Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 48/2024-T
Data da decisão: 2024-09-06  IRC  
Valor do pedido: € 112.539,53
Tema: IRC – Gastos não dedutíveis e aplicação da taxa reduzida de IRC prevista para a Região Autónoma dos Açores– pressupostos.
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Sumário:

 

I – A utilização de taxas de depreciação superiores às previstas no Decreto Regulamentar n.º 25/2009 é possível, no caso de bens adquiridos em estado de uso mas compete ao contribuinte provar essa mesma aquisção;

 

II – Às fundadas dúvidas suscitadas pela AT relativamente à insuficiente documentação de certas despesas incorridas bem como à sua não adequação ao objeto económico prosseguido não logrou o contribuinte demonstrar e fundamentar a sua adequação à estratégia empresarial seguida;

 

III – A aplicação das taxas reduzidas de IRC às sociedades com sede ou direção efetiva na Região Autónoma, não exige um exercício efetivo de atividade nessa região autónoma.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os árbitros Carlos Alberto Fernandes Cadilha (árbitro-presidente), Pedro Miguel Abreu Marques e Ricardo Rodrigues Pereira (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 18 de março de 2024:

 

 

 

I - Relatório

 

A..., S.A. – abreviadamente “A...” – NIPC..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... ..., notificada da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2022..., relativo ao ano de 2018, tendo por base a fundamentação apresentada no relatório final de inspeção tributária relativo ao procedimento inspetivo credenciado pela ordem de serviço n.º OI2021..., dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Angra do Heroísmo e dos respetivos juros compensatórios, bem assim como da demonstração de acerto de contas, da qual resultou um valor total de EUR 112,539.53 e com estes procedimentos não se conformando, veio requerer PRONÚNCIA ARBITRAL, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

 

Fundamentos do pedido

Invoca, a fundamentar o pedido, no essencial e em síntese:

  • a Requerente foi objeto de uma inspeção que incidiu sobre o ano de 2018, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2021..., levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Angra do Heroísmo;

 

  • desta inspeção resultaram correções à matéria tributável em sede de IRC, para o ano de 2018, fundamentadas no relatório da inspeção tributária (RIT) junto aos autos;

 

  • em consequência do RIT a Autoridade Tributária notificou a Requerente do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2022..., no valor de EUR 112,539.53;

 

  • este valor adicional corresponde a correções efetuadas ao resultado tributável no montante de EUR 253,716.72, que originaram, por sua vez, um pagamento adicional das tributações

 

  • autónomas e IRC no valor de EUR 100,688.62 e respetivos juros compensatórios, que totalizaram EUR 11,850.91 (Doc. 1, junto com o pedido).

 

  • a Requerente não concordando com o teor do referido relatório, apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação adicional de IRC e respetivo acerto de contas, como resulta do documento que junta e dá por reproduzida. (Documento n.º 4);

 

  • a reclamação graciosa, a que foi atribuída o número ...2023..., viria a ser expressamente indeferida, por decisão da Direção de Finanças de Angra do Heroísmo, notificada por ofício datado de 12/10/2023, conforme documento que se junta e dá por reproduzida. (Documento n.º 2).

 

  • visando o presente pedido de pronúncia arbitral, a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, consequentemente, a anulação do ato de liquidação adicional de IRC e respetivo acerto de contas, do qual resultou um valor de adicional de IRC a pagar;

 

  • a Requerente, apesar de não concordar com a referida liquidação, procedeu ao pagamento da mesma em 25/10/2022, conforme comprovativo que se junta e dá por reproduzido. (Documento n.º 6);

 

  • o relatório de inspeção que sustenta a liquidação adicional sob censura padece do vício do incumprimento do ónus da prova que recai sobre a AT, do vício da falta de fundamentação, de erro nos pressupostos de facto e do vício de violação de lei;

 

  • a alteração ao lucro tributável da sociedade A... (no montante total de EUR 253,716.72) tem a sua origem em três correções efetuadas pela AT;

 

  • Em primeiro lugar, devido a depreciações não aceites fiscalmente, por utilização de uma taxa de depreciação superior a taxa máxima permitida pelo Decreto Regulamentar n.º 25/2009 (originando uma correção ao resultado tributável de EUR 95,741.69);

 

 

 

  • Em sua defesa (pontos 231º a 262º da PA) a Requerente alega, para além de invocar os vícios supra mencionados, que a utilização de uma taxa superior à indicada no citado Decreto Regulamentar se deveu ao facto de se tratar de bens adquiridos em estado de uso, tendo, portanto, uma vida útil inferior à prevista no diploma citado;

 

  • Refere ainda que a utilização desta taxa de depreciação tinha sido aceite e acordada no âmbito de uma inspeção ao exercício fiscal de 2016;

 

  • As outras duas correções ao resultado tributável resultam da desconsideração de custos fiscalmente aceites, seja por serem considerados como gastos não devidamente documentados (EUR 76,115.08), seja por serem considerados como não relacionados com a obtenção de rendimentos (EUR 81,859.95);

 

  • Totalizam 80 as correções individuais subjacentes a estes dois montantes (25 relacionados com gastos indevidamente documentados e 55 com gastos não relacionados com a atividade) sendo que a Requerente refere, no ponto 53º da PA, que “atento o elevado número de correções, a Requerente optou por, na presente reclamação, abordar individualmente algumas correções”;

 

  • Prosseguindo, no ponto 54º “que, quanto às demais correções, é convenção da Requerente que todas padecem dos vícios de incumprimento o ónus da prova e da falta fundamentação“;

 

  • Com fundamento no vício do incumprimento do ónus da prova que recai sobre a AT, a Requerente expõe, nos pontos 59º a 125º da PA, os motivos pelos quais considera que a AT não logrou demonstrar os “factos suscetíveis de abalar a presunção da veracidade das operações inscritas na contabilidade do sujeito passivo e nos respetivos documentos de suporte, prevista no artigo 75º, n.º 1 da LGT” (ponto 66º da PA);

 

  • E, consequentemente, não passando “a competir ao sujeito passivo o ónus da prova de que a sua escrita é merecedora de credibilidade” (ponto 67º da PA);

 

 

 

  • Sustentando este vício (também incluindo nesta seção o vício da falta de fundamentação), a título exemplificativo, a correção das depreciações não aceites fiscalmente, gastos relacionados com prestação de serviços administrativos, gastos suportados com um estágio profissional, localização geográfica do volume de negócios, entre outras;

 

Nos exemplos apresentados, não é apensa qualquer prova documental;

 

  • A Requerente considera ainda os atos tributários não foram devidamente fundamentados, salvaguardando, à semelhança do sucedido a propósito da inversão do ónus da prova que, “contesta a totalidade dos atos tributários sob discussão, com base no vício de falta de fundamentação, embora se destaquem, no presente ponto, alguns exemplos de correções em que é patente a presença desse vício” (ponto 126º da PA);
  • Os exemplos apresentados (pontos 145º a 188º da PA), são os mesmos que já tinha sido destacados, a propósito do vício de inversão do ónus da prova, bem como gastos com serviços de limpeza, entre outras;

 

  • Nos exemplos apresentados, considera a Requerente que “os atos tributários de liquidação adicional emitidos resultam manifestamente incompreensíveis para a Requerente, em resultado da insuficiente fundamentação dos mesmos no RIT” (ponto 174º da PA);

 

  • Nos exemplos apresentados, não é apensa qualquer prova documental;

 

  • A respeito do erro na aplicação do Direito, a Requerente defende que a AT questiona verdadeiramente a natureza efetiva dos serviços prestados e suportados e não tanto erros de forma ou de desenquadramento na sua ligação à obtenção de rendimentos sujeitos a IRC (pontos 194º e 195º da PA);

 

  • Exemplificando esse vício com os gastos relacionados com a compra de bens móveis (anexando documentos para comprovar alguns dos factos) e gastos associados a um estágio profissional;

 

 

 

  • A correção ao IRC resulta, para além do natural incremento das correções aritméticas ao resultado tributável, do facto da AT ter desconsiderado a redução nas taxas gerais de IRC aplicáveis à Região Autónoma Açores (RAA), prevista no Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A, de 20 de janeiro;

 

  • Alega a esta propósito que a redução de 20% aplicável à taxa de IRC, bem como às taxas de tributação autónoma, apenas depende do facto da sede ou direção efetiva se localizar nesta Região Autónoma, o que se verifica, pelo que (também) esta correção deverá ser considerada ilegal;

 

  • Contesta ainda a consequentemente liquidação de juros compensatórios, peticionado ainda o pagamento de juros indemnizatório, em harmonia com o disposto no n.º 1 do art.º 43º da LGT.

 

Resposta da AT (em síntese)

Alega a AT, na Resposta apresentada na sequência em consequência da notificação prevista no artigo 18º, do RJAT:

 

  • Relativamente à desconsideração de custos fiscalmente aceites, seja por serem considerados como gastos não devidamente documentados (EUR 76,115.08), seja por serem considerados como não relacionados com a obtenção de rendimentos (EUR 81,859.95), alega que perante os factos identificados no RIT, a presunção da veracidade da contabilidade não se verifica, para as correções efetuadas, atento ao disposto na alínea a) o n.º 2 do art.º 75º da LIGT, ou seja, que “As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo” (ponto 31 da Resposta);

 

  • Remetendo as evidências e fundamentos para a existência de diversas violações às normas fiscais para o RIT, reproduzindo algumas das mesmas, mencionado ainda que a Requerente, na fase administrativa ou arbitral deste processo, não trouxe qualquer elemento de prova para refutar as alegações da AT nem justificou alegadas omissões e contradições na documentação

 

contabilística, não demonstrando assim não serem válidas as conclusões a que chegou a AT (ponto 65 da Resposta);

 

  • Sustenta ainda a AT a inexistencia do vício de incumprimento do dever de fundamentação, defendendo que a Recorrente teve oportunidade de esclarecer dúvidas que foram surgindo no RIT e de juntar elementos probatórios capazes de sustentar a sua tese (Pontos 67 e 68 da Resposta), sem que o tenha feito;

 

  • Para constestar o alegado erro na aplicação do direito, a Requerida recupera a fundamentação utlizada no RIT a propósito do contrato de venda de imobilizado, identificando erros e contradições que, alegadamento, a Requerente não logrou contrariar;

 

  • A propósito da taxa de depreciação utilizada ter resultado de uma inspeção tributária ao ano de 2016, alega ainda a Requerida que não foi solicitada a eficácia vinculativa do relatório nos termos do art.º 64º do RCPITA, pelo que nada obsta a que AT promova entendimento diferente nos anos seguintes (ponto 37 da Resposta);

 

  • Finalmente e no que respeita à redução de 20% na taxa de IRC aplicável à RAA, entende que não basta os sujeitos passivos terem sede ou direção efetiva na RAA, mas também, quer, cumulativamente, aí exerçam atividade (ponto 92 da Resposta), citando doutrina jurisprudencial em sua defesa.

 

Após regulamentar tramitação, o Tribunal, coletivo, ficou constituído em 18-10-2024.

 

Saneamento do processo

O Tribunal é materialmente competente, o processo é o próprio e as partes legítimas, capazes e devidamente representadas.

 

Não há exceções ou questões prévias a apreciar e decidir.

 

O processo não enferma de nulidades e/ou irregularidades.

 

Cumpre apreciar e decidir o litígio.

 

II Fundamentação

 

  • Os factos provados

 

São os seguintes os factos essenciais provados:

  1. A Requerente tem, no exercício em causa, a sua sede e direção efetiva na RAA;

 

  1. Pela Ordem de Serviço n.º OI2021..., foi levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Angra do Heroísmo uma ação de fiscalização externa;

 

  1. desta inspeção resultaram correções à matéria tributável em sede de IRC, para o ano de 2018, fundamentadas no relatório da inspeção tributária (RIT) junto aos autos;

 

  1. em consequência do RIT a Autoridade Tributária notificou a Requerente do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2022..., no valor de EUR 112,539.53;

 

  1. este valor adicional corresponde a correções efetuadas ao resultado tributável no montante de EUR 253,716.72, que originaram, por sua vez, um pagamento adicional das tributações autónomas e IRC no valor de EUR 100,688.62 e respetivos juros compensatórios (EUR 11,850.91);

 

  1. As correções efetuadas tiverem por base a desconsideração dos gastos originalmente deduzidos pela Requerente, com fundamento nos art.ºs 23º e 23º-A do CIRC (gastos não relacionados com a atividade ou não devidamente documentados), a não aceitação de uma taxa de depreciação superior à máxima legalmente permitida pelo Decreto Regulamentar n.º 25/2019 e a desconsideração da redução nas taxas gerais de IRC aplicáveis na RAA;

 

 

  1. A requerente exerceu o seu direito de audição em 03/06/2022 (fls 41 e ss., do RIT);

 

  1. A correção proposta foi contudo mantida e emitida, em 12/9/2022, a liquidação adicional nº 2022..., no valor de EUR 112,539.53, ora objeto de impugnação;

 

  1. A Requerente procedeu ao respectivo pagamento no dia 25/10/2022;

 

  1. Tendo apresentado a Reclamação Graciosa (RG) nº ...2023... ...

 

  1. ...que foi proposta indeferir por despacho de 14/04/2023, proferido pelo Diretor de Finanças de Angra o Heroísmo;

 

  1. Não tendo sido exercido pela Requerente o direito de audição, foi a respetiva proposta de indeferimento convertida em definitiva e notificada por despacho do Diretor de Finanças de Angra o Heroísmo de 09/10/2023,

 

  1. A alteração ao lucro tributável da sociedade A... (no montante total de EUR 253,716.72) tem a sua origem em três correções efetuadas pela AT;

 

  1. Em primeiro lugar, devido a depreciações não aceites fiscalmente, por utilização de uma taxa de depreciação superior a taxa máxima permitida pelo Decreto Regulamentar n.º 25/2009 (originando uma correção ao resultado tributável de EUR 95,741.69);

 

  1. As outras duas correções ao resultado tributável resultam da desconsideração de custos fiscalmente aceites, seja por serem considerados como gastos não devidamente documentados (EUR 76,115.08), seja por serem considerados como não relacionados com a obtenção de rendimentos (EUR 81,859.95);

 

  1. São 80 as correções individuais subjacentes a estes dois montantes (25 relacionados com gastos indevidamente documentados e 55 com gastos não relacionados com a atividade);

 

  1. A correção ao IRC resulta, para além do natural incremento das correções aritméticas ao resultado tributável, do facto da AT ter desconsiderado a redução nas taxas gerais de IRC aplicáveis à Região Autónoma Açores (RAA), prevista no Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A, de 20 de janeiro

 

  • Factos não provados

Não se surpreendem factos essenciais não provados.

 

  • Motivação

Assinale-se, preliminarmente, que segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC); somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos, nomeadamente o assinalado supra e que não foi impugnado, incluindo-se aí a cópia do PA junta pela AT,  bem como nas posições assumidas pelas partes neste litígio cujo objeto fundamental é, como melhor se analisará infra, essencialmente de direito traduzido em saber: (i) se os gastos incorridos com um conjunto de aquisições de bens e serviços devem ser desconsiderados por se considerar, em harmonia com o disposto nos art.ºs23º e 23º-A do CIRC que os mesmo não estão ou devidamente documentados ou que não são necessários para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, (ii) se a utilização de uma taxa de depreciação superior à máxima permitida pelo Decreto Regulamentar n.º 25/2009 é ou na permitida para o caso concreto e; (iii)

 

se para a aplicação da redução das taxas gerais de IRC previstas para a RAA é ou não condição necessária a Requerente, tendo a sua sede ou direção efetiva nessa circunscrição, desenvolver atividade nessa região.

 

Fundamentação: O Direito

Cumpre assim decidir sobre o mérito das correções efetuadas ao resultado tributável da Requerente e se é (ou não) aplicável a redução de 20% nas taxas gerais de IRC vigentes na RAA:

 

Depreciações não aceites fiscalmente

(Correção ao resultado tributável de EUR 95,741.69)

 

A Requerente, em relação a dois ativos fixos tangíveis, identificados nas páginas 10 a 12 do RIT, utilizou uma taxa anual de depreciação de 33.33%.

 

Os bens em causa, com o código 2430 previsto no Grupo 5 da Tabela II anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, correspondem a “Elementos Diversos – Mobiliário”, prevendo-se aí uma taxa máxima de 12.5% de depreciação anual.

 

A Requerente alega, em sua defesa, que se tratam de bens adquiridos em estado de uso. Neste sentido, e de acordo com o disposto no n.º 6 do art.º 31º do CIRC, “As taxas de depreciação de bens adquiridos em estado de uso (...) são calculados com base no respetivo período de vida útil esperada”.

 

Deste modo, e em tese, é assim possível a aplicação de uma taxa de depreciação superior à prevista no Decreto Regulamento n.º 25/2009, dependendo do número de anos que tiver ocorrido deste a data da entrada em funcionamento dos bens e data da sua aquisição pela Requerente.

 

 

Contudo, esta não junta ao processo qualquer prova documental que permita atestar o facto de os bens terem sido adquiridos em estado uso (bem como a sua data original de entrada em funcionamento), o que seria exigido, atento à diferença objetivamente material, entre a taxa de depreciação praticada (33.33%) e a taxa prevista no Decreto Regulamente n.º 25/2009 (12.5%).

 

Também não pode este Tribunal aceitar tal taxa de depreciação com base na argumentação da mesma ter sido aceite pelos Serviços de Inspeção Tributária numa fiscalização ao exercício de 2016, uma vez que não ficou provado que a Requerente tenha solicitado o sancionamento das conclusões do respetivo relatório de inspeção ao Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, conforme previso no art.º 64º do Regime Complementar de Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira.

 

Sendo assim de manter a correção efetuada pela AT ao resultado tributável da Requerente.

 

Gastos não devidamente documentados

(Correção ao resultado tributável de EUR 76,115.08)

 

Gastos não relacionados com a obtenção de rendimentos

(Correção ao resultado tributável de EUR 81,859.95)

 

Embora as normas do CIRC violadas, na tese da Recorrida, para estas duas correções sejam diferentes, entende este Tribunal que as mesmas devem ser avaliadas, em termos de Direito, em conjunto.

 

E isto porque o que estará verdadeiramente em causa consiste em apurar se as dúvidas e os factos suscitados pela AT estão suficientemente fundamentados para se criar a dúvida sobre a força probatória de (alguns) documentos contabilísticos, colocando em causa as presunções que impendem sobre a contabilidade da Requerente e plasmadas no art.º 75º da LGT.

 

 

Caso a resposta a esta questão for positiva, operaria o instituto da inversão do ónus da prova, competindo à Requerente contrapor com factos e documentos a sua posição.

 

Não o fazendo (como, e já adiantando, não o fez, exceto numas situações particulares), com a resposta positiva à questão formulada anteriormente, as correções seriam de manter.

 

Ao invés, caso a resposta à suficiente fundamentação por parte da AT for negativa, então as correções ao resultado tributável devem ser anuladas, atento, nomeadamente, ao previsto no n.º 1 do art.º 100º do CPPT que prevê que “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”.

 

Compete assim a este Tribunal formular, em primeiro lugar, o seu juízo sobre a solidez da fundamentação apresentada pela AT, para se verificar se efetivamente se iludiram as presunções previstas no art.º 75º da LGT, competindo assim à Requerente contrapor, com factos e argumentos, a sua (oposta) posição.

 

Para a formulação deste juízo, importa recordar as normas previstas na LGT.

 

Artigo 74.º

Ónus da prova

1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

2 - Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correta identificação junto da administração tributária.

3 - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação.

 

Artigo 75.º

Declaração e outros elementos dos contribuintes

1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;

b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;

c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica previstos na presente lei.

d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89-A.

3 - A força probatória dos dados informáticos dos contribuintes depende, salvo o disposto em lei especial, do fornecimento da documentação relativa à sua análise, programação e execução e da possibilidade de a administração tributária os confirmar.

 

A redação do art.º 74º tem sido unanimemente considerada com revelando a existência de uma filosofia de repartição do ónus da prova no procedimento tributário.

 

 

Deste modo, concorda-se com Lima Guerreiro “tendo o legislador da Lei Geral Tributária optado igualmente por uma partilha equitativa do encargo probatório entre administração fiscal e contribuinte, ou seja, por uma solução de equilíbrio[1].

 

E prosseguindo, “Efetivamente, um sistema fiscal que faça assentar no contribuinte todo o ónus da prova da inexistência total o parcial do facto tributário possibilita à administração tributária efetuar a liquidação sem que tenha previamente de formar uma inequívoca convicção de certeza da legalidade da liquidação, podendo bastar-se com meros indícios, o que alimenta a injustiça e desigualdade, dada a dificuldade que se reveste ordinariamente a prova de um facto negativo. Do mesmo modo, um sistema que faça assentar na administração tributária todo o ónus de prova pode contribuir para impunidade da fraude e evasão fiscal, sobretudo quando o contribuinte tenha voluntariamente procedido à ocultação de todos os sinais reveladores dos factos tributários”.

 

Por interesse para a matéria sob análise, cite-se também Diogo Leite Campos, Benjamin Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa [2]A produção de prova que seja suscetível de convencer da veracidade de um facto invocado basta, em princípio, para considerar cumprindo o ónus da prova.

Porém, se existirem no procedimento tributário elementos probatórios em sentido contrário (contraprova), poderá volta a gerar-se uma situação de dúvida.

Neste caso, não estando perante um valor de prova legal plena, voltará a prevalecer a regra do ónus da prova, devendo a dúvida ser valorizada processualmente contra quem tem tal ónus (art.º 346º do Código Civil).

Porém, no caso em que tenha sido produzida prova legal plena por aquele sobre quem recaía o ónus da prova, a obtenção de elementos probatórios geradores de dúvidas sobre a veracidade dos factos provados não basta para fazer recair novamente o ónus da prova sobre quem fez aquela prova, pois a prova plena só pode ser contrariada por meios probatórios através do

 

qual se demonstre a falsidade do facto por aquele provado (art.º 347º do CC) e não por mera contraprova, isto é, por meios que apenas gerem dúvidas sobre os factos que interessa conhecer”.

 

Em termos da (abundante) jurisprudência sobre esta temática de partilha equitativa do encargo probatório, refira-se, a título de exemplo, o Acórdão TCAN (Processo 00728/09 de 25.01.2024), de que “Na atuação administrativa em sede de avaliação da indispensabilidade para a obtenção de proveitos de despesas contabilizadas como custos, cumpre-lhe tão só o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua atuação (dúvida fundada) e, ao invés, cabe ao contribuinte demonstrar que aquelas despesas como tal se lhe apresentaram e assim as considerou, fundamentadamente, uma vez que a ele cabe, exclusivamente, a definição das estratégias empresariais próprias”.

 

Ou ainda o Acórdão do TCAS (Processo 892/12 de 08.02.2018) ao referir que “Apenas se admite o afastamento da veracidade das declarações apresentadas quando a AT demonstre inequivocamente a existência de um facto tributário não refletido nessas declarações ou divergente do declarado, através de elementos carreados para o procedimento, tendo em vista ilidir a presunção de veracidade das mesmas”.

 

No mesmo sentido, releia-se o Acórdão do TCAS (Processo 1096/04.1 de 07.12.2021), que determina que “Os pressupostos legitimadores da atuação corretiva da AT não se bastam com meras suspeições, devendo assentar em factualidade de que se possa extrai um juízo fundado de que a declaração, contabilidade ou escrita não refletem a realidade tribuária do sujeito passivo”.

 

Com o auxílio destas linhas orientadoras, analisemos então a natureza e factualidade das correções efetuadas, para se decidir se a prova apresentada pela AT, sendo a possível, gera uma dúvida insanável para este Tribunal a partir diretamente dos meios de prove a indiretamente com base na formulação de juízos dos factos.

 

Se gerar, então inverte-se forçosamente o ónus da prova para a Requerente.

 

Começando pelas correções de gastos não devidamente documentados, a mesma baseia-se no disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 23º-A do CIRC, que prevê que “Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.º 3 e 4 do artigo 23º (...) não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável”.

 

Por seu lado, o n.º 3 do art.º 23º estipula que “Os gastos dedutíveis (...) devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.”

 

Complementando o n.º 4 do mesmo artigo que “No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se trate de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.”

 

Nesta secção, também é violada, de acordo com a AT, o disposto na alínea j) do n.º 1 do art.º 23º - A, que determina que não são dedutíveis “os encargos com combustíveis na parte em que o sujeito passivo não faça prova de que os mesmos respeitam a bens pertencentes ao seu ativo”.

 

Analisando os 25 factos que compõem e justificam a correção (páginas 12 a 23 do RIT), considera este Tribunal que as questões levantadas e documentadas pela Requerida são efetivamente pertinentes e suscetíveis de, objetivamente, criarem algumas dúvidas de que tais gastos não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.

 

Da exaustiva lista de factos apontados no RIT, podemos fundamentar esta conclusão com as prestações de serviços efetuados por prestadores sem aparente estrutura para realizar os serviços, inexistência de guias de transporte em despesas de transporte entre o Continente e a RAA, faturas de combustível sem indicação da viatura, entre outras.

 

Face a estas fundadas dúvidas, na opinião deste Tribunal, competia assim à Requerente contrapor, explicar, e sobretudo documentar a sua posição sobre a falsidade destes indícios.

 

Algo que, manifestamente, não fez.

 

De facto, e para além de apenas contestar, com factos objetivos, algumas das correções, a pouca documentação de suporte que junta para fundamentar o contraditório acaba por, na opinião deste Tribunal, por não esclarecer as dúvidas suscitadas pela AT.

 

Por exemplo, no caso da compra e venda de mobiliário, não foram carreados ao processo quaisquer faturas de aquisição por parte da colaboradora, e que assim justificariam a posterior venda à Requerente, afirmação defendida pela Requerente e questionada pela AT.

 

Também as dificuldades explanadas pela Requerente na PA no conhecimento da natureza dos factos financeiros invocados pela AT que, recorde-se, prendem-se com os seus registos contabilísticos, não permitem clarificar as fundadas dúvidas suscitadas pela AT.

 

 

Por estes motivos, considera este Tribunal ser de manter a correção ao resultado tributável de EUR 76,115.08

 

No que respeita às correções relacionadas com gastos não relacionados com a obtenção de rendimentos, importa relembrar que a regra geral prevista no n.º 1 do art.º 21º do CIRC, que dispõe que “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

 

Analisando os 55 factos que compõem e justificam a correção (páginas 23 a 38 do RIT), e à semelhança do referido para os gastos indevidamente documentados, considera este Tribunal que as questões levantadas e documentadas pela Requerida são efetivamente pertinentes e suscetíveis de, objetivamente, criarem algumas dúvidas de que tais gastos não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.

 

Da exaustiva lista de factos apontados no RIT, podemos fundamentar esta conclusão com despesas com alojamento e deslocações, em que a Requerente não logrou identificar os colaboradores envolvidos, aquisição de serviços de limpeza a empresa com estrutura num município onde a Requerente não prosseguia qualquer atividade, despesas associadas a um imóvel destinado a habitação, sem aparente ligação ao objeto jurídico e económico da Requerente, entre outras.

 

Novamente, e face a estas fundadas dúvidas, competiria assim à Requerente contrapor, explicar, e sobretudo documentar a sua posição e argumentos sobre a falsidade destes indícios.

 

Algo que, novamente e manifestamente, não fez.

 

 

 

 

De facto, e para além de apenas contestar, em concreto e em detalhe, algumas das correções, a pouca documentação de suporte que junta para fundamentar o contraditório acaba, na opinião deste Tribunal, por não esclarecer as dúvidas suscitadas pela AT.

 

Por exemplo, no caso dos serviços de limpeza, não foram carreados ao processo quaisquer elementos de prova que permitam confirmar as mencionadas prestações de serviços nas instalações da Requerente.

 

Também aqui concluindo este Tribunal que as dificuldades sentidas pela Requerente na PA no conhecimento da natureza e seu alcance dos factos financeiros invocados pela AT sobre matérias relacionadas com os seus registos contabilísticos, não permitem clarificar as fundadas dúvidas suscitadas pela AT.

 

Também as dificuldades explanadas pela Requerente na PA no conhecimento das razões de facto e suscitadas pela AT sobre factos que, recorde-se, prendem-se com os seus registos contabilísticos, não permite clarificar as fundadas dúvidas suscitadas pela AT.

 

Por estes motivos, considera este Tribunal ser de manter a correção ao resultado tributável de EUR 81,859.95.

 

Para finalizar o capítulo sobre as correções ao resultado tributável, de referir que a Requerente alega ainda que a liquidação sofre do vício de falta de fundamentação.

 

É inquestionável que a AT tem o dever de fundamentar os atos que afetem os direitos ou os legítimos interesses dos contribuintes, em conformidade com o princípio plasmado no n.º 3 do artigo 268.º da CRP e acolhido no artigo 77.º da LGT.

 

De facto, dispõe o n.º 1 desta última norma que “A decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram,

 

podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.

 

Complementado pelo n.º 2 do mesmo artigo que refere “A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

 

Assim, é de atender à especificidade das circunstâncias concretas do caso e à condição do destinatário da fundamentação, quanto ao conhecimento de facto que já possui sobre a situação em que se encontra.

 

A fundamentação, sendo um conceito relativo, deve assim ser casuisticamente aferido, tendo em conta as circunstâncias que levaram à prática do ato e o conhecimento que delas tem o seu destinatário que lhe permitem perceber ou apreender as razões que o determinaram.

 

Pelas razões já invocadas anteriormente, conclui-se que a AT indicou, de forma bastante pormenorizada no RIT, as despesas sobre as quais recaíram as correções, e baseou as mesmas na informação disponibilizada e extraída pela Requerente dos seus sistemas contabilísticos, declarações Modelo 22 e sistema E-Fatura. A Requerente tinha assim conhecimento da informação que disponibilizou.

 

Assim, considera este Tribunal que a fundamentação da Liquidação Contestada foi expressa, clara, suficiente e congruente, improcedendo, assim, o vício de falta de fundamentação invocado pela Requerente.

 

Correções às taxas de tributação autónoma e de IRC

 

Por fim, resta a este Tribunal apreciar as correções às taxas de tributação autónoma previstas no art.º 88º do CIRC e à taxa de IRC, por desconsideração do benefício de redução em 20% das mesmas, previstas no art.º 5º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/99/A, de 20.01.

 

Comece-se por referir que algumas das correções nos montantes de tributação autónoma (a favor da Requerente) resultaram precisamente da desconsideração como custo fiscal de alguns dos gastos identificados anteriormente.

 

Assim, e uma vez que considera este Tribunal ser de manter, na integra, a correção ao resultado tributável, então deverá também esta correção a favor da Requerente ser mantida.

 

Tendo este Tribunal considerado como provado que a Requerente tem a sua sede e a sua direção efetiva na RAA, a questão resume-se a apurar se, quando a alínea a) do n.º 2 do art.º 5º do mencionado decreto legislativo regional determina que “2 – A diminuição na taxa nacional aplica-se ao IRC: (a) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável nos Açores”,  dever-se-á também considerar como condição adicional que a pessoa coletiva tem de exercer atividade efetiva na RAA (conforme defende a AT).

 

A este propósito, e, não obstante a doutra doutrina jurisprudencial citada pela Requerida (não sendo, contudo, carreado ao processo nenhum Acórdão Uniformizador de Jurisprudência), não pode este Tribunal acompanhar esta posição.

 

De facto, a lei é clara ao mencionar quais as condições que os sujeitos passivos devem cumprir para aceder a este benefício, sendo que, no caso das entidades que tenham sede ou direção efetiva na RAA, não é imposta qualquer condição sobre a efetiva atividade exercida nessa Região Autónoma.

 

Aliás, a concordar-se com a existência desta condição (adicional), sempre se poderia questionar qual a regra para alocar a parte do resultado tributável que poderia beneficiar da redução de taxa, uma vez que a lei é totalmente omissa quanto ao seu critério de alocação.

 

E é omissa precisamente porque, na opinião deste Tribunal, esta condição não existe, não havendo assim necessidade de explicitar, regulamentando, a sua aplicação.

 

Sendo assim, acompanha este Tribunal a posição de vencido do juiz conselheiro Lúcio Barbosa no Acórdão do STA (Processo 0644/07, de 21.11.2007) – citado pela AT - ao referir que:

Não acompanho a tese que fez vencimento. Alinho, de seguida, as razões da minha discordância: Na minha ótica, a interpretação que fez vencimento não pode ser prosseguida.

Vejamos.

A deslocalização, até por razões fiscais, é hoje apanágio de um mundo globalizado. Acresce dizer que nada pode impedir uma sociedade de deslocar a sua sede para uma região autónoma, a fim de obter um desagravamento fiscal. Finalmente, porque do cotejo do citado art.º 5º, n. 2, al. a) do citado DLR com a alínea b) do n. 2 do mesmo normativo e com o art.º. 4º, n. 2, al. a) do mesmo Diploma Legal, parece não poder consagrar-se uma tal interpretação, como se explica: este normativo, porque prevê uma diminuição do IRS para as pessoas singulares, que tenham residência fiscal nos Açores, independentemente do local em que exerçam a respetiva atividade. Aquele, porque determina expressamente que o imposto devido … “é determinado pela proporção entre o volume anual correspondente às instalações situadas nos Açores e o volume anual, total, de negócios do exercício”. Ou seja: quanto aos residentes, beneficiam de uma redução (15%) onde quer que prestem serviço, desde que sejam fiscalmente residentes nos Açores. Ao que se vê, mesmo que não tenham a residência efetiva nos Açores. E quanto às pessoas coletivas que tenham sede em território português (fora dos Açores), prevê-se uma imputação proporcional de “negócios do exercício” aos realizados nos Açores. Assim, e à míngua de uma limitação legal, não vemos que se possa seguir a preconizada interpretação restritiva. Acresce formular uma questão, a que tal interpretação restritiva não parece responder cabalmente: qual o critério aferidor de aplicação do texto legal? Que atividade é

 

que a empresa deve exercer na região, para beneficiar da redução no IRC? Um único negócio? Ou vários? E quantos? Basta ter um empregado na sede? Ou vários? E quantos? É que, a nosso ver, o critério resultante do n. 3 do citado art.º 5º do DLR n. 2/99/A, tem a ver apenas com a al. b) do n. 2 e não com a alínea a) do n. 2.Na minha ótica, e ao invés, a tese que fez vencimento despreza a citada al. a), pois bastaria então uma norma, formulada explicita e abrangentemente, a enunciar que as empresas que tivessem negócios nos Açores beneficiariam de redução de IRC de 15%, na proporção entre os negócios anuais efetuados nos Açores e o volume anual, total, dos negócios do exercício. Enfim, tudo questões a que uma interpretação restritiva, como a preconizada, não parece responder. Demais que um legislador, prolífero como o nosso, se o entender, produzirá legislação tendente a limitar ou eliminar, no espaço nacional, e para efeitos tributários, reduções fiscais. Mas enquanto o não fizer, a interpretação do texto normativo em causa é, a nosso ver, aquela que deixamos exposta. Concederia assim provimento ao recurso.

 

Sendo assim dado provimento à pretensão da Requerente, anulando-se a liquidação adicional de IRC e de tributações autónomas, na parte que resultar da não aplicação da redução de 20% aplicável à RAA.

 

Juros indemnizatórios

A Requerente pede o reembolso do imposto e juros indevidamente pago, no montante de EUR 112,539.53 acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos do art. 43.º da LGT.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o

 

preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

Por outro lado, o processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

 

 

Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade parcial do ato de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade parcial do ato é imputável à Administração Tributária e Aduaneira, que, por sua iniciativa o praticou sem suporte legal.

 

Encontramo-nos assim perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.

 

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artº 43.º, n.º 1, da LGT e do artº 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou e que se revelou indevida, ou seja, a relativa à não aplicação da redução de 20% às taxas gerais de IRC aplicáveis na RAA;

 

Destarte, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à Requerente com o cálculo dos respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

 

 

 

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data de indeferimento da reclamação graciosa (25/10/2022), até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art.º 61.º, n.º 5, do CPPT e Acórdão do STA n.º 093/2021 de 29/06/2022).

 

 

III – Decisão

 

       Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide este Tribunal Coletivo:

 

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral no que respeita à redução de 20% nas taxas gerais de IRC e nas taxas de tributações autónomas, e, consequentemente, anular os correspondentes atos de liquidação, no montante de EUR 67.948,44, bem como, nessa parte, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida;

 

  1. Julgar improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica os atos de liquidação relativos a depreciações não aceites, custos indevidamente documentados e gastos não relacionados com a atividade, no montante de EUR 253.716,72, bem como manter, nessa parte, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida;

 

  1. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso do imposto indevidamente pago, a que se refere a antecedente alínea 1), e no pagamento de juros indemnizatórios, desde 25/10/2022 até ao processamento da nota de crédito;

 

  1. Condenar a Requerente e a Requerida nas custas do processo na proporção de 40% e de 60%, respetivamente.

 

Valor do processo:

Fixa-se o valor do processo em EUR 112,539.53, indicado pela Requerente e não contestado pela Recorrida, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo

 

Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em EUR 3,060.00 (três mil e sessenta euros) nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pelas partes na proporção do respetivo decaimento integralmente, respetivamente EUR 1,212.45 a cargo da Requerente e EUR 1,847.55 a cargo da Requerida, conforme condenação supra, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Registe e notifique, incluindo o Ministério Público.

 

Lisboa, 06 de setembro de 2024.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

 

Carlos Alberto Fernandes Cadilha

(Árbitro-Presidente)

 

Pedro Miguel Abreu Marques

(Árbitro Adjunto e Relator)

 

Ricardo Rodrigues Pereira

(Árbitro Adjunto)

 



[1] In “Lei Geral Tributária – Anotada”

[2] In “Lei Geral Tributária  - Comentada e Anotada”