SUMÁRIO:
Ocorre inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância se os Requerentes obtiveram a plena satisfação do pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do acto de liquidação contestado.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Jorge Bacelar Gouveia e A. Sérgio de Matos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., NIF ..., e B..., NI..., com residência na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa (“Requerentes”), apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º e da alínea a), do n.º 1, e do n.º 2 do artigo 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023..., do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2022... e da respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022..., referentes ao período de tributação de 2021, dos quais resultou o montante de imposto a pagar de € 135.381,18.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito em 8 de Abril de 2024 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros Carla Castelo Trindade, Jorge Bacelar Gouveia e Paulo Jorge Nogueira da Costa (e A. Sérgio de Matos), que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 31 de Maio de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
4. No pedido de pronúncia arbitral os Requerentes alegaram, em primeiro lugar, vício de falta de fundamentação da liquidação adicional de IRS por contradição entre o fundamento da liquidação e o fundamento da reclamação graciosa. Em concreto, referiram a este respeito que o indeferimento da reclamação graciosa foi fundamentado no incumprimento do prazo de reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente para efeitos de exclusão de tributação de mais-valias, enquanto na emissão da liquidação adicional fundamentaram a decisão com base em questão relativa ao domicílio fiscal. Em segundo lugar, invocaram os Requerentes erro sobre os pressupostos de direito quanto à aplicação dos requisitos temporais associados ao regime de reinvestimento para exclusão de tributação de mais-valias, mormente quanto à suspensão da contagem do prazo aprovada pela Lei n.º 56/2023, de 6 de Outubro de 2023. Peticionaram, por fim, a anulação da liquidação adicional de IRS contestado, com o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida ou, em alternativa, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.
5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 19 de Junho de 2024.
6. Em 24 de Junho de 2024, foi a Requerida notificada para apresentar resposta nos termos do artigo 17.º do RJAT.
7. Em 17 de Julho de 2024, a Requerida apresentou requerimento a informar os autos sobre a revogação parcial dos actos contestados por deferimento parcial do pedido, requerendo ainda a suspensão do prazo para contestar até que os Requerentes informassem sobre a sua pretensão de prosseguir, ou não, com a acção.
8. Em 19 de Julho de 2024, foram as partes notificadas do despacho proferido pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, que designou o árbitro A. Sérgio de Matos enquanto substituo do árbitro Paulo Jorge Nogueira da Costa, que renunciou às funções para as quais foi designado, não tendo as partes manifestado vontade de recusar tal designação.
9. Em 23 de Julho de 2024, vieram os Requerentes informar que não tinha interesse na prossecução do processo arbitral.
10. Em 29 de Julho de 2024, foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.
II. SANEAMENTO
11. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades.
III. MATÉRIA DE FACTO
§1 – Factos provados
12. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
-
A AT emitiu o acto de liquidação de IRS n.º 2022..., os actos de liquidação de juros compensatórios n.º... e n.º ... e a demonstração de acerto de conta n.º 2022..., referentes ao período de tributação de 2021, dos quais resultou o montante de imposto a pagar de € 135.381,18;
-
Os Requerentes não procederam ao pagamento da liquidação no prazo de pagamento voluntário;
-
Os Requerentes apresentaram reclamação graciosa, à qual foi atribuído o n.º ...2023..., que foi indeferida pela AT;
-
Em 8 de Abril de 2024, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo;
-
Em 9 de Abril de 2024, foi enviado pelo CAAD um e-mail automático à AT a informar da entrada do pedido de constituição de Tribunal Arbitral e do número do processo que lhe foi atribuído, tendo a notificação sido confirmada por C... às 11h33 horas do dia 15 de Abril de 2024;
-
Em 19 de Junho de 2024, foi constituído o Tribunal Arbitral;
-
Por despacho de 14 de Julho de 2024, da Sra. Subdirectora-Geral Helena Pegado Martins, foi deferido parcialmente o pedido dos Requerentes, com a consequente revogação do acto de liquidação de IRS contestado em conformidade;
-
Em 23 de Julho de 2024, os Requerentes apresentaram requerimento a informar: “Que consideram satisfeita a sua pretensão no tocante à liquidação impugnada; Que não pretendem o prosseguimento do processo arbitral quanto à prestação de garantia indevida e aos juros indemnizatórios.”.
§2 – Factos não provados
13. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que se tenham considerados como não provados.
§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto
14. Ao Tribunal Arbitral compete seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
15. O acto de indeferimento da reclamação graciosa e o acto de liquidação de IRS objecto de contestação pelos Requerentes foram objecto de revogação pela AT após a constituição do Tribunal Arbitral. Em resultado da referida revogação, vieram os Requerentes informar que não tinham interesse na manutenção da instância, por considerarem integralmente satisfeitas as suas pretensões.
16. Por conseguinte, inexiste nesta fase objecto processual sobre o qual deva pronunciar‑se o Tribunal Arbitral, de tal modo que carece de sentido útil a manutenção da instância. De resto, são as partes que, em resultado da revogação dos actos contestados, estão de acordo quanto à extinção da instância arbitral.
17. Relativamente a esta temática, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em 30 de Julho de 2014, no acórdão proferido no processo n.º 0875/14, nos seguintes termos: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.
18. Em idêntico sentido, referem Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
19. Em face do exposto, julga-se procedente a inutilidade superveniente da lide, por terem já obtido os Requerentes a plena satisfação dos efeitos pretendidos com o seu pedido, determinando-se consequentemente a extinção da instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
V. DECISÃO
Termos em que se decide:
-
Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e, em consequência, absolver da mesma a Requerida;
-
Condenar a Requerida nas custas do processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 135.381,18.
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.060,00, a suportar pela Requerida, já que foi esta que deu causa à presente acção, porque apenas comunicou a revogação do acto de liquidação após a constituição do Tribunal Arbitral, em conformidade com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de Agosto de 2024
Os árbitros,
Carla Castelo Trindade
(Presidente e relatora)
Jorge Bacelar Gouveia
A. Sérgio de Matos