SUMÁRIO:
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A CSR é um imposto legalmente autonomizado do ISP, de que é um desdobramento (Lei nº 55/2002, de 31 de Agosto)
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Tendo sido formulado pedido de declaração de ilegalidade dos actos de repercussão da CSR e de actos de liquidação desta por parte da Requerente, que não é sujeito passivo de ISP, importa, em primeiro lugar, verificar a possibilidade de o Tribunal Arbitral se pronunciar sobre uns e sobre outros.
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Dado que os actos de repercussão são diferentes dos actos de liquidação e uma vez que, na situação em apreço, a competência legalmente atribuída aos Tribunais Arbitrais se circunscreve, nos termos do art. 2º, nº 1, alínea a) do RJAT, à apreciação dos actos de liquidação, os actos de repercussão são, em regra, inarbitráveis.
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Os únicos factos relevantes para apurar a legitimidade da Requerente para impugnar os actos de liquidação da CSR são os referentes às relações estabelecidas com os sujeitos passivos que intervieram nesses actos.
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O círculo de potenciais impugnantes dos actos de liquidação de impostos especiais de consumo coincide com o círculo de potenciais credores do reembolso, porque só eles podem invocar um interesse relevante, e está delimitado no art. 15º, nº 2 do CIEC.
DECISÃO ARBITRAL
REQUERENTE: A..., LDA
REQUERIDA: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
I - RELATÓRIO
A. AS PARTES. CONSTITUIÇÂO DO TRIBUNAL. TRAMITAÇÃO DO PROCESSO.
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No dia 31 de Janeiro de 2024, A..., Lda, com o NIPC nº ..., com sede na ..., ...-... ... (doravante, abreviadamente, designada por Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente, designado RJAT), visando a apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação da CSR praticados pela Autoridade Tributária (doravante, designada, abreviadamente, por Requerida), cujo encargo tributário, no montante de 35.383,35 euros, foi repercutido na sua esfera jurídica por fornecedores que identifica, a sua anulação e consequente restituição, acrescida de juros .
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No dia 02/02/2024, o pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 31/01/2024, foi aceite e automaticamente comunicado à AT.
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A Requerente apresentou a petição inicial assinada e com a indicação do valor da utilidade económica do processo, juntando procuração, comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem e cinco documentos.
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Em 09/02/2024, a Requerida dirigiu um requerimento ao Presidente do CAAD, no sentido de serem identificados os actos de liquidação que a Requerente pretendia ver sindicados.
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Em 09/02/2024, o Presidente do CAAD remeteu a questão do requerimento para o tribunal arbitral a constituir, por ser o competente para a sua apreciação.
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Em 23/02/2024, a Requerida comunicou a designação de juristas para a representar., tendo em 08/04/2024 procedido à sua alteração.
7. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea a) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, em 08/04/2024, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
8. Em 08/04/2024, as Partes foram notificadas dessa designação não tendo manifestado vontade de recusar.
9. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 10/04/2024.
10. Em 10/04/2024, o Tribunal Arbitral proferiu o despacho a que se refere o art. 17º do RJAT, o qual foi notificado nesta data.
11. No dia 10/05/2024, a Requerida apresentou a sua resposta defendendo-se por excepção e por impugnação, tendo procedido também à junção do processo administrativo (PA).
12. Em 10/05/2024, o Tribunal Arbitral proferiu um despacho concedendo o prazo de dez dias para a Requerente se pronunciar sobre as excepções deduzidas pela Requerida
13. Em 28/05/2024, a Requerente apresentou a sua resposta às excepções.
14. Em 05/06/2024, o Tribunal Arbitral proferiu um despacho dispensando a realização da reunião a que alude o art. 18º do RJAT e marcou um prazo de dez dias para alegações facultativas e sucessivas.
15. Em 20/06/2024, a Requerente apresentou as suas alegações.
16. Em 21/06/2024, a Requerida apresentou as suas alegações.
B. PRETENSÃO DA REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS
Para fundamentar a sua pretensão, alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
- O pedido de pronúncia arbitral é para apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação respeitantes à Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), cujo encargo tributário foi repercutido na esfera jurídica da Requerente pelos fornecedores B..., LDA., C..., S.A. e D..., S.A., na sequência da aquisição de 318.760 litros de gasóleo e, em face da qual suportou 35.382,35 Euros de CSR àquela entidade.
- A Requerente não se conforma com os atos tributários supra identificados, considerando, que os mesmos enfermarem de erro sobre os pressupostos de direito, razão pela qual pretende a respetiva anulação dos mesmos com as demais consequências legais.
- A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao fabrico de artigos de mármores e de rochas similares; Fabricação de artigos de granitos e de rochas similares; extração de granitos ornamentais e rochas similares; comercio por grosso de pedra e similares; comercio a retalho de outros produtos novos em estabelecimentos especializados nomeadamente pedra e similares; outras atividades de serviços de apoio prestados às empresas nomeadamente engenharia civil; comissionista; cedência de pessoal; serviços prestados e consultadoria; assentamento de guias e calçadas; Aluguer de veículos automóveis pesados e ligeiros; Transporte rodoviário de mercadorias; Aluguer de maquinas e equipamentos para construção e engenharia civil; Aluguer de outras máquinas e equipamentos.
- No período compreendido entre junho de 2019 e dezembro de 2022, a Requerente adquiriu, no âmbito da sua atividade comercial, 318.760 (trezentos e dezoito mil, setecentos e sessenta) litros de gasóleo às sociedades B..., LDA., C..., S.A. e D..., S.A. (doravante também designadas “Gasolineiras”).
CSR – VALORES ANUAIS
ANO
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LITROS ABASTECIDOS
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CSR SUPORTADA
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2019
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37.016
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4.108,77 €
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2020
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81.122
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9.004,54 €
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2021
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99.720
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11.068,92 €
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2022
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100.902
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11.200,12 €
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TOTAL
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318.760
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35.382,35 €
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- O preço por si pago por força da compra do combustível compreendeu, por força da repercussão efetuada pelas referidas Gasolineiras, os montantes suportados por esta entidade a título de CSR aquando da introdução dos combustíveis no consumo, ascendendo o encargo tributário repercutido sobre a Requerente a 35.382,35 Euros
- Por não se conformar com os atos tributários em questão, a Requerente apresentou a revisão oficiosa e a presente pronuncia arbitral, no âmbito da qual expõe as razões em que alicerça a sua posição e pelas quais considera padecerem tais atos de ilegalidade, determinante da respetiva anulação nos termos do artigo 163.º do CPA, tudo com as demais consequências legais.
- A questão decidenda em sede da presente impugnação, assim como da revisão oficiosa ora indeferida tacitamente, consiste em aferir da legalidade dos atos de liquidação de CSR acima identificados..
- No entender da Requerente, tais atos tributários são ilegais e, consequentemente, anuláveis, em virtude:
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Da preterição do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva IEC e, por via disso, da violação do princípio do primado do Direito europeu ínsito no artigo 8.º, n.º 4, da CRP; e
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Da violação do princípio da igualdade fiscal, decorrente da violação do subprincípio da capacidade contributiva, ínsitos no artigo 13.º da CRP.
- Nos termos da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, a CSR «visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E.P.E.» (cfr. artigo 1.º), constituindo «a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis» (cfr. artigo 3.º, n.º 1).
- Em conformidade com este objetivo, o artigo 6.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, atribui a titularidade da receita proveniente da CSR à EP – Estradas de Portugal, E.P.E., entidade responsável pela «conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional» (cfr. artigo 8.º da mesma Lei).
- Pelo Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, a EP – Estradas de Portugal, E.P.E. foi incorporada por fusão na Rede Ferroviária Nacional – REFER, E.P.E. (então responsável pela gestão das infraestruturas relacionadas com a ferrovia), tendo passado a designar-se Infraestruturas de Portugal, S.A.
- Passando à respetiva incidência, estipula o artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que «[a] contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações».
- Recorrendo, em virtude da remissão legal operada pela norma transcrita, ao Código dos Impostos Especiais de Consumo (“CIEC”), imediatamente se conclui, por interpretação conjugada dos artigos 4.º e 7.º a 9.º, que o sujeito passivo da CSR será, à semelhança do que sucede com o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (“ISP”), aquele que introduzir no consumo os combustíveis fósseis.
- Já de um ponto de vista objetivo, estabelece o artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos a ISP e dele não isentos.
- Verifica-se, assim, uma total coincidência entre a CSR e o ISP em termos de incidência quer objetiva, quer subjetiva.
- Ora, à primeira vista, a CSR e o ISP distinguem-se (i) porque a primeira é qualificada como contribuição e o segundo como imposto e (ii) porque a primeira se destina a financiar a atividade de uma entidade específica enquanto o segundo visa financiar as funções gerais do Estado.
- Em face desta enorme similitude entre os dois tributos, cumpre antes de mais aferir se os mesmos poderão verdadeiramente ser considerados distintos na sua natureza ou se, em alternativa, a CSR é, afinal um verdadeiro imposto.
- Estas contribuições, embora sejam ainda caracterizáveis como tributos comutativos, não traduzem um efetivo sinalagma, nem se configuram como contrapartidas diretas de prestações públicas aproveitadas individualmente por um beneficiário concreto, distinguindo-se, assim, das taxas, uma vez que estas últimas «assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares» (cfr. artigo 4.º, n.º 2, da LGT).
- No entender da Requerente, «[o] elemento distintivo mais saliente das contribuições financeiras face aos impostos é a finalidade compensatória a que se dirigem» – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0812/17, de 26 de setembro de 2018.
- Por outro lado, ao contrário do que sucede com os impostos, as contribuições financeiras não visam financiar a atividade pública geral do Estado ou de outras entidades públicas, antes se configurando como tributos de caráter comutativo destinados ao financiamento das atividades de entidades públicas que afetam indireta ou presumivelmente os respetivos sujeitos passivos.
- Tudo ponderado, a classificação de um tributo como imposto, taxa ou contribuição financeira depende (i) da existência de comutatividade (e respetivo grau) e (ii) do destino das receitas auferidas com a sua liquidação e cobrança.
- Assim, estar-se-á perante um imposto quando não se identifique qualquer contrapartida para o sujeito passivo – que paga o tributo com vista ao financiamento de funções gerais do Estado, igualmente dirigidas a todos os cidadãos –; perante uma taxa quando se identifique uma contraprestação especificamente dirigida ao sujeito passivo – que paga o tributo em razão da obtenção pessoal de uma contrapartida e para compensar essa mesma prestação – e perante uma contribuição quando, identificando-se uma contraprestação administrativa, o seu aproveitamento pelo sujeito passivo é meramente presumido ou indireto.
- Neste contexto, conclui-se que, a menos que se identifique uma contraprestação administrativa que presumivelmente beneficie o conjunto dos sujeitos passivos da CSR – ou, em alternativa, que se verifique uma motivação extrafiscal que, visando modelar o comportamento desses mesmos sujeitos passivos, justifique a imposição deste tributo –, a mesma não poderá ser configurada como uma contribuição financeira, antes sendo um verdadeiro imposto.
- Para efeitos de análise deste ponto, importa antes de mais aferir se (e em que medida) é possível agrupar os sujeitos passivos da CSR, para subsequentemente discernir da existência de uma justificação para a liquidação e cobrança deste tributo.
- Não se identifica qualquer contraprestação destinada – ainda que de forma indireta e presumida – aos sujeitos passivos da CSR que permita configurar este tributo como uma contribuição financeira, nem tão-pouco se verifica qualquer motivação extrafiscal que justifique a incidência da CSR.
- Olhando agora para o conjunto dos contribuintes sobre os quais vai recair – por repercussão – o encargo inerente à CSR, conclui-se que os mesmos serão os adquirentes de combustíveis fósseis, os quais serão à partida titulares de veículos com motores de combustão que utilizarão presumivelmente as estradas portuguesas.
- Sucede que, por um lado, nem todas as estradas portuguesas se integram na rede rodoviária nacional – podendo os adquirentes de gasóleo e gasolina limitar-se a utilizar, por exemplo, estradas municipais, caso em que não se justifica onerá-los com um encargo relativo à construção e manutenção de vias que nem sequer utilizam –, e, por outro, nem todos os utilizadores da rede rodoviária nacional são adquirentes destes combustíveis – verificando-se, aliás, um aumento progressivo no número de veículos elétricos em circulação em Portugal, os quais serão também utilizadores das vias rodoviárias a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A..
- Assim, com a afetação das receitas provenientes da CSR a uma entidade que não se dedica apenas à construção e manutenção da rede rodoviária nacional, não pode sequer inferir-se que as receitas se dirigem ao fim que vem descrito no artigo 6.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, antes se destinando ao financiamento da atividade da Infraestruturas de Portugal, S.A., a qual inclui também a construção e manutenção da ferrovia.
- Assim se conclui pela ausência de qualquer contraprestação indireta e presumivelmente destinada aos contribuintes sobre quem recai o encargo da CSR – os repercutidos – que justifique a sua oneração com este tributo.
- Por outro lado, não se alegue que a CSR visa dissuadir algum comportamento, designadamente «[…] [dissuadi-los] de utilizarem essa rede ou […] [incentivá-los] a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes», uma vez que, conforme referido pelo TJUE no Despacho proferido a 7 de fevereiro de 2022 no âmbito do Processo Vapo Atlantic (C-460/21), não existe qualquer evidência dessa intenção legislativa.
Por outro lado, pese embora a CSR venha a onerar combustíveis particularmente poluentes – os combustíveis fósseis –, não pode sequer invocar-se qualquer intenção legislativa de incentivar a aquisição de veículos mais ecológicos (por exemplo, movidos a gás ou eletricidade) ou a utilização de transportes públicos, uma vez que tal intenção se encontra subjacente ao ISP, não podendo justificar-se uma multiplicidade de tributos incidentes sobre a mesma realidade.
- Pelo que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, limita-se a consignar genericamente a receita decorrente da CSR à Infraestruturas de Portugal, S.A., não estabelecendo qualquer contrapartida indireta ou presumivelmente aproveitada pelos sujeitos passivos da CSR nem tão-pouco evidenciando qualquer objetivo extrafiscal de modelação de comportamentos desses mesmos sujeitos passivos.
- Neste contexto, não pode senão concluir-se que a CSR é, não uma contribuição financeira, mas um verdadeiro imposto, dado o seu carácter inequivocamente unilateral.
- E nesse sentido importa agora verificar a legalidade da cobrança do mesmo e a legitimidade da requerente para apresentar o pedido de revisão oficiosa que foi alvo de indeferimento tácito, assim como da presente impugnação.
- A Requerente entende que tendo suportado o encargo inerente às liquidações de CSR acima identificadas, é titular de um interesse legalmente protegido tendente à respetiva anulação e ao reembolso dos montantes ilegalmente liquidados, como se irá demonstrar.
- Alegando que, para tal, tem legitimidade para apresentação da revisão oficiosa.
- Pois, nos termos do artigo 9.º, n.os 1 e 2, da LGT:
«1 - É garantido o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efetiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos.
2 - Todos os atos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos são impugnáveis ou recorríveis nos termos da lei».
- Esta disposição legal consubstancia uma decorrência do princípio fundamental do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, ínsito no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, assumindo-se como princípio basilar dos direitos dos contribuintes e não podendo, em consequência, a sua aplicação ser restringida ou coartada sem um motivo válido.
- De acordo com o artigo 65.º da LGT, «[t]êm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido».
- Dispondo, por sua vez, o artigo 9.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”):
«Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido».
- E, nos termos do artigo 95.º n.º 1 da LGT está exposto que:
«O interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o ato lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, seguindo as formas do processo prescritas na lei».
- Assim, tanto de acordo com a LGT como com o CPPT, têm legitimidade para intervir no procedimento e no processo tributário todos aqueles que demonstrem ter um interesse legalmente protegido cuja tutela dependa desse procedimento ou processo, ainda que não sejam legalmente responsáveis pelo cumprimento de quaisquer obrigações tributárias.
- De facto, a legitimidade no procedimento e processo tributário não se confunde com a qualidade de sujeito passivo, sendo certo que, como os n.os 3 e 4 do artigo 18.º da LGT indiciam, é atribuída legitimidade procedimental e processual a entidades que não se qualificam como sujeitos passivos, designadamente em situações de repercussão do pagamento do imposto.
- A legitimidade atribuída ao repercutido justifica-se com o facto de recair sobre si o encargo patrimonial inerente ao pagamento da prestação tributária, circunstância que o torna naturalmente lesado caso o montante liquidado não se mostre legalmente devido.
- Em qualquer situação de repercussão do pagamento do imposto – independentemente de se tratar de repercussão legal ou voluntária –, verifica-se uma diminuição do património pessoal do repercutido, o qual suporta um encargo tributário sem ter qualquer participação no procedimento de liquidação.
- Neste contexto, não se descortina qualquer razão que justifique distinguir a repercussão legal de outras situações de repercussão de facto para efeitos de aferição da legitimidade procedimental ou processual do repercutido, contanto que a transmissão do encargo do imposto seja provado, como é o presente caso.
- Assim, terá de se concluir necessariamente que o repercutido será, independentemente da modalidade de repercussão, titular de um interesse legalmente protegido justificativo da atribuição de legitimidade procedimental e processual para discussão da legalidade da dívida tributária, tudo nos termos dos artigos 9.º, n.os 1 e 2, e 65.º da LGT, e 9.º, n.º 1, do CPPT.
- Esta interpretação encontra respaldo no Despacho proferido pelo TJUE a 7 de fevereiro de 2022 no âmbito do Processo Vapo Atlantic (C-460/21), o qual, pese embora se refira à legitimidade ativa do sujeito passivo da CSR e não do repercutido, faz uma interpretação da repercussão que vai ao encontro do que aqui defendemos.
- De facto, segundo o referido órgão jurisdicional, a legitimidade do sujeito passivo depende da ausência de repercussão do encargo do imposto, importando aferir se esse encargo foi suportado pelo próprio sujeito passivo – caso em que terá legitimidade – ou por um terceiro – caso em que o sujeito passivo não terá legitimidade dado que a anulação das liquidações teria como consequência o seu enriquecimento sem causa por via da devolução de um montante de imposto que efetivamente não suportou.
- Transpondo este entendimento – a contrario sensu – para a análise da legitimidade procedimental e/ou processual do repercutido, necessariamente se conclui pela total irrelevância da modalidade de repercussão, havendo apenas que aferir quem de facto suportou o encargo do imposto.
- Por outras palavras, aquele que demonstrar ter suportado o encargo do imposto terá legitimidade procedimental e/ou processual para contestar a legalidade das liquidações, quer detenha ou não a qualidade de sujeito passivo.
- Ora, conforme supra se referiu, a CSR incide sobre os sujeitos passivos de ISP – i.e., sobre os responsáveis pela introdução no consumo dos combustíveis fósseis.
Acontece que, o encargo inerente ao pagamento desses valores foi transferido para a esfera da Requerente.
- Sem prejuízo desse facto, como supra se referiu e inequivocamente resulta dos Docs. 1, 2, 3 e 4 junto à presente pronúncia arbitral, o encargo inerente ao pagamento desses valores foi transferido pelo respetivo sujeito passivo para a esfera da Requerente.
- Com efeito, pese embora a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto não preveja expressamente uma obrigação legal de repercussão sobre os consumidores finais dos combustíveis, tal obrigação decorre, ainda assim, do disposto no artigo 2.º daquele diploma onde se pode ler que «[o] financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável» e do previsto no artigo 3.º, de acordo com o qual «[a] contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis».
- Acresce que, a Autoridade Tributária tem vindo a defender a repercussão do encargo da CSR nos adquirentes de combustíveis.
- Note-se que, de acordo com a Lei n.º 24-E/2022, publicada a 30 de dezembro, pretendeu o legislador introduzir no artigo 2.º do CIEC uma referência expressa à imposição legal de repercussão dos impostos especiais de consumo, atribuindo-se, no artigo 6.º da referida Lei, natureza interpretativa a tal alteração legislativa.
- Reconhecendo o legislador tributário de que a repercussão sempre foi obrigatória nos impostos especiais de consumo, nos quais se insere a CSR, o que não poderá deixar de ser relevado para efeitos de aferição da legitimidade procedimental e processual dos adquirentes de combustíveis fósseis.
- Neste contexto, sendo indiscutível a repercussão efetiva do encargo tributário na esfera jurídica da Requerente, e tendo disso a Autoridade Tributária perfeito conhecimento, necessariamente se conclui, nos termos dos supra referidos artigos 9.º, n.os 1 e 2, e 65.º da LGT, e 9.º, n.º 1, do CPPT, que a Requerente tinha legitimidade para a apresentação do pedido de revisão oficiosa, assim como da apresentação da presente pronuncia arbitral, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
- Não obstante, caso o considere necessário, requer-se ao Tribunal Arbitral que, a coberto do princípio do inquisitório plasmado no artigo 99.º da LGT, oficie as B..., LDA., C..., S.A. e D..., S.A., no sentido de vir confirmar se repercutiu o encargo com a CSR, subjacente ao combustível transmitido à Requerente, para a esfera jurídica desta última.
- Finalmente, estando os comercializadores de combustíveis obrigados, nos termos do artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2019, de 11 de janeiro, a disponibilizar informação quanto aos montantes repercutidos nos consumidores, e sendo a página web dos comercializadores obrigatoriamente comunicada à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (cfr. artigo 15.º, n.º 1, do mesmo diploma), requer-se à Autoridade Tributária que oficie esta entidade a disponibilizar toda a informação relevante de que dispõe – e que não seja já possível consultar online –, a qual inequivocamente atestará ter o encargo tributário em referência sido repercutido na esfera jurídica da Requerente.
Da violação da Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, da Directiva IEC
- A CSR é um imposto que incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos a ISP e dele não isentos (cfr. artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto).
- Atendendo ao seu objeto, a CSR pode ser classificada como um imposto indireto,
- Por outro lado, como decorre do artigo 1.º, n.º 1, alínea a), da Diretiva IEC e, bem assim, 1.º, alínea b), do CIEC, o ISP é um imposto especial de consumo.
Ora, de acordo com o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva IEC, «[o]s Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções».
- Dispondo o artigo 1.º, n.º 3, alínea a), da Diretiva IEC:
«Os Estados-Membros podem cobrar impostos sobre: […] Produtos não sujeitos a impostos especiais de consumo».
- Da interpretação conjugada destas disposições legais retira-se, a contrario sensu, que os Estados-Membros não poderão fazer incidir sobre os combustíveis fósseis outros impostos especiais de consumo para além do ISP, a menos que (i) tal se justifique por motivos específicos e (ii) sejam respeitadas as regras europeias aplicáveis em matéria de impostos especiais de consumo e de imposto sobre o valor acrescentado, sendo ambos os requisitos de verificação cumulativa (cfr., neste sentido, os Acórdãos Jordi Besora – Processo C-82/12,§ 22; Statoil Fuel & Retail – Processo C- 553/13, §36; e Vapo Atlantic – Processo C-460/21, §20 a 22).
- Tal significa que a legalidade da CSR dependerá, antes de mais, da demonstração da existência de motivos específicos que, à luz da Diretiva IEC, justifiquem a sua liquidação e cobrança.
- Em resumo, a afetação da receita proveniente da liquidação e cobrança da CSR à Infraestruturas de Portugal, S.A. é insuscetível de, por si só, demonstrar a existência de um motivo específico na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva IEC, uma vez que se reconduz a uma finalidade puramente orçamental.
Seria sempre necessário ir para além dessa finalidade orçamental – embora a mesma possa ser considerada enquanto indício da motivação subjacente à liquidação do tributo – e demonstrar a existência de uma conexão entre o encargo tributário e um objetivo não-orçamental que justifique a sua imposição.
- Tal não significa, naturalmente, que a existência de um motivo específico na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva IEC implique a ausência de qualquer finalidade orçamental associada à tributação em causa.
- Assim, a diretiva exige para além da motivação orçamental subjacente a qualquer imposto, que se identifique um outro propósito, designadamente de cariz económico, social ou ambiental, que justifique a tributação.
- De acordo com a jurisprudência do TJUE, o preenchimento do conceito de “motivo específico” na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva IEC depende da verificação (i) de uma relação direta entre o destino das receitas provenientes da liquidação do imposto e a suposta finalidade da tributação, ou (ii) de que o imposto, considerada a técnica legislativa adotada, é suscetível de dissuadir os contribuintes de adotarem os comportamentos que se pretendem modelar através da tributação.
- Ou seja, o conceito de “motivo específico” em causa depende sempre da demonstração da existência de um nexo juridicamente relevante entre a finalidade da tributação e o destino das receitas dela provenientes ou, em alternativa, entre a finalidade da tributação e o efeito prático decorrente da sua imposição.
- Ora, no caso em análise, e conforme supra se referiu, constata-se que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, se limita a referir que a CSR visa o financiamento da «conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento» da rede rodoviária nacional, constituindo a contrapartida pela sua utilização (cfr. artigo 3.º, n.º 1, do mesmo diploma).
- Assim, a partir da análise deste diploma legal, não se descortina qualquer motivo subjacente à imposição da CSR que não seja puramente orçamental, materializado no financiamento da Infraestruturas de Portugal, S.A.
- E, ainda que se procurasse um qualquer motivo justificativo não plasmado diretamente na lei, designadamente, um motivo ambiental relacionado com a poluição decorrente da utilização de combustíveis fósseis derivados do petróleo – o que em teoria faria sentido, uma vez que os veículos elétricos e a gás não são onerados com o tributo em apreciação –, certo é que, como supra se referiu, essa motivação já se encontra subjacente à liquidação do ISP, não preenchendo por isso o conceito de motivo específico para a imposição de um novo tributo.
- Sendo certo que, a receita da CSR é alocada à Infraestruturas de Portugal, S.A., entidade que, para além da conceção, desenvolvimento e exploração da rede rodoviária nacional – competências que herdou da EP – Estradas de Portugal, E.P.E. –, é ainda responsável pela conceção, desenvolvimento e exploração da rede ferroviária nacional – competências que herdou da Rede Ferroviária Nacional – REFER, S.A.
- Inexistindo qualquer mecanismo legal que assegure que a receita proveniente da liquidação da CSR é alocada especificamente ao desenvolvimento da rede rodoviária nacional, podendo ser afetada pela Infraestruturas de Portugal, S.A. à manutenção e desenvolvimento da ferrovia, facilmente se constata a ausência de qualquer nexo juridicamente relevante entre a liquidação e cobrança deste tributo e um qualquer objetivo ambiental relacionado com a utilização pelos repercutidos de veículos com motores de combustão.
- Pelo que, necessariamente se conclui que inexiste qualquer motivo específico que, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva IEC, justifique a imposição da CSR, uma vez que (i) não se identifica qualquer objetivo extrafiscal distinto do subjacente ao ISP e (ii) a receita decorrente da CSR pode ser indistintamente afeta à atividade da Infraestruturas de Portugal, S.A. relacionada com a rede rodoviária nacional e com a rede ferroviária nacional.
- Na ausência de qualquer conexão entre a liquidação e cobrança da CSR e um qualquer objetivo juridicamente atendível, distinto do ISP e sem cariz meramente orçamental, é manifesta a ilegalidade da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por preterição do disposto no artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva IEC.
- Prevalecendo o Direito europeu sobre o Direito interno conflituante dos Estados-Membros, tendo em consideração o princípio do primado previsto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, conclui-se pela prevalência do primeiro sobre o segundo, impondo-se a não aplicação da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto e sendo consequentemente ilegais todas as liquidações de CSR efetuadas ao abrigo deste diploma legal.
- Pelo que, são ilegais e, consequentemente, anuláveis ao abrigo do artigo 163.º do CPA, as liquidações de CSR melhor identificadas no frontispício deste requerimento, em virtude da violação do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva IEC e, por via disso, do princípio do primado do Direito europeu, estabelecido no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
Da inconstitucionalidade da Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, por preterição do princípio da igualdade (art. 13º da CRP).
- Classificando-se a CSR como um imposto, a sua conformidade à CRP e, mais concretamente, ao princípio fundamental da igualdade, previsto no artigo 13.º CRP, afere-se através da aplicação do princípio da capacidade contributiva, segundo o qual cada sujeito passivo deverá contribuir para o financiamento das funções gerais do Estado na medida da respetiva força económica.
- Ora, considerando que os impostos se destinam ao financiamento das funções gerais do Estado, para o bem comum de todos cidadãos, mas que nem todos são titulares da mesma força económica, o critério de repartição justa dos encargos públicos não impõe que todos paguem os mesmos impostos, mas antes que todos contribuam na medida das suas concretas possibilidades, assim se materializando uma ideia de redistribuição e de solidariedade.
- Por outras palavras, o que o princípio da igualdade impõe é que seja estabelecido um critério adequado, não arbitrário, que diferencie a carga tributária em função da capacidade contributiva de cada cidadão, onerando mais aqueles que possuem uma maior força económica.
- Em face do exposto, conclui-se que o princípio da igualdade fiscal, previsto no artigo 13.º da CRP, impõe que os impostos sejam pagos por todos os contribuintes na medida da respetiva capacidade contributiva, uma vez que as utilidades financiadas com as receitas deles provenientes são igualmente aproveitáveis por todos.
- Se um imposto vem, por exemplo, onerar em exclusivo (ou mais intensamente) alguns cidadãos ou setores de atividade, terá necessariamente de concluir-se pela respetiva inconstitucionalidade por violação do mencionado princípio fundamental da igualdade.
- A CSR foi criada com o alegado propósito de servir de contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional – atualmente, a Infraestruturas de Portugal, S.A. –, destinando-se as respetivas receitas a financiar a atividade da empresa pública concessionária da rede nacional rodoviária, i.e., a custear a «conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional».
- Sucede que o universo de sujeitos que beneficia da atividade da Infraestruturas de Portugal, S.A. extravasa em muito o conjunto dos sujeitos passivos da CSR e, até, dos contribuintes onerados com a CSR por via da repercussão do seu encargo, sacrificando-se um conjunto de contribuintes com o intuito de custear uma realidade que beneficia a generalidade dos cidadãos.
- Sendo certo que, uma boa rede rodoviária beneficia todos os cidadãos e entidades que operam em Portugal, independentemente da sua forma de locomoção (com recurso a transporte público ou particular), do tipo combustível dos seus veículos (gasolina, gasóleo, gás e/ou eletricidade) e do setor de atividade em que operam.
- Por outro lado, não se identifica qualquer nexo entre a aquisição de combustíveis fósseis e uma utilização especialmente intensa das estradas incluídas na rede rodoviária nacional, sendo certo que (i) os adquirentes dessa matéria-prima poderão limitar-se a utilizar vias excluídas dessa rede, como por exemplo as estradas municipais e (ii) não está demonstrado que todos veículos com motores de combustão utilizem de forma mais intensa as vias integradas na rede rodoviária nacional, podendo suceder em alguns casos que a utilização por veículos elétricos e a gás seja até mais intensa.
- Finalmente, considerando que a Infraestruturas de Portugal, S.A. tem também a seu cargo o desenvolvimento da ferrovia, poderá suceder que as receitas da CSR sejam alocadas, pelo menos em parte, a essa tarefa, o que corresponderá à oneração dos adquirentes de combustíveis fósseis com um tributo que não só não os beneficia diretamente – porque, enquanto adquirentes de combustíveis, deslocar-se-ão tipicamente em veículo próprio –, como inclusivamente beneficiará outros cidadãos – os utilizadores da ferrovia – que, ainda que tenham uma capacidade económica semelhante ou superior à sua, não serão onerados com o encargo porque não adquirem combustíveis fósseis.
- E nesse caso verifica-se uma total falta de coincidência entre os contribuintes que – por via da liquidação e cobrança da CSR – custeiam o desenvolvimento da ferrovia, e aqueles que beneficiam desse desenvolvimento – enquanto utilizadores dos comboios –, circunstância que se revela profundamente injusta e injustificada.
- Em face do exposto, ao fazer incidir um imposto sobre um conjunto restrito de contribuintes, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, padece de inconstitucionalidade material, por preterição do princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP, na medida em que onera de forma injustificada um conjunto de contribuintes em face do seu setor de atividade económica, fazendo-os contribuir em maior medida para o financiamento de funções do Estado igualmente aproveitáveis por todos os cidadãos.
- Sendo inconstitucional o seu regime jurídico, são consequentemente ilegais todas as liquidações de CSR, designadamente, as melhor identificadas no frontispício desta petição, o que naturalmente implica a sua anulação nos termos do artigo 163.º do CPA e a consequente restituição dos montantes ilegalmente liquidados e subsequentemente repercutidos na esfera jurídica da Requerente, com as demais consequências legais.
Do direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43º, nº 3, alínea c) da LGT.
- Sendo a presente impugnação considerada procedente, deve a Requerente ser reembolsada do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 100.º n.º 1 da LGT.
- De acordo com o artigo 43.º, n.º 1:
«São também devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável laos serviços de que resulte pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
- De acordo com o artigo 100.º n.º 1 da LGT:
«A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».
- De facto, como resulta dos documentos n.os 1, 2, 3 e 4, entre junho de 2019 e dezembro de 2022, a Requerente suportou CSR no montante global de 35.382,35 Euros.
- Ora, padecendo os atos tributários de liquidação do vício de violação de lei, como amplamente ficou demonstrado, impõe-se a respetiva anulação nos termos do artigo 163.º do CPA, o que não poderá deixar de ser reconhecido em sede da presente pronúncia arbitral.
- Em consequência, no cenário de a presente impugnação ser procedente, requer-se a V. Ex.ª, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 100.º n.º 1 da LGT, a satisfação do direito da Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios.
Em conclusão:
Deve a presente pronúncia arbitral ser julgada procedente e provada, e, em consequência serem anulados os atos tributários melhor identificados no frontispício desta petição com as mais consequências legais, designadamente a restituição do montante indevidamente suportado de 36.382,35 euros, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios, calculados nos termos do arts. 43º, nº 1 e 100º, nº 1 da LGT
A Requerente juntou documentos e procuração
C. RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS
Notificada para responder, a Requerida veio defender-se por excepção e por impugnação,
Por excepção:
Da ineptidão da Petição Inicial
Da falta de objecto:
- A ineptidão da petição inicial ocorre quando esta contém deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade, determinando a nulidade de todo o processo e absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.
- Conforme dispõe expressamente o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, do pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral.
- Resultando que a identificação do(s) ato(s) tributário(s) que constituam o objeto do pedido é condição essencial para a aceitação do pedido de constituição de tribunal arbitral.
- Ora, contemplando o presente pedido arbitral, facilmente se constata que este não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento/petição inicial, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido, pois, como é de notar, a Requerente alude a diversos atos tributários, sem que, em momento algum, identifique quaisquer atos de liquidação de ISP/CSR praticados pela administração tributária e aduaneira, nem as DIC submetidas pelo sujeito passivo de imposto.
- A Requerente limitou-se a identificar e apresentar faturas de aquisição de combustíveis às suas fornecedoras, alegando que esta terá, na qualidade de sujeito passivo de ISP/CSR, procedido à introdução no consumo dos produtos adquiridos pela Requerente, faturas estas que, no entanto, não comprovam qualquer ato tributário e de onde também não resultam provados quaisquer atos de repercussão da CSR”.
Da ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e a sua causa de pedir.
- Termos em que, ainda que a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial seja de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 196º do CPC (aplicável ex vi da al. e) do n.º 1 do artigo 29º do RJAT), invoca-se a mesma na presente sede por uma dupla razão: a não- identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral, o que compromete irremediavelmente, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, a finalidade da petição inicial, e a contradição entre o pedido e a causa de pedir, levando à nulidade de todo o processo nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 186.º e da alínea b) do artigo 577.º, ambos do CPC.
A ilegitimidade processual e substantiva da Requerente.
- Nos presentes autos vem a Requerente peticionar pela anulação das liquidações de CSR referentes ao gasóleo rodoviário que adquiriu às fornecedoras acima identificada no período compreendido entre junho de 2019 e dezembro de 2022.
- A Requerente fundamenta a sua pretensão com base no alegado facto de ter suportado, na íntegra, os valores correspondentes à CSR, aquando da alegada repercussão dos mesmos na sua esfera por parte das fornecedoras de gasolina e gasóleo rodoviário, no âmbito das transações com esta celebradas.
- Face ao alegado, a Requerente invoca um consequente direito ao reembolso de todas as quantias que, alegadamente, suportou, às quais se deverão fazer acrescer os respetivos juros indemnizatórios.
- Ora, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo de produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago.
- No âmbito dos impostos especiais de consumo são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo.
- As liquidações de imposto são emitidas tendo como sujeito apenas estas entidades, sendo-lhes expressamente reservado o direito de identificar tais atos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados – artigos 15.º e 16.º do CIEC.
- Estas disposições legais fundamentam-se no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.
- Diferentemente do que ocorre no âmbito dos impostos plurifásicos, como é o caso do IVA, que incidem em todas as fases do circuito económico, através do crédito do imposto a jusante e do débito a montante.
- À opção do legislador não terá, certamente, sido alheio o facto de a liquidação do ISP, que tem por base as DIC, abranger vendas efetuadas a um vasto conjunto de entidades que são totalmente alheias à relação jurídica tributária.
- Assim, no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo, encontra-se previsto no CIEC um regime específico, e, conforme referem Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira: “O reembolso por erro corresponde, materialmente, à revisão do ato tributário, com fundamento em erro dos serviços, previsto no artigo 78º da LGT, aqui com um prazo mais curto de 3 anos” (in “Os Impostos Especiais de Consumo”, Editora Almedina, 2016, a págs. 364).
- Inexistindo, assim, qualquer dúvida, que, no que concerne aos impostos especiais sobre o consumo, o regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação.
- O que decorre, expressamente, do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR, ao estabelecer que, quanto às matérias de “liquidação, cobrança e pagamento” da CSR, se aplica o CIEC, disciplina regulada no Capítulo II, da Parte Geral, relativo, precisamente, à liquidação, cobrança e pagamento, no qual se inserem as disposições relativas ao reembolso.
- Sendo que, tal como ocorre no âmbito dos IEC, e em outros tipos de impostos, as disposições especiais previstas nos respetivos códigos prevalecem sobre as normas gerais previstas na LGT e no CPPT.
- E, nos termos do artigo 15.º do CIEC, apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago, os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.
- Dispondo, também o n.º 1, do artigo 78.º, da LGT, que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária.
- O que corrobora o estabelecido no CIEC quanto ao titular do direito de revisão do ato tributário, já que, como decorre do n.º 2 do artigo 15.º, conjugado com o artigo 16.º, daquele código, só podem solicitar a revisão oficiosa os sujeitos passivos e a administração tributária.
- Como tal, no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto.
- Estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia de comercialização de combustíveis (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais).
- No caso concreto, não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica dos repercutidos económicos ou de facto, não podendo as entidades, em que alegadamente teria sido repercutido o imposto, apresentar pedidos de revisão ou de reembolso por erro.
- Não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não tem legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral. ,porque a Requerente de reembolso não corresponde à entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento do ISP, e da CSR, carece esta de legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações e consequente reembolso do montante correspondente – vide artigo 15.º, n.º 2, do CIEC.
- Refira-se que esta situação contém duas relações jurídicas distintas: a relação jurídica tributária de direito público, pela qual o Estado é credor de uma certa quantia de um sujeito passivo, e a relação jurídica de direito privado, pela qual os adquirentes do combustível, na medida em que entendem ser repercutidos, podem vir a ter o direito de exigir uma certa quantia do sujeito passivo.
- O que é inaceitável é que a Requerente solicite à AT o reembolso de um tributo que nunca entregou ao Estado.
- .. Sendo certo que a Requerente não é a entidade responsável pela introdução no consumo, diga-se, também, que não existe qualquer outra via pela qual esta assumiria a qualidade de parte legítima nos presentes autos, nem mesmo pela alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, que confere o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral a quem, não sendo sujeito passivo, suporte o encargo do imposto por repercussão legal.
- Tendo em conta o predito normativo, a Requerente ambiciona ser considerada enquanto titular de um interesse legalmente protegido para os efeitos do n.º 1 do artigo 9.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), em conjugação com o artigo 65.º da LGT, e por isso, parte legítima no presente processo. e, no caso concreto, não se está, sequer, perante uma alegada situação de repercussão legal, porquanto a repercussão da CSR tem natureza meramente económica ou de facto.
- O entendimento de que a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto, está também plasmado nas decisões arbitrais.
- O valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelos adquirentes dos combustíveis.
- Do exposto resulta que, por um lado, apenas os sujeitos passivos de imposto que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago. O qual não é, certamente, o caso da Requerente.
- Por outro, também não se assiste, no âmbito da CSR, à prática de uma repercussão legal, caso em que a Requerida até poderia aspirar ter direito ao pedido de pronúncia arbitral por via do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, e ser considerada, por isso, parte legítima na presente instância.
- O que se constata, no entanto, é que no âmbito da CSR não se observa uma repercussão legal, assistindo-se, sim, à mera possibilidade da repercussão económica ou de facto, total ou parcial, sendo que as faturas apresentadas não corporizam atos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente, enquanto consumidora final, daqui decorrendo a falta de legitimidade da Requerente na presente ação.
- Depois de citar jurisprudência, conclui que a Requerente não é sujeito passivo de ISP/CSR e não integra a relação tributária subjacente às liquidações contestadas, não sendo o devedor, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado, que está a jusante do sujeito passivo na cadeia económica, que em termos jurídicos não é um terceiro substituído, que não suporta a contribuição por repercussão legal, nem tão pouco corresponde ao consumidor final, pelo que não tem legitimidade nem para apresentar o pedido de revisão oficiosa ,
- Inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, carece a Requerente de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e nº 2, 577.º, al. e) e 578.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância
- Carece a Requerente de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 576.º n.º 1 e n.º 3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido.
Incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria.
- Alega a Requerente que o tribunal arbitral se encontra investido de competência para se pronunciar acerca do seu pedido, ainda que este tenha sido realizado no seguimento da formação de presunção de indeferimento tácito, nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 57.º da LGT, artigo 106.º e alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º, ambos do CPPT.
- Acontece, no entanto, que a questão profusamente analisada pela Requerente (artigo 4.º a 18.º do pedido arbitral) não se reveste da relevância pretendida, tornando-se infrutífera a sua discussão perante o facto de não se encontrar, sequer, verificada a arbitrabilidade do thema decidendum.
- Sendo certo que a AT está vinculada à jurisdição dos Tribunais Arbitrais, dispõe o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.”.
- Do imediatamente acima exposto decorre, de forma aliás, expressa, que o legislador pretendeu restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD ao âmbito de pretensões que respeitam, especificamente, a impostos, não se incluindo, nesta sede, tributos de outra natureza, tais como as contribuições.
- Sendo que, no caso em apreço, está em causa a apreciação da legalidade da CSR e respetivas liquidações, importa clarificar a natureza jurídica deste tributo, para que dúvidas não subsistam quanto à sua inclusão, ou não, no âmbito de vinculação dos serviços e organismos ao CAAD.
- A este propósito veja-se o disposto no artigo 4.º da LGT onde o legislador, não só definiu no n.º 1 quais os tributos que considera enquanto “imposto”, como vem atribuir essa qualidade a determinadas contribuições especiais, definindo no n.º 3 aquelas que devem também ser consideradas como um imposto.
-, Não obstante terem outro tipo de designação, não deixou o legislador de clarificar que existem determinados tributos considerados enquanto impostos, atribuindo-lhe expressamente essa qualidade, impondo-se conclui que, caso o legislador pretendesse atribuir à CSR a qualidade de imposto, não deixaria de o ter feito de forma expressa.
- Razão pela qual, facilmente se concluirá que, tratando-se de uma contribuição e não de um imposto, as matérias relativas à CSR encontram-se excluídas da arbitragem tributária por ausência de enquadramento legal, carecendo os tribunais arbitrais do CAAD de competência material para conhecer do mérito do pedido
- Assim sendo, certo é estarmos perante uma exceção dilatória, nos termos do vertido no n.º 1 do artigo 576.º e alínea a) do artigo 577.º, ambos do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ao presente processo por via da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.
Também existirá a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, por outra via.
- Apesar do referido no artigo 33.º do pedido arbitral, a Requerente não deixa, no entanto, de proceder à longa discussão acerca da apreciação da legalidade do regime jurídico da CSR, no seu todo, pretendendo a Requerente, em rigor, a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa, visa, com a presente ação, suspender a eficácia de atos legislativos.
- A instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, não consentindo este contencioso o escrutínio sobre a integridade das normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação (o que só pode ser determinado em sede de execução de julgados) – vide artigo 2.º do RJAT.
- Não sendo da competência do tribunal arbitral nem a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, nem a execução de sentenças/decisões.
- Afigurando-se inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos aqui formulados pelas Requerentes, quando a letra e o espírito da norma não o permitem, citando para o efeito jurisprudência.
- A repercussão não constitui um ato tributário, sendo que esta nem sequer corresponde a uma repercussão legal, mas sim meramente económica ou de facto.
- Verifica-se, assim exceção dilatória nos termos do vertido nos n.os 1 e 2 do artigo 576.º e alínea a) do artigo 577.º, ambos do CPC, aplicável ao presente processo por via da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância,
- Motivo pelo qual deverá o douto tribunal declarar-se incompetente em razão da matéria e, consequentemente, absolver a Requerida da instância.
Entende, também, a Requerida haver caducidade da ação.
- A Requerente não identificou qualquer ato tributário cuja legalidade pretende sindicar. - Esta circunstância determina, para além de outras consequências já abordadas, que se torne impossível aferir da tempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações formulado pela Requerente.
- Isto porque a contagem do prazo para a apresentação dos referidos pedidos inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global).
- Constata-se que a Requerente apresentou impugnação no tribunal arbitral em 17.01.2024 do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 30.06.2023 junto da AT.
- Certo é que, com vista à apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral, não poderá deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão, o que, como supra se demonstrou, é impossível, dado não ter a Requerente logrado identificar o(s) ato(s) tributário(s) em litígio.
- Não obstante, caso assim não se entenda, sempre se concluiria que, tanto, o pedido de revisão oficiosa, como o pedido de constituição de tribunal arbitral são intempestivos.
- Isto porque, tendo em conta que a Requerente pretende sindicar as aquisições no período compreendido entre junho de 2019 e dezembro de 2022, e atento o prazo para apresentação de reclamação graciosa, de 120 (cento e vinte) dias a partir do termo do prazo do pagamento do ISP/CSR, previsto na 1ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, facilmente se depreende que, a 31.05.2023, este se encontrava largamente ultrapassado.
- E é por este motivo que a Requerente apresenta um pedido de revisão oficiosa, fundamentado em erro imputável ao serviço, meio previsto na 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, de modo a fazer-se valer do prazo de 4 anos aí então previsto
- O que sempre seria infundamentado, dado que a Requerida, adstrita que se encontra ao princípio da legalidade, sempre efetuou as liquidações em estrita observância dos normativos legais em vigor à data dos factos, não existindo, portanto, qualquer erro imputável aos serviços.
- Além disso, bem se faz notar que não foi ainda proferida qualquer decisão interna que declare com força obrigatória geral o vício de violação de lei comunitária.
- Ademais, e sem conceder, no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do CIEC, sendo pacífico que o regime específico aí previsto é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação.
- Acresce ainda que, além de a Requerente não ser, como já se deixou claramente explicado, sujeito passivo de ISP/CSR e de não ter provado ter procedido ao pagamento dos respetivos valores, em 30.06.2023, já se encontrava precludido o prazo de 3 (três) anos, previsto no n.º 3 do artigo 15.º do CIEC para requerer o reembolso do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR, pelo menos no que se refere a todas as aquisições efetuadas pela Requerente em data anterior a 30.06.2020, cfr. as faturas juntas ao pedido arbitral
- Face ao exposto, verifica-se que o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do(s) ato(s) tributário(s) em crise tem, entre outros, como efeito a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa e de reembolso por alegado pagamento de valores a título de alegada repercussão económica da CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral.
- Não obstante, e mesmo que apenas parcialmente, constatamos a caducidade do (alegado) direito de ação por parte da Requerente, o que consubstancia uma exceção perentória, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido, o que desde já se requer.
- No entanto, e ainda que assim não se entenda, sempre consubstanciará uma exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.º1, 2 e 4 al. k) do CPTA, devendo, nessa medida, ser a Requerida absolvida do pedido2 ou da instância.(a este propósito e a título meramente exemplificativo, douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul datado de 21.03.2019, processo n.º 132/14.8BEALM, disponível para consulta em www.dgsi.pt.)
Respondendo por impugnação, diz a Requerida
- Através da presente impugnação, a Requerente alega que, entre junho de 2019 e dezembro de 2022 adquiriu gasóleo rodoviário e gasolina a B..., LDA., C..., S.A. e D..., S.A., entidades fornecedoras de combustíveis.
.. Alega que as entidades referidas entregaram ao Estado, enquanto sujeito passivo, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de ISP e CSR, praticados pela AT, com base nas DIC por aquelas submetidas.
- Mais vem a Requerente arguir que, através das transações celebradas com as referidas fornecedoras, suportaram, a título de CSR, a quantia total de € 35.382,35 a título de CSR.
- A Requerente sustenta a sua afirmação relativa ao montante acima descrito com base na alegada circunstância de as entidades fornecedoras terem repercutido na sua esfera o valor correspondente à CSR, no âmbito das transações ocorridas, alegando que tal realidade vem espelhada nos documentos 3,4 e 5, que logrou juntar aos autos.
- Acontece que, confrontando os referidos documentos, facilmente se descortina que estes carecem, em absoluto, de aptidão para atestar que a Requerente tenha pago e suportado integralmente o encargo da CSR por repercussão na sua esfera.
- Pois, de entre os documentos que a Requerente junta aos presentes autos, não se vislumbra qualquer referência à própria CSR, cuja legalidade referente à sua liquidação vem sindicar.
- De entre os documentos anexos ao pedido arbitral, consta um conjunto de faturas que as suas fornecedoras emitiram em nome da Requerente, respeitantes à aquisição de gasolina e gasóleo rodoviário, no período compreendido entre junho de 2019 e dezembro de 2022.
- Ora, analisando o referido conjunto de faturas, e sendo certo que não se questiona a sua idoneidade, resulta provada celebração das aludidas transações.
- Nada é, porém, referido nas faturas acerca da CSR, nem, muito menos, quanto à sua repercussão na esfera da Requerente, não comportando estas qualquer elemento que exprima o pagamento de ISP/CSR.
- Acrescentando-se ainda que, constando das faturas uma parcela denominada “descontos s/ IVA”, sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, torna-se patente uma enorme falta de rigor, o que, por si só, assume o condão de gerar dúvidas quanto à própria presunção da repercussão da CSR, nomeadamente no que se refere ao seu quantum.
- Concluindo-se, portanto, que as faturas anexas ao pedido arbitral não fazem prova do alegado pagamento, pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes alegados pela Requerente.
- O que se comprova com o sistema e-fatura, e sistema SAFT-T, que apenas indicam o IVA associado a cada venda de combustível efetuado, não existindo qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DIC e respetivas liquidações de ISP/CSR a montante.
- Assim, consta em cada uma das faturas uma referência expressa quanto à repercussão do IVA.
- Referimo-nos a esta circunstância em específico, encarando-a com naturalidade, visto que este é um imposto que está sujeito a repercussão legal, atento o regime ínsito no artigo 37.º do Código do IVA.
- E é também com naturalidade que encaramos o facto de nada ser referido, nas faturas em análise, relativamente à CSR porque não existe qualquer regime de repercussão legal associado a esta contribuição.
- Além disso, não foi junta ao processo qualquer evidência de pagamento ao Estado do ISP/CSR, o que seria provado pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC) e das Declarações Aduaneiras de Importação/Documentos Administrativos Únicos (DAI/DAU) com averbamento do número de movimento de caixa.
- Pelo que, partindo da constatação de não existir qualquer referência à CSR nas faturas que a Requerente apresentou, lógico será também que concluamos não se vislumbrar qualquer evidência de inclusão no preço de venda que as fornecedoras praticaram do valor da CSR 5supostamente repercutido.
- Não existe, portanto, nenhum elemento de prova que sustente qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nomeadamente se o valor pago pelos combustíveis adquiridos pela Requerente tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR, sendo surpreendente como é que a Requerente é capaz de redundar num cálculo específico de € 35.382,35 que alega ter pago a título de CSR.
- Isto porque a Requerente não identifica qualquer ato tributário, nem a Requerida é capaz de identificar o iter que conduziu a tal conclusão, já que este não se encontra patente em qualquer informação junta ao processo.
- Apenas se poderá depreender que a Requerente se tenha limitado a aplicar à quantidade de litros alegadamente fornecidos, a taxa de CSR que se encontrava em vigor à data das mesmas, tal como definido por Portaria, considerando um valor fixo de 87 € (oitenta e sete euros) por cada 1.000 litros de gasolina e de 111,000 € por cada 1.000 litros de gasóleo.
- No entanto, e tal como já referido, ocorre que se encontra determinado pelo artigo 91.º do CIEC que a unidade tributável dos produtos petrolíferos e energéticos (e consequentemente da CSR) é de 1000 litros convertidos para a temperatura de referência de 15°C.
- Não tendo existido certificação da medição da temperatura na descarga do combustível adquirido (temperatura ambiente), que em atos de medição de reservatórios certificados (varejos) dos sujeitos passivos de imposto, designamos por temperatura observada (TO), não é possível realizar a correspondência para o número de litros a 15º C.
- Pelo que é impossível na fase da cadeia logística em que a Requerente se encontra, determinar a unidade tributável para efeitos de determinação da CSR e, consequentemente, saber, a eventual parte da CSR incluída no preço pago pelo combustível adquirido.
- Pelo que, apenas se poderá concluir que não logra a Requerente fazer prova do que alega, designadamente sobre o alegado facto de ter adquirido e pago combustível e, consequentemente, ter suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR, que as fornecedoras de combustível alegadamente repercutiram nas respetivas faturas.
- Pelo que, não se aceita e se impugna, nessa medida, o vertido no pedido arbitral, colocando-se em causa e não se podendo dar como provada a alegada repercussão da CSR, devendo funcionar plenamente as regras do ónus da prova, não se dando como provados os alegados factos invocados no pedido arbitral, sendo que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque, não se dando como provados os alegados factos invocados no pedido arbitral.
- Sendo relevante frisar que não é admissível, a posteriori, que se confundam as regras do ónus da prova e respetivas consequências legais no que concerne aos factos a dar (ou não) como provados com quaisquer construções de raciocínio que eventualmente equacionem e se baseiem em “presunções” sem qualquer sustento fáctico ou legal, sob pena de subversão inconstitucional do sistema do ónus da prova e de princípios que merecem tutela constitucional, designadamente segurança jurídica.
- Nem é admissível que, atenta a regra geral prevista no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, se diga que incumbe à AT fazer a prova da não repercussão, entendendo a jurisprudência que, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, a maior complexidade da prova de factos negativos necessitará de ter como resultado uma menor exigência probatória por parte do magistrado, mas não uma inversão do ónus da prova (cf. acórdão do STA de 17.12.2008, proferido no Processo n.º 0327/08).
- Sendo que, de acordo com o artigo 344.º do Código Civil – Inversão do ónus da prova –, as regras do ónus da prova (previstas nos artigos 342.º e 343.º) só se invertem quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine ou quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, situações que não se verificam no caso em concreto.
- Pelo que, exigir que seja a Requerida a fazer prova de que não houve repercussão, isto é, fazer prova de facto negativo, configura uma exigência de prova diabólica, a qual é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade, da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo, preceituados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, e do direito ao contraditório e à ampla defesa.
- Mesmo que não resultando provada pela Requerente a circunstância da repercussão da CSR na sua esfera pelo sujeito passivo, a verdade é que esta também nunca poderia ser presumida, porque nos encontramos perante uma repercussão meramente económica ou de facto, e não uma repercussão legal.
- Ainda que a Requerente tivesse logrado provar que tinha sofrido a repercussão dos valores da CSR, sempre se levantaria uma outra questão, a saber: será que a Requerente, enquanto elemento da cadeia logística, atuando como intermediária, e tendo a possibilidade de fazer repercutir, no preço de venda que pratique, o valor da CSR, o não terá feito? Uma resposta positiva levaria a que a Requerente fosse reembolsada de um valor que ela própria teria recuperado em transações subsequentes, o que poderá levar ao equacionar de um quadro de enriquecimento sem causa, nos termos previstos no artigo 473.º do CC.
- Impendia, por isso, sobre a Requerente, o ónus de provar que o preço dos serviços que prestou aos seus clientes não comportou, a jusante, a repercussão da CSR, por forma a sustentar que suportou, de forma efetiva, o encargo total daquele tributo, sendo essencial que fossem identificadas as DICs e as liquidações a montante, e em que períodos, o que permitiria a respetiva conexão aos atos tributários que constituem objeto desta ação arbitral.
- Apenas desse modo se acautelando a duplicação de pedidos de reembolso de CSR, porquanto é possível aos sujeitos passivos de ISP/CSR solicitar o reembolso de CSR que considerem indevidamente pago, através de pedido de revisão oficiosa e impugnações judiciais.
- O TJUE analisa, não de forma profunda, uma questão concreta nos termos específicos que lhe foram pontualmente colocados e expostos, pois em momento algum o TJUE considera ilegal a CSR, não existindo qualquer decisão judicial nacional transitada em julgado nesse sentido, pelo que não está o ordenamento jurídico português em contradição ou antinomia com o Direito da União Europeia.
- Inexistindo uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida, porquanto inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare, a Requerida age em conformidade com a legislação nacional e europeia em vigor.
- Não se verificando no caso em apreço qualquer tipo de erro imputável aos serviços.
- Inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
- A acrescer e acerca da repercussão económica, diremos que esta consubstancia uma situação em que existem duas relações jurídicas distintas, como bem se sabe: 1) a relação jurídica de imposto pela qual o Estado é credor de uma certa quantia de um sujeito passivo e 2) a obrigação de Direito Civil, pela qual um credor (que é o sujeito passivo do imposto) tem o direito de exigir uma certa quantia (do mesmo montante da quantia devida a título de imposto, mas não a mesma quantia) de um terceiro, sendo que nesta segunda relação não intervém o Estado.
- Cabendo aos sujeitos passivos no âmbito das suas relações comerciais (ao abrigo do direito civil) proceder, ou não, à transferência da carga fiscal para outrem (os seus clientes), tendo em conta as consequências para a sua atividade, designadamente, em termos do aumento de preços para o consumidor final, e que, de acordo com a lei da procura, poderá redundar numa diminuição da quantidade procurada e do lucro obtido.
- Efetivamente, ainda que a repercussão económica viesse a ser provada no âmbito do presente processo, entende o TJUE que um Estado-Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil.
- Concluindo-se, de acordo com a jurisprudência do TJUE, que, ainda que se verificassem os pressupostos legais e processuais, e se considerasse efetuada a prova da repercussão económica da CSR, o Estado-Membro, pode recusar/opor-se a um pedido de reembolso, apresentado pelo comprador repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo, tal como ocorre no direito nacional.
- Pelo que, nessa medida, se impugna igualmente o alegado pela Requerente no pedido arbitral.
- Mais se refira que, por mero dever de cautela e raciocínio, a acrescer ao acima afirmado, se impugna para os devidos efeitos legais o invocado no pedido arbitral que esteja em contradição com o teor da presente Resposta, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 574.º do CPC.
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios
- Conforme estabelecido no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.
- No entanto, no âmbito do presente caso, há que considerar que o pedido arbitral foi efetuado na sequência do pedido da revisão oficiosa apresentado em 3.06.2023, junto da AT.
- Por este motivo, atente-se ao disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que consagra um critério especial para os casos em que seja apresentado pedido de revisão oficiosa da liquidação, dispondo que são também devidos juros indemnizatórios “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”.
- Nesta matéria, já decidiu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 20- 05-2020 (Neves Leitão), Processo 0630/18.4BALSB no sentido de que,
“formulado pelo sujeito passivo o pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação e vindo o ato a ser anulado, ainda que em processo arbitral instaurado após o indeferimento tácito daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, e não desde a data do pagamento indevido do imposto (…)”.
- Deste modo, seguindo a abundante e consolidada jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, mormente a vertida nos Acórdãos de 28-01-2015, no Processo n.º 0722/14, de 11-12-2019, no Processo n.º 058/19.9BALSB, de 20-05-2020, no Processo n.º 05/19.8BALSB, de 26-05-2022, no Proc. n.º 159/21.3BALSB, entende-se que os juros indemnizatórios só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação dos pedidos de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto.
- No mesmo sentido se têm vindo a pronunciar os tribunais arbitrais, cujos processos identifica.
- Nestes termos, dado que no caso concreto o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 30. /-06./2023, só haveria lugar, em sintonia com a jurisprudência citada, ao pagamento de juros indemnizatórios um ano após a apresentação daquele pedido, face ao estabelecido na alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT
- Razão pela qual, deve o Tribunal arbitral decidir como aqui propugnado pela Requerida, no sentido da improcedência do pedido de anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, bem como da anulação parcial da(s) liquidação(ões) de ISP/CSR, não havendo, consequentemente, lugar ao reembolso da CSR alegadamente repercutida, nem ao pagamento de juros indemnizatórios.
- E, em conclusão, deverá, assim;
a) Ser extinta a instância arbitral e a Requerida absolvida da mesma, face à verificação da exceção da ineptidão da petição inicial, e/ou da exceção da ilegitimidade processual, e/ou da incompetência em razão da matéria.
b) Caso assim não se entenda, ser a Requerida absolvida do pedido, face à verificação da exceção de caducidade do direito de ação. e/ou da exceção fe falta de legitimidade substantiva.
c) Ou, caso assim não se entenda, ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente por infundado e não provado
.A Requerida juntou o processo administrativo
D. RESPOSTA DA REQUERENTE Á MATÉRIA DE EXCEPÇÃO
- Conforme consta da Resposta, a Requerida invocou as seguintes exceções:
A - Ineptidão da petição inicial:
I – Falta de objecto do pedido.
II – Ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e a causa de pedir.
B – Ilegitimidade processual e substantiva da Requerente.
C – Incompetência relativa do tribunal em razão da matéria.
D – Caducidade do direito de ação.
- A Requerente não aceita as exceções apresentadas pela AT e responde às exceções na ordem em que a AT as apresentou.
-
Da alegada ineptidão da petição inicial
I Falta de objeto do pedido
- Alega a Requerida que o pedido de pronúncia arbitral é inepto por falta de identificação dos atos tributários objeto do pedido de pronúncia, o que determinaria a nulidade do processo e a absolvição da instância.
- Para o efeito, a Requerida invoca que a Requerente apenas junta faturas da aquisição de combustíveis a fornecedora, sem identificar atos de liquidação ou as declarações de introdução no consumo (DIC) apresentadas pelos sujeitos passivos
- A AT prossegue alegando que lhe é muito difícil estabelecer uma correlação entre as faturas apresentadas pela Requerente, os atos de liquidação e as DIC apresentadas pelos sujeitos passivos.
- Entende a Requerente que esta exceção não pode proceder por vários motivos.
- A Requerente não é parte da relação jurídico-tributária, no sentido em que não recai sobre esta uma obrigação tributária.
- A Requerente é sim uma titular de um interesse legalmente protegido, enquanto repercutida que efetivamente suportou o encargo tributário em virtude de ser a consumidora final do combustível.
- Ora, se a Repercutida não é responsável pela liquidação do tributo e como tal não lhe foram emitidos os atos de liquidação, como pode ela especificar esses atos?
- A Requerente juntou ao pedido todas as faturas de aquisição de combustível, contendo todos os elementos essenciais deste tipo de documento.
- A Requerente solicitou ainda que o tribunal oficiasse as suas fornecedoras de combustível para que estas pudessem confirmar a repercussão.
- Com efeito, exigir mais que isto à Requerente é manifestamente insustentável.
- A Requerida menciona uma suposta resposta ao requerimento por si apresentado, no artigo 49.º da Resposta, citando a mesma.
- No entanto, a Requerente não apresentou qualquer resposta nesse sentido, devendo a Requerida estar equivocada quanto à pronúncia a que está a responder.
- Por outro lado, a Requerida, dotada de vastos poderes inspetivos, tem acesso a uma ampla rede de informação que certamente facilita a identificação dos atos em causa.
- Não olvidemos que antes do pedido de pronuncia arbitral, a Requerente efetuou um pedido de revisão oficiosa que veio a ser indeferido tacitamente.
- Ora, em sede de procedimento tributário, podiam a Requerida e Requerente ter colaborado para reunir todas as informações relevantes, em virtude do princípio da colaboração que rege a atuação das partes em procedimento tributário e a que a AT está especialmente sujeita, tal como previsto no artigo 58.º da LGT e 59.º do CPPT.
- Acrescente-se ainda que tem a Requerida o poder-dever de efetuar todas as diligencias que se afigurem necessárias para a descoberta da verdade material, princípio previsto no artigo 58.º da LGT.
- No entanto, a Requerente não tem conhecimento de qualquer diligência que tenha sido feita nesse sentido.
- Nesta linha, não pode a Requerente ser penalizada com a exigência de uma prova documental especifica cujo acesso lhe é impossível, quando essa prova, com todos os dados facultados pela Requerente nas faturas apresentadas, teria sido de fácil acesso à Requerida, pois que foi a esta que as emitiu.
- Tal exigência conflituaria com o direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, plasmado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP.
- Assim, não pode ser considerada procedente a exceção de ineptidão da petição por falta de objeto
II Ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e a causa de pedir
- Alega a AT que a Requerente não identifica as liquidações impugnadas, que não estabelece um nexo de conexão entre essas e a repercussão do encargo.
- Ora, não pode ser exigida à Requerente a identificação das liquidações pois estas não lhe são emitidas.
- O acesso a tais informações é impossível para a Requerente e tal exigência configuraria uma preclusão ao seu direito de acesso a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 18.º n.º 4 alínea a) da LGT, pelo que não pode obstar à procedência da ação.
- O nexo de conexão verifica-se na medida em que a CSR foi criada para ser suportada pelos consumidores finais de combustível. Tendo a CSR sido liquidada aos sujeitos passivos que introduziram no consumo o combustível, o encargo é por estes transferido diretamente para consumidores finais (i), ou é transferido para as revendedoras que por sua vez repercutem nos consumidores finais (ii).
- Enquadrando-se na segunda situação a Requerente e as suas fornecedoras B..., LDA., C..., S.A. e D..., S.A.
- Por não ser possível, nem exigível, à Requerente a identificação dos atos de liquidação, também não o será a demonstração de um nexo de causalidade mais exigente do que aquele que ficou demonstrado no pedido de pronúncia, analisado com as faturas a ele juntas.
A Requerida alega ainda que a causa de pedir é inteligível e está em contradição com o pedido.
- Ora, a Requerente pede a anulação das liquidações de CSR que lhe foram repercutidas e com isso o reembolso da quantia indevidamente prestada porque a CSR consiste num imposto contrário ao Direito da União Europeia e à Constituição da República Portuguesa.
- Não existiria causa de pedir se, ao contrário do que já foi exposto no pedido de pronúncia e aqui se desenvolverá, não se verificasse esta desconformidade com disposições supralegais, nem tivesse a Requerente suportado a CSR a título de repercussão.
- Assim, deve a exceção de ineptidão da petição inicial por inintegibilidade do pedido e contradição entre este e a causa de pedir ser declarada improcedente.
-
Da alegada ilegitimidade processual e substantiva da Requerente
- Em linhas gerais, a AT invoca que a Requerente não é sujeito passivo da CSR e que a possibilidade de solicitar a revisão destes atos e o subsequente reembolso está restrita aos sujeitos passivos, o que não está correto.
- A Requerida sustenta esta posição nos artigos 15º e 16º do CIEC, por remissão do artigo 5º da Lei 5/2011.
- Ora, o artigo 5º da Lei estabelece tal remissão para matérias de “liquidação, cobrança e pagamento” e não quanto a meios de reação contra o tributo.
- Pelo que, face à omissão, é de aplicar o regime geral, isto é, a Lei Geral Tributária (LGT) e o CPPT.
- Nesta linha, a legitimidade ativa dos repercutidos é reconhecida pelo artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, ao dispor que, embora não sejam sujeitos passivos, os repercutidos legais mantêm o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral. Esta legitimidade é ainda confirmada pelos artigos 54.º, n.º 2, 65.º e 95.º da LGT e pelos n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT.
- Com efeito, restringir aos sujeitos passivos da relação jurídico-tributária a legitimidade para reagir destes atos de liquidação da CSR, quando quem vê a sua capacidade contributiva tributada é o repercutido, resultaria numa violação do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, plasmado nos artigos 20.º e 268.º da CRP.
- Este entendimento é, no mesmo sentido, partilhado pela jurisprudência arbitral.
- Acrescente-se ainda o facto da Requerida não manter uma posição coerente sobre esta questão nos vários processos arbitrais relativos à CSR, uma vez que quando os Requerentes são sujeitos passivos, a Requerida alega que estes repercutiram a CSR e que por isso não têm legitimidade, já quando os Requerentes são os repercutidos, como é o caso, alega o contrário.
- A AT alega ainda que a Requerente não tem legitimidade por entender que não é repercutida legal, mas sim repercutida económica ou de facto. Tese esta a que a Requerente se opõe.
- A atribuição de legitimidade ao repercutido justifica-se por ser sobre este que recai o encargo patrimonial inerente ao pagamento do tributo e porque, caso o montante liquidado não se mostre legalmente devido, será ele o lesado.
- Em qualquer situação de repercussão, legal ou económica, verifica-se uma diminuição do património pessoal do repercutido, que suporta o encargo tributário ainda que sem participar no procedimento de liquidação.
- Pelo que a Requerente não descortina razão alguma que justifique distinguir a repercussão legal da repercussão de facto para efeitos de aferição da legitimidade procedimental ou processual do repercutido, contanto que a transmissão do encargo do imposto seja provada, como é o presente caso.
- Assim, o repercutido sempre será o titular de um interesse legalmente protegido e por isso terá legitimidade para reagir a atos tributários que o lesem, nos termos dos artigos 20º e 268º da CRP, dos artigos 9º e 65º da LGT e artigo 9º do CPPT.
- A Requerida suporta a sua posição no despacho do TJUE proferido no âmbito do processo nº C-460/2021.
- Entende a Requerente que a AT não interpretou corretamente aquela decisão.
- O Tribunal de Justiça, referindo-se à legitimidade do sujeito passivo, entendeu que esta depende da ausência de repercussão do encargo do imposto.
- Por isso, apurando-se que o encargo foi suportado pelo próprio sujeito passivo, este terá legitimidade.
- Se tiver sido suportado por um terceiro, o sujeito passivo não terá legitimidade, visto que a anulação das liquidações teria como consequência o seu enriquecimento sem causa por via da devolução de um montante de imposto que efetivamente não suportou.
- Como tal, o que se retira é que a legitimidade procedimental ou processual será de quem suportou, de facto, o encargo do imposto, independentemente de se tratar do sujeito passivo, do repercutido legal ou do repercutido económico.
- A Requerida alega também que a repercussão depende da vontade dos sujeitos passivos transferirem a carga fiscal para os seus clientes.
- A este propósito, cumpre salientar que sempre existiu uma obrigação de repercussão sobre os consumidores finais dos combustíveis.
- Com efeito, a CSR foi criada com o propósito de “financiar a rede rodoviária nacional”, financiamento esse “assegurado pelos respetivos utilizadores”, sendo que a CSR “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”, de acordo com os artigos 1º, 2º e 3º da Lei 55/2007.
- Isto é, a CSR visa onerar os consumidores de combustíveis, enquanto presumidos utilizadores da rede rodoviária nacional.
- Se a entrega do tributo cabe ao sujeito passivo, é inquestionável que estes preceitos implicam que se verifique uma transferência do encargo do imposto para o consumidor.
- Entende-se ainda que, com a Lei n.º 24-E/2022, pretendeu o legislador introduzir no artigo 2.º do CIEC, uma referência expressa à imposição legal de repercussão dos impostos especiais de consumo, atribuindo-se, no artigo 6.º da referida Lei, natureza interpretativa a tal alteração legislativa.
- Inserindo-se a CSR nos impostos especiais de consumo, não podemos deixar de concluir que o legislador reconheceu que também para a CSR existia essa obrigação de repercussão.
- Por este motivo, há quem entenda que a repercussão que se verifica na CSR é uma repercussão legal e não de facto.
- Ainda enquanto fundamento da alegada ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, a AT invoca que os documentos juntos pela Requerente, as faturas de aquisição de combustível, não consubstanciam prova cabal da repercussão.
- Importa mencionar que a prova da repercussão não é matéria de exceção, mas sim matéria a apreciar e analisar no âmbito da decisão arbitral, tal como afirmou o TJUE no âmbito do processo C-460/2021: “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos”.
- No entanto, como já desenvolvido, a CSR foi criada e desenhada para ser suportada pelos consumidores finais dos combustíveis, ou seja, tendo em vista a repercussão do encargo tributário.
- A CSR era de 87 euros a cada 1000 litros de gasolina, de 111 euros a cada 1000 litros de gasóleo rodoviário e de 123 euros a cada 1000 kg de GPL auto, de acordo com o disposto no artigo 4º, nº2 da Lei 55/2007.
- Assim, a Requerente juntou todas as faturas de que dispunha, nas quais é discriminado o tipo de combustível, os litros adquiridos, as datas e a identificação do fornecedor.
- Feitas as contas, explicou que suportou 35.382,35 € de CSR na aquisição de 318.760 (trezentos e dezoito mil setecentos e sessenta) litros de gasóleo.
- A prova da repercussão reside nestas faturas, ainda que não existisse uma obrigação de mencionar na fatura o montante de CSR repercutido.
- No entanto, a Requerente solicitou, no pedido de pronúncia arbitral, que se oficiasse as fornecedoras B..., LDA., C..., S.A. e D..., S.A., para que estas pudessem confirmar que repercutiram o encargo tributário aquando da venda de combustível à Requerente.
- E como resulta dos documentos juntos ao pedido de pronúncia, houve efetivamente repercussão, tendo sido a Requerente suportou o encargo tributário, aquando da aquisição de combustível à fornecedora, tendo por isso legitimidade substantiva e processual, pelo que deve a exceção ser considerada improcedente.
-
Da alegada incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria
- Começa a Requerida por invocar, corretamente, que a AT apenas se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos, conforme a Portaria nº 112-A/2011.
- No entanto, vem afirmar que a CSR não é um imposto, mas sim uma contribuição e que não é sequer uma contribuição especial considerada como imposto pelo nº3 do art. 4º da LGT, concluindo que o CAAD não tem competência para decidir sobre esta matéria, o que não está correto.
- A Requerente entende que a CSR é um imposto e os tribunais arbitrais são competentes para decidir sobre esta matéria.
Com efeito, não é a designação “contribuição de serviço rodoviário” que qualifica este tributo como contribuição financeira, mas sim a sua substância.
- Aliás, para além de decisões arbitrais, já foi a CSR qualificada como imposto pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito do processo C-460/2021.
- Razão pela qual, não pode ser considerada procedente a exceção de incompetência material do tribunal invocada pela Requerida.
- No âmbito desta exceção, a Requerida alega ainda que a Requerente suscita a legalidade e a constitucionalidade do regime jurídico da CSR no seu todo.
- Neste seguimento, afirma que a Requerente pretende a suspensão da eficácia de atos legislativos, que a instância arbitral consiste num contencioso de mera anulação e que não é da competência dos tribunais arbitrais a fiscalização da constitucionalidade nem legalidade de normas em abstrato, argumentos que assentam num equívoco.
O que a Requerente pretende com a presente ação é a declaração de ilegalidade dos atos tributários em causa, tendo por base a ilegalidade do regime jurídico da CSR.
- É verdade que o contencioso tributário, quer seja no CAAD, quer seja num TAF, é um contencioso de mera anulação.
- No entanto, isto significa que o Tribunal se limita a declarar a anulação ou não do ato tributário.
- Com efeito, não se pretende com o presente pedido que o Tribunal aperfeiçoe os atos de liquidação impugnados e/ou pratique outros atos em seu lugar, ou que declare a ilegalidade ou a ineficácia da lei nº 55/2007.
- O que a Requerente pretende é que o Tribunal declare a ilegalidade dos atos em questão, anulando-os e que, por isso, a título acessório, determine a restituição daquilo que foi indevidamente prestado, bem como o pagamento de juros indemnizatórios.
- Naturalmente, terá de haver um fundamento para a ilegalidade dos atos, sendo aqui
a desconformidade do regime jurídico da CSR com o Direito da União Europeia, mais especificamente com a Diretiva n.º 2008/118/CE (“Diretiva IEC”).
- Tal desconformidade designa-se de ilegalidade abstrata e, conforme o artigo 99.º do CPPT, “qualquer ilegalidade” pode ser fundamento de impugnação nos tribunais arbitrais.
- Como tal, o escrutínio dessa ilegalidade é da competência dos tribunais arbitrais.
- É desta desconformidade que advém a primeira invocação de um preceito constitucional: o artigo n.º4 do artigo 8.º, que acolhe expressamente o princípio do primado do Direito da União. Ou seja, reconhece a sua prevalência sobre o Direito interno.
- Prevalência esta que implica que, em caso de conflito, se desaplique a disposição de direito interno contrária ao Direito da União e se aplique diretamente o Direito europeu, no caso, a Diretiva IEC.
- De seguida, a Requerente invoca a inconstitucionalidade do regime da CSR, na medida em que se trata de um imposto que incide sobre um grupo restrito de indivíduos e por isso viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
- Também aqui não se pede ao Tribunal que declare a inconstitucionalidade da Lei nº 5/2007.
- O que a Requerente pretende sustentar é que os atos de liquidação resultaram da aplicação de uma lei contrária não só ao Direito da União, como ao Direito Constitucional, pelo que há um vício de violação de lei.
- Este vício trata-se também de uma ilegalidade abstrata, fundamento de impugnação judicial.
- A verificação de uma ilegalidade abstrata por violação de norma constitucional é aferida através da fiscalização concreta, ou do controlo difuso, da constitucionalidade.
- Esta fiscalização concreta consiste na desaplicação da norma considerada inconstitucional no caso concreto e é competência dos Tribunais, conforme o artigo 204º da CRP.
- Não distinguindo o artigo entre tribunais estaduais e arbitrais, é entendimento pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que é competência de qualquer Tribunal.
- Tanto assim é, que o Tribunal Constitucional reconhece que os tribunais arbitrais (necessários ou voluntários) são também tribunais que dispõem do poder e do dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais, conforme o acórdão 181/2007.
- Acrescentando-se ainda que o n.º 1 do artigo 280.º da CRP admite o recurso para o tribunal constitucional das decisões dos tribunais, sem discriminar quais, a) Que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade; b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
- E que o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) dispõe no seu artigo 25.º que a decisão arbitral é susceptível de recurso para o Tribunal Constitucional na parte em que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada.
- Também no CAAD são inúmeras as decisões onde se reconheceu esta competência.
- Assim, não temos se não de concluir que este argumento não pode sustentar a exceção de incompetência material do Tribunal invocada pela Requerida.
A Requerida invoca ainda que os tribunais arbitrais não têm competência para apreciar atos de repercussão, o que não colhe.
- Aquilo que a Requerente pede ao tribunal arbitral é a apreciação da legalidade dos atos de liquidação de CSR, cujo encargo tributário suportou por via de repercussão, e não a apreciação da legalidade dos atos de repercussão.
- Pedido esse claramente identificado na primeira página do pedido de pronúncia e ao longo de toda a peça.
- O artigo 2.º do RJAT estabelece que os tribunais arbitrais têm competência para a apreciação da legalidade de atos de liquidação.
- Pelo que deve a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral ser considerada improcedente.
-
Da alegada caducidade do direito de ação
- A Requerida começa por invocar que a não identificação dos atos de liquidação obsta à apreciação da tempestividade do pedido de revisão oficiosa e com isso da tempestividade do pedido de pronúncia.
- Para o efeito, argumenta que estando em causa atos praticados entre junho de 2019 a dezembro de 2022, o prazo de 120 dias previsto na primeira parte do nº1 do artigo 78º da LGT já se teria verificado aquando da apresentação do pedido de revisão em junho de 2023.
- No entanto, não é este o prazo aplicável à situação controvertida, mas sim o prazo de 4 anos previsto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
- É por isso que a AT vem alegar e tentar explicar porque é que, no seu entender, não se verificou qualquer erro imputável aos serviços. Contudo os argumentos invocados não podem proceder.
- Com efeito, a Requerida alega que está vinculada ao princípio da legalidade e que efetuou as liquidações em conformidade com as disposições legais vigentes à data dos factos, concluindo que não se verificou qualquer erro dos serviços.
- É verdade que a AT está vinculada ao princípio da legalidade, conforme o artigo 266.º, n.º 2 da CRP, o artigo 3.º do CPA e o artigo 55.º da LGT, mas não pode a AT escudar-se nesta vinculação para justificar a aplicação de normas internas violadoras de Direito Europeu, pois que tal vinculação abrange não só o Direito interno, como o Direito comunitário!
- No caso da CSR, a Administração Tributária tinha o dever de recusar a aplicação da Lei nº 55/2007, na medida em que este diploma introduz um imposto contrário à Diretiva IEC.
- Acrescente-se ainda que é jurisprudência uniforme e constante do STA que o conceito de “erro imputável aos serviços” abrange a aplicação de normas de direito interno desconformes ao direito da União Europeia .
- Como tal, estando assente que estamos perante uma situação de erro imputável aos serviços, a AT tem o poder-dever de efetuar a revisão dos atos tributários, oficiosamente ou a pedido do contribuinte, no prazo de quatro anos, conforme o disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, entendimento este afirmado exaustivamente pela jurisprudência.
- Ora, se os atos em causa remontam a junho de 2019 e o pedido de revisão oficiosa foi apresentado a 30 de junho de 2023, constata-se que o pedido foi apresentado tempestivamente.
- A AT recebeu o pedido no dia 3 de julho de 2023 e dispunha do prazo de quatro meses para se pronunciar, pelo que, não o tendo feito, formou-se a presunção de indeferimento tácito do pedido no dia 3 de novembro de 2023, conforme o disposto nos números 1 e 5 do artigo 57º da LGT. -
- Do indeferimento tácito dispõe o interessado de 90 dias para apresentar o pedido de constituição do tribunal arbitral, de acordo com os artigos 102º, nº1, alínea d) do CPPT e 10º, nº1 do RJAT.
- Tendo a Requerente apresentado o pedido no dia 31 de janeiro de 2024, constata-se a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, pelo que deve ser considerada improcedente a exceção invocada pela Requerida.
- A Requerida alega ainda que os pedidos de reembolso devem ser apreciados à luz dos artigos 15º a 20º do CIEC.
- Nesta senda, argumenta que seria de aplicar o prazo de três anos previstos no nº3 do artigo 15º do CIEC, pelo que já teria decorrido esse prazo relativamente às aquisições anteriores a junho de 2020.
- A Requerente não concorda com estes argumentos pois o regime previsto naquelas normas não é aplicável à situação da requerente por dois principais motivos.
- Primeiro, porque aquele pedido de reembolso está previsto especificamente para os sujeitos passivos que introduziram no consumo o combustível, de acordo com o n.º 2 do artigo 15.º do CIEC.
- Ora, a Requerente é a repercutida e não o sujeito passivo, pelo que se encontra fora do âmbito de aplicação subjetivo daquele regime.
- Em segundo lugar, dispõe o n.º 1 do artigo 15.º que “constituem fundamento para o reembolso do imposto pago, desde que devidamente comprovados, o erro na liquidação, a expedição ou exportação dos produtos sujeitos a imposto, bem como a retirada dos mesmos do mercado” e clarifica o n.º 1 do artigo 16.º que “o reembolso por erro na liquidação inclui o erro material e a errónea qualificação ou quantificação dos factos tributários”.
- O erro que está na base da ilegalidade dos atos tributários que se contestam na presente ação é um erro de direito, tal como já desenvolvido supra e no pedido de pronúncia.
- Como tal, o fundamento para a ilegalidade destes atos não se encontra abrangido pelo regime previsto nestes artigos.
- Assim, ao contrário do que alega a AT, o disposto nos artigos 15.º a 20.º não se aplica à situação da Requerida.
- Por isso, o prazo aplicável à situação in casu é o de 4 anos previstos na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, concluindo-se assim a tempestividade do pedido de revisão oficiosa e, subsequentemente, do pedido de pronúncia arbitral, razão pela qual
- Deve a exceção de caducidade do direito de ação ser julgada improcedente
- A Requerente conclui requerendo que devem ser julgadas improcedentes todas as exceções invocadas pela Requerida, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos até final, com todas as devidas e legais consequências
E. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
- As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
- Em virtude de terem sido deduzidas excepções pela Requerida, relativas.à competência do presente Tribunal Arbitral em razão da matéria, à ilegitimidade da Requerente, à ineptidão do PPA por falta de objecto e à caducidade do direito de acção, impõe-se o conhecimento prioritário das mesmas, a que se procederá mais adiante, a título de questões prévias
- O processo não enferma de nulidades.
- Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
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MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:
1. A Requerente adquiriu, no período compreendido entre Junho de 2019 e Dezembro de 2022, no âmbito da sua atividade comercial, 318.760 litros de gasóleo, sobre os quais incidiram CSR, no montante de 35.382,35 euros, às sociedades B..., LDA., C..., S.A. e D..., S.A., conforme facturas juntas como documento 3, com o processo instrutor.
2. A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa junto da Alfândega do Jardim do Tabaco e da Alfândega de Braga no dia 03/07/2023
3. Tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 03/07/2023, . este deveria ter sido decidido pela AT até ao dia 03/11/2023, ou seja, no prazo de quatro meses calculados após a data da sua entrada (art. 57º, nº 1 e nº 5 da LGT e art. 106º do CPPT).
4. Assim, o pedido de revisão oficiosa presume-se tacitamente indeferido para efeitos de impugnação judicial ou submissão ao tribunal arbitral a funcionar no CAAD em 03/11/2023, pelo que o pedido de constituição do tribunal arbitral poderia ser apresentado até 02/02/2024
5. A Requerente deduziu o Pedido de Pronúncia Arbitral em 31/01/2023.
A.2. Factos dados como não provados
Provado apenas que a Requerente juntou facturas dos seus fornecedores de combustível, relativas a gasóleo rodoviário adquirido por si e sobre as quais terá incidido CSR, no momento da introdução no consumo, pelos respectivos sujeitos passivos formais.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada
Os factos dados como provados estão baseados no processo administrativo, nos documentos indicados relativamente a cada um deles e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não tenha sido questionada.
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DO DIREITO
Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar.
Em primeiro lugar, o Tribunal Arbitral decidiu não proceder à notificação das “gasolineiras” para efeitos de confirmarem se repercutiram o encargo com o CSR subjacente ao combustível fornecido à Requerente para a esfera jurídica desta, por não ter considerado fazê-lo para efeitos da decisão da causa.
As orientações arrogadas pelo Requerente e pela Requerida e a sua fundamentação estão expostas com detalhe, nos pontos B, C e D do Relatório desta Decisão Arbitral, para os quais se remete.
A Requerente manifestou a sua discordância com os actos tributários relacionados com a liquidação de CSR, inicialmente perante a Requerida e, face ao indeferimento tácito, apresentou perante o CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos acima enunciados
A Requerida veio apresentar resposta, defendendo-se invocando diversas excepções, e, também, por impugnação.
A verificarem-se as excepções, e dado que a procedência de uma excepção dilatória determinará a absolvição da Requerida da instância, atento o disposto nos arts. 576º, nº 1 e 577º, alínea a) do CPC, aplicável por força do art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, inicia-se a análise das questões pela apreciação das excepções suscitadas pela Requerida, para, seguidamente, caso o Tribunal Arbitral se pronuncie pela improcedência das mesmas, se analisarem os vícios invocados pela Requerente, susceptíveis de determinar a ilegalidade e a consequente anulação dos actos tributários contestados (art. 89º do CPTA e art. 278º e 608º do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, nº 1, alíneas d) e e) do RJAT).
A Requerida suscitou, com efeito, e por esta ordem, as seguintes excepções:
a) Ineptidão da petição inicial, por falta de objecto e ininteligilidade do pedido e contradição entre este e a sua causa de pedir.
b) A ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, uma vez que só os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago
c) Incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria
- por a CSR não configurar um imposto, nos termos e para os efeitos do art. 2º, nº 1 do RJAT;
- por os tribunais arbitrais constituidos no âmbito do CAAD serem incompetentes para conhecer actos de repercussão.
d) Caducidade do direito de acção.
Uma vez que a competência deste Tribunal Arbitral para conhecer do pedido precede logicamente as restantes excepções e a sua verificação está ligada às questões suscitadas com a excepção da ilegitimidade da Requerente (art. 608º, nº 1 do CPC, aplicável ex vi art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), impõe-se o conhecimento prioritário das excepções de incompetência material do Tribunal Arbitral e da ilegitimidade da Requerente, o que se passará a fazer.
Verificando-se que a matéria em apreço, no que é relevante para a decisão da causa, foi versada no processo de Arbitragem Tributária nº 62/2024, cujo acórdão arbitral foi recentemente publicado em 04/07/2024 e foi por nós subscrito, seguiremos de perto, e no essencial, os termos da sua fundamentação no sentido da decisão da procedência, ou não, de alguma das excepções identificadas no parágrafo anterior.
Passemos, então, à análise das questões que se colocam, nos termos que foram indicados:
-
Excepção de incompetência material por a CSR não ser um imposto
A primeira questão a decidir é a alegada excepção de incompetência em razão da matéria por a CSR não ser um imposto, isto é, de se saber se a CSR é um imposto ou se, sendo uma contribuição (como entende a AT), ainda assim está dentro do perímetro de jurisdição atribuída legalmente aos Tribunais Arbitrais do CAAD e está compreendida no âmbito de vinculação que foi fixado para a AT pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (que “Vincula vários serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa”, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do RJAT).
Sobre a possibilidade de haver processos arbitrais sobre contribuições e a natureza da CSR existe vasta jurisprudência nem sempre coincidente. Por este tribunal aderir à tese da natureza de imposto da CSR, passamos a seguir, em especial a orientação consignada na Decisão arbitral proferida no processo n.º 847/2023-T, a qual, por merecer a nossa adesão, passamos a transcrever.
“Uma vez que a competência dos tribunais arbitrais a constituir no âmbito do CAAD está estabelecida no artigo 2.º do RJAT e abrange (al. a) do seu n.º 1) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, mas o proémio do n.º 2 da já citada Portaria n.º 112-A/2011 circunscreveu – ao menos literalmente – tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”, tem-se discutido se as pretensões referentes a “contribuições” podem ser objecto de apreciação por tais tribunais. Aliás, uma parte da Resposta da AT é dedicada a defender que “independentemente do nomen iuris ou da natureza jurídica da CSR, a verdade é que não é, por definição, um imposto e, portanto, o CAAD não tem competência para decidir sobre esta matérias”.
“Uma variante desta tese, inicialmente triunfante na decisão do processo n.º 31/2023-T, prevaleceu, depois, nas decisões dos processos n.os 372/2023-T, 508/2023-T, 520/2023-T, 675/2023-T e 876/2023-T.
Tem, porém, uma particularidade: em situações em que as Requerentes não são sujeitos passivos da relação tributária (já não assim quando o são), chega à mesmíssima solução, em termos materiais, das teses que, por caminhos não coincidentes, recusam conhecer de mérito – quer por diagnosticarem falta de legitimidade das Requerentes (decisões dos processos n.os 296/2023-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 409/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T, 467/2023-T, 490/2023-T, 537/2023-T e 604/2023-T), quer por identificarem ineptidão da petição inicial (decisões dos processos n.os 364/2023-T, 467/2023-T e 537/2023-T).
Na verdade, com qualquer desses fundamentos, a AT é absolvida da instância e as custas arbitrais recaem sobre as Requerentes – exactamente como na corrente (certo que mais ampla, por abranger também situações em que os requerentes são os próprios sujeitos passivos da relação tributária) que nega a competência relativa dos Tribunais do CAAD para arbitrar as questões referentes à CSR (invocando o que parece ser uma presunção judicial iuris et de iure de falta de vinculação da AT).
“Na sua resposta às excepções, a Requerente defendeu, invocando doutrina vária, a “necessária inclusão deste tributo na categoria das contribuições especiais, sujeitas, por lei, ao regime dos impostos, e, nessa medida, totalmente arbitrável nos termos do RJAT e respetiva portaria de vinculação” até porque “a CSR é exigida com o duplo propósito de remunerar a entidade responsável pela gestão da rede rodoviária nacional, imputando aos – repercutindo nos – utilizadores dessa rede os respetivos custos”.
“Concluía que “a CSR consubstancia uma prestação devida pelo grupo de presumíveis utilizadores da rede rodoviária nacional (identificados por via do seu consumo de combustível) na medida em que essa utilização dê origem a presumíveis maiores despesas de gestão da respetiva rede rodoviária, preenchendo, também por esta via, o conceito de contribuição especial”.
“Entende o presente Tribunal, com a jurisprudência do CAAD já citada, que a CSR era um imposto (mal) disfarçado de contribuição. Como se escreveu no Sumário da decisão do processo n.º 629/2021-T, “Uma parcela de um imposto especial de consumo não deixa de ser um imposto especial de consumo por o legislador lhe atribuir uma narrativa (de resto oscilante entre a compensação de custos e a contrapartida de benefícios) e lhe providenciar uma consignação orgânica (mormente se a entidade que dela beneficia deixa de ter como função única providenciar a suposta contrapartida que justificaria a alteração de género)”.
“Nessa decisão, os argumentos usados para caracterizar a CSR como imposto foram essencialmente os seguintes (negritos no original, *notas suprimidas):
- histórico:
“A Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (“Regula o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E.”) criou a CSR por desdobramento do ISP – que é, indiscutivelmente, um imposto especial de consumo. Como se escrevia no artigo 7.º dessa lei, sob a epígrafe “Fixação das taxas do ISP”,
“As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário”.
“(…) a única diferença entre os € 525,1 milhões que o ISP perdeu e os € 525,1 milhões que a CSR ganhou em 2008 residiu na alteração da sua designação e na sua afectação. Enquanto imposto especial de consumo louvava-se na cobertura de um custo: os custos ambientais que o preço dos combustíveis não internalizavam (uma externalidade). A partir do momento em que uma parte – arbitrária – da receita gerada pelo ISP passou a ter a designação de CSR, passou (parece – mas contra o já referido pelo legislador*) a louvar-se no benefício proporcionado aos causadores do custo”.
- conceptual:
“Procurando identificar os critérios de distinção das taxas, das contribuições financeiras*, das contribuições especiais e dos impostos”, a A. [Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013] recorre, para a delimitação dos contornos das contribuições financeiras, aos critérios desenvolvidos pelo Tribunal Constitucional Alemão:
“1) incidir sobre um grupo homogéneo; 2) manter uma proximidade com a obrigação tributária e as suas finalidades; 3) corresponder a uma relação encargo/benefício capaz de demonstrar que as receitas geradas são fruídas pelos membros do grupo” (p. 91).”
“(…)”.
“a CSR apresenta diferenças muito significativas em relação ao comum das contribuições financeiras, sejam elas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas” de regulação ou as “grandes contribuições” que foram surgindo a título transitório e se vão mantendo (Contribuição sobre o Sector Bancário, Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético - CESE, Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, …).
“Em primeiro lugar, nessas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições”, o sujeito passivo é o contribuinte (na CESE há mesmo uma proibição da sua repercussão), enquanto que na CSR um e outro são diferentes: o sujeito passivo (quem tem de entregar o imposto ao Fisco) é o introdutor dos produtos no mercado e o contribuinte (quem tem de suportar a exacção fiscal) é o adquirente dos combustíveis (incluindo, como a já citada jurisprudência arbitral evidencia, adquirentes de combustíveis que nada têm a ver com a utilização das estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal).
“Em segundo lugar, o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas colectivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária. (…)
“Em terceiro lugar, enquanto nas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições” é a pertença ao grupo que permite de imediato a identificação do devedor – sendo a indução de um custo ou a obtenção de um benefício presumida a partir dessa inclusão nele – na CSR não há nenhum grupo prévio a que se possa imputar o pagamento: é porque se paga a CSR que se supõe que se integra o grupo. (…)
“Em quarto lugar, o princípio da equivalência – a que se recorre para conferir unidade de sentido às contribuições financeiras*, equiparando-se o pagamento feito à repartição, tendencialmente idêntica (ou, pelo menos, com base em características dadas e estáveis), dos custos especificamente gerados pelo grupo homogéneo (ou dos benefícios auferidos pelo grupo homogéneo, como nas “taxas” das autoridades reguladoras, ou, forçando mais ou menos a nota, nas tais “grandes contribuições”) – assume na CSR uma ligação a um índice variável: o do consumo dos “grandes combustíveis rodoviários”*. Com a agravante de o presumido benefício não ter uma relação directa com esse índice variável: por um lado, as vias da Rede Rodoviária Nacional (que foram concessionadas, em 2007, à EP - Estradas de Portugal, E.P.E.) não são a totalidade das estradas nacionais (além das auto-estradas concessionadas, e da rede municipal – urbana e rural –, o Plano Rodoviário Nacional prevê a transferência para as autarquias das estradas que não estejam nele incluídas). Noutras palavras: a utilidade proporcionada pela circulação nas estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal não é segmentável da que é proporcionada pelas demais; por outro lado, uma fracção crescente dos utilizadores dessa sub-parcela das vias de circulação automóvel – a rede rodoviária nacional – não fica sujeita a essa “contribuição”: o dos utilizadores dela com veículos eléctricos ou velocípedes. (…)
“Em quinto lugar, e não obstante – como já referido – não ser bom critério determinar a natureza de um tributo a partir da sua consignação material ou orgânica*, certo é que a EP - Estradas de Portugal, E.P.E. só gastava o dinheiro em estradas (e no mais necessário a poder fazê-lo, incluindo as suas despesas correntes), mas, com a fusão, em 2015, com a Rede Ferroviária Nacional - REFER E.P.E. para dar origem à Infraestruturas de Portugal, isso deixou de ser assim”.
“E, em termos de índices da natureza da CSR,
- doutrinal:
“- na recolha de Casalta Nabais Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 42-43, refere-se, a propósito da CSR (e de outras figuras aí referidas), “estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efectivos impostos, muito embora dada a titularidade activa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal”. Como o A. escreve em Direito Fiscal, 11.ª ed, Almedina, Coimbra, 2021, pp. 53-54, “o critério para a distinção entre os tipos de tributos [reporta-se] exclusivamente à estrutura da relação tributária, ao tipo de relação que se estabelece entre os respetivos sujeito ativo e passivo, e não à titularidade activa dessa relação (…) É, pois, a estrutura bilateral da relação jurídica, em que assentam tanto as taxas como as contribuições financeiras, que revela a natureza comutativa destes tributos, os quais, porque concretizam uma efectiva troca de utilidades económicas, têm por base […] uma legitimidade económica. / O que vale também relativamente à titularidade da receita dos tributos. De facto, esta titularidade, até porque esta para além da relação tributária integrando [-se …] numa relação financeira a constituir-se a jusante da relação tributária, nada pode dizer sobre o tipo de tributo”
“(…)”.
“Filipe de Vasconcelos Fernandes, ob. cit., p. 116, sublinha que “o nexo bilateral que subjaz ao respetivo facto tributário [tem] caráter derivado, já que resulta de uma presunção de benefício ou utilidade na esfera dos sujeitos passivos, por pertencerem ou integrarem, num determinado intervalo de tempo, um grupo, tendencialmente homogéneo de interesses”, e desdobra este, na página seguinte, numa “homogeneidade de interesses” – que, segundo informa, na literatura alemã por vezes se designa por “homogeneidade de grupo” – e numa “responsabilidade de grupo (…) que se deve ao facto de os sujeitos passivos deste tipo de tributo partilharem um ónus ou responsabilidade de custeamento ou suporte da atividade pública que não pode atribuir-se isoladamente, mas apenas em face daquela que é a respetiva inserção no grupo a que efetivamente pertencem”.”
E,
- jurisprudencial:
“apenas DUAS das 19 decisões do CAAD que a Requerente invoca (na sua Resposta às excepções) para afirmar que tais tribunais arbitrais têm aceite a sua jurisdição sobre a CSR o poderiam substanciar (as dos processos n.os 483/2014-T e 147/2015-T8, que autonomizaram o seu tratamento), sendo as demais resultantes da consideração indiferenciada da CSR com o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP).
O mesmo se diga para a jurisprudência dos Tribunais superiores, ainda que estes não tenham de cuidar da delimitação da sua competência em função da natureza do tributo, e se não conheçam decisões suas sobre a CSR.
Também não é indiferente que o Tribunal de Contas, a pp. 90 do seu Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2008 (https://erario.tcontas.pt/pt/actos/parecer-cge/2008/pcge2008-v1.pdf ), tenha considerado o seguinte:
“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança”.
“No mesmo sentido pode ver-se, por exemplo, a argumentação da decisão do processo n.º 644/2022-T (que, neste ponto, foi parcialmente reproduzida na decisão do processo n.º 467/2023-T):
“Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coactivo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto.
“Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspectividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.
“Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou colectiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito activo respectivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspectividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).
“Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da actividade da Infraestruturas de Portugal.
“Na sua concepção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.
“Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008
“(…)”.
“Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respectiva natureza”.
“Evidentemente, sendo a CSR um imposto, a questão da competência do presente Tribunal Arbitral deixa de ser controvertida, e fica prejudicada a indagação de saber se as questões relativas às contribuições se incluem no âmbito da jurisdição dos Tribunais arbitrais do CAAD – e, ou, no da vinculação da AT à sua jurisdição.”
Termos em que improcede a alegada excepção de incompetência material.
Excepção de incompetência dos tribunais arbitrais para sindicarem actos de repercussão
Como vimos, a Requerente dirige o pedido tendente à anulação de actos de liquidação de IEC liquidadas e pagas pelas mencionadas empresas que foi paga por si através do alegado mecanismo de repercussão.
Embora a Requerente reconheça que são sociedades cujo objeto social consiste na exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos, os sujeitos passivos do ISP e da CSR, ao introduzirem no consumo produtos sujeitos aos mesmos, arroga a sua legitimidade no alegado mecanismo de repercussão.
Para a Requerente foi esta a suportar efectivamente o custo associado à CSR e ISP, como se comprova pelas facturas juntas, visando atacar de facto os actos de repercussão em causa.
Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 847/2023-T, “emergem no âmbito da CSR, necessariamente, duas tipologias distintas de atos tributários:
-
os atos de liquidação de CSR, emitidos pela AT com base nas DIC apresentadas pela fornecedora de combustível (…)
-
os atos de repercussão da CSR liquidada (…)”.
“em matéria de CSR a relação estabelecida entre cada uma da Requerente e o respetivo fornecedor de combustível não se traduz apenas numa relação privada entre empresas, à qual a administração tributária é estranha, mas, igualmente, como vem sendo apontado pela doutrina e pela jurisprudência, numa relação jurídico-tributária de repercussão legal, onde se inclui, obviamente, a AT (Requerida)”.
“Seja isso assim ou não – e já se verá que desinteressa discuti-lo em sede arbitral – o certo é que, como os Colectivos que decidiram os processos n.os 296/2023-T, 332/2023-T, 409/2023-T, 466/2023-T e 490/2023-T – o presente Tribunal Arbitral entende que não tem competências para apreciar directamente – e sem mais – actos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais actos ocorrem a jusante dos actos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa– na sindicância dos actos de liquidação. Isso decorre directamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier, distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária”.
“Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa, entre o terceiro repercutido “e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado”.
“Sendo isso assim em tese geral, face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT: “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.
“Quer dizer que este Tribunal se declara liminarmente incompetente para apreciar o primeiro pedido da Requerente (declarar a ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos pela Requerente).
“Tal não impede que, por via do seu segundo pedido (o de que o Tribunal declare a ilegalidade das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas DIC submetidas pela respectiva fornecedora de combustível), a Requerente possa ainda obter uma pronúncia de mérito da jurisdição arbitral. Isso, porém, depende de outra indagação:
A possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem actos de liquidação (inerentemente ligados a actos de repercussão) por solicitação dos repercutidos.
“Numa passagem do seu Manual, Sérgio Vasques afirma que “Se o repercutido estará à margem da relação tributária, não estará por isso à margem do direito.”, referindo que a LGT lhe reconhece o direito “à reclamação, recurso, impugnação ou pronúncia arbitral”.
“Qualquer que seja a posição a adoptar em tese geral – e, salvo disposição legal em contrário, não há razões para pôr em causa a possibilidade de os contribuintes de facto serem admitidos a invocarem perante os Tribunais a ilegalidade dos impostos que efectivamente pagaram –, tem de se ter em conta o quadro legislativo, e este foi invocado pela AT na sua Resposta para pôr em causa a possibilidade de a repercutida poder vir pedir a revisão de liquidações que lhe eram alheias. Fê-lo a coberto do argumento da ineptidão do PPA por não incluir “a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido arbitral”, como expressamente exigido na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT; mas fê-lo igualmente com base numa alegada restrição legal do círculo de sujeitos que podem solicitar o reembolso da CSR, fazendo a equiparação desses pedidos de reembolso a pedidos de revisão.
“apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago”.
“Isto porque, defendeu,
“no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo, encontra-se previsto no CIEC um regime específico, e, conforme referem Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira: “O reembolso por erro corresponde, materialmente, à revisão do ato tributário, com fundamento em erro dos serviços, previsto no artigo 78º da LGT, aqui com um prazo mais curto de 3 anos” (In “Os Impostos Especiais de Consumo”, Editora Almedina, 2016, a págs. 364).
“De facto, o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (diploma que criou a CSR), determina a aplicação do CIEC (e da LGT e do Código de Procedimento e Processo Tributário - CPPT) à “liquidação, cobrança e pagamento” da CSR, pelo que sempre teria de se aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 15.º do CIEC, o qual estabelece que “apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago, os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto”.
“Acrescentando a Requerida que
“Prevê o CIEC normativos legais que se fundamentam no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez”.
“Em todo o caso, concluía (invocando o Acórdão do TJUE de 20 de Outubro de 2011, proferido no âmbito do processo C-94/10),
“ainda que a repercussão económica viesse a ser provada no âmbito do presente processo, entende o TJUE que um Estado-Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil”.
“O Tribunal entendeu ser incompetente para se pronunciar sobre a declaração de ilegalidade da repercussão (o primeiro pedido da Requerente) –, porque esta é subsequente e exterior ao acto tributário, decorrendo de uma relação de direito privado e porque não cabe no âmbito dos actos da AT que o legislador lhe permitiu sindicar –, mas entende que tem obviamente competência para se pronunciar sobre o segundo pedido da Requerente – a declaração de ilegalidade do acto tributário. Ser competente, porém, apenas preenche o pressuposto processual referente ao Tribunal, não o que é respeitante à Requerente. A questão é: pode ela suscitar a revisão das liquidações de CSR em que não teve intervenção – e que, aliás, não consegue identificar – ainda que apenas na medida em que tais liquidações contendam com os pagamentos por ela feitos? Rectius: pode ela, supondo que todo o iter procedimental que desembocou no PPA cumpre os requisitos (o que ainda teria de se apurar) – pode a Requerente, perguntava-se, suscitar a revisão das liquidações conjuntas (e acumuladas) de ISP e CSR no segmento estrito que invoca dizer-lhe respeito?
“A questão está em saber se, portanto, no quadro processual que ficou descrito nos Factos Provados, pode este Tribunal declarar a ilegalidade das “liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustível”, ainda que delimitando o âmbito da ilegalidade de tais liquidações pela correspondência aos “atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos pela Requerente no decurso do período compreendido entre abril de 2019 e dezembro de 2022” – uma vez que, em tudo o que as exceda, não foi formulada qualquer pretensão arbitral.
“Na decisão pioneira proferida no processo n.º 408/2023, escreveu-se:
“Infere-se do articulado da Requerente que esta legitima a sua intervenção processual do facto singelo de lhe ter sido repercutida a CSR pelas empresas distribuidoras de combustíveis, caracterizando-se no artigo 29.º do ppa como um “consumidor” de combustíveis, sobre o qual “recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo.
Contudo, importa, antes de mais, salientar que a repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, pois o artigo 9.º do CPPT requer a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Além de que a Requerente não tem a qualidade de “consumidor” de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”)”
“(…)"
“A confirmar-se a natureza “pacífica” de tal entendimento – o que não é relevante apurar para os presentes autos – tal permitiria considerar legítima a determinação legislativa do artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro (“Altera o Código dos Impostos Especiais de Consumo, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, transpondo as Diretivas (UE) 2019/2235, 2020/1151 e 2020/262”) ao atribuir natureza interpretativa à “redação conferida pela presente lei ao artigo 2.º do Código dos IEC”. Isto porque, dada a proibição constitucional da retroactividade de disposições fiscais que abranjam os elementos essenciais dos impostos (artigo 103.º da Constituição), só nesse caso é que tal alteração (a introdução do inciso “sendo repercutidos nos mesmos” – sendo os “mesmos” os “contribuintes” onerados segundo o “princípio da equivalência”, “na medida dos custos que (…) provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública”) seria verdadeiramente interpretativa e, portanto, constitucionalmente legítima.
“Ora, como também se referiu, qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”), assim redigida:
“Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto”.
Por sua vez, as disposições relevantes desse artigo 4.º (epigrafado “Incidência subjectiva”), para as quais tal norma remete, têm a seguinte redacção:
“1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:
a) O depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado;
(…)
2 - São também sujeitos passivos, sem prejuízo de outros especialmente determinados no presente Código:
-
A pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação”.
“Desde a redacção inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, também a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjectiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.
“Ou seja: só os sujeitos passivos aí identificados – e só quando preencham requisitos adicionais – podem suscitar questões sobre, como se escreve no n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”. Só eles, portanto, podem ser titulares de um interesse tutelado pela lei – designadamente para accionarem a revisão oficiosa.
“O mesmo se escreveu na decisão do processo n.º 364/2023-T:
“é o art. 9.º, 1 e 4 do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, 1 do RJAT, que define a legitimidade activa no processo arbitral tributário, e lá não se prevê que essa legitimidade se possa perder por efeito de uma repercussão que propiciasse a identificação de um interesse, concorrente ou exclusivo, na esfera de um “repercutido” que não seja o sujeito passivo.
(…)
“A conjugação do art. 9º, 1 e 4 do CPPT com o art. 18º, 3 da LGT dissipa quaisquer dúvidas sobre a ilegitimidade processual da Requerente: têm essa legitimidade os contribuintes, e contribuinte é o “sujeito passivo” na relação tributária, a pessoa singular ou colectiva, património ou organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.
“Não sendo a Requerente sujeito passivo do ISP, de acordo com a norma de incidência subjectiva constante do art. 4.º, 1, a), do CIEC, não é responsável pelo pagamento da CSR, por força do disposto nos arts. 4.º, 1, e 5.º, 1, da Lei n.º 55/2007 – não sendo consequentemente, na qualidade de contribuinte directo, titular da relação jurídica tributária, e parte legítima no processo (art. 9º, 1 do CPTA).
(…)
“Querendo isto dizer, muito pragmaticamente, que só os sujeitos passivos aí identificados, e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre erros na liquidação”.…)”.
“E nem se diga que tal orientação é contrária ao Direito da União, porquanto, como ficou consignado, mais uma vez, na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 847/2023-T, “Sobre a possibilidade de certos interessados serem impedidos de contestar a legalidade de certos tributos (em geral ou numa específica jurisdição) já o TJUE referiu que
“na ausência de regulamentação comunitária em matéria de repetição de impostos nacionais indevidamente cobrados, cabe à ordem jurídica interna dos Estados-Membros designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais dos recursos judiciais destinados a assegurar a protecção dos direitos de que os cidadãos gozam com base no direito comunitário.
“38. Por razões de segurança jurídica, os Estados-Membros estão, em princípio, autorizados a limitar, a nível nacional, o reembolso de impostos indevidamente cobrados. Contudo, estas limitações devem respeitar o princípio da equivalência, nos termos do qual as disposições nacionais devem aplicar-se de maneira idêntica às situações puramente nacionais e às situações reguladas pelo direito comunitário, e o princípio da eficácia, que impõe que o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária não se torne praticamente impossível ou excessivamente difícil”.
“Daqui resulta que, na lógica do Direito da União, nada impede que o legislador nacional limite (e não apenas na jurisdição arbitral, embora por maioria de razão nesta, dada a sua competência por atribuição), os modos e as condições de, e os interessados na, obtenção da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação por razões ligadas à prevalência do Direito da União – designadamente excluindo a possibilidade de quem quer que seja que não tenha tido intervenção neles suscitar a avaliação dessa desconformidade.
“Diga-se, mas apenas como obiter dictum, que tal opção legislativa, que tem de se admitir justificada face à impraticabilidade de se gerir um sistema, digamos, “aberto” (como o que resultaria dos números indicados acima), foi aliás, no que diz respeito à contrariedade de tais liquidações com o Direito da União, considerada justificável no despacho do TJUE no Processo n.º C-94/10, desde que o “comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil”.
“Se essa condição está ou não preenchida no caso não cabe, evidentemente, a este Tribunal apurar: tal perquisição só poderia ocorrer aquando da aferição da conformidade do sistema legal de recuperação de montantes pagos a título de CSR com o Direito da União (na fase da decisão sobre o fundo), e o Tribunal já concluiu que a Requerente não está em condições de o poder levá-lo a confrontar-se com tal questão (como o poderiam fazer os sujeitos passivos da relação tributária).”
Conclusão sobre a legitimidade da Requerente e sobre as demais questões enunciadas
“Concluindo-se que o presente Tribunal Arbitral é incompetente para se pronunciar sobre o primeiro pedido da Requerente (porque não pode pronunciar-se sobre actos subsequentes aos, e autónomos dos, actos de liquidação), e resultando da lei que a Requerente é parte ilegítima para suscitar o segundo (questionar os actos de liquidação da CSR que pudessem ter alguma ligação com os ditos actos de repercussão), conclui-se que a Requerida terá de ser absolvida da instância, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado, incluindo as questões de constitucionalidade e o pedido de reenvio prejudicial suscitado pela Requerente na sua “réplica” (que só poderiam ser abordadas depois de se estabelecer a competência do Tribunal e a legitimidade da Requerente).
“Não se opinando sobre o mérito, ficam igualmente prejudicados os pedidos de “restituição” e de pagamento de juros indemnizatórios.”
As considerações transcritas são plenamente transponíveis para o caso dos autos.
Sublinha-se apenas que também não assiste razão à Requerente quando alega, entre o mais, que “(…) o interesse da Requerente sempre terá necessariamente de se qualificar como um interesse legalmente protegido para efeitos do disposto nos artigos 9.º, n.º 1, do CPPT e 65.º da LGT, na medida em que está em causa o reembolso de um imposto, suportado pelo mesmo, que já foi considerado ilegal pelo TJUE e pelos tribunais nacionais. (…) num Estado de Direito, vigora o princípio da tutela jurisdicional efetiva, segundo o qual a todo o direito ou interesse legal protegido tem de corresponder um meio procedimental ou processual adequado a fazê-lo reconhecer e a prevenir a sua violação” (artigos 20.º e 268.º, n.º4, da CRP).
Ora o direito à tutela judicial efectiva, em regra, não põe em causa as regras sobre a legitimidade processual activa, a menos que se demonstre que as normas que configuram essa legitimidade processual sejam inconstitucionais.
O que não vem demonstrado. Pelo contrário, ficou demonstrado que a configuração da CSR constitui um imposto conforme ao direito Constitucional e ao direito da União, porquanto a sua configuração jurídica cabe na liberdade de conformação infra constitucional do legislador ordinário.
O mesmo acontece com a liberdade do legislador para estabelecer que a legitimidade activa para impugnar as liquidações dos IEC, sejam as sociedades fornecedoras (a Requerente reconhece, aliás, que são “os sujeitos passivos formais” - Ponto 73.º do Pedido).
Como vimos, a Requerente tenta fundamentar a sua legitimidade processual activa num alegado mecanismo de repercussão legal que, ao não ser previsto pela Lei n.º 55/2007, não pode ser subvertido pelos tribunais a menos que se considerem inconstitucionais as normas pertinentes, o que, reitera-se, não vem demonstrado.
Neste sentido, pode ler-se na Decisão arbitral proferida no processo n.º 467/2023-T, citando a Decisão arbitral proferida no processo n.º 375/2023-T, que:
“44. compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. Ou seja, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável e mapeável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.
“45. Por fim, não se diga que as ora Requerentes ficaram desprovidas de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunirem os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspectiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (vd. artigo 20.º da Constituição).”
De tudo quanto se deixou exposto, pode concluir-se que o presente Tribunal Arbitral é incompetente para se pronunciar sobre o pedido da Requerente, uma vez que está impedido de apreciar, no presente caso, actos subsequentes e autónomos dos actos de liquidação, resultando da lei que a Requerente é parte ilegítima para questionar os actos de liquidação de CSR, que pudessem ter alguma ligação com os actos de repercussão, pelo que a Requerida deve ser absolvida da instância (art. 278º, nº 1, alínea a) do CPC, aplicável por força do art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitível acima delineado, incluindo as questões de constitucionalidade e do reenvio prejudicial (art. 608º, nº 2 do CPC, ex vi art. 29º, nº 1, alínea e) do CPC).
Sendo assim, fica prejudicado, como se disse, o conhecimento das questões de mérito, e, consequentemente, o pedido de restituição da quantia paga e o pagamento de juros indemnizatórios.
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DECISÃO
Termos em que decide este Tribunal Arbitral:
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Julgar este Tribunal Arbitral incompetente para se pronunciar sobre o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de repercussão da CSR, consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente, durante o período indicado no PPA.
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Julgar a Requerente parte ilegítima para suscitar a declaração de ilegalidade das liquidações de CSR em causa, efectuadas pela Requerida, com base nas DIC submetidas pelas respectivas fornecedoras de combustível.
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E, consequentemente, absolver a Requerida da instância e condenar a Requerente nas custas do processo
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Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em 35.382,35 euros, nos termos do artigo 97º-A, nº 1, a), do Código de Procedimentos e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária
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Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.836,00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4º, nº 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
(Esta decisão foi redigida pela ortografia antiga)
Lisboa, 6 de Setembro de 2024
O Árbitro
(José Nunes Barata)