Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 310/2024-T
Data da decisão: 2024-09-03  IRC  
Valor do pedido: € 132.935,25
Tema: IRC- OIC não residentes – Retenção na Fonte - Liberdade de circulação de capitais (artigo 22º do EBF e artigo 63º do TFUE).
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SUMÁRIO:

  1. Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação”.
  2. O artº. 63º, do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), normativo que consagra o Princípio da Liberdade de Circulação de Capitais, tanto entre Estados-Membros da UE, como entre estes e Países Terceiros, tem como antecedente o artº.67, do TCE. A questão da comparação de situações envolvendo países terceiros (como é o caso dos presentes autos) coloca-se, essencialmente, a propósito da livre circulação do capital, situação que, nos termos do artº.63º, nº.2, do TFUE, é aplicável a Estados terceiros”.
  3. O artº. 63º, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.
  4. A interpretação do artº. 63º, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº. 22º, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia ou de Estados terceiros” (como é o caso em análise).

 

 

DECISÃO ARBITRAL[1]

Requerente – A... (representado por B...)

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

As Árbitras, Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Sílvia Oliveira (Relatora) e Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho, (Adjuntas) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 15-05-2024, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., fundo de investimento constituído ao abrigo da lei dos Estados Unidos da América, com sede em ..., ..., ..., Estados Unidos da América, com o número de contribuinte fiscal americano ... e com o número de contribuinte fiscal português ..., representado pela sua entidade gestora B..., sociedade de direito norte-americano, com sede em ..., ..., ..., Estados Unidos da América, com o número de contribuinte fiscal americano ... (adiante designado por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo no dia 04-03-2024, ao abrigo do disposto no Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

  1. O Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral “(…) na sequência do despacho de indeferimento proferido pela Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 28.11.2023, no âmbito do processo de reclamação graciosa n.º ...2022..., relativo aos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) de 2020, consubstanciados nas guias n.º ... e n.º ..., referente aos períodos de maio e de julho de 2020, que incidiram sobre os dividendos auferidos em território nacional (…) com vista à declaração de ilegalidade daquela decisão e dos atos tributários que daquela foram objeto (…)”, solicitando que o Tribunal determine “(…) a sua anulação, com o consequente reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios, bem como a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que sobre eles recaiu”.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 06-03-2024 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

  1. Em 18-03-2024, dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foram os signatários designados como árbitros pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2 do RJAT, tendo as nomeações sido aceites, no prazo e termos legalmente previstos.

 

  1. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de as recusar, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

  1. Em 02-04-2024, o Requerente apresentou requerimento no sentido de requerer a junção aos autos de cópia da declaração de rendimentos do exercício de 2019 (“o qual decorreu entre 01.10.2019 e 30.09.2020”), que protestara juntar com o pedido de pronúncia arbitral “(…) e que comprova que o Requerente não deduziu nos Estados Unidos da América o imposto retido em Portugal”.

 

  1. Em 15-05-2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

  1. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

  1. A Requerida, em 19-06-2024, apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação, e concluído no sentido de que “(…) deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente com as devidas e legais consequências”.

 

  1. A Requerida, em 21-06-2024, anexou aos autos cópia do processo administrativo.

 

  1. Por despacho arbitral da mesma data, foi decidido dispensar da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como notificar as Partes da possibilidade de apresentação de alegações escritas, no prazo simultâneo de 20 dias, contados da notificação do referido despacho.

 

  1. Adicionalmente, no mesmo despacho indicou-se o dia 16-09-2024 como data previsível para a prolação da decisão arbitral, tendo o Requerente sido advertido que deveria “(…) cumprir oportunamente com o disposto no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (pagamento antes da decisão (…) do remanescente da taxa arbitral)”, o que veio a efectuar em 26-07-2024.

 

  1. O Requerente apresentou, em 16-07-2024, alegações escritas, concluindo como no Pedido.

 

  1. A Requerida apresentou, em 17-07-2024, alegações escritas, concluindo como na Resposta.

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

2.1.    O Requerente começa por referir que “(…) é um fundo de investimento mobiliário constituído e a operar de acordo com o direito norte-americano (…)”, que “(…) reúne capital de investidores que, por sua vez, investe maioritariamente em ações de empresas estrangeiras (…)”, sendo “os riscos do investimento (…) partilhados pelos investidores (…)” e esclarece que “a gestão do Requerente é levada a cabo pela entidade gestora (…) identificada (…)”.

 

2.2.    Acrescenta o Requerente que “em 2020 (…) era residente, para efeitos fiscais, nos Estados Unidos da América, conforme cópia do certificado de residência que (…) junta (…)” e sendo “(…) qualificado pelo direito norte-americano como Regulated Investment Company (RIC), beneficiando do tratamento fiscal previsto para os RIC no subcapítulo M do Internal Revenue Code”, “de acordo com o subcapítulo M do Internal Revenue Code a tributação do rendimento em questão ocorre na esfera dos participantes”.

 

  1. Esclarece o Requerente que “(…) investiu em participações sociais de sociedades com sede em Portugal” sendo que, “em 2020 (…) auferiu dividendos da sua participação no capital social daquelas sociedades (…)”, tendo “os dividendos auferidos (…) [sido] objeto de retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 15% (…)”.

 

  1. Alega o Requerente que “(…) não deduziu nos EUA o imposto retido na fonte em Portugal (…)” porquanto entende que “(…) os atos de retenção na fonte em apreço têm como fundamento jurídico normas que (…) estabelecem uma distinção do regime fiscal aplicável a fundos de investimento residentes e não residentes e que configuram, por isso, uma restrição à livre circulação de capitais que está a ser exercida por um residente de um Estado terceiro”.

 

  1. Prossegue o Requerente referindo que “por esta razão, em 15.06.2022, (…) deduziu reclamação graciosa contra o ato de retenção na fonte (…) identificado (…)”, “em 06.11.2023, (…) foi notificado do projeto de indeferimento da reclamação graciosa (…)” e, “posteriormente, em 05.12.2023, (…) foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (…)”.

 

  1. Por não se conformar com esta decisão (…) deduziu o presente pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral” porquanto “entende (…) que o tratamento fiscal conferido pela legislação nacional, que distingue o tratamento a conferir aos dividendos auferidos por fundos de investimento consoante a residência tributária destes, configura, (…), uma restrição à liberdade de circulação de capitais, a qual é proibida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)”.

 

  1. Não obstante, caso se entenda não proceder o supra exposto, peticiona o Requerente “(…) porque está em causa uma questão de interpretação de Direito da União Europeia que suscita dúvidas, deverá submeter-se a respetiva interpretação ao TJUE competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE”.

 

  1. Nestes termos, conclui o Requerente o pedido de pronúncia arbitral no sentido de que de o Tribunal determinar a anulação dos actos tributários impugnados, “(…) com o consequente reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios, bem como a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que sobre eles recaiu”.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    Começa a Requerida por referir que, “quanto aos factos com interesse para a boa decisão da causa, atento o alegado pelas partes e a prova documental junta, será de considerar assente no probatório o que consta demonstrado no processo de reclamação graciosa em apreço, o qual se dá como integralmente reproduzidos nos presentes autos arbitrais”, “impugnando especificadamente a matéria de facto alegada pela Requerente”, sendo que “quanto ao aduzido pela Requerente nos art. 2º a 5º da sua PI, impugna-se, por não provado, o que vem aí alegado uma vez que o documento junto para o demonstrar, concretamente o documento nº 1 junto à reclamação graciosa, é um documento extenso redigido em língua estrangeira, o que não permite, em face da complexidade técnica da questão em apreço e da extensão do mesmo retirar do seu conteúdo o sentido e alcance que importa reter para a matéria controvertida nos autos (…)”.

 

3.2.    Não obstante, considera a Requerida que “a Requerente não demonstra que é um fundo de investimento mobiliário constituído a operar de acordo com o direito norte-americano com a natureza de Organismo de Investimento Colectivo abrangido pelo Art.º 22.º do EBF”.

 

3.3.    Por outro lado, refere a Requerida que “os Organismos de Investimento Colectivo têm uma regulamentação própria no Ordenamento Jurídico Português, a qual deverá ter um comparável no Estado de residência fiscal da Requerente, inexistindo, no caso dos autos, uma qualquer certificação que ateste a sua qualidade e natureza para efeitos da comparabilidade que se impõe”.

 

3.4.    Prossegue a Requerida referindo que “quanto ao aduzido no art. 6º da PI, a residência fiscal da Requerente não é um facto controvertido”, “quanto ao aduzido nos art. 7º e 8º da PI, impugna-se, por não provado, que a Requerente seja qualificada pelo direito norte-americano como Regulated-Investment Company uma vez que não junta aos autos qualquer documento que ateste a sua qualidade e que demonstre que lhe é aplicável o regime jurídico-tributário que invoca, desconhecendo-se a sua natureza e enquadramento legal para os efeitos ora em discussão”, “quanto ao aduzido no art. 12º da PI, que se impugna, por não provado, constata-se que o documento junto com o nº 3 não é susceptível de demonstrar que a Requerente não teria deduzido/recebido nos EUA o imposto que lhe foi retido na fonte em Portugal” porquanto “(…) o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera da Requerente como na esfera dos investidores, sendo que a Requerente não demonstrou nos autos se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera da própria Requerente ou dos investidores”.

 

3.5.    Por último, refere a Requerida que “o documento junto com o nº 3 não prova que a Requerente não deduziu nos EUA, Estado da residência, o imposto retido na fonte em Portugal, desde logo, por se tratar de documento particular (…) e redigido em língua estrangeira” e “não constituindo, por conseguinte, documento emitido pela Autoridade Fiscal dos EUA, ou por esta devidamente certificado, que comprove a situação fiscal efectiva da ora Requerente em face do imposto/retido pago em Portugal e concretamente em discussão nos presentes autos”, “sendo ainda que o facto de estar redigido em língua estrangeira é impeditivo de uma análise correcta do seu teor com vista a poder retirar dos mesmos as devidas consequências quanto à matéria de facto em discussão nos autos, afectando, por conseguinte, um escrutínio sobre os mesmos pela AT e pelo Tribunal”.

 

  1. Ou seja, segundo alega a Requerida, “só da verificação integral da sua situação fiscal resultaria demonstrado que a Requente não deduziu nos EUA o imposto retido na fonte em Portugal ou que o mesmo não possa ser recuperado pelos investidores”, defendendo que “a Requerente não fez prova dos factos que alega e nos termos do previsto no art.º 74.º da LGT o ónus de tal prova pertence-lhe”.

 

  1. Assim, segundo alega a Requerida, “deverão considerar-se impugnados os factos alegados pela Requerente que se encontrem em oposição com a presente Resposta, considerada no seu conjunto (…)”, sendo que “(…) quanto ao que se disse em sede de matéria de facto, cujo ónus da prova incumbe à Requerente, e que, com o devido respeito por opinião contrária, não se encontra devidamente demonstrada nos autos (…)”.

 

  1. A este respeito, refere a Requerida que “o Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), aplicável a rendimentos obtidos a partir de 01-07-2015, e veio alterar (…) a redação do artigo 22º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário, bem como a sociedades de investimento mobiliário e imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (…)” mas, “(…) no caso em análise, o fundo, (…) como a própria Requerente reconhece, foi constituído de acordo com as leis dos Estados Unidos da América, pelo que o artigo 22º do EBF, não lhe é aplicável”.

 

  1. Por outro lado, segundo alega a Requerida, “acresce salientar que não existe nos autos qualquer prova de que a Requerente tenha a mesma natureza que os OIC portugueses e que cumprem as exigências equivalentes às contidas na lei interna, para efeitos de eventual aplicação do regime de tributação do art.º 22.º do EBF, inexistindo matéria de facto devidamente demonstrada que permita suportar o juízo de comparabilidade que se impõe os efeitos peticionados”.

 

  1. Segundo alega a Requerida, no entender do Requerente, “(…) foi violado o direito comunitário, pois ao sujeitar a retenção na fonte os dividendos pagos/colocados à disposição por sociedades residentes em Portugal, à sociedade alegadamente equiparada a Organismos de Investimento Coletivo (OIC) estabelecidos em países terceiros (…), simultaneamente excluindo de tributação os dividendos pagos a Organismos de Investimento Coletivo estabelecidos e domiciliados em Portugal, viola, de forma frontal, o artigo 63.º do TFUE conforme tem sido entendimento unânime do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)”, porquanto “(…) entende a Requerente que a legislação nacional assume um tratamento discriminatório, para duas situações comparáveis (…) que resulta num tratamento fiscal mais vantajoso para uma delas”.

 

  1. E, em consequência, considera “a Requerente que, (…), pela desconformidade do artigo 22.º do EBF (desde logo, com o disposto no artigo 8.º da CRP), contrariaria o disposto no TFUE, nomeadamente, quanto à liberdade de circulação de capitais, tendo em apreço a proibição geral de discriminação face a uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do referido TFUE, conforme reiterado pela jurisprudência do TJUE”.

 

  1. No entanto, reitera a Requerida, não lhe assiste razão, citando para reforço da sua posição diversa jurisprudência do TJUE porquanto “(…) no presente caso, e com o devido respeito, não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente”.

 

  1. E, ainda que o Requerente “(…) não conseguisse recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado não possa vir a ser recuperado pelos investidores” concluindo que “(…) a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir (…) por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois como se viu embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos (…)” concluindo a Requerida que “(…) não pode afirmar-se que as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros Estados Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis”.

 

  1. Por outro lado, alega ainda a Requerida que “face ao entendimento defendido pela Requerente importa esclarecer se a administração tributária pode deixar de cumprir as leis por motivo da sua desconformidade com o Direito da União Europeia” porquanto “a Administração Tributária não pode avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, não podendo aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu”.

 

  1. Com efeito, alega a Requerida que “a Administração Tributária não pode deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada” e “(…) como qualquer órgão da Administração Pública, encontra-se estritamente vinculada ao cumprimento da lei (…)”.

 

  1. Nestes termos, conclui a Requerida que “um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa e um Fundo de Investimento constituído ao abrigo das normas de outro Estado, não estão em situações comparáveis para efeitos de averiguar se existe um tratamento discriminatório em termos fiscais e uma clara restrição à liberdade de circulação de capitais” pelo que “no caso sub judice, em face da matéria de facto e dos documentos juntos aos autos entende-se que a Requerente não fez prova da discriminação proibida”.

 

  1. E, acrescenta, “ainda que a Requerente não conseguisse recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência (Estados Unidos da América), também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores”.

 

  1. Assim, alega a Requerida que “é manifesto que (…) os atos de retenção na fonte de IRC ora mediatamente controvertidos devem ser mantidos na ordem jurídica, tendo ficado claramente demonstrado que a argumentação aduzida no pedido de pronúncia arbitral deverá improceder, não se reconhecendo, em consequência, o direito a quaisquer juros indemnizatórios”.

 

  1. SANEADOR

 

4.1.    O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.

 

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

  1. Não foram suscitadas excepções de que cumpra conhecer.

 

4.5.    Não se verificam nulidades pelo que se impõe conhecer do mérito do pedido.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.    Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

  1. O Requerente é um fundo de investimento mobiliário constituído e a operar de acordo com o direito norte-americano, em conformidade com declaração impressa do site da US Securities and Exchange Commission (SEC) (doc. nº 1 anexo com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo) e em conformidade com declaração emitida pelo “Department of Treasury” do “Internal Revenue Service” (doc. nº 2 anexado com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo e doc. nº 1 anexado com o pedido arbitral) respeitante ao ano de 2020.

 

  1. O Requerente é qualificado pelo direito norte-americano como “Regulated Investment Company (RIC)”, em conformidade com o evidenciado na declaração modelo 1120-RIC “US Income Tax Return for Regulated Investment Companies” emitida pelo “Department of the Treasury” do “Internal Revenu Service”, para o ano fiscal de 2019 (de 01-10-2019 a 30-09-2020), beneficiando do tratamento fiscal previsto para os RIC no subcapítulo M do Internal Revenue Code (doc. nº 4 que protestou juntar com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo e doc. nº 3 anexado com o pedido arbitral).

 

  1. Em 2020 o Requerente era residente, para efeitos fiscais, nos Estados Unidos da América, (doc. nº 2 anexo com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo e doc. nº 1 anexado com o pedido arbitral).

 

  1. O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país (facto não contestado).

 

  1. No âmbito da sua actividade, o Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal (doc. nº 3 anexado com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo e doc. nº 2 anexado com o pedido arbitral).

 

  1. No ano de 2020 o Requerente auferiu dividendos das suas participações sociais na C..., SGPS, S.A. (C...) e na D... SGPS, S.A. (D...), sociedades residentes em Portugal, os quais ascenderam ao montante bruto, respectivamente, de EUR 151.331,43 e EUR 734.903,56, respeitantes a um total de, respectivamente, 394.349 e 2.643.538 acções (doc. nº 3 anexado com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo e doc. nº 2 anexado com o pedido arbitral).

 

  1. Os dividendos auferidos em 2021 foram pagos em respectivamente, 21-05-2020 e 03-07-2020, tendo sido sujeitos a tributação, por retenção na fonte à taxa de 15%, tendo a mesma ascendido a, respectivamente, EUR 22.699,71 e EUR 110.235,53 (doc. nº 3 anexado com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo e doc. nº 2 anexado com o pedido arbitral).

 

  1. A taxa de retenção na fonte de 15% aplicada é a que resulta do disposto no artigo 10º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT), celebrada entre o Estado Português e os Estados Unidos da América (doc. nº 3 anexado com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo e doc. nº 2 anexado com o pedido arbitral).

 

  1. O imposto retido na fonte foi entregue ao Estado através das Guias de Pagamento nº ...  e nº ... (facto alegado pelo Requerente e não contestado pela Requerida).

 

  1. O Requerente não deduziu nos EUA o imposto retido na fonte em Portugal, conforme cópia da declaração de rendimentos referente ao exercício de 2019, acima identificada no ponto 5.4. (doc. n.º 3 anexado com o pedido arbitral).

 

  1. Por não concordar com a retenção na fonte efectuada, o Requerente apresentou reclamação graciosa (nº ...2022...), em 15-06-2022, tendo sido notificado, em 06-11-2023, do Ofício de 30-10-2023, da DF Finanças de Lisboa, relativo ao projeto de indeferimento da reclamação graciosa, bem como para exercer, querendo, no prazo de 15 dias, o respectivo direito de audição (doc. nº 4 anexado com o pedido arbitral e processo administrativo).

 

  1. Do projecto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada consta a seguinte fundamentação para suportar a intenção de indeferir a pretensão do Requerente:

 

 

 

 

 

  1. O Requerente não exerceu o seu direito de audição.

 

  1. O Requerente foi notificado, em 05-12-2023, da decisão de 29-11-2024, de indeferimento da reclamação graciosa, conforme cópia da decisão e da informação dos CTT (doc. nº 5 anexado com o pedido arbitral).

 

  1. De acordo com a referida notificação, o projecto de indeferimento foi convolado em definitivo, nos seguintes termos:

 

 

 

  1. O Requerente apresentou, em 04-03-2024, o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

  1. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral Colectivo fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes, no teor dos documentos juntos aos autos pelo Requerente e constantes do processo administrativo.[2]

 

Dos factos não provados

 

  1. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.    Neste processo arbitral, a questão jurídica material que vem controvertida prende-se, pois, em determinar se a legislação portuguesa (na redação em vigor à data dos factos tributários), ao excluir de tributação os dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal a um OIC que se constitua e opere de acordo com a legislação nacional (artigo 22º do EBF) e, por isso residente em território nacional, mas sujeitando a retenção na fonte (em sede de IRC) os dividendos distribuídos por essa mesma sociedade a um OIC que não tenha sido constituído nem opere de acordo com a legislação nacional, e por isso não residentes em Portugal, configura uma violação à livre circulação de capitais, consagrada pelo artigo 63º do TFUE e aí não consentida?

 

6.2.    Em Portugal, os OIC estão regulados pelo Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo (RJOIC), aprovado pela Lei nº 16/2015, de 24 de Fevereiro, diploma que transpôs parcialmente para a ordem jurídica portuguesa a Directiva nº 2011/61/UE, do Parlamento e do Conselho de 8 de Junho de 2011 e a Directiva nº 2013/14/UE, do Parlamento e do Conselho de 21 de Maio de 2013 tendo em 01-07-2015 entrado em vigor o novo regime de tributação dos OIC, aprovado pelo Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de Janeiro.

 

6.3.    No plano interno, de acordo com o artigo 22º, nº 1 e nº 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação conferida pelo referido Decreto-Lei, os “(…) os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (…)” são tributados em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), correspondendo o lucro tributável ao “(…) resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis (…)” sendo que, o nº 3 do artigo 22º do EBF dispõe que “para efeitos do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º (1), 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime claramente mais favorável (…) os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões (…)” (sublinhado nosso).

 

6.4.    Assim, entende o Requerente que, à luz do disposto no citado artigo 22º do EBF não são considerados, para efeitos de apuramento do lucro tributável dos OIC, (i) os rendimentos de capitais, rendimentos prediais e mais-valias (excepto se provenientes de entidades “offshore”); (ii) os gastos relacionados com estes rendimentos; (iii) os encargos não dedutíveis para efeitos fiscais nos termos do artigo 23º-A do Código do IRC; e (iv) os rendimentos e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para os OIC.

 

6.5.    Contudo, refira-se que o regime introduzido pelo referido Decreto-Lei apenas é aplicável a “(…) fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional” (cf. artigo 22º, nº 1 do EBF) sendo que, em caso de inobservância deste requisito, o regime previsto no artigo 22º do EBF, designadamente a exclusão de tributação dos rendimentos previstos no nº 3, não é aplicável, o que equivale a dizer que os rendimentos de capitais, rendimentos prediais e mais-valias, a que acima se aludiu, auferidos em território nacional por fundos de investimento ou sociedades de investimento que não tenham sidos constituídos nem operem de acordo com a legislação nacional, e por essa razão sejam não residentes, não estão excluídos de tributação.

 

6.6.    Por outro lado, em matéria de direito da União Europeia, o artigo 63º, nº 1 do TFUE estipula que “no âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, vindo o Requerente alegar “(…) que a legislação nacional de um Estado-membro que faça depender uma exclusão de tributação dos dividendos recebidos da localização geográfica da residência do fundo de investimento que aufere os dividendos, não pode deixar de consubstanciar uma clara afronta ao princípio da não discriminação em razão da residência, colidindo com a livre de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE”.

 

6.7.    Por seu lado, a Requerida não concorda com a posição assumida pelo Requerente porquanto entende, em síntese, que “(…) a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir, (…), por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois (…) embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros Estados Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis”.

 

6.8.    Cumpre analisar e decidir.

 

6.9.    A questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22º, nº 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63º do TFUE, foi apreciada no acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, no qual se concluiu que “o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento colectivo (OIC) não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.

 

6.10.  Neste âmbito, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que substituiu o artigo 234º do Tratado de Roma (anterior artigo 177º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia. [3]

 

6.11.  Com efeito, a supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no nº 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático” pelo que “(…) o direito comunitário, originário ou derivado, vigora directamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do primado, da aplicabilidade directa e do efeito directo”.[4]

 

6.12.  Como já referido, no caso em análise, o conflito a dirimir decorrer da necessidade de aferir da questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22º, nº 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63º do TFUE, no que diz respeito à questão da aplicação de retenção na fonte a dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente por contraposição ao regime aplicável aos dividendos distribuídos a um OIC residente, os quais estão isentos dessa retenção.

 

6.13.  Em conformidade com o vertido no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência prolatado pelo STA (nº 7/2024), de 26 de Fevereiro (relativo ao Acórdão do Pleno da 2ª Secção do STA de 28-09-2023, proferido no Processo nº 093/19.7BALSB) a respeito de dividendos pagos por entidade residentes em Portugal a entidade não residente em Portugal (naquele caso, residente em outro Estado-Membro), é referido que “(…) compete a este Tribunal aferir da compatibilidade entre os normativos nacionais que isentam de tributação, na cédula de IRC, os dividendos pagos por entidades com sede em Portugal a OIC com sede neste país, constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa, mais tributando, por retenção na fonte a título definitivo, os dividendos distribuídos por entidades residentes a OIC com sede em outro Estado Membro da União Europeia, (…) e, portanto, não constituídos de acordo com a legislação nacional, com as disposições do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), especialmente, com o seu artº.63, normativo que consagra a liberdade de circulação de capitais. A necessidade de o Direito Europeu ser aplicado de modo uniforme em todo o território da União não se compadece com a aplicação discrepante das suas normas pelos diferentes Estados-Membros. Como o próprio Tribunal de Justiça salientou logo nos primeiros anos da sua actuação, o reenvio tende a assegurar a aplicação do Direito Comunitário, abrindo ao Juiz nacional um meio de eliminar as dificuldades que poderia trazer a exigência de atribuir ao Direito Europeu o seu pleno efeito, no quadro dos sistemas jurisdicionais dos mesmos Estados-Membros. Recorde-se que o direito europeu, originário ou derivado, vigora directamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do primado, da aplicabilidade directa e do efeito directo” (sublinhado nosso). [5]

 

6.14.  E, prossegue, referindo que “por força dos citados princípios da aplicabilidade directa e do primado, qualquer parte num litígio pode invocar em juízo, em apoio da sua pretensão, uma disposição comunitária e, se necessário, solicitar a desaplicação de norma nacional com ela incompatível. No caso "sub iudice", está em causa a apreciação de normas de direito interno (cf.v.g. artºs. 22, do E.B.F.) e a sua compatibilidade com a liberdade de circulação de capitais, estatuída no artº.63, do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). O citado artº.63, do TFUE, normativo que consagra o Princípio da Liberdade de Circulação de Capitais, tanto entre Estados-Membros da UE, como entre estes e Países Terceiros, tem como antecedente o artº.67, do TCE. Ora, para aferir se existe, ou não, uma situação de discriminação é necessário determinar, desde logo, se as duas situações são, ou não, comparáveis. Depois, partindo do princípio que, de facto existe comparabilidade entre as duas situações, impõe-se verificar se diferentes regras se aplicam a situações comparáveis, ou se as mesmas regras se aplicam a situações diferentes, dado que ambos os casos podem levar a uma discriminação no que diz respeito às liberdades económicas fundamentais (cf.v.g. acórdão Kerckhaert e Morres, do T.J.U.E., de 14/11/2006, Processo C-513/04, § 19; João Sérgio Ribeiro, Direito Fiscal da União Europeia, Tributação Direta, Almedina, 2018, pág.74). Mais, como regra, a condição de residente não é comparável com a de não residente, sendo este facto geral veiculado pelas decisões do Tribunal de Justiça Europeu. Contudo, em muitos casos, tendo como referência, nomeadamente, o elemento teleológico da disposição de direito interno, o Tribunal de Justiça Europeu entendeu que residentes e não residentes podem estar em situações comparáveis. Esta tendência foi iniciada com o caso Avoir Fiscal (cf. acórdão Avoir Fiscal, do T.J.C.E., de 28/01/1986, Processo 270/83, § 20; João Sérgio Ribeiro, ob. cit., pág.74 e seg.). Revertendo ao caso dos autos, deve considerar-se decisivo, para efeitos de comparabilidade, o facto de a lei portuguesa diferenciar expressamente, para efeitos de retenção na fonte, entre fundos de investimento residentes e não residentes, que não a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respectivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos seus investidores. Do ponto de vista do Estado-Membro que se considere, fundos residentes e não residentes estão numa situação comparável se ambos estão sujeitos à mesma tributação. Como sublinhou o TJUE no caso Santander Asset Management, quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação (cf. acórdão Santander Asset Management SGIIC, do T.J.U.E., de 10/05/2012, Processo C-338/11 e apensos, § 28). Chamando, agora, à colação o acórdão do TJUE de 17/03/2022, processo C-545/19 (cf. fls. 225 a 235-verso do processo físico) (…) do mesmo se podem retirar as seguintes conclusões, com interesse para a decisão do mérito deste recurso: a) Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a A (…) alega que, nos anos de 2015 e 2016, os OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa estavam sujeitos a um regime fiscal mais favorável do que aquele a que foi sujeita em Portugal, na medida em que, relativamente aos dividendos pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, esses organismos estavam isentos, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 3, do EBF, do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. A A (…) considera que, sendo tributada à taxa de 25 % sobre os dividendos que lhe são pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, é objeto de um tratamento discriminatório proibido pelo artigo 18.º TFUE, bem como de uma restrição à liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º TFUE. (§ 17); b) Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar-se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (§ 33); c) Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa. (§ 57); d) Um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado-Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra-se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (§ 69); e) Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes. Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis. (§ 73 e 74); f) No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado-Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (§ 83); g) Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. (§ 85). Em consequência, o TJUE expressa a seguinte declaração final: O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. Nestes termos, concluindo-se pela incompatibilidade do artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01 (a aplicável ao caso "sub iudice"), com o disposto no artº.63, do TFUE, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia, impõe-se a não aplicação do referido normativo nacional, de onde se deve concluir que a decisão arbitral recorrida não poderá manter-se, dado enfermar de erro de julgamento de direito, determinante da sua anulação, mais sendo a posição adoptada na decisão arbitral fundamento a que se encontra em conformidade com o direito e jurisprudência, europeus” (sublinhado nosso).

 

6.15.  Em conclusão, no Acórdão do STA identificado no ponto anterior é referido que “(…) 1 - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação; 2 - O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção; 3 - A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia. (…)” (sublinhado nosso).

 

6.16.  Complementando a posição assumida pelo AC STA (identificado nos pontos anteriores), orientado para uma situação de descriminação entre Estados-Membros) com o teor do AC STA 0806/21.7BELRS, de 29-05-2024 (que aqui se acompanha dadas as evidentes semelhanças com o caso em análise por envolver descriminação face a um País Terceiro - EUA) refira-se que “no caso dos autos, estamos face a acto tributário de retenção na fonte, a título definitivo, em sede de I.R.C. (…), incidente sobre dividendos auferidos pela entidade (…) na qualidade de detentor de participações no capital social de sociedade sediada em território português (…). Embora o IRC seja considerado um imposto periódico (…), o mecanismo de retenção na fonte de IRC., a título definitivo como é o caso dos autos, deve ser qualificado/considerado como configurando um imposto de obrigação única. Por outras palavras, a retenção de IRC incidente sobre pagamentos efectuados a entidades residentes no estrangeiro é feita a título definitivo e, como tal, deve considerar-se que o imposto a reter é de obrigação única (…)”.

 

6.17.  No caso dos autos, como acima referido, é pretendido anular os actos de retenção na fonte, a título definitivo, em sede de IRC em virtude de o Requerente entender que os mesmos consubstanciam uma concreta restrição à liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63º, do TFUE, norma vigente na ordem jurídica interna "ex vi" artigo 8º, nº 4, da CRP, tudo levando em consideração a jurisprudência do TJUE (acima já citada), principalmente, a constante do processo C-545/19, de 17/03/2022 [cfr. AC STA Pleno da 2ª Secção (28/09/2023), rec. 93/19.7BALSB, AC STA 2ª Secção (13/09/2023), rec. 715/18.7BELRS e AC STA 2ª Secção (08/05/2024), rec.2412/21.7BELRS].

 

6.18.  Com efeito, “o citado artigo 63º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), normativo que consagra o Princípio da Liberdade de Circulação de Capitais, tanto entre Estados-Membros da UE, como entre estes e Países Terceiros, tem como antecedente o artigo 67º do TCE sendo que a questão da comparação de situações envolvendo países terceiros (como é o caso dos presentes autos) coloca-se, essencialmente, a propósito da livre circulação do capital, situação que, nos termos do artigo 63º, nº 2, do TFUE, é aplicável a Estados terceiros. No exercício de comparabilidade que tem em vista determinar se existe uma situação de discriminação é necessário considerar, não só a lei fiscal de fonte interna, mas igualmente as convenções sobre dupla tributação (CDT) que, num número considerável de Estados, como é o caso de Portugal, são recebidas automaticamente no direito interno. Consequentemente, na decisão de um determinado caso o órgão judicial nacional deve levar em consideração os efeitos das mencionadas convenções sobre dupla tributação no respectivo direito nacional, antes de concluir se duas situações comparáveis são, ou não, tratadas de forma diferente, ou se duas situações diferentes são tratadas da mesma forma”.[6]

 

6.19.  No caso em análise, tendo em consideração a matéria dada como provada, foi aplicada a Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT), celebrada entre Portugal e os EUA( (aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República 39/95, de 21/06/1995, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República 73/95, de 12/10/1995) nos termos da qual está prevista a taxa de 15% (artigo 10º daquela CDT) relativamente à taxa retenção na fonte aplicável aos dividendos, taxa esta que foi efectivamente aplicável aos actos de retenção na fonte objecto do processo, não tendo o imposto retido sido objecto de dedução nos EUA.

 

6.20.  A este respeito, e citando a jurisprudência do STA (e o Pleno da 2ª Secção) quanto à mesma matéria, refira-se que aquele Tribunal Superior já se pronunciou em 28-09-2023, (no rec.93/19.7BALSB), sob a evocação do disposto no artigo 8º, nº 3, do Código Civil [cfr. AC STA 2ª Secção (13/09/2023), rec. 715/18.7BELRS e AC STA 2ª Secção (08/05/2024), rec. 2412/21.7BELRS], nos seguintes termos:

 

Resumidamente, pode concluir-se que o artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. Que a interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia. Que o citado Princípio da Liberdade de Circulação de Capitais, também se aplica em situações de comparabilidade face à legislação de Países Terceiros (como é o caso dos presentes autos)” (sublinhado nosso).

 

6.21.  Nestes termos, tendo em consideração a incompatibilidade do artigo 22º, nº 1, do EBF, com o artigo 63º do TFUE, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, dele excluindo as sociedades constituídas segundo legislações de Países Terceiros (como é o caso dos EUA), tem de se concluir que a retenção na fonte e o indeferimento expresso da reclamação graciosa interposta contra aqueles actos de retenção na fonte, enfermam de vício de violação de lei, o que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c), da Lei Geral Tributária (LGT), com o reembolso do imposto indevidamente retido.

 

6.22.  Em consequência do acima exposto, não assiste razão à Requerida quanto aos vícios de prova suscitados na Resposta.

 

Do pedido de reenvio prejudicial

 

6.23.  O Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, veio suscitar, “(…) porque está em causa uma questão de interpretação de Direito da União Europeia que [pode] suscita[r] dúvidas (…)”, um pedido de reenvio prejudicial através de submissão da “(…) respetiva interpretação ao TJUE competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE”, sobre o alcance da questão que concretiza.

 

6.24.  A este respeito, refira-se que, face ao acima exposto nesta decisão, não subsistem dúvidas a este Tribunal quanto ao sentido e alcance das disposições do direito da União Europeia analisadas, pelo que não se justifica o reenvio prejudicial, indeferindo-se o respectivo pedido.

 

Do reembolso do imposto pago com juros indemnizatórios

 

6.25.  E porque se determinou o reembolso do imposto, no que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.26.  De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

6.27.  Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)”.

 

6.28.  O reembolso do imposto e o pagamento de juros indemnizatórios é uma consequência da anulação administrativa, que impõe à Administração o dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse praticado, em consonância com o também estabelecido no artigo 43º da LGT.

 

6.29.  Neste âmbito, e quanto aos juros indemnizatórios, refira-se que por Acórdão de 29-06-2022, proferido no Processo nº 93/21.7BALSB, o Pleno do STA procedeu à harmonização de jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, nos seguintes termos:

 

Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs.1 e 3, da L.G.T.”.

 

6.30.  E, dado que se trata de jurisprudência uniformizada, a mesma deverá ser aqui acompanhada pelo que se decide que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data em que terminou o prazo para ser apreciada a reclamação graciosa, nos termos do nº 1 do artigo 57º da LGT.

 

6.31.  Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que terá de haver lugar ao reembolso do montante de imposto indevidamente retido, no total de EUR 132.935,25, acrescido dos juros indemnizatórios, calculados nos termos legais com termo inicial em 16-10-2022

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.32.  De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral” sendo que:

 

6.32.1.   Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito;

6.32.2.   Nos termos do nº 2 do referido artigo concretiza-se a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.33.  No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 e 22º, nº 4 do RJAT e artigo 4º, nº 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  1. DECISÃO

 

7.1.    Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral Colectivo:

 

7.1.1.     Julgar procedente o pedido de anulação dos actos de retenção na fonte efectuada em 2020 (entregue através das guias nº ... e nº ...), bem como o pedido de anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa interposta e, em consequência, determinar o reembolso ao Requerente do IRC indevidamente retido, no montante de EUR 132.935,25, acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais com termo inicial em 16-10-2022.

7.1.2.     Indeferir o pedido de reenvio prejudicial formulado.

7.1.3.     Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 132.935,25, porquanto corresponde ao valor do IRC indevidamente retido, indicado pelo Requerente e não contestado pela Requerida.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 3.060,00, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 03 de Setembro de 2024

 

As árbitras

 

 

(Regina de Almeida Monteiro - Presidente)

 

 

(Silvia Oliveira - Adjunta e Relatora)

 

 

 

(Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho- Adjunta)

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] Ainda que alguns dos documentos anexados pelo Requerente estejam redigidos em língua estrangeira (inglês), foi possível ao tribunal retirar dos referidos documentos os elementos probatórios necessários, torna-se desnecessário oficiar a tradução dos documentos juntos. (sugiro que esta nota passe para o ponto onde está colocada a nota 7.

[3] Neste sentido, podem ver-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 25-10-2000 (processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757), de 07-11-2001 (processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602), de 07-11-2001 (processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10- 2003, p. 2593).

[4] Neste âmbito, em conformidade com o teor do AC STA 0806/21.7BELRS, de 29-05-2024, vide AC STA 2ª.Secção (03/06/2020), rec. 688/11.7BECBR, AC STA 2ª.Secção (03/05/2023), rec. 998/12.6BELRS, AC STA 2ª.Secção (13/12/2023), rec. 1481/20.1BELRS, bem como João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, in “Manual de Direito Comunitário”, 5ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.405 e segts, Ana Maria Guerra Martins, in “Manual de Direito da União Europeia”, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.540 e segts e J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.264 e segts).

[5] Cf. artº.8, n.º 4, da CRP; ac. STA - 2.ªSecção, 3/06/2020, rec. 688/11.7BECBR; ac. STA - 2.ªSecção, 3/05/2023, rec. 998/12.6BELRS; João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.405 e seg.; Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, 2.ª Edição, Almedina, 2018, pág.540 e seg.; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4.ª Edição, 1.º Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.264 e seg.

[6] Cfr. Acórdão Bouanich do T.J.U.E. de 13/03/2014 (Processo C-375/12), AC STA 2ª Secção (13/12/2023), rec.1481/20.1BELRS e João Sérgio Ribeiro, in “Direito Fiscal da União Europeia, Tributação Direta”, Almedina, 2018, pág.77.