilidade imediata dos actos administrativos lesivos, ou seja, o caráter facultativo das reclamações e outras formas de recursos administrativos[3].

A reclamação prevista no artigo 132.º do CPPT obedece a uma razão lógica: seria totalmente incongruente a administração tributária surgir, sem mais, como requerida num processo, judicial ou arbitral, visando a anulação de um acto que não praticou (a autoria é do substituto total) mas a que a lei atribui os efeitos de um acto administrativo (apuramento do quantitativo de imposto exigível) tal qual tivesse sido por ela praticado.

A necessidade da reclamação impõe-se como oportunidade de a administração, pela primeira vez se pronunciar. Dando razão ao particular, não haverá necessidade de o processo judicial ter lugar. Se a AT não der razão ao particular (o que deverá fundamentar) teremos então duas partes sufragando entendimentos diferentes, ou seja, um litígio que caberá ao tribunal dirimir.

Ora é bom de ver que as razões que justificam a necessidade – repete-se excepcional - de um recurso administrativo prévio à interposição do recurso judicial se encontram totalmente satisfeitas em caso de pedido de revisão oficiosa. Também aqui a administração, antes da intervenção do tribunal, é chamada a pronunciar-se sobre a legalidade de um acto que não praticou mas cujos efeitos lhe são imputados.

Daí a sua equiparação à reclamação necessária enquanto condição (pressuposto processual) do processo de impugnação.

Improcede, pois, esta excepção.

 

b) Erro imputável aos serviços

 

Transcrevemos da resposta da AT: Efetivamente, as retenções na fonte não foram efetuadas pela AT. Não se comprova a existência de erro imputável à AT e nem se retira do invocado que a requerente tenha invocado erro de direito imputável à AT, ou que, tendo-o invocado, o comprove invocando, designadamente, que as retenções na fonte se deveram a orientações ou instruções da AT (…) Sempre que o contribuinte opte pelo pedido de revisão, não tem quatro anos para o fazer, mas o prazo da reclamação graciosa. (…) E quando, como é manifestamente o caso dos autos, não tenha havido erro imputável aos serviços na liquidação, preclude, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do acto de liquidação (tal como é defendido por A. Lima Guerreiro, LGT anotada, em anotação ao art° 78°).

Dito de forma simples, temos que a AT considera que, por não ter tido qualquer intervenção nas liquidações impugnadas – porque praticadas no quadro de uma substituição fiscal total –, não existe erro imputável aos serviços e, portanto, a Requerente não pode aproveitar do prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

Apreciando,

Há, em primeiro lugar, que precisar qual a posição da Requerente nas relações jurídico-tributárias em causa: ela surge como substituído fiscal (substituição total), alguém que, formalmente, é um terceiro, ainda que titular de um interesse próprio enquanto contribuinte (aquele que suporta o encargo económico do tributo).

Formalmente, os sujeitos passivos são os substitutos (no caso, o banco pagador), aos quais cumpre, em exclusivo (substituição total por aplicação de taxas liberatórias) as obrigações, declarativas e de pagamento, relativas ao imposto.

O mesmo é dizer que, tendo presente, em primeiro lugar, o elemento literal da norma, o substituído (substituição total), por não ser sujeito passivo, não pode ser considerado como diretamente afetado pela revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, que era relativo, apenas, aos sujeitos passivos.

A questão deve, pois, ser colocada noutros termos, não num plano formal, mas sim num plano substancial: o substituto deve ser considerado como sendo um “serviço” para efeitos do n.º 1 de tal norma, o mesmo é dizer, o erro por ele cometido numa liquidação deverá ser equiparado, para efeitos de reclamação graciosa, ao erro cometido pela própria AT?

Para responder a esta questão haverá que ter em consideração, nomeadamente: (i) o substituto exerce, por força de lei, funções que, materialmente, são de administração fiscal, praticando atos de liquidação aos quais a lei confere a mesma força jurídica de que gozam as liquidações praticadas pela administração fiscal; (ii) em ambos os casos, estamos perante hétero-liquidações, procedimentos a que o substituído é alheio, a liquidações que não só não são por ele praticadas como sobre as quais não tem qualquer possibilidade de controlo.

A equivalência material entre as duas situações é evidente. No silêncio de lei expressa, há que concluir que distinguir as duas situações, para efeitos do exercício do direito à revisão oficiosa, criaria uma injustificada discriminação dos contribuintes consoante o grau de “privatização” das funções de administração fiscal (de liquidação) presentes em cada caso.

Esta é também a posição jurisprudencialmente dominante, ainda que com nuances ao nível da fundamentação. Citamos, por todos, do sumário do ac. do STA de 09-11-2022, proc. 087/22: assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é susceptível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do nº1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária.

Improcede, pois, esta excepção.

 

c) Meio processual

 

A Requerida entende, em resumo, que:

A decisão proferida em sede de procedimento de revisão pode, ou não, comportar a apreciação da legalidade do ato de liquidação (…). A forma processual de reação contra o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa pode ser a impugnação judicial ou a ação administrativa especial, consoante a decisão comporte, ou não, a apreciação da legalidade do ato de liquidação.

Ou seja, tendo em conta que o p.p.a não é interposto para a apreciação direta e nem indireta de uma liquidação adicional, mas apenas para a apreciação de um indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, é evidente que o Tribunal vai ter que decidir se a requerente ainda estava em tempo de apresentar pedido de revisão oficiosa, tendo em conta a existência de erro imputável aos Serviços.

Ora, o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT.

Temos alguma dificuldade em compreender este argumentário. A questão do “erro imputável aos serviços”, já atrás analisada e decidida, surge, no âmbito deste processo, como uma excepção (um pressuposto processual) e não como uma questão de mérito capaz de constituir o objecto primário do processo e, enquanto tal, susceptível de ser determinante relativamente ao meio processual a ser utilizado.

Quanto ao mais, o pedido formulado em sede de revisão oficiosa foi o mesmo que é feito no presente processo de impugnação: que seja reconhecida a ilegalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte em referência, por violarem princípios de Direito da União, hierarquicamente superiores às normas internas que determinaram a realização das retenções na fonte impugnadas.

Improcede, pois, esta excepção.

 

 

IV. QUESTÕES DECIDENDAS

 

Conforme vimos, a questão decidenda consiste em determinar se, como pretende a Requerente, se verificam os pressupostos necessários para que seja declarada quer a ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, quer a ilegalidade das retenções na fonte em IRC suportadas no exercício de 2017 – e que sejam consequentemente anuladas –, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, na medida em que padecem de um excesso que a Requerente computa no montante de € 551.109,95.

 

  1. PROVA

 

V.1 - Factos provados

Em face das posições das partes expressas nos articulados, bem como dos documentos integrantes do processo administrativo, julgam-se como provados os seguintes factos pertinentes para a decisão da causa:

 

  1. A Requerente é uma sociedade com sede na Irlanda (Doc. n.º 7 anexo ao PPA, e tradução certificada que se juntou como Doc. n.º 8 anexo ao PPA), que obteve número de contribuinte em Portugal (...) e aqui opera na qualidade de entidade não-residente sem estabelecimento estável em Portugal.

 

  1. Os serviços que presta aos clientes portugueses consistem na locação financeira (vulgo leasing) de equipamentos informáticos (computadores).

 

  1. No âmbito dessas locações financeiras, a Requerente facturou aos clientes portugueses, no exercício de 2017, o montante de € 6.737.388,20, conforme exemplares de algumas facturas anexas ao PPA como Doc. n.º 9, em conformidade com declaração acompanhada de elementos de suporte da mesma anexos ao PPA como Doc. n.º 10 e tradução certificada de algumas páginas anexas ao PPA como Doc. n.º 11.

 

  1. Em 2017, a Requerente foi sujeita, pelos clientes portugueses, a retenção na fonte em Portugal sobre as facturações que lhes foram efectuadas no âmbito de serviços de locação financeira de equipamentos informáticos/computadores, tendo incidido IRC sobre o valor bruto dessa facturação (€ 6.737.388,20), por retenção na fonte a título definitivo à taxa de 10%, no montante total de € 673.738,82 (cfr. Doc. n.º 10 e Doc. n.º 11 anexos ao PPA).

 

  1. Estão em causa os seguintes actos de retenção na fonte: - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos nº ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos nº ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos nº ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos nº ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º... de 2017 (contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - 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Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte) - Outros actos n.º ... de 2017 (Contribuinte).

 

  1. Conforme declaração de rendimentos para 2017 anexa ao PPA como Doc. n.º 18, na Irlanda/país de residência não foi abatido o imposto referente aos € 673.738,82 de retenções na fonte realizadas em Portugal.

 

  1. Em 23 de Dezembro de 2020, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das referidas retenções na fonte (cfr. o Doc. n.º 1 anexo ao PPA), invocando discriminação desfavorável à sociedade não-residente sem estabelecimento estável em Portugal, estabelecida na Irlanda, a Requerente, solicitando o reembolso parcial das mesmas mais concretamente quanto ao valor no total de € 551.109,95.

 

  1. No decurso da fase administrativa, a Requerente fez entrega de diversos documentos comprovativos dos encargos que entende ter o direito de deduzir.

 

  1. A AT pediu mais informações em 12 de Janeiro de 2021 (Doc. n.º 2 anexo ao PPA), tendo-lhe sido enviadas informações pela Requerente através de vários e-mails em 11 de Fevereiro de 2021 (Doc. n.º 3 anexo ao PPA) e em 30 de Junho de 2021 (Doc. n.º 4 anexo ao PPA).

 

  1. Após exercício de direito de audição em 11 de Agosto de 2023, no âmbito do qual a Requerente enviou à AT mais elementos, em resposta ao seu projecto de indeferimento (Doc. n.º 5 anexo ao PPA), a Requerente foi notificada do indeferimento do pedido de revisão oficiosa em 9 de Outubro de 2023 (Doc. n.º 6 anexo ao PPA).

 

  1. Adicionalmente a Requerente juntou ao PPA mais informação sobre as guias de pagamento para entrega das retenções na fonte ao Estado e sobre as declarações Modelo 30, dos clientes portugueses que se disponibilizaram a enviar cópia dessa documentação à ora requerente, juntamente com quadro síntese da mesma (Doc. n.º 13 - listagem de clientes que forneceram elementos -, Doc. n.º 14 – listagem dos elementos fornecidos por clientes – e Doc. n.º 15, Doc. n.º 16 e Doc. n.º 17 - elementos fornecidos pelos clientes).

 

V.2- Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão que se considerem como não provados.

 

V.3 Fundamentação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

  1. DO MÉRITO

 

VI.1- Da violação do Direito da União Europeia

 

Como vimos, no caso em apreço as facturações de locação financeira foram objecto de tributação final por retenção na fonte em Portugal, sobre o respectivo valor bruto distintamente do que se verificaria nas mesmas circunstâncias se tais facturações pertencessem a uma sociedade residente em Portugal, caso em que a tributação em IRC incidiria apenas sobre o rendimento líquido de encargos.

A Requerente, como entidade não residente fiscal em Portugal e sem estabelecimento estável, está sujeita a IRC em Portugal, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC, incidindo o imposto apenas sobre os rendimentos obtidos em território nacional (país da fonte), nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 3 e n.º 2 do artigo 4.º, ambos do CIRC, à taxa de 25% nos termos do n.º 4 do artigo 87.º do CIRC, sendo objecto de retenção na fonte a título definitivo ou liberatório, na data da verificação do facto tributário (pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos), cujas importâncias retidas devem ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que forem deduzidas, nos termos da alínea c) do n.º 1, alínea b) do n.º 3, n.º 5 e n.º 6, todos do artigo 94.º do CIRC.

Contudo, caso no momento da retenção for feita prova junto do substituto tributário da verificação dos pressupostos da aplicação da CDT celebrada entre Portugal e a Irlanda, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 98.º do CIRC, pode ser aplicada a taxa reduzida, tratando-se de royalties, de 10%, nos termos do n.º 2 do art.º 12.º da CDT.

De acordo com as normas do Direito da União Europeia actualmente acolhidas no artigo 56.º do TFUE, ex-artigo 49.º do TCE: “1. No âmbito das disposições seguintes, as restrições à livre prestação de serviços na União serão proibidas em relação aos nacionais dos Estados-Membros estabelecidos num Estado-Membro que não seja o do destinatário da prestação.

Por sua vez, o artigo 63.º do TFUE, ex-artigo 56.º do TCE, determina o seguinte: “1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

Como vimos, as operações de locação financeira que constituem a actividade do A... em Portugal no período de 2017, consistem em prestações de serviços de natureza financeira e, simultaneamente, movimentos de capital, financiamento a empresas portuguesas.

Neste contexto, como faz notar a Requerente, no referente à prestação de serviços a partir de outro Estado membro, o TJUE produziu jurisprudência clara a concluir pela ilegalidade das diferenças desfavoráveis de tratamento, fiscais ou outras, comparativamente com o tratamento de prestadores de serviços residentes.

Nomeadamente, questão idêntica à controvertida foi analisada no Acórdão do STA de 8 de Março de 2017 (Processo n.º 0298/13), na sequência de um pedido reenvio prejudicial que originou o Acórdão do TJUE de 13 de Julho de 2016 (Processo n.º C-18/15). No Acórdão proferido no Processo n.º C-18/15 no denominado Caso Brisal invocado por ambas as partes, o Tribunal Tributário de Lisboa, órgão jurisdicional de reenvio, questionava fundamentalmente, por um lado, se o artigo 49.º do TCE devia ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação – no caso concreto, a legislação portuguesa – que tributa, através de retenção na fonte, os rendimentos de juros auferidos em território nacional por instituições financeiras não residentes, sem possibilidade de dedução das despesas profissionais, ao passo que as instituições financeiras residentes não estão sujeitas a essa retenção na fonte e podem deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade financeira exercida, e, por outro lado, de que modo devem ser determinadas essas despesas.

Ora, no aludido Acórdão o TJUE concluiu, no que aqui releva,  que O artigo 49º CE opõe se a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, regra geral, tributa as instituições financeiras não residentes pelos rendimentos de juros obtidos no interior do Estado Membro em causa, sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em questão, ao passo que essa possibilidade é reconhecida às instituições financeiras residentes. Cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar, com base no seu direito nacional, quais as despesas profissionais que podem ser diretamente relacionadas com a atividade financeira em questão.

O Despacho 101/2017.XXI, de 31 de Março de 2017, do Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, na sequência das dúvidas que surgiram quanto ao alcance do disposto no n.º 8 do artigo 94.º do CIRC (nos termos do qual é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos n.ºs 8, 9, 10 e 11 do artigo 71.º do CIRS) veio determinar que “…são dedutíveis até à concorrência dos rendimentos, os encargos necessários para a sua obtenção que estejam direta e exclusivamente relacionados com os rendimentos obtidos em território português e que tenham sido comprovada e efetivamente suportados pelo sujeito passivo.”

A jurisprudência nacional tem seguido esta jurisprudência, como é o caso do Acórdão do STA de 8 de Março de 2017 proferido no Processo n.º 0298/13, na sequência de um pedido reenvio prejudicial que originou o acórdão do TJUE de 13 de Julho de 2016 (Processo n.º C-18/15), cujas conclusões importa em particular sublinhar dado estar em causa uma questão idêntica à que por ora nos ocupa.

Como o Tribunal conclui, “Em suma, o TJUE considera que o facto de a entidade não-residente Banco B………… não poder deduzir em Portugal as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade financeira em questão, com o que se inviabiliza a tributação do seu rendimento líquido, constitui um tratamento discriminatório, contrário a uma liberdade fundamental constante de norma comunitária, independentemente de quaisquer outras considerações – como a taxa de tributação que lhe foi aplicada comparativamente com a taxa que é aplicada a entidades residentes, ou o montante de imposto que pagou comparativamente com montante de imposto que é pago por entidades residentes. Torna-se, assim, indiscutível que as instituições financeiras não residentes devem ser tratadas da mesma maneira que as instituições residentes, tendo o direito de ver reconhecidas, perante a administração tributária portuguesa, os encargos e as despesas relacionadas com os rendimentos em causa, e o direito de as deduzir antes da tributação, isto é, de serem tributadas em Portugal apenas pelo rendimento líquido. O que faz soçobrar as duas vertentes argumentativas que alicerçavam a decisão de 1ª instância Página 15 de 31 de improcedência da impugnação, já que, à luz deste acórdão do TJUE, não é necessário, para que se dê por verificada a referida violação de direito comunitário, que se demonstre que a base tributável das instituições financeiras residentes acaba por ficar de tal forma reduzida após a dedução das despesas que o imposto que suportam é inferior ao que é suportado pelas instituições não residentes. (…) Em conclusão, a circunstância de a norma aplicada [art.º 80º, nº 2, al. c) do CIRC] não permitir deduzir as aludidas despesas, constitui discriminação incompatível com uma liberdade económica fundamental da União Europeia, da qual resulta a necessidade de desaplicar essa norma do CIRC e o dever, para a administração tributária portuguesa, de tributar apenas os rendimentos líquidos. E, por tal motivo, encontra-se decisivamente inquinada a quantificação da matéria tributável que suporta os actos de retenção de imposto na fonte. Quantificação que exige a prática de novo acto tributário, sendo impraticável a reforma dos actos impugnados porque o tribunal não pode substituir-se à administração na fixação de outra matéria tributável, sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária, substituindo-se à administração na tarefa de determinar e fixar as despesas que as entidades financeiras não residentes podem deduzir aos rendimentos auferidos em Portugal por forma a tornar a retenção na fonte compatível com o artigo 49º do TCE. O que determina o provimento do recurso e a revogação da sentença recorrida, devendo, em substituição, ser julgada procedente a impugnação judicial e anulados os actos impugnados. (…) Sendo anulados actos tributários impugnados, a administração tributária deve reconstituir a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivessem sido praticados esses actos (art.º 100º da LGT), o que inclui, necessariamente, quer a restituição da quantia indevidamente exigida ao contribuinte e por ele paga, quer o pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos no art.º 43º da LGT. (…)”.

Como salienta a Requerente, os acórdãos seguintes reafirmam esta jurisprudência do TJUE e do STA, nomeadamente o Acórdão do STA de 22 de Março de 2017, proferido no Processo n.º 0165/13, o Acórdão arbitral de 16 de Abril de 2020, proferido no Processo n.º 535/2019-T, o Acórdão arbitral de 10 de Julho de 2020, proferido no Processo 952/2019-T, o Acórdão arbitral de 18 de Setembro de 2020, proferido no Processo 951/2019-T, o Acórdão arbitral de 9 de Dezembro de 2020, proferido no Processo 744/2019-T, o Acórdão do STA de 29 de Junho de 2022, proferido no Processo n.º 08/21.2BALSB, e o Acórdão arbitral de 10 de Abril de 2023, proferido no Processo 580/2022-T.

 

VI.2Da Extensão da anulação da liquidação impugnada

 

Assente serem violadoras do Direito da União Europeia as normas de direito interno que obrigam nestes casos a uma tributação, por retenção na fonte, dos rendimentos bruto, pergunta-se quais as consequências a daí extrair no tocante às liquidações postas em crise.

O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 29 de Junho de 2022, proferido no contexto do Processo n.º 08/21.2BALSB, conclui que, “Não constituindo os tribunais órgãos com competência para a tributação, não podem eles assumir a função de mecanismo ou aparelho primário de indagação oficiosa de eventuais despesas dedutíveis ou a função de receção e seleção das despesas que as entidades não-residentes queiram apresentar e deduzir de forma a serem tributadas pelo rendimento líquido, sob pena, de afronta do núcleo essencial da função administrativa-tributária.” “(...) quando a decisão judicial tributária ultrapassar aquilo que é a sua função meramente anulatória – e que é estruturante da instância judicial tributária – e implicar, ao invés, uma iniciativa de lançamento/liquidação (para mais, com a reformulação integral da base tributável, como é o caso) – então a anulação parcial torna-se impraticável e só restará a anulação total do ato tributário.

(...) não nos encontramos diante um ato apenas parcialmente incorreto. A retenção na fonte, que é definitiva e configura o ato de liquidação e pagamento de imposto, encontra-se totalmente errado.Não é possível extrair da retenção na fonte efetuada a medida exata da ilegalidade, muito menos por “simples operações aritméticas.

(…) 

Estamos, com efeito, diante de um caso de substituição tributária total, pelo que o substituto tributário não estaria em condições de proceder ao cálculo da base tributável líquida (...)” “A conclusão inevitável é a de que só o contribuinte e a AT estariam em condições de o fazer. Mas, ao passo, que o primeiro não o podia fazer por a tal obstar a legalização nacional, a AT já o podia (e pode) fazer, em conformidade com o Direito Europeu. Simplesmente, para tal, teria de emitir um novo ato de liquidação oficiosa, precedido de um cálculo complexo de despesas diretamente incorridas com obtenção dos rendimentos brutos, a partir de informação fornecida pelo sujeito passivo e, se necessário, com troca de informações .

(...)”

Em suma, é inevitável a conclusão de que as tarefas que se exigiriam aos tribunais no âmbito de uma anulação nos termos pretendidos pela decisão arbitral recorrida são incompatíveis com as funções por estes desempenhadas, decorrendo do exposto que a AT teria no caso concreto de proceder a um novo acto de liquidação. 

Se estava ou não em condições temporais para o fazer é algo que surge como irrelevante neste contexto.

Porém,

 

V.3- Da nulidade prevista na alínea e), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC

 

A Requerente peticionou expressamente “a anulação dos actos de retenção na fonte, com a sua consequente anulação, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso (...) do montante de imposto de € 551.109,95”, montante esse que corresponde à diferença entre o valor total das retenções na fonte (€673.738,82), e as importâncias que a própria entende que deveriam ter sido deduzidas, a título de despesas relacionadas com a atividade em questão, aceitando, portanto, ser devido o pagamento de imposto no montante de €122.628,87.

A questão que ora se coloca não tem a ver com a exactidão dos cálculos efectuados pela Requerida, que o tribunal não está em condições de validar ou não, por manifesta falta de elementos para tal e pela complexidade que a determinação de quais os gastos dedutíveis, imputáveis aos rendimentos em causa, necessariamente implica.

O que está em causa é, sim, uma questão de condenação em quantidade superior à do pedido, nos termos da alínea e), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil, que estabelece que a decisão judicial é nula quando o Tribunal “condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.    

Ora, não oferece controvéria que, no caso dos autos, a anulação dos atos de retenção na fonte foi invocada e peticionada pela Requerente, tratando-se, portanto, de questão que este Tribunal se encontrava vinculado a conhecer.

Neste sentido, e na esteira da jurisprudência que deixámos acima citada, este tribunal arbitral terá que anular na totalidade as liquidações (retenções na fonte) impugnadas, no valor global de € 673.738,82, estando o Tribunal em condições de assim o decidir, por se encontrar, repita-se, dentro dos limites da questão que fora chamado a solucionar.

Contudo, e não obstante o que se deixa referido, considera-se, que por ter sido pedido pela Requerente o reembolso de apenas €551.109,95, não pode a AT ser condenada na restituição da totalidade do imposto retido enquanto efeito típico da anulação do ato, sob pena de incorrer a decisão arbitral na nulidade prevista na alínea e), do n.º 1, do artigo 615.º, do Código do Processo Civil.

 

  1. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Nestas circunstâncias, pelas razões já expostas, há que considerar encontrar-se preenchido o pressuposto do “erro imputável aos serviços” que o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, reclama para o nascimento da obrigação de juros indemnizatórios.

Porém há que atentar no disposto na al. c) do n.º 3 de tal norma, segundo o qual quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

Ou seja, quando o meio de recurso gracioso utilizado pelo interessado foi o pedido de revisão oficiosa, regulado no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão, até à data do processamento da respectiva nota de crédito, e não desde a data do pagamento indevido do imposto.

Sendo este o caso e tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 23 de Dezembro de 2020, são devidos juros indemnizatórios desde 24 de Dezembro de 2021 sobre o montante indevidamente pago que, pelas razões expostas, se considera ser de € 551.109,95

 

VIII. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular os actos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2017, acima identificados.
  2. Condenar a AT a restituir à Requerente a quantia de € 551.109,95 acrescida de juros indemnizatórios contados desde 24 de Dezembro de 2021.

 

Valor da causa

 

Fixa-se o valor do processo em €551.109,95 (quinhentos e cinquenta e um mil, cento e nove euros e noventa e cinco cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 24.º, n.º 4 do RJAT e 4.º, n.º 5, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em 8.568,00 €, que fica a cargo da Requerida (artigo 536.º, n.º 3, do CPC).

 

  16 de Setembro de 2024

Os Árbitros

 

Rui Duarte Morais

 

 

 

Clotilde Celorico Palma

(Relatora)

 

 

Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho

 

 

 

 

 



[1] CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária: Anotado", 2016, pág. 96 e 97.

[2] Temos como exemplos da jurisprudência ora dominante, se não mesmo pacífica, as seguintes decisões arbitrais: 660/2022-T, de 16-06-2023; 658/2022-T, de  23-05-2023; 821/2021-T, de  26-04-2023; 661/2022-T, de 14-04-2023;  505/2022-T, de  09-03-2023; 506/2022-T, de 26-02-2023; 45/2022-T, de  23-02-2023; 495/2022-T, de  13-02-2023; 474/2022, de 12-12-2022; 746/2021-T, de 26-09-2022; 711/2021-T, de  22-07-2022; 817/2021-T, de 18-05-2022; 135/2021-T, de  30-04-2022; 593/2021-T, de 26-04-2022; 133/2021-T, de  21-03-2022; 922/2019-T, de  11-01-2019; 48/2012-T, de 06-07-2012.

[3] Ou seja, as reclamações necessárias são uma excepção à regra constitucional da imediata impugnabilidade os actos administrativos lesivos, pelo que a sua exigibilidade deverá estar sempre sujeita a um escrutínio restritivo.