Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 256/2024-T
Data da decisão: 2024-07-22   Outros 
Valor do pedido: € 216.509,64
Tema: Contribuição para o Serviço Rodoviário (CSR)- competência dos Tribunais Arbitrais-ineptidão da petição inicial (PI)- legitimidade do repercutido para contestar a legalidade da liquidação.
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     SUMÁRIO:

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é, quer á luz do Direito Comunitário, quer à luz do direito nacional, um tributo qualificado como “imposto” e não como mera “contribuição”, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar matérias a ela respeitantes, nos termos do nº 1 do art. 2º do DL nº 10/2011, de 20/1,e do nº 1 do art. 2º da Portaria  nº 112-A/2011, de 22/3.
  2. Os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação de CSR, ainda que não possam apreciar a legalidade dos atos de repercussão daquele imposto.
  3. A falta de identificação dos atos de liquidação de CSR contestados, cuja declaração de ilegalidade e anulação seja  requerida pelo autor da ação , implica a ineptidão do pedido arbitral.
  4. Quando  a Requerente não houver  suportado  o encargo da CSR por repercussão legal, o que lhe caberia sempre provar,  carece de legitimidade processual para contestar a legalidade dos atos de liquidação daquele imposto.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I-RELATÓRIO

 

1.Identificação das partes.

 

  1. Requerentes

A..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede em..., n.º ..., ... piso, ...-... Lisboa doravante  abreviadamente  designada de   “A...” ) ;

 

B..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede em..., n.º ..., ... piso, ...-... Lisboa ,doravante, abreviadamente designada por «B... »);

 

C..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede em..., n.º ..., ..., Piso ..., ...-... Lisboa (doravante abreviadamente designada de    «C... »);

 

D..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede em ..., n.º..., ... piso,  ..., ... ... Porto ,doravante abreviadamente designada por, «D... »); e

 

E..., S.A., titular do número único de pessoa coletiva..., com sede em..., n.º ..., ... piso, ...-... Lisboa,  (doravante, abreviadamente designada por «E... »).

 

 

1.2. Requerida

Autoridade  Tributária e Aduaneira (AT).

2- Tramitação do processo.

 

2.1-O pedido de pronúncia arbitral (PPA)  deu entrada a 26/2/2024, tendo sido nessa data encaminhado automaticamente para a Requerida.

 

2.2. A 29/2/2024, a Requerida seria notificada do pedido.

 

2.3. A 1/3/2024,  a AT   informaria o presidente do CAAD , que analisado o pedido não detetou a identificação de qualquer ato tributário, a qual  também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária.

 

2.4.Para a  Requerida , tendo em conta, que  a  competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de ato(s) de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do nº 1 do art. 2º do RJAT e que,   sem a identificação, por parte dos interessados, do ato tributário, cuja ilegalidade invoca, o dirigente máximo da AT não pode exercer a faculdade prevista no art. 13.º do RJAT. , solicitaria  que seja(m) identificado(s) os atos de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista nessa norma  do RJAT só ocorre após a notificação da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.

 

2.5- A 1/3/2024, o presidente do  CAAD remeteria a apreciação dessas questões para o Tribunal Arbitral a constituir .

 

2.6. A 5/3/2024, os árbitros designados prof. doutor  Rui Marrana e  jurista  António Lima Guerreiro comunicaram ao presidente do CAAD a aceitação do encargo.

 

2.7. A 12/3/2024, a Requerida comunicaria ao Tribunal Arbitral a designação dos seus  representantes processuais , as juristas Ana Almeida e Costa  e Alice Alvim.

 

2.8 A 15/3/2024,  o presidente do CAAD designaria para presidente do Tribunal Arbitral o conselheiro Lopes de Sousa.

 

2.9- Essas designações seriam notificadas às partes  a 15/3/2024.

 

2.10- A 7/3/2024, despacho do  presidente do Conselho Deontológico do CAAD procederia à constituição do Tribunal Arbitral.

 

2.11-  Na mesma data. o Tribunal Arbitral notificaria a Requerida para apresentar Resposta no prazo de 30 dias, se entender necessário requerer prova adicional e enviar o Processo Administrativo(PA).

 

2.12 -A 29/5/2024, o presidente do Tribunal Arbitral emitiria o seguinte Despacho, que receberia a concordância de  um dos árbitros.

 

“1-Na sequência da notificação da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio apresentar um requerimento, dirigido ao Senhor Presidente do CAAD, em que diz, em suma, que não são identificados pelo Sujeito Passivo os atos impugnados e que o prazo para exercício da faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT apenas se deve iniciar com a notificação de tal identificação.

 

O Senhor Presidente do CAAD ordenou o envio do requerimento da Autoridade Tributária e Aduaneira «ao Tribunal Arbitral a constituir, por ser esse o órgão competente para a sua apreciação».

 

2. Constata-se que no pedido de pronúncia arbitral, os Sujeitos Passivos pedem a declaração de ilegalidade «dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pelas requerentes durante o período compreendido entre julho de 2019 e dezembro de 2022, e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pelos respetivos sujeitos passivos de CSR determinando-se, nessa medida, a sua anulação» e indica que visa os «atos de repercussão da Contribuição de Serviço Rodoviário («CSR») consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pelas Requerentes no decurso do período compreendido entre julho de 2019 a dezembro de 2022 às empresas comercializadoras de combustíveis F..., S.A. («F...»), G..., S.A. («G...»), H..., S.A. («H...»), I..., Gmbh («I...»), J..., S.A.(«J... »), K..., Lda. («K...»), L..., S.A. («L...») e M..., S.A. («M...»), e, bem assim, das liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas Declarações de Introdução no Consumo («DIC») submetidas pelos respetivos sujeitos passivos de CSR e que deram origem aos referidos atos de repercussão», pedindo que «a entidade demandada seja notificada para juntar aos autos cópia do procedimento administrativo que antecede e, bem assim, todos os demais documentos respeitantes à matéria do presente processo arbitral de que é a mesma detentora, em particular as liquidações de CSR aqui impugnadas».

 

3- Os  Sujeitos Passivos juntam faturas e listas de faturas que afirma  reportarem-se à repercussão que dizem  ter sido efetuada. Assim, estão identificados os actos de repercussão que os Sujeitos Passivos pretendem impugnar e as liquidações de CSR que tiverem sido emitidas relativas a Declarações de Introdução no Consumo apresentadas pelas empresas referidas serão do conhecimento da Autoridade Tributária e Aduaneira. Por isso, em qualquer dos casos, não se vê razão para fixar um prazo para uso daquelas faculdades diferente do indicado no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, o que, aliás, não tem qualquer suporte legal, pois aí se estabelece expressamente que o prazo se conta «do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral», independentemente do seu conteúdo e não de qualquer notificação posterior. Pelo exposto, indefere-se o requerido pela Autoridade Tributária e Aduaneira”.

 

2.13- A 7/6/2024, a  Requerida juntou a Resposta e enviou o PA.

 

2.14- A 17/6/2023, o presidente do Tribunal Arbitral  dispensaria a realização da reunião prevista  no art. 18º do RJAT, sem prejuízo da apreciação das exceções suscitadas pela Requerida, de acordo com o seguinte Despacho: “ Não sendo requerida a produção de prova testemunhal não se vê utilidade na realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. Por outro lado, as questões estão suficientemente debatidas no pedido de pronúncia arbitral e na resposta, pelo que, em sintonia com o previsto no artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c), do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, não há necessidade de alegações.

 

No entanto, sendo suscitada uma exceção pela Autoridade Tributária e Aduaneira justifica-se que o Sujeito Passivo tenha possibilidade de se pronunciar, no exercício do princípio do  contraditório, como se prevê no n.º 2 do artigo 113.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

Assim, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT) dispensa-se a realização da reunião prevista no artigo 18.º e a produção de alegações e determina-se a notificação do Sujeito Passivo para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias, sobre a exceção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Indica-se o dia  9/9/2024 para prolação da decisão arbitral”

 

2.15. Esse despacho seria notificado á Requerida a 19/6/2024.

 

2.16. A 2/7/2024, as Requerentes apresentariam Réplica e anexariam nova documentação, incluindo a  junção das decisões proferidas nos processos arbitrais n.º 294/2023-T, 374/2023-T, 465/2023-T, 486-2023-T, 298/2023-T, 410/2023-T e 676/2023-T, nos quais se teria discutido matéria similar à dos presentes autos e em cujo âmbito as exceções invocadas pela AT foram julgadas improcedentes, e declarações   das entidades fornecedoras de combustíveis identificadas a 4 da presente Decisão Arbitral  afirmando que a CSR que entregaram nos cofres do Estado foi na sua totalidade totalmente repercutida  por  essas entidades, enquanto sujeitos passivos de ISP, às Requerentes.

 

3 Pressupostos processuais.

3.1-O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

3.2- As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas.

3.3. . Porque, nos termos do nº 1 do art. 3º do RJAT,  a procedência dos pedidos apresentados  pelas Requerentes  depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito , é admissível a coligação de autores.. 

4- Objeto  do processo

 

É impugnado o  presumido indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa das liquidações de  CSR  deduzidos a 26/7 e 31/7  de 2023 junto da Alfândega do Jardim do Tabaco e da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, que  colocaram em causa a legalidade dessas liquidações e dos atos de repercussão consequentes,   respeitante aos combustíveis  adquiridos pelas  empresas comercializadoras sujeitos passivos do imposto sobre os   produtos petrolíferos (ISP) , nos termos do art. 4º do Código do imposto sobre os Produtos Petrolíferos (CISP) F..., S.A. («F...»), G..., S.A. («G...»), H..., S.A. («H...»), I..., Gmbh («I...»), J..., S.A. («J...»), K..., Lda. («

K...»), L..., S.A. («L...») e M..., S.A. («M...»), no decurso do período compreendido entre julho de 2019 a dezembro de 2022, no valor fixado pelas Requerentes em € 216.509,64.

 

5- Posição das Requerentes

 

Segundo as Requerentes, a repercussão da CSR, tal como do ISP, por parte dos sujeitos passivos que introduzem o combustível no consumo, decorre de uma imposição legal, pelo que , para efeitos da aplicação da alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT, não pode ser considerada voluntária.

 

Resulta, com efeito, do artº  2.° do CIEC, . aplicável à CSR por remissão do art 5.° da Lei n.° 55/2007,  de 31/8, que os impostos especiais sobre o consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização  de uma regra geral de igualdade tributária.

 

 A regra da repercussão sobre o consumidor decorre de razões históricas que privilegiaram a eficácia e simplicidade na gestão dos impostos gerais sobre o consumo pelo Estado e levaram a opção do legislador comunitário e, na sua senda, também a do nacional, a não fazerem coincidir os contribuintes de facto, os consumidores, com os sujeitos passivos do imposto em nome dos quais são declarados os produtos para introdução no consumo.

 

Assim, embora as Requerente admitam não ser sujeitos passivos da CSR e do ISP- estão totalmente legitimadas para apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral,  dado   terem sido elas quem efetivamente suportou o encargo do imposto em crise, por força desse art. 2º do CIEC,.

 

Não subsistem quaisquer dúvidas que aos repercutidos assiste o direito a obter a restituição do tributo ilegalmente liquidado e indevidamente suportado em violação do direito da União Europeia (EU) como já foi reconhecido pelo CAAD, designadamente no processo 294/2023-T.

 

Segundo o nº 1 do art. 9º do CPPT, têm   legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido, solução que, aliás, resultaria sempre do art. 65º da LGT.

..

Desenvolvendo essas normas, a parte final dessa  alínea a) do n° 4  do art. 18º da LGT  reconhece o direito de reclamar, recorrer, impugnar ou apresentar pedido de pronúncia arbitral, nos termos das leis tributárias, a quem, embora não sendo sujeito passivo do imposto, suporte por repercussão legal o encargo tributário.

 

Esclarece  a Decisão Arbitral nº 189/2021- T, que, com a efetiva repercussão legal do imposto, distinta da repercussão meramente económica ou de facto, o pressuposto processual positivo do interesse em agir transfere-se do repercutente para o repercutido.

 

Com efeito, é o repercutido que sofre na sua esfera o impacto patrimonial negativo mediante o fenómeno económico da repercussão tributária. É na sua esfera jurídica que a decisão relativa à ilegalidade do imposto suportado se torna eficaz.

 

Assim,  existiria  comprovadamente na esfera jurídica das Requerentes, um interesse juridicamente protegido  que lhe conferiria legitimidade  ativa na apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral. Os elementos necessários para aferir essa legitimidade estariam , por outro lado, em poder da administração fiscal, como, aliás, entenderiam os fornecedores das Requerentes que, em vez de solicitarem diretamente o reembolso da CSR . como sujeitos passivos desse tributo, optaram por deixar esse ónus para as ora Requerentes..

 

Recordam  as Requerentes as  normas ao abrigo das quais foram praticados os atos tributários sub judice foram já declaradas ilegais em razão da sua desconformidade com o direito da União Europeia, através das decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos arbitrais n.os 564/2020-T, 304/2022-T e 305/2022- T e do Acórdão do TJUE no proc. C-460/2021,

 

De  acordo com essa jurisprudência ,    embora a afetação predeterminada do produto de um imposto ao financiamento do exercício, pelas autoridades de um Estado‑Membro, de competências que lhes foram atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico suficiente para justificar a compatibilidade da CSR  com o nº 2 do art. 1º da Diretiva 2008/118 , essa afetação, quando resulte  de uma simples modalidade de organização interna do orçamento de um Estado‑Membro, não pode, enquanto tal, constituir uma condição suficiente, uma vez que, caso fosse aceite , qualquer Estado‑Membro poderia decidir impor, independentemente da finalidade prosseguida, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas.

 

 Se assim não fosse, qualquer finalidade poderia ser considerada específica, na aceção do  art. 1º, nº2,  , da Diretiva 2008/118, o que privaria o imposto especial de consumo harmonizado instituído por esta diretiva de qualquer efeito útil e violaria o princípio segundo o qual uma disposição derrogatória, como essa, deve ser objeto de interpretação estrita.

 

Por conseguinte, a existência de um motivo específico na aceção da referida disposição não pode ser estabelecida pela simples afetação das receitas do imposto considerado ao financiamento de despesas gerais que incumbem à coletividade pública num dado setor. Com efeito, no caso contrário, o alegado motivo específico não poderia ser distinguido de uma finalidade puramente orçamental (Acórdão do TJUE no   proc.C-553/13).

 

Citando ainda essa jurisprudência, «[n]a falta desse mecanismo de afetação predeterminada das receitas, um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo apenas pode ser considerado que tem um motivo específico, na aceção do  nº 2 do art. 1º-a da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado, por exemplo, tributando significativamente os produtos considerados para desencorajar o seu consumo» .

 

Consequentemente, para que a afetação predeterminada da receita de um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo permita considerar que esse imposto tem um motivo específico na aceção do nº 2 do art. 1º , da Diretiva 2008/118, sempre será necessário que o produto de tal imposição indireta fosse  obrigatoriamente utilizado nos invocados fins específicos «de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa» ( Acórdão do TJUE  no proc. C-82/12).

 

Enfim, o deferimento da pretensão das Requerentes não implicaria qualquer risco de duplicação do reembolso, já que a administração fiscal dispõe dos meios necessários, de acordo com a documentação em seu poder, para confirmar os seus pressupostos, reprimindo  eventuais procedimentos fraudulentos.

 

Finalizando , as Requerentes sustentariam  todas as exceções invocadas pela AT partilharem  de um mesmo erro: no final exige- se aos repercutidos a qualidade de sujeitos passivos para fazerem valer o seu inegável direito de serem reembolsados de impostos ilegais,  circuitando os seus direitos quando o TJUE veio precisamente, exigir ao Estado português, a não manutenção na      ordem jurídica e o expurgo na realidade económica do encargo que pesou ilegalmente sobre os contribuintes, ou seja de um imposto declarado ilegal, como entenderiam também as  Decisões Arbitrais nºs 398/2023-T e 800/2023-T.

 

6-  Posição da Requerida

 

Recorda a Requerida a AT  estar  vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 2/3, sendo o objeto desta vinculação definido pelo seu  2º que dispõe que “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.”

 

Daqui decorre que foi intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD no âmbito de pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, tais como as contribuições.

 

Ora, tratando-se de uma contribuição e não um imposto, as matérias sobre a CSR encontrar-se-iam, assim, excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.

 

Fora do âmbito do RJAT situar-se-iam também os atos de repercussão (Decisões Arbitrais nºs  296/2923-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T e  467/2923-T) e   460/2023-T). por não  envolverem a apreciação da legalidade de qualquer liquidação, mas da mera transferência para um terceiro do  encargo tributário suportado pelo sujeito passivo.

 

Sustenta ainda a Requerida que se verifica a incompetência do tribunal em razão da matéria, na medida em que as Requerentes, no pedido de pronúncia arbitral, teriam vindo questionar o regime jurídico da CSR in totum (cfr. arts39.° e seguintes da Resposta), pretendendo discutir a sua conformidade jurídico-constitucional, o que extravasaria o âmbito da arbitragem tributária, e, em especial, o disposto no art.° 2º  do RJAT, que não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político legislativa do Estado.

 

Não existiu, por outro lado,  qualquer erro de direito imputável aos serviços que permitisse a aplicação do prazo de 4 anos para a revisão oficiosa, previsto na 2a parte do n.° 1 do art.78.° da LGT em vez do prazo normal de 90 dias da reclamação graciosa previsto no  nº 1 do art. 69º do CPPT e na 1º parte do nº 1 desse art. 78º .

 

Por outro lado, ainda segundo  a Requerida:

 

1) As Requerentes não são  sujeito passivos de imposto especial de consumo, por não se enquadrarem na previsão do art 4.º do CIEC, . não sendo, assim, detentoras de qualquer estatuto fiscal específico da sua condição. Como tais, não poderiam ter processado , nem processarm quaisquer DICs de produtos sujeitos a ISP, tal como se encontra previsto pelo art. 10º do CIEC.

 

2) As Requerentes  não apresentaram  quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado das prestações  a que a PI se refere, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC) e das DAIs 3) Das  bases de dados da AT (SIC-EX e STADA importação) onde são processados os movimentos declarativos da introdução no consumo de produtos sujeitos a IEC e da respetiva  importação, não consta qualquer  DAI apresentada pela requerente.

 

4) As Requerentes não identificaram as liquidações de CSR que entendem sustentar o pedido de revisão oficiosa.

 

5) Assim, considera a Requerida que o DL nº73/2010 em que se integra o CIEC, é lei especial, e como tal se sobrepõe à lei geral pelo que  a Requerente,  não sendo  sujeito passivo da CSR. não tem legitimidade para solicitar a devolução da CSR que alegadamente pagou aos seus fornecedores de combustíveis.

 

6) Apesar de reconhecerem não serem  sujeito passivo do pagamento da CSR, as Requerentes não conseguem demonstrar que os seus fornecedores também o não  sejam e também não consegue comprovar que os mesmos não tenham ele próprios, solicitado a devolução da CSR, com os mesmos (ou outros) argumentos que apresentem.

 

7) As Requerentes não provaram , deste modo,  o valor pago pelo combustível que adquiriram tenha incluído ou incorporado o valor da CSR pago pelos sujeitos passivos da CSR, autores da pretensa repercussão.

 

8) O acolhimento favorável da argumentação apresentada para a apresentação do pedido de pedido de revisão oficiosa, no limite, implicaria a devolução da CSR a todos os intervenientes na cadeia de comercialização dos combustíveis, incluindo, para além dos que pagaram os serviços prestados pela requerente, (sendo o caso), todos os consumidores finais de combustíveis, o que seria absurdo e obviamente contraria o direito em vigor.

 

7- Fundamentação de facto

7.1. Factos provados

Com relevo para a decisão da causa dão-se como provados os seguintes factos:

7.1.1- As  Requerentes    que, na sua totalidade, integram o grupo N..., prestam serviços postais, que compreendem os  serviços de  logística associados,  e financeiros. 

 

7.1.1.2. No exercício da sua atividade, as Requerentes efetuam  aquisições de combustíveis, designadamente gasóleo e gasolina .

 

7.1.1.3.Em especial,  entre julho de 2019 e dezembro de 2022,  A... adquiriu às empresas fornecedoras de combustível F..., G..., H..., I..., J..., K..., L... e M... um total de 950.491,77 litros de gasóleo rodoviário e 80.010,59 litros de gasolina (Docs. 1 e 2 anexos á PI).B...— que incorporou, por força do processo de fusão realizado em 2019, a sociedade O..., S.A. (cf. certidão comercial permanente com código de acesso …-…-… adquiriu à F... e à G... 4.665,80 litros de gasolina e 897.332,47 litros de gasóleo rodoviário , o  C... adquiriu à F..., 1.255,79 litros de gasolina e 10.252,77 litros de gasóleo rodoviário (Docs. 5 e 6 anexos à PI), a D... adquiriu à F..., 552,14 litros de gasolina e 19.457,65 litros de gasóleo rodoviário (Docs. 7 e 8 anexos à PI). E a   E... adquiriu à F..., 5.217,57 litros de gasóleo rodoviário (Docs. 9 e 10 anexos à PI).

 

7.1.1.4. Essas transações seriam identificadas em faturas numeradas  emitidas por essas empresas de que constam  nomeadamente o preço,  as quantidades adquiridas, com  discriminação de  cada produto ,  a taxa de IVA aplicada ao preço ,o valor unitário médio, sem  IVA, e o valor líquido, igualmente sem IVA, dessas quantidades.

7.1.1.5- Tais faturas não fazem referência a qualquer débito da CSR, mas apenas ao preço pago pelos adquirentes,  não contendo ainda qualquer indicação sobre  o valor tributável das operações e, consequentemente, o método do seu apuramento.

7.1.1.6. . A 26/7 e 31/7  de 2023  as Requerentes apresentaram  junto da Alfândega do Jardim do Tabaco e da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, , nos termos do nº 1 do art. 78º da LGT,  pedidos  de revisão oficiosa dessas liquidações e consequentes  atos de repercussão, sobre os  quais esse órgão não se pronunciou no prazo  de quatro meses previsto no nº 1 do art. 57º da LGT.

7.2.  Factos não Provados.

 

Não se consideram não  provados  quaisquer outros factos relevantes para o conhecimento da causa.

7.3 -Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no nº 2 do 123.º do CPPT e  no nº 1 do  596.º, vem como no nº 3 do art. 607º, ambos do CPC, aplicáveis ex  alíneas a) e e) do nº 1 do art. 29º   do RJAT.

 

 O Tribunal formou a sua íntima e prudente convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados na alínea e) do art.  16.º, do RJAT e  nos nºs 4e 5 do 607.ºdo CPC aplicáveis ex vi alínea e) do nº 1 do art. 9º  do RJAT.

 

Com efeito, as Requerentes não identificaram pelo nº  e data os atos de liquidação que pretendem impugnar, nem  demonstraram ou procuraram demonstrar através de qualquer meio documental a  introdução no consumo  dos bens na  alfândega do Jardim do Tabaco. 

Tão pouco  provaram ou invocaram quaisquer diligências para obter esses elementos ou que,  tendo sido solicitadas essas diligências, essas lhe tenham sido recusadas.

                                      

Também não é exigível  à AT que  proceda à identificação desses atos   com o argumento de a respetiva  documentação estar em poder  dela  :  esse ónus de identificação é do contribuinte, nos termos do artigo .74º , nº 2, da LGT e as Requerentes não demonstraram qualquer impossibilidade de obterem esses elementos junto da fornecedora, apesar de,  no pedido de pronúncia arbitral,  afirmarem perentoriamente  que as quantidades adquiridas foram introduzidas no consumo pela F... SA na alfândega  do Jardim do Tabaco. A Requerente igualmente não contestou, pelo ,menos diretamente.  argumentação da Requerida expressa na Resposta no sentido da impossibilidade  de suprir os elementos em falta na PI, essenciais à identificação dos atos impugnados, já que, para esse efeito, são necessários elementos que a administração fiscal ignora ou não controla..

 

Importa finalmente registar que a prova da repercussão pressupõe inevitavelmente como ponto de partida a demonstração de que a CSR foi inicialmente liquidada e paga pelo sujeito passivo daquele tributo aquando da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos – o que, conforme se viu supra, não foi demonstrado pela Requerente.

 

A Requerente não cumpriu finalmente o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido no processo n.º C‑460/21. Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte:

 

“44- (…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).

45 Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26)”

 

 Não é condição de legitimidade para impugnar do sujeito passivo de ISP e de CSR que demonstre previamente não ter repercutido o imposto.

 

O que está em causa não é, no entanto, a legitimidade de  qualquer operador económico sujeito passivo de ISP  ou CSR que a Requerente não é, mas do repercutido, caso em que, no termos do nº nº 1 do art. 74º da LGT, é necessária a prova da repercussão.

 

Ora, este exercício de prova não foi realizado pela Requerente, que se limitou a estabelecer meros juízos presuntivos de que suportou a CSR em virtude de uma suposta – embora , como se referirá , inexistente – obrigação legal de repercussão do encargo daquele tributo dos  fornecedores.

 

 Acresce que mesmo que a Requerente tivesse demonstrado a liquidação e repercussão da CSR, sempre inexistiriam elementos nos autos que permitissem certificar que o encargo da CSR se consolidou  na sua esfera jurídica, isto é, que foi a Requerente a entidade que em última instância foi onerada com o tributo em causa, por não ter incorporado  o seu custo no preço do serviços prestados a terceiros , “maxime” por esses bens terem sido utilizados fora  do âmbito da   atividade económica  que desenvolve enquanto sociedade comercial, ainda que essa atividade económica esteja isenta de IVA, como é eventualmente a maioria dos serviços postais e financeiros prestados pelas Requerentes .

 

  Por fim, regista-se que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que, apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

8- Fundamentação de direito

 

8.1. .Questões prévias – saneamento

8.1.1. Incompetência do Tribunal Arbitral

 

Apesar de a  jurisprudência do CAAD não ser uniforme sobre   a arbitrabilidade de atos de liquidação de contribuições, certo é que a vinculação do  competência material dos Tribunais Arbitrais apenas abrange a apreciação da legalidade de atos de liquidação de impostos e não dos tributos sem essa natureza, como as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas.

 

Obviamente, não interessa  para tal a designação  da espécie tributária em concreto, mas a sua substância: historicamente o legislador deu a designação de contribuições a espécies tributárias  que a doutrina e jurisprudência maioritárias viriam a  qualificar  de impostos, como é o caso das contribuições da entidade patronal para a segurança social e da extinta contribuição autárquica, que sempre foram havidas como impostos, não obstante essa designação legal. Nessa medida, a criação das contribuições que, de acordo com os critérios constitucionais, devam ser havidas como impostos , está sujeita ao princípio da legalidade tributária, incluindo a reserva de lei formal  na criação de impostos.

 

Revela-se, assim, necessário, qualificar  previamente a CSR enquanto “contribuição” ou “imposto”, para daí extrair as necessárias consequências quanto à competência material deste Tribunal Arbitral.

 

Nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T ,  520/2023-T  , 675/2023- T, 863/2023- T  e 294/2023- T a CSR foi qualificada como uma contribuição, o que excluiria a sua qualificação como imposto .

 

Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022‑T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e  410/2023-T, que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável. Por todos, cita‑se nesta sede o acórdão proferido em 24/10/2023, no processo n.º 644/2022-T, que registou a este respeito o seguinte:

Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coativo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afetação à realização de fins públicos – que definem um imposto.

Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspetividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.

Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito ativo respetivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspetividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).

Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da atividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua conceção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.

Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…)

Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respetiva natureza.

Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a exceção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.

 

Acompanha  este Tribunal Arbitral a jurisprudência hoje largamente maioritária que qualifica a CSR como um imposto sobre o consumo de combustíveis  e não como uma simples taxa ou contribuição financeira a favor da Infra-estruturas de Portugal, sem a natureza de imposto

 

Tal qualificação  como imposto e não como mera contribuição financeira  resulta, não apenas do direito nacional, como do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no nº 3 do art. 8º da Constituição da  República Portuguesa (CRP) e do efeito direto da norma do nº 2 do artigo 1º da Diretiva nº 2007/118/CE, que  pode ser invocado pelos particulares  junto  dos tribunais nacionais como foi  o caso da pretensão que originou o Despacho no processo nº C/ 460/2021.

 

Caso a  CSR não fosse um imposto, não estaria incluída na proibição contida nesse norma de Direito  Comunitário. A sua criação seria permitida, salvo outros constrangimentos, pelo Direito Comunitário.

 

Nos termos do nº 3 do art. 4º da LGT, as  contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade são consideradas impostos.

As contribuições especiais não são assim um “tertium genus” distinto das taxas e dos impostos, mas uma categoria de impostos . ainda que tradicionalmente possam ser designadas pelo direito nacional  de contribuições .

 

Essas contribuições especiais foram historicamente introduzidas em Portugal com as grandes obras públicas a partir da década de 40( encargo de mais- valia sobre o aumento de valor dos prédios rústicos em resultado da simples aprovação de planos de urbanização ou obras de urbanização, criado pelo art. 17º da Lei n º 2.030, de 22/7/48, 

 

Figuram  também entre as contribuições especiais, as chamadas contribuições de melhoria reabilitadas após o regresso das grandes obras públicas a partir de meados  da década de 80  , como são as contribuições especiais constantes dos Decretos - leis nºs 51/95 e 54/95, de 22 /3  e 43/98, de 3/3 (a matéria tributável são os aumentos de valor dos prédios rústicos resultantes da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção urbana e dos terrenos para construção ou áreas resultantes da demolição das construções já existentes, respetivamente gerados pela construção da nova ponte sobre o Tejo, a realização da EXPO 98 e a construção das novas infra-estruturas rodoviárias da CREL e CRIL na área de Lisboa e CREP e CRIP na área do Porto, recaindo os tributos sobre os titulares do direito de construir, em cujo nome tenha sido emitida a licença de construção ou a obra), e as chamadas contribuições para maiores despesas, em que figuram a contribuição autárquica assente no princípio do benefício, agora designada de IMI, os  impostos de circulação e camionagem,  agora IUC, em  o fundamento .é o especial desgaste das infra-estruturas rodoviárias causado pela circulação dos veículos afetos ao transporte público ou particular rodoviário de mercadorias , bem como parte dos  impostos ambientais

 

Considera assim o Tribunal Arbitral que a referência a impostos contida na Portaria de Vinculação abrange todas as prestações tributárias com essa natureza, ainda quando lei infra- constitucional as designe de contribuições.

 

A competência dos tribunais arbitrais, por outro lado,  como resulta do nº1  do art. º 2º   do RJAT, apenas abrange a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; bem como a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não deêm origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais, com exclusão, assim, dos atos de repercussão.

 

O ato impugnado não é, no entanto,  qualquer ato de repercussão, mas um conjunto  de liquidações de CSR, pretendendo a Requerente ter legitimidade para as impugnar no âmbito da jurisdição arbitral.

 

Improcede, assim,  a  exceção da incompetência do Tribunal Arbitral.

 

Esta posição não contraria a expressa nos Acórdãos do Tribunal Constitucional nos processos nºs 545/19(contribuição especial sobre o setor farmacêutico)  e 524/2024 (CSR), que não julgaram  inconstitucional a norma contida no art. 2º  da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3, interpretada no sentido de estarem sujeitos a arbitragem tributária somente, os tributos qualificados como impostos em sentido estrito, excluindo do âmbito da arbitragem os demais tributos referidos no art. 2.º do  RJAT  e enunciados no  nº 2 do art. 3º  da LGT.

Tais acórdãos limitam-se a afirmar a compatibilidade com a CRP de uma dada interpretação do  art 2º  da Portaria n.º 112-A/2011, que exclui a arbitrabilidade das contribuições sem a natureza de impostos,  mas não afirmam que essa interpretação do art. 2º, ainda que se considerasse restritiva do teor literal da norma, o que seria sempre controverso seja a única possível ou  seja uma  consequência  necessária da redação da lei.

 

8.1.2 Violação do princípio da separação de poderes

 

Ao conhecer do pedido de pronúncia arbitral , o Tribunal  Arbitral não se intromete na função legislativa,  mantendo-se no exercício de funções jurisdicionais.

 

Exerce  antes o poder de fiscalização difusa  da legalidade das normas  de direito nacional incompatíveis com o efeito direto das normas de direito comunitário.

 

Assim ,improcede a exceção de que a apreciação do pedido envolva violação do princípio  da separação de poderes, o que aconteceria se se entendesse a desaplicação das normas de direito interno com o fundamento da violação do efeito direto das normas de direito comunitário envolver o exercício de poderes de administração ativa .

 

8.1.3 Ineptidão da PI.

 

Nos termos do  nº 1 do art. 10º do RJAT, que, em parte, corresponde ao nº 1 do art. 108º do CPPT,  o pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via eletrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual devem constar:

 

a) A identificação do sujeito passivo, incluindo o número de identificação fiscal, e do serviço periférico local do seu domicílio ou sede ou, no caso de coligação de sujeitos passivos, do serviço periférico local do domicílio ou sede do sujeito identificado em primeiro lugar no pedido;

 

b) A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;
 

c) A identificação do pedido de pronúncia arbitral, constituindo fundamentos deste pedido os previstos no art. 99.º do CPPT e, bem assim, a exposição das questões de facto e de direito objeto do referido pedido de pronúncia arbitral;

 

d) Os elementos de prova dos factos indicados e a indicação dos meios de prova a produzir;
 

e) A indicação do valor da utilidade económica do pedido

 

Essa norma constituí a Requerente no ónus de identificar os atos de liquidação impugnados.

 

Objeto do processo arbitral é, assim, a invalidação  de  ato ou atos  que ao autor da  ação  cabe identificar documentalmente na PI, sem prejuízo de esta poder ser completada pelo autor da ação, salvo quando o erro for insuprível, o que acontece em caso de pura e simples inexistência de objeto da ação.

 

O nº 4 do art.  268º . da CRP garante aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequados.

 

Essa tutela jurisdicional efetiva é garantida  pela consagração de meios de plena jurisdição como  a ação para o reconhecimento de um direito ou intimação para um comportamento(arts. 145º e 147º do CPPT, que não têm necessariamente natureza subsidiária da impugnação judicial , bastando tais meios serem adequados  à tutela  de um direito ou interesse legalmente   protegido( acórdão do Tribunal Central  Administrativo Sul de de 24 de Fevereiro de 2022, proc. 27/20.9BEA LM).

 

 A garantia constitucional  da tutela jurisdicional plena e efetiva  impõe certamente a  consagração dos  meios de plena jurisdição adequados à tutela do direito ou interesse legalmente protegido,   mas não tem de ser assegurada por cada um dos meios processuais legalmente admitidos , desde que estes sejam completados por meios de plena jurisdição  adequados, como é o caso, em princípio . do direito nacional.

 

Assim , no domínio dos  meios processuais impugnatórios,  como a impugnação judicial e o pedido de pronúncia arbitral . o contencioso tributário continua a ser de mera legalidade, de tipo, natureza ou matriz “objetivista”, que tem no ato tributário, maxime de liquidação, o seu elemento central (neste sentido vide Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 5.ª ed., Coimbra Editora, 2014, pp. 292-293).

 

A impugnação judicial  e o pedido de pronúncia arbitral  não visam, na verdade.  uma regulação integral da relação jurídico-tributária  em que se fundamenta a ação,  o que aconteceria se fossem meios de plena jurisdição, mas apenas a reparação  integral da situação  tributária afetada pelo ato lesivo.

 

 Consequentemente, aqueles meios processuais dependem necessariamente da imputação de vícios a um determinado ato tributário previamente praticado e devidamente identificado que consiste no objeto do processo, cuja anulação se pretende.

 

Compreende-se que,  em concretização do princípio do dispositivo,  a lei faça recair o ónus de identificação dos atos de liquidação sobre quem exerce o impulso processual de os impugnar. Se assim não fosse, isto é, se quem tomasse a iniciativa de contestar a legalidade de um ato de liquidação não tivesse o dever de o identificar e caracterizar, bem como de invocar os elementos essenciais que conformam o pedido e a causa de pedir, poderia verificar-se o prosseguimento de uma ação com um objeto processual inexistente ou, pelo menos, não devidamente delimitado.

 

Ora , a Requerente  não identifica quais os específicos e concretos atos em causa nem junta aos autos qualquer prova, rectius documental, onde tal identificação seja feita, limitando-se a apresentar um mapa das importâncias  que alega ter suportado por meio da repercussão, sem estabelecer e demonstrar qualquer relação entre esses pagamentos e concretos atos de liquidação.

 

Tal ónus não se considera cumprido através de  uma remissão geral, sem qualquer alusão a concretos elementos  de suporte, para a contabilidade da Requerente..

.

Dos elementos probatórios produzidos pela Requerente apenas constam faturas que titulam aquisições de  gasolina e gasóleo rodoviário, que não discriminam o ISP e a CSR suportados, mas apenas o IVA suportado.

 

Na falta de justificação da repercussão efetuada pela F... SA através da identificação dos atos tributários repercutidos, em especial com o nº e data das liquidações impugnadas,   caberia  às Requerentes sempre, segundo a doutrina do proc C-94/10 propor ação  repetição  do indevido contra a fornecedora,  nos termos do artigos  473º  e seguintes do CC , com fundamento no enriquecimento sem causa desta,  salvo se essa ação  fosse impossível ou desproporcionadamente onerosa, que as Requerentes não  alegaram nem demonstraram. Tal ação, no entanto, situa-se fora do âmbito da jurisdição arbitral.

 

A situação em causa distingue-se de um mero erro material ou da falta de nº de identificação fiscal do impugnante, caso em que a deficiência da PI seria suprível, mas da ausência  de elementos essenciais á propositura de qualquer ação.

Tal acontece porque não foram cumpridos  o nº 1 do art.11º da Lei nº 5/2019, de 11/11, que obriga à discriminação nas faturas dos impostos devidos  e alínea a) do nº 2 do art. 9º do Regulamento Relativo ao Regime de Cumprimento do Dever de Informação do Comercializador de Combustíveis Derivados do Petróleo e de GPL ao Consumidor, da Entidade Reguladora do Sector Elétrico , publicado no Diário da República, II Série, de 20/2/2020.

Segundo o nº1 desse art. 9º desse Regulamento:.

“:1 - Os comercializadores devem informar os seus clientes da desagregação dos valores faturados, evidenciando, nomeadamente:

a) A discriminação do combustível, para as gasolinas, gasóleos e GPL Auto, de acordo com a nomenclatura legal aplicável, designadamente a NP EN 16942:2017 - Combustíveis.;

b) O preço unitário expresso em EUR/litro no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto, e em EUR/garrafa no caso do GPL engarrafado;

c) A quantidade fornecida, expressa em litros no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto e em número de garrafas no caso do GPL engarrafado;

d) As taxas e os impostos devidos, expressos em EUR/litro no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto, e em EUR/garrafa no caso do GPL engarrafado;

e) O valor de descontos aplicáveis;

f) A quantidade e o sobrecusto da incorporação de biocombustíveis, expressos em percentagem e em EUR/litro, respetivamente.

Completa o nº 2 dizendo que, para efeitos da alínea d) do número anterior, devem ser identificados, relativamente ao total da fatura:

“a) O Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), que inclui, designadamente, o adicional ao ISP, o adicionamento sobre as emissões de CO2 (Taxa de Carbono) e a contribuição de serviço rodoviário (CSR);

b) O Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA);

c) Outros que se venham a aplicar”.

Cabia à  Requerente exigir  e obter junto  da fornecedora a incorporação nas faturas dos elementos relativos à CSR, de que depende a identificação das liquidações controvertidas, o que não terá feito, já que apenas ficou demonstrado que pagou essas faturas sem as contestar.

 

8.1.4. Legitimidade das partes

 

Ainda que se considerasse apta a PI ,  as Requerentes , seriam sempre parte ilegítima para deduzir impugnação ou pedido de  pronúncia arbitral,

 

Parte da jurisprudência arbitral tem-se pronunciado em termos irrestritos no sentido   da legitimidade do repercutido para impugnar as liquidações efetuadas ao repercutente que, como se referiu, cabe ao repercutido identificar (Decisões Arbitrais nºs 294/2023-T, 299 /2023- T, 332 /2023- T, 374 /2023- T,  379 /2023- T, 409 /2023- T,  410 /2023- T, 467/2023- T,490/2023-T, 496/2023-T ,   534/2023-T e 676/023-T )

 

Outra parte tem-se pronunciado desfavoravelmente a essa legitimidade, abstendo-se , por isso, de decidir sobre o mérito, desde que  a repercussão seja  meramente económica ou de facto( Decisões Arbitrais nº s  24/2023-T, 75/2023- T,  113/2023-T, 523/2023- T,   375/2023- T, 477/2023- T 644/2023-T   e 702/2023-T).

 

De acordo com o art. 15 º do  CIEC, uma norma específica de legitimidade procedimental para requerer o reembolso da CSR,  já citada:

 

“1 - Constituem fundamento para o reembolso do imposto pago, desde que devidamente comprovados, o erro na liquidação, a expedição ou exportação dos produtos sujeitos a imposto, bem como a retirada dos mesmos do mercado, nos termos e nas condições previstas no presente Código.

 

2 - Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.

 

3 - O pedido de reembolso deve ser apresentado na estância aduaneira competente no prazo de três anos a contar da data da liquidação do imposto, sem prejuízo do disposto na alínea a) do artigo 17.º e na alínea a) do artigo 18.º

 

4 - O reembolso só pode ser efetuado desde que o montante a reembolsar seja igual ou superior a (euro) 25”.

 

Essa norma reserva, assim, a legitimidade para requerer o reembolso do ISP e, inerentemente, da CRS aos sujeitos passivos do  imposto enunciados no art. 4º   do CIEC ,   ou seja, os operadores que introduzam no consumo os bens sujeitos a IEC e, em virtude da remissão do nº 1 do art. 5º da Lei nº 55/2007, a  CSR  com exclusão dos repercutidos.

 

 No entanto,  a  alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT. após declarar não ser sujeito passivo quem suporta o imposto por repercussão  legal, admite que essa categoria de sujeito passivo goza do direito de reclamação, impugnação ou recurso de acordo com as leis tributárias.

 

Tal princípio tem fundamento no  nº 1 do art. 20º da CRP , que garante aos cidadãos o acesso a uma justiça fiscal plena, eficaz e efetiva  e encerra , entre outras consequências, o direito de reclamação, impugnação ou recurso não apenas dos atos  formalmente administrativos, mas de todos os atos lesivos, independentemente da forma.

 

Assim, o fato de os repercutidos  não integrarem o universo definido no art. 15º  do CIEC,  não prejudica abstratamente  o seu acesso aos tribunais estaduais, comuns ou arbitrais para impugnarem a liquidação.

 

No entanto,  , apenas na  repercussão legal e  não na repercussão somente de facto  cuja fonte não é a lei, mas a vontade das partes, tal direito  vem legalmente garantido ao repercutido: o fato de este não ter acesso â jurisdição arbitral  por    não integrar o universo definido no art. 15º  do CIEC,  não .é incompatível com a sua legitimidade para reclamar ou impugnar, a qual  a  alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT  reconheceria em termos alargados.

 

No entanto, tal possibilidade apenas pode ser exercida  desde que cumulativamente .

 

a ) O  repercutido tenha suportado efetivamente o imposto, o que lhe cabe provar.

 

b) A repercussão seja legal, ou seja, quando a sua fonte seja a lei e não a vontade negocial das partes, não bastando a mera transferência de facto do encargo do imposto para o impugnante.

 

No direito interno, o dever de repercussão legal é  imposto no  nº 1 do art. 37º  do   Código do  IVA, bem como, por exemplo, no nas alíneas e), f) e g) do nº 1 do art. 3º do Código do Imposto de Selo.

No que concerne aos combustíveis, prova essa repercussão a discriminação nas faturas do imposto repercutido, nos termos dos referidos  nº 1 do art.11º da Lei nº 5/2019, e  alínea a) do nº 2 do art. 9º do Regulamento Relativo ao Regime de Cumprimento do Dever de Informação do Comercializador de Combustíveis Derivados do Petróleo e de GPL , já referido, sendo essa não discriminação, em princípio, salvo em caso de reincidência em que a pena é  mais grave , um contra-ordenação leve, punível nos termos do art. 17º e 19º dessa Lei e não uma mera declaração de carácter geral do vendedor de que o imposto suportado na aquisição dos bens foi repercutido ao comprador.

Do facto de a faturação apresentada não referir essas normas legais, pode presumir-se que  a   repercussão, ainda que se devesse considerar provada, não resultou de  qualquer imposição legal, mas de, em geral, os fornecedores terem de  refletir os custos suportados na sua atividade comercial que, por serem sociedades comerciais, visarem a obtenção do lucro, motivo pelo  qual se deve considerar meramente económica ou de facto(nesse sentido,  a propósito de um caso paralelo,  a  Decisão  Arbitral nº  375/2023- T).

No sentido de que a repercussão nos impostos especiais de consumo é um fenómeno exterior à relação tributária, mas uma mera condição de legitimação política  ,em virtude de a função última desses impostos ser fazer pagar o consumidor pelo custo social das  suas escolhas, motivo pelo qual  não  pode ser considerada legal, Sérgio Vasques e Tânia  Carvalhais Pereira, Coimbra, 2016 “Os impostos especiais de consumo”, pgs. 104 e sgs..

 

Também, sendo a repercussão  voluntária,   tal como o repercutido carece de legitimidade processual ativa, a AT também   carece de legitimidade processual passiva.

 

Esse enquadramento não foi alterado pela nova redação do  art. 2º do CIEC do  art. 3º da Lei nº 24-E/2022, de 30 /12.

 

De acordo com a redação anterior, os  impostos especiais de consumo obedeciam ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam , sem qualquer menção explícita  á possibilidade de repercussão

 

A nova redação passaria a dispor   os impostos especiais de consumo obedecerem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

 

O legislador limitou-se, assim ,  a dispor que a oneração dos contribuintes pelos custos que provocam se efetua através do mecanismo de repercussão, com respeito pelo princípio da igualdade tributária sem esclarecer se este é apenas   legal ou também a  voluntária.

 

O art. 6º dessa Lei  conferiria a esse art. 3º caráter interpretativo, presumindo-se, assim, que se limita a clarificar a anterior redação da norma.

 

O  6º da Lei nº 24-E/2022, na interpretação de que transformou retrospetivamente  a CSR em imposto de  repercussão meramente facultativa ou voluntária em imposto de repercussão legal , carece, assim, de todo o fundamento: a CSR não era um imposto de repercussão legal, nem esse enquadramento seria modificado pela referida  Lei nº 24-E/2022

 

Nenhuma corrente jurisprudencial ou doutrinária relevante  sustentava, antes da entrada em vigor da Lei nº 24_A/2022 o carácter legal dessa repercussão-

 

 

9. DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar:

 

a) Julgar procedente a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral, quanto ao conhecimento da legalidade dos atos de repercussão impugnados,

b)Julgar procedentes as exceções dilatórias de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação , de CSR e, em consequência, absolver a Requerida da instância;

d)Condenar a Requerente no pagamento da totalidade  das custas do processo.

 

10. VALOR DO PROCESSO.

           

            Atendendo ao disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi  do  art.  29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do art.  3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 216.509,64 

 

11. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de  € 4.284,00 a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos arts 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e art. 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 22 de Julho de 2024

 

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Conselheiro Jorge Lopes de Sousa

 

 

(vencido nos termos da declaração anexa)

 

 

Os árbitros adjuntos

 

Prof. Doutor Rui Miguel de Sousa Fernandes Marrana

 

 

 

(com declaração de voto anexa)

 

 

 

O jurista relator

 

António Lima Guerreiro

 

 

Processo n.º 256/2024-T

 

Voto de vencido

 

Votei vencido quanto às questões da incompetência do Tribunal Arbitral por falta de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, da prova da inclusão da CSR no valor das facturas, ilegitimidade das Requerentes e da ineptidão pelas seguintes razões:

 

  1. Questão da incompetência do Tribunal Arbitral por falta de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, fixou como possível âmbito da arbitragem «os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária».

O Decreto-Lei n.º 10/2011 (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa, não estendeu o âmbito da jurisdição arbitral tributária a todo o tipo de litígios permitidos pela autorização legislativa, limitando a competência dos tribunais arbitrais à «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», à «declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais» e à «apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior».

A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, restringiu ainda mais o âmbito da arbitragem tributária, eliminado a possibilidade de recurso à arbitragem para declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando dêem origem à liquidação de qualquer tributo, e para apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação.

No entanto, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», veio admitir que, no âmbito das competências dos tribunais arbitrais, o âmbito da arbitragem tributária fosse limitado de harmonia com a vinculação.

Foi em concretização deste desígnio legislativo que foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que definiu o «objecto da vinculação» e os «termos da vinculação» da seguinte forma:

 

Artigo 1.º

Vinculação ao CAAD

 

     Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD — Centro de Arbitragem Administrativa os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:

a) A Direcção -Geral dos Impostos (DGCI); e

b) A Direcção -Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).

 

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

 

     Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

 

Artigo 3.º

Termos da vinculação

 

     1 – A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a € 10 000 000.

     2 – Sem prejuízo dos requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a vinculação dos serviços referidos no artigo 1.º está sujeita às seguintes condições:

a) Nos litígios de valor igual ou superior a € 500 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de mestre em Direito Fiscal;

b) Nos litígios de valor igual ou superior a € 1 000 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de doutor em Direito Fiscal.

     3 – Em caso de impossibilidade de designar árbitros com as características referidas no número anterior cabe ao presidente do Conselho Deontológico do CAAD a designação do árbitro presidente.

 

            Desta legislação e regulamentação conclui-se que houve uma preocupação em limitar o âmbito da arbitragem tributária:

– na alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei de autorização legislativa admitia-se a possibilidade de nela ser incluída a generalidade dos litígios relativos a liquidação de tributos (inclusivamente os praticados pelos contribuintes) e de fixação de valores patrimoniais que podem ser apreciados em processo de impugnação judicial e o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária;

– no artigo 2.º do RJAT não se incluiu na arbitragem tributária o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária e estabeleceu-se no artigo 4.º, que a vinculação da Administração Tributária, que se reconduz a definição do âmbito da arbitrabilidade de litígios deveria ser efectuada por portaria;

– com a Lei n.º 64-B/2011, impôs-se que na portaria se indicassem o tipo e o valor máximo dos litígios, o que tem como corolário que nem todos os litígios abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT;

– a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, limitou a vinculação aos serviços da Administração Tributária estadual e aos tribunais «que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida», com várias excepções.

A intenção legislativa de restringir o âmbito da arbitragem tributária em relação ao que foi permitido pela autorização legislativa resulta com evidência destes diplomas e é explicada pelas justificadas dúvidas que, no início da arbitragem tributária, se suscitavam sobre o possível inadequado funcionamento de um meio inovador de resolução de litígios em matéria tributária, bem patentes nas preocupações sentidas pelo Senhor Conselheiro Santos Serra, Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, na sessão de apresentação do novo regime de arbitragem fiscal, que ocorreu em Lisboa, no dia 14-12-2010:

 

Assim, e logo à partida, é preciso que o regime de arbitragem tributária ora constituído consiga afastar receios de que, por via da arbitragem, as partes consigam contornar as imposições legais que sobre si recaem, e que façam letra morta dos princípios da legalidade e da igualdade entre contribuintes em matéria tributária, com a capacidade negocial diferenciada das partes a sobrepor-se ao princípio da tributação de acordo com a sua real capacidade contributiva.[1]

A consciência dos riscos como fundamento das limitações do âmbito foi expressamente explicada pelo Senhor Prof. Doutor Sérgio Vasques (que desempenhava as funções de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao tempo em que foram emitidos o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), em texto publicado na Newsletter n.º 1 do CAAD:

 

A arbitragem tributária, tal como contemplada no Regime da Arbitragem Tributária veio a apresentar âmbito mais estreito relativamente ao que figurava na autorização legislativa do orçamento do estado para 2010, pela consciência de que esta era, e continua a ser, uma experiência inovadora que não vai sem os seus riscos. Foi também com precaução que a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual se vinculou a administração tributária ao regime, impôs vários limites desde logo atendendo à especificidade e ao valor das matérias em causa, associando-se deste modo a Administração Fiscal a este mecanismo de resolução alternativa de litígios nos estritos termos e condições estabelecidos na Portaria». [2]

 

Nos litígios em matéria de direito tributário está em causa o interesse público primacial de um Estado de Direito, que é a obtenção de receitas imprescindíveis ao próprio funcionamento global do Estado, o que justifica que na vinculação se tomassem cautelas.

A arbitragem tributária poderia vir a ser um meio generalizado alternativo de resolução de litígios fiscais, mas, antes de serem dadas provas reiteradas da qualidade e isenção das suas decisões, a necessidade de protecção do interesse público e de assegurar a efectividade dos princípios essenciais da legalidade e da igualdade tributária que o enformam nesta matéria recomendava em 2011 e recomenda actualmente que se avance com cuidado, sem entusiasmos desmedidos, não deixando ao arbítrio dos cidadãos a opção livre e ilimitada por esse meio de resolução de litígios.

Essa cautela é especialmente aconselhada quando, por razões de celeridade, se optou por restringir os meios de impugnação e recurso das decisões arbitrais e, por isso, é menor do que nos tribunais tributários a viabilidade de correcção de possíveis erros de julgamento que sejam lesivos do interesse público.

Por isso se justificava em 2011 e se justifica ainda hoje que haja limitações ao acesso à arbitragem tributária, de forma de compatibilizar a utilização deste meio opcional de acesso à justiça com a obrigação estadual de proteger o interesse público, assegurar a legalidade e igualdade tributária e a arrecadação de receitas imprescindíveis para o funcionamento do Estado.

A esta luz, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que o âmbito da vinculação seria definido por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, atribui-lhes um poder discricionário, para definirem a amplitude da vinculação da forma como entendam que melhor se prossegue o conjunto de interesses públicos cuja concretização está em causa, definição esta que não pode dispensar, naturalmente, a avaliação da verificação da existência das condições de ordem material e humana necessárias para a implementação deste novo regime.

Neste contexto em que havia uma evidente intenção de restringir o âmbito inicial da arbitragem tributária em relação à amplitude permitida pela lei de autorização legislativa, sendo consabido que a Constituição da República Portuguesa (CRP) e a Lei Geral Tributária (LGT) aludem a vários tipos de tributos, que designam como «impostos», «taxas» e «contribuições financeiras» [artigos 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] e 3.º, n.ºs 2 e 3, da LGT], a inclusão da palavra «impostos» na expressão «apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida» contrastando com a referência mas abrangente a «actos de liquidação de tributos» que foi usada na alínea a) do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 3-B/2010 (autorização legislativa) para definir o âmbito da autorização, tem de ser interpretada expressão precisa da restrição que se pretendeu efectuar.

Na verdade, assente que a intenção legislativa era restringir o âmbito da jurisdição arbitral, se foi utilizada uma expressão com alcance restritivo para indicar o âmbito da restrição, tem de pressupor-se, presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), que se pretendeu restringir nos precisos termos, se não houver razões que imponham que se conclua que houve alguma deficiência na expressão do pensamento legislativo. Uma norma com alcance restritivo deve, em princípio, ser interpretada em termos estritos e não extensivamente, pois a ampliação do seu alcance estará presumivelmente ao arrepio do pensamento legislativo que a interpretação jurídica visa reconstituir (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil).

Como se escreve no Acórdão n.º 539/2015, do Tribunal Constitucional:

«As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).

As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em “As taxas e a coerência do sistema tributário”, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora)».

 

Por outro lado, quando foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que o Governo definiu o âmbito da vinculação à arbitragem tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava tributos com a designação de «contribuição» (designadamente, desde 2008, a contribuição de serviço rodoviário que aqui está em causa, e tinha já sido criada pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a contribuição sobre o sector bancário), pelo  que não se pode aventar, com pertinência, que não se colocasse, no momento da emissão daquela Portaria, a necessidade esclarecer com  rigor se o âmbito da vinculação abrangia ou não tributos com a designação de «contribuições».

A intenção governamental de afastar da vinculação à arbitragem tributária as  pretensões relativas a contribuições é confirmada pela alteração efectuada ao artigo 2.º da  Portaria n.º 112-A/2001 pela Portaria n.º 287/2019, de 3 de Setembro, em que se manteve a referência restritiva a «impostos», em momento em que a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava vários tributos com  a designação de «contribuições», como, além da CSR e da contribuição sobre o sector bancário, a contribuição extraordinária sobre o setor energético (criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) e a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica  (criada pelo artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro).

Por outro lado, utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir também que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que a legislativamente foi adoptada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar-se mais apropriada, como base em considerações de natureza doutrinal. A classificação de tributos especiais, designadamente para apurar se devem ser ou não tratados constitucionalmente como impostos é, frequentemente, uma tarefa complexa, objecto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não há qualquer razão para crer, em termos de razoabilidade, que o legislador, que tem de se presumir que consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), tivesse optado por impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais, em vez de optar pela identificação clara e segura dos tributos a que pretendeu aludir através da designação que legislativamente foi considerada adequada que, além do mais, se compagina melhor com a celeridade de decisões que se visou atingir com a criação da arbitragem tributária.

Para além disso, nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.

Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considerada «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.

No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.

Por outro lado, da relegação da definição do âmbito da vinculação para diploma de natureza regulamentar depreende-se que, subjacente à restrição que se pretendeu efectuar estarão também razões pragmáticas relacionadas com a criação das condições práticas para implementação do novo regime, que normalmente se reservam para diplomas de natureza executiva, como são as relativas à disponibilidade de meios humanos da Administração Tributária com formação adequada para a representarem adequadamente nos processos tributários que exijam formação mais especializada. Neste caso, pelas limitações ao âmbito da jurisdição arbitral que se fazem nas alíneas c) e d) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quanto a litígios relacionados com matéria aduaneira, entrevê-se que estarão razões desse tipo subjacentes a essas restrições à arbitrabilidade de litígios.

Tendo o poder discricionário para definir o âmbito da vinculação sido atribuído aos membros do Governo indicados no artigo 4.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 e não aos tribunais arbitrais, não podem estes substituir-se àqueles na definição do âmbito da jurisdição arbitral. Desde logo porque os tribunais não possuem o conhecimento de todos os elementos de natureza operacional que podem ter levado os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011. E, depois, porque foi a esses membros do Governo e não aos tribunais arbitrais que a lei atribuiu o poder de definir o âmbito da vinculação.

Pelo exposto, a interpretação correcta, alicerçada no teor literal deste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 e nas regras interpretativas que constam do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, mas tendo também em conta as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), é a de que se pretendeu restringir a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a litígios em que estejam em causa tributos legislativamente classificados como impostos ou explicitamente como tal considerados (como sucede com as «contribuições especiais» referidas no n.º 3 do artigo 4.º da LGT), com as excepções arroladas naquela norma.

Assim, é de concluir que não é abrangida pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, a apreciação de litígios que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas à CSR.

Pelo que se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 146/2019-T, a falta de vinculação não implica incompetência absoluta, em razão da matéria, a que alude o artigo 16.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, pois a competência para apreciação da generalidade de actos de liquidação de tributos se insere nas competências dos tribunais arbitrais definidas no artigo 2.º do RJAT.

Mas, está-se perante incompetência relativa por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária [Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ( [3] )], acordo esse que, relativamente à arbitragem tributária, é genericamente exigido e definido no que concerne à Autoridade Tributária e Aduaneira através da vinculação, prevista no artigo 4.º do RJAT.

Tendo esta incompetência sido arguida tempestivamente, na Resposta (artigo 18.º, n.º 4, da LAV), tem de concluir-se que procede, com esta fundamentação, a excepção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Esta interpretação do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 é compaginável com a Constituição, como já decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 545/2019, de 16-10-2019, proferido no processo n.º 1067/2018.

 

2. Questão da prova da repercussão da CST nas Requerentes

 

No que concerne à prova da repercussão da CSR nas Requerentes, afigura-se que, para além da prova directa que resulta das declarações apresentadas pelas fornecedoras, juntas com o pedido de pronúncia arbitral, cuja genuinidade não foi questionada, deve também considerar-se provada por presunção, já que não é contrariada por qualquer meio de prova, nos casos em que as vendas de combustíveis são efectuadas por sujeitos passivos de CSR (como são algumas das fornecedoras das Requerentes, como reconhece a Autoridade Tributária e Aduaneira).

Na verdade, a existência de repercussão do tributo no consumidor final numa situação em que a lei pretende que ela exista, como sucede com a CSR, tem de se presumir, à face das regras da experiência que os árbitros devem aplicar na fixação da matéria de facto, nos termos da alínea c) do artigo 16.º do RJAT, pois trata-se de uma situação normal, que corresponde ao andamento natural das coisas, quod plerumque accidit.

Neste contexto, deve dizer-se que a presunção de repercussão quando esta está prevista na lei e não há qualquer facto que permita duvidar da correspondência do facto presumido à realidade, não é incompatível com o Direito da União, designadamente à face do Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no processo C-460/21.

O que aí se refere, relativamente a prova de uma situação de enriquecimento sem causa, que constitui excepção ao direito ao reembolso de quantias cobradas em violação do Direito da União,  é que «o direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42)».

Isto é, o que o TJUE considera incompatível com o Direito da União é a utilização exclusiva de uma presunção de repercussão para prova de uma situação excepcional de enriquecimento sem causa, derivada de omissão de repercussão, impedindo ao operador que devia fazer a repercussão a apresentação de elementos de prova destinados a demonstrar que não ocorreu.

Mas, no caso em apreço, o que está em causa não é a prova de uma situação de excepção, mas sim a prova da situação normal e não há obstáculos a que seja apresentada prova de que a repercussão não ocorreu. O que sucede, é que nenhuma prova foi apresentada que permita entrever que a repercussão não tenha ocorrido e, antes, pelo contrário, ela é afirmada nas declarações das fornecedoras de combustíveis.

 

3. Questão da ilegitimidade das Requerentes

 

O regime da CSR, na versão anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, foi criado tendo em vista a repercussão nos consumidores das quantias cobradas a esse título pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos.

Na verdade, no artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, vigente em 2018 e 2019) estabelece-se que «o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável» e no n.º 3 do mesmo artigo (na redacção inicial) estabelece-se que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis».

Resulta destas normas que, na perspectiva legislativa, o destinatário do encargo económico resultante da imposição da CSR é o consumidor de combustíveis, sendo as empresas comercializadoras, que devem efectuar o seu pagamento ao Estado, meras substitutas tributárias. Neste contexto, a repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis é uma repercussão legal, já que é pretendida e pressuposta por lei, como mecanismo necessário para atingir a esfera jurídica dos contribuintes que se pretende onerar com o tributo.

Na pena de CASALTA NABAIS,

«Tanto é contribuinte o contribuinte directo, em relação ao qual o referido desfalque patrimonial ocorre directamente na sua esfera seja ele ou não o devedor do imposto, como o contribuinte indirecto, em relação ao qual o mencionado desfalque patrimonial ocorre na sua esfera através do fenómeno económico da repercussão do imposto».

A este respeito, costumam alguns autores distinguir entre contribuinte de direito e contribuinte de facto, sendo o primeiro a pessoa em relação à qual se verifica o pressuposto de facto do imposto, e o segundo o que, em virtude da repercussão, suporta economicamente o imposto. Todavia, o conceito de contribuinte é um conceito jurídico e a repercussão, quando legalmente prevista como é a regra dos impostos sobre o consumo, convoca o suportador do imposto não apenas em termos económicos, mas também em termos jurídicos, uma vez que, para além de uma obrigação jurídica de repercussão formal, temos uma de obrigação natural de repercussão material.

Por isso mesmo, não admira que a al. a) do n.º 4 do art. 18º da LGT fale de repercussão legal e reconheça legitimidade processual activa ao consumidor final ou adquirente de serviços para impugnar, administrativa ou judicialmente, o correspondente acto tributário. Um reconhecimento que a nossa jurisprudência já vinha aceitando e que, a nosso ver, é mesmo exigido pelo respeito do princípio da capacidade contributiva, uma vez que a capacidade contributiva, que em tais impostos se visa atingir, é efectivamente a do consumidor final ou do adquirente de serviços e não a do sujeito passivo do IVA» ( [4] )

 

Estas considerações, tendo em mente o IVA, valem também para os casos da CSR, estando-se, em qualquer dos casos, perante uma situação de substituição tributária, já que «a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte» (artigo 20.º, n.º 1, da LGT).

Na substituição tributária, «o estado não exige o tributo directamente daquele que preenche as normas de incidência - o "contribuinte directo" - mas de outra pessoa que, pela sua capacidade de organização, está melhor habilitada ao cumprimento desses deveres e faculta uma gestão mais eficaz da receita tributária. A diferença. porém, é que na substituição com retenção o substituto é a fonte dos rendimentos do contribuinte, pelo que ao substituto cabe reter dada percentagem desses valores, ao passo que na substituição sem retenção o contribuinte é a fonte dos rendimentos do substituto, pelo que a tarefa deste é a de cobrar o tributo juntamente com os valores que tem a haver» ( [5] ).

O direito de o substituto e o substituído impugnarem os actos de liquidação nas situações de substituição tributária é regulado pelo artigo 132.º do CPPT, mesmo nos casos  em que a substituição não se concretiza através de retenção na fonte.

Com efeito, embora o artigo 132.º do CPPT se refira expressamente aos casos de substituição com retenção na fonte, esse regime deve aplicar-se a todos os casos de substituição. ( [6] ) Na verdade, como foi esclarecido na redacção do n.º 2 do artigo 20.º da LGT introduzida pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, ao dizer que «a substituição tributária é efetivada, designadamente, através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido», a retenção na fonte do imposto devido é apenas uma das formas de substituição tributária ( [7] ) e os fundamentos do reconhecimento do direito de impugnação do substituto e do substituído valem manifestamente para todas as situações de substituição.

A aplicação do regime do artigo 132.º, com as adaptações que eventualmente forem necessárias, a todos os casos de substituição tributária, inclusivamente sem retenção na fonte, decorre desde logo, do teor expresso da epígrafe da SECÇÃO VIII, em que está incluído o art. 132.º: «SECÇÃO VIII Da impugnação dos atos de autoliquidação, substituição tributária, pagamentos por conta e dos atos de liquidação com fundamento em classificação pautal, origem ou valor aduaneiro das mercadorias».

Nesta epígrafe nem se faz referência a «retenção na fonte», mas apenas a «substituição tributária», o que revela uma intenção legislativa, que acabou por ser mal traduzida na letra do artigo 132.º, de estabelecer um regime aplicável a todos os casos de substituição tributária.

A confusão dos conceitos, reduzindo os casos de substituição tributária aos de retenção na fonte, já vem do Código de Processo Tributário de 1991, mas poderá ter sido incentivada pelo infeliz artigo 20.º da LGT, na redacção inicial, que dizia que «a substituição tributária é efectivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido», embora fosse evidente que havia casos de substituição sem retenção na fonte.( [8] )

A Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, na nova redacção que deu ao n.º 2 do artigo 20.º da LGT, acabou por reconhecer expressamente que há substituição tributária sem retenção na fonte ao dizer que «a substituição tributária é efetivada, designadamente, através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido».

Mas, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-09-2023, processo n.º 67/09.6BELRS acaba por se concluir, embora sem fundamentação explícita, que o artigo 132.º do CPPT, «exprime, no plano processual, um princípio material aplicável a todos os casos de substituição tributária».

Deve notar-se que, para detectar aqui uma situação de substituição tributária e de repercussão legal, o Supremo Tribunal Administrativo não necessitou de qualquer referência explicita à repercussão no texto do Decreto-Lei n.º  102/91 de 8 de Março, que não existe, deduzindo-a, por estar implícita na intenção legislativa de onerar  contribuinte/substituído, já que é o mecanismo necessário para assegurar a transferência para o contribuinte o encargo económico com que é onerado em primeira linha o substituto.

Em última análise, se se entendesse inviável uma interpretação extensiva (apesar do seu suporte expresso na epígrafe referida), em face do reconhecimento constitucional do direito de impugnação de todos os actos lesivos, sempre se teria de concluir que se estaria perante uma lacuna de regulamentação, que importaria preencher através da aplicação do regime do artigo 132.º do CPPT, com as adaptações necessárias, por existir evidente paralelismo das situações de substituição com e sem retenção na fonte, a nível dos direitos de impugnação do substituído, o que seria fundamento para a sua aplicação analógica.

O direito de reembolso do substituído a quem foi repercutido imposto liquidado com violação do Direito da União Europeia, é também assegurado, na interpretação que dele fez o TJUE no despacho de 07-02-2022, processo n.º C-460/21:

«39 A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas».

«42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido».

43 «... a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos».

 

Como decorre desta jurisprudência, há uma obrigação de a Administração Tributária reembolsar os tributos cobrados em violação do Direito de União a quem efectivamente os suportou, pelo que no caso de tributos susceptíveis de repercussão, a titularidade do direito ao reembolso dependerá de ela ter sido ou não concretizada.

É corolário desta jurisprudência do TJUE que, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem legitimidade para impugnar os actos que a concretizem ou os que a antecedam, pois apenas o repercutido é afectado na sua esfera jurídica pelo acto lesivo e o substituto só terá legitimidade na medida em que não tenha repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade.

No caso em apreço, a meu ver, provou-se que ocorreu efectivamente repercussão da CSR, pelo que apenas as Requerentes são titular do direito ao reembolso, na medida em que foram repercutidas.

Assim, não se coloca a questão da plúrima possibilidade de reembolso pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pois, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem direito ao reembolso.

De qualquer modo, não há qualquer fundamento legal nem lógico para os direitos económicos e processuais do repercutido, que pagou o tributo indevido, serem prejudicados pelo facto de poder também ser efectuado indevido reembolso do tributo às entidades que o repercutiram.

Pelo exposto, entendo que as Requerentes têm legitimidade substantiva e processual, pelo que que devia ser julgada improcedente esta excepção invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

4. Questão da ineptidão da petição inicial

 

No essencial, quanto a esta excepção, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende a que o pedido de pronúncia arbitral é inepto por a Requerente não identificar os actos que são objeto do pedido arbitral, como exige a alínea b) o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT e que não lhe é possível identificar factos essenciais omitidos pela Requerente, desde logo, o estabelecimento de qualquer correlação/correspondência entre os actos de liquidação praticados pelos sujeitos passivos de ISP/CSR e o alegado pela Requerente no pedido arbitral.

O artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.

Não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 No artigo 186.º, n.º 1, do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:

a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que «se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial».

No caso em apreço é manifesto que a ineptidão arguida pela AT não se enquadra nas referidas alíneas b) e c), pelo que só se pode aventar o seu enquadramento na alínea a).

No que concerne à alínea a), não se estando perante uma situação de falta do pedido ou de causa de pedir, apenas se poderá enquadrar a arguição no conceito de inteligibilidade.

No entanto, percebe-se o que pretendem as Requerentes com os pedidos que formulam:

– a anulação dos actos de liquidação e repercussão de CSR, respeitantes ao período que indica reembolso das quantias suportadas a esse título, acrescido de juros indemnizatórios;

– o reembolso à Requerente do valor de CSR indevidamente suportado, , acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

 

Provada repercussão, as facturas juntas aos autos incluem o montante da CSR que foi pago ao Estado e repercutido sobre as Requerentes, pelo que são, por essa via, apuráveis os montantes cuja anulação as Requerentes pretendem.

A eventual dificuldade que a AT possa ter para identificar as liquidações que ela própria emitiu aos fornecedores de combustíveis relacionadas com as faturas em causa, é um problema de organização dos seus serviços, pelo que é ela própria quem deve suportar os seus hipotéticos inconvenientes.

Por outro lado, a liquidação da CSR era efetuada com base nas DIC, que deviam ser processadas até ao final do dia útil seguinte àquele em que ocorra a introdução no consumo (artigo 10.º, n.ºs 1 e 3, do CIEC), pelo que se afigura que era possível à AT apurar qual a DIC relacionada com cada factura e a respetiva liquidação que emitiu.

Neste contexto, não era exigível às Requerentes que identificassem as liquidações que a AT emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa, nem essa identificação é necessária para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas facturas em causa.

A exigência de identificação das liquidações, numa situação deste tipo, em que os repercutidos não têm possibilidade de as identificar e a identificação não é imprescindível para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efetiva, garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnar contenciosamente actos que lhe aplicam tributação e lesam a sua esfera jurídica.

A desproporcionalidade de um juízo no sentido da ineptidão que privaria as Requerentes de  obter a apreciação jurisdicional para as suas pretensões  é especialmente evidente numa situação em que a Autoridade Tributária e Aduaneira, que tem poderes de exigir das empresas fornecedoras de combustíveis os esclarecimentos necessários sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiro (artigo 59.º, n.º 4, da LGT), não mostrou ter efectuado qualquer diligência, na sequência do pedido de revisão oficiosa, para identificação das  liquidações conexionadas com as facturas juntas pela Requerente.

Isto é, à face do que consta dos autos, está-se perante uma situação em que a falta de identificação das liquidações de CSR é objectivamente imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, por ser único sujeito processual a quem a lei confere poderes que permitiriam apurar tal identificação. E, por isso, as Requerentes não podem ver agravadas as suas situações fiscais pelo facto de não lhes ser possível apresentar uma prova documental específica a que não podem ter acesso, quando a AT se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios. A indevida inércia da Autoridade Tributária e Aduaneira não pode ser fundamento da aplicação às Requerentes da sanção processual que a ineptidão da petição inicial consubstancia.

Pelo exposto, entendo que deveria ser julgada improcedente a excepção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.

 

Lisboa, 19-07-2024

 

O Árbitro

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

Processo 256/2024-T

 

Declaração de voto

A multiplicação de posições no CAAD em matéria de CSR impõe um particular esforço de esclarecimento dos fundamentos das mesmas, por razões de transparência, para permitir uma evolução consistente da jurisprudência e até para efeitos de eventual reapreciação. Por tudo isso, ainda que convergindo no sentido da improcedência do pedido, entende-se dever esclarecer duas divergências pontuais relativamente aos termos da decisão.

1. Apesar de constar do pedido esse desiderato, não pode deixar de se considerar imprópria a consideração de uma eventual incompetência do tribunal arbitral para apreciar actos de repercussão. Aquilo que pode ser pedido é (necessariamente) apenas e só a apreciação da validade dos actos de liquidação de CSR (por violação da Directiva 2008/118). Sendo estes inválidos, a devolução dos montantes pagos é solicitada in casu pelos (alegados) repercutidos.

Não há acto de repercussão cuja validade possa ser apreciada, mas apenas a invocação dessa repercussão enquanto facto justificativo de o pedido de devolução surgir da parte de uma entidade diversa do sujeito passivo. Mesmo em sede de pedido de revisão oficiosa e de impugnação do seu indeferimento (expresso ou tácito), a situação não se altera: tanto o pedido de revisão como a impugnação apenas podem ter como fundamento a eventual invalidade da liquidação, sendo, como se referiu, a repercussão, mero facto justificativo do pedido de devolução surgir de entidade distinta do sujeito passivo. É certo que caberá ao tribunal conferir se essa repercussão existiu ou não. Mas essa apreciação tem em vista conferir, já não a competência do tribunal arbitral, mas a legitimidade do Requerente.

Não parece, por isso, que o tribunal arbitral se deva pronunciar sobre a sua competência para apreciar actos de repercussão, na medida em que estes não existem, devendo apenas corrigir-se o equívoco manifesto.

2. Concorda-se que a não identificação do acto tributário (de liquidação da CSR) torna a petição inepta nos termos referidos na decisão.

Entende-se, todavia, que, em relação à CSR, porque o pedido não é apresentado pelo sujeito passivo (mas por uma entidade alegadamente repercutida), essa não identificação do acto tributário (através da junção de cópias das Declarações de Introdução no Consumo, ou de Documento Administrativo Único/Declaração Aduaneira de Importação ou eventualmente de outros documentos que lograssem tal identificação com um mínimo de certeza) não apenas impede que o próprio tribunal arbitral confira a sua existência e aprecie, em concreto, da sua validade (e, por isso, torna a petição inepta), mas, além disso, torna ainda impossível conferir da sua efectiva repercussão. De facto, não havendo repercussão legal, esse efeito não poderá presumir-se, carecendo de prova, a qual depende - novamente - da identificação dos actos tributários de liquidação originários. O que conduz à constatação da ilegitimidade do Requerente quando repercutido, se não demonstra esses actos e a efectiva repercussão.

A este propósito, releva ainda o argumento da AT quando salienta o risco de o pedido de devolução de CSR poder ser feito por todos os intervenientes no processo de comercialização dos combustíveis. Esse risco só é controlável na medida em que, sendo identificado o acto ou actos tributários originais de liquidação, possa ser conferida a efectiva repercussão do imposto, a qual determinará o titular do direito à sua devolução, com exclusão dos demais (na medida em que tenham repercutido, a montante e não tenham sido repercutidos, a jusante, se surgirem no referido processo).

A referida imprescindibilidade da identificação do acto tributário surge ainda como elemento essencial para a conferência dos prazos relevantes (dos pedidos de revisão oficiosa e arbitral), já que estes  dependem da identificação do acto tributário. Sem conferir este, será impossível fazer-se a necessária verificação da tempestividade.

Nestes termos, converge-se no sentido de que a imprescindibilidade da identificação do acto tributário cuja declaração de nulidade é requerida faz com que a inexistência dessa identificação torne a petição inepta por falta de objecto (art. 186.º e 576.º/2 do CPC ex vi art. 29.º/1 e) do RJAT). Acrescentar-se-á, todavia, que essa mesma imprescindibilidade conduz simultânea e subsidiariamente à ilegitimidade da Requerente, tornando também impossível conferir da tempestividade do exercício do direito de revisão do acto e do pedido arbitral (art. 576º/2 e 3 e 577.º a) ex vi art. 29.º/1 e) do RJAT).

 

Lisboa, 22 de Julho 2024

 

 

O Árbitro

 

 

Rui M. Marrana

 

 



[1] Texto reproduzido no Guia da Arbitragem Tributária, 2.ª edição, página 192.

[2] Publicado em https://www.caad.pt/files/documentos/newsletter/Newsletter-CAAD_out_2011.pdf.

[3] No sentido da aplicação subsidiária da Lei de Arbitragem Voluntária à arbitragem tributária, pode ver-se, entre vários, o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de e 21-04-2021, processo n.º 101/19.1BALSB. 

[4] CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, páginas 243-244.

[5] SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2011, página 333.

[6] Como, no essencial, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 06-09-2023, processo n.º 067/09.6BELR, identificando «o princípio segundo o qual tem direito ao reembolso o substituto em caso de entrega em excesso e o substituído em caso de pagamento ou retenção em excesso».

[7] Como já era entendimento doutrinal anterior, como pode ver-se em CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, página 255, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2011, página 333, e ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal – Lições, 2016, página 73.

[8] Ao  tempo da aprovação do Código de Processo Tributário, havia lugar a substituição tributária se retenção na fonte relativamente a várias taxas, como, por exemplo, a  «taxa anual de radiodifusão», prevista no Decreto-Lei n.º 389/76, de 24 de Maio, em cujo artigo 2.º, n.º 1, se estabelece que «é instituída uma taxa anual de radiodifusão de âmbito nacional, a cobrar em duodécimos, mensal e indirectamente, por intermédio das distribuidoras de energia eléctrica, a ela ficando sujeitos os consumidores domésticos de iluminação e outros usos».

Outro exemplo, é a «taxa de seguração» criada pelo DL n.º 102/91 de 8 de Março, que opera através de um mecanismo de substituição tributária, nos termos do qual a operadora de transporte aéreo substitui o INAC na cobrança da taxa aos passageiros e substitui-se aos passageiros na entrega do seu valor ao INAC, a que se refere o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-09-2023, processo n.º 67/09.6BELRS.