Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1041/2023-T
Data da decisão: 2024-09-04  IRS  
Valor do pedido: € 31.373,11
Tema: IRS — residente não habitual — prazo de inscrição — art. 16.º, 8, 9, e 10, CIRS.
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Sumário:

I — Resulta do disposto no artigo 16.º, CIRS, que a inscrição como residente não habitual possui natureza declarativa.

II — O prazo de inscrição previsto no art. 16.º, 10, CIRS é meramente procedimental, e não constitutivo, pelo que o seu não cumprimento em nada interfere com a atribuição da qualidade de residente não habitual.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            O árbitro Ricardo Marques Candeias, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, decide nos termos que se seguem:

 

I – RELATÓRIO

 

A. Dinâmica processual

  1. A... e B..., casados, reformado e doméstica, respetivamente, ambos residentes na Rua da ..., ..., ...-... ..., União das Freguesias ... e ..., concelho de Tondela, NIF ... e ..., apresentaram pedido de pronúncia arbitral ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), para que sejam anuladas as liquidações n.º 2023..., n.º 2023 ... e n.º 2023..., relativas ao Rendimento das Pessoas Singulares (‘IRS’) dos períodos tributários de 2020, 2021 e 2022, nos montantes de €10.207,09, €10.460,40 e €10.705,62, nos quais se incluem as liquidações e respetivas liquidações de juros compensatórios, e efetuado o reembolso do pagamento em excesso, acrescido dos juros legais à taxa em vigor.
  2. No dia 27 de dezembro de 2023 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado aos Requerentes e à AT.
  3. Os Requerente não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, 1, e artigo 11.º, 1, b), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  4. Em 14 de fevereiro de 2024 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
  5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído a 5 de março de 2024.
  6. No dia 18 de abril de 2024, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta apresentando várias exceções e defendendo-se por impugnação.
  7. A 22 de abril de 2024 foi proferido despacho arbitral facultando prazo para os Requerentes, querendo, se pronunciarem sobre as alegadas exceções, o que fizeram, a 7 de maio de 2024.
  8. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art. 16.º, e n.º 2 do art. 29.º, ambos do RJAT, a 10 de julho de 2024 foi dispensada a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, bem como a de apresentação de alegações escritas. Mais foi indicado que a decisão final seria notificada até ao dia 5 de setembro de 2024.

 

B. Posição das partes

 

            Para fundamentar o seu pedido alegam os Requerentes, em síntese, que foram emigrantes na Suíça, onde trabalharam e residiram, sendo que a residência fiscal nesse país foi certificada pelas competentes autoridades, pelo menos, para o período entre 2012 e 2019, inclusive. A 1 de janeiro de 2020 passaram a residir em Portugal, tendo constatado em 2021 que no seu registo individual do cadastro fiscal não constava a informação de terem residido na Suíça, pelo menos, nos cinco anos anteriores a 2020. Perante isso, o impugnante solicitou a alteração da sua morada com efeitos retroativos, mas não requereu a sua inscrição como residente não habitual, o que fez só a 2 de março de 2022. No entanto, este pedido foi indeferido, tendo sido posteriormente objeto de impugnação judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, processo esse que se encontra atualmente pendente.

            Porque convictos que se lhe aplicava o referido estatuto de residente não habitual (RHN) os Requerentes, em 30 de junho de 2023, apresentaram a declaração conjunta de rendimentos de IRS Modelo 3, referente aos anos de 2020, 2021 e 2022, preenchendo o Anexo L, relativo a rendimentos (in casu, rendimentos da categoria H) obtidos no estrangeiro pelo cônjuge marido, como residentes não habituais. No entanto, estas declarações não foram aceites pela AT, com o fundamento de que os Requerentes não tinham o almejado estatuto.

            Para evitar a instauração de processos de contraordenações e aplicação de coimas, os ora Requerentes apresentaram novas declarações de IRS, sem invocação do estatuto de residente não habitual, isto é, preenchendo o Anexo J, mas já não o Anexo L da Modelo 3 de IRS, o que originou as liquidações ora em apreciação, que foram, atempadamente, pagas.

            Ora, entendem os ora Requerentes que a lei não impõe como requisito para se beneficiar do regime do residente não habitual a inscrição/registo enquanto tal. Antes pelo contrário, basta o preenchimento cumulativo de dois requisitos: i) o sujeito passivo ter-se tornado fiscalmente residente num determinado ano, de acordo com qualquer um dos critérios estabelecidos no art. 16.º, 1 e 2, CIRS; b) não ter o sujeito passivo sido residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

            A inscrição como residente não habitual prevista no art. 16.º, 10, CIRS, consubstancia uma mera obrigação declarativa, não sendo, por isso, constitutiva do direito.

            Perante este enquadramento, a AT, ao liquidar o imposto à taxa de 35%, prevista no 68.º, 1, CIRS — ao invés da taxa prevista no artigo 72.º, 12, idem —, desconsiderando o regime do residente não habitual, violou as normas do CIRS, pelo que esses atos são anuláveis nos termos do art. 163.º, CPA.

            Daí que, não se conformando, apresentaram junto do CAAD o presente PPA que ora se aprecia.

            Por sua vez, a AT defende-se excecionando a incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais pois, para ela, a causa de pedir centra-se no reconhecimento desse estatuto, bem como a inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de RNH pois este será um ato administrativo autónomo.

            Além disso, considera a AT que o pedido dos Requerentes não pode ser atendido, com efeitos ao ano de 2020, uma vez que, tendo sido apresentado em 02 de março de 2022, não respeitou o prazo previsto na lei para a submissão dos pedidos para produção de efeitos a 2020, que terminou em 31 de março de 2021. Depois, não poderia obter o deferimento do pedido com efeitos ao ano de 2021, dado que é considerado residente em Portugal no ano anterior, 2020, não reunindo as condições exigidas pelo art. 16.º, 8, CIRS, para ser inscrito em 2021. Em suma, o Requerente devia ter solicitado a inscrição como RNH para o ano de 2020, posteriormente ao ato de inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território (31 de março de 2021), não tendo alegado e demonstrado qualquer justo impedimento para solicitar a referida inscrição.

            Com efeito, não basta preencher os requisitos de substância que o regime de RNH exige (primeiro a residência no estrangeiro e, depois, a fixação de residência em Portugal). É também fundamental que se cumpram os requisitos formais (a submissão eletrónica e o cumprimento do prazo). Sendo o prazo de submissão do pedido como RNH perentório, a sua não observação implica a extinção do direito de praticar o ato, pois a inscrição como residente não habitual prevista no art. 16.º, 10, CIRS não é apenas uma mera obrigação declarativa.

            Posto este enquadramento, pelas razões sobreditas, conclui a AT pela manutenção do ato impugnado.

 

            C. Thema decidendum

 

            A questão que constitui o thema decidendum centra-se em saber quais os requisitos materiais para obter a qualidade de residente não habitual, bem como a necessidade, enquanto pressuposto específico da aplicabilidade do regime legal correspondente, da inscrição dessa qualidade de residente não habitual no registo dos contribuintes. Além disso, importa saber da relevância da fixação legal de prazo para ser apresentado pelo SP o pedido de obtenção correspondente.

 

           

 

II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 1, a), 5.º, 6.º, 1, e 10.º, 1, RJAT.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. arts. 4.º e 10.º, 2, RJAT, e art. 1.º, Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

            O processo não enferma de nulidades.

            Suscita a Requerida as exceções de i) incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais bem como a de ii) inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de RNH.

            Preliminarmente, importa apreciar estas questões sendo que, para nos debruçarmos sobre elas, é relevante determinar a factualidade dada como provada e como não provada.

 

III FUNDAMENTAÇÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

A) Os requerentes são cidadãos com a nacionalidade portuguesa.

B) O Requerente trabalhou como pedreiro, exercendo a sua atividade por conta e sob a autoridade e direção da “C... AG”, com sede em..., ..., Suíça,

C) Os Requerentes residiram em ..., na cidade e cantão de Lucerna.

D) A residência fiscal em Lucerna — Suíça dos Requerentes foi certificada pela "Kanton Luzern", para o período entre 1 de janeiro de 2012 e 31 de dezembro de 2019.

E) A 01 de janeiro de 2020 os Requerentes passaram a residir na Rua ..., n.º ..., ..., ...-..., União das Freguesias ... e ..., concelho de Tondela.

F) Em 17 de fevereiro de 2021, o Requerente solicitou à AT a alteração de morada com efeitos retroativos com estando na Suiça para o período de 2002-05-10 e 2017-12-27.

G) A 2 de fevereiro de 2022 o Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças de Tondela o original do Certificado de Residência Fiscal, emitido pela Administração Fiscal comprovativo da sua residência na Suíça entre 2012 e 2019.

H) A 2 de março de 2022, o Requerente solicitou junto da AT a sua inscrição como residente não habitual.

I) Em data posterior, o Requerente foi notificado do projeto de decisão de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual, por estar “Registado no cadastro da AT como residente em território português (n.º 8 do artigo 16.º do CIRS e alínea b) do ponto 1 da Circular 9/2012) no(s) ano(s) 2016, 2017, 2019, 2020.

J) O Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, alegando: que os originais dos documentos comprovativos de residência no estrangeiro, onde constavam expressamente os anos em que havia sido residente fora de território português, já haviam sido entregues no Serviço de Finanças de Tondela; e pugnando pelo deferimento de alteração de morada com efeitos retroativos entre 2012 e 2019, bem como pelo deferimento do pedido de inscrição como residente não habitual.

K) A 21 de abril de 2022 o Requerente foi notificado de que havia sido “efetuada a alteração de morada, com efeitos retroativos à data de 01/01/2012 e até 31/12/2019, para a Suíça de acordo com o solicitado no pedido apresentado em 17/02/2021.

L) Por despacho da AT foi indeferida a sua inscrição como residente não habitual, com a seguinte fundamentação:

1. Enquadramento:

- O contribuinte, com o NIF..., solicitou através do Portal, em 02/03/2022, a inscrição no regime dos Residentes Não Habituais, com início no ano de 2021, ao abrigo do n.º 8 do artigo 16.º do CIRS.

- Em 3/03/2022 foi notificado para o exercício do direito de audição relativamente ao projeto de indeferimento do pedido, que exerceu em 10/03/2022, dado que:

- Consta com inscrição no cadastro da AT como residente em território português nos anos de 2016, 2017, 2019 e 2020.

2. Análise:

Em sede de direito de audição o contribuinte vem apresentar certificado emitido pelo serviço de controle da população do Município de Lucerne, que atesta que residiu na Suíça de 01-05-2002 até 31-12-2019, data em partiu com destino a Portugal.

O requerente transferiu a sua residência da Suíça para Portugal em 01-01-2020 passando a partir desta data a residir em Portugal.

O requerente apenas formulou o pedido de inscrição como residente não habitual em 02/03/2022, fora do prazo legal imperativo para os contribuintes que se tornaram residentes em Portugal em 2020, que findou a 31-03-2021, nos termos do artigo 16º, n. 10, do CIRS, o que inviabiliza a possibilidade de obter o estatuto com efeitos ao ano de 2020.

Trata-se de um prazo imperativo, pelo que, o não exercício do direito no prazo legal, determina a extinção do mesmo.

Assim, não pode obter o estatuto com efeitos ao ano de 2020 por ter apresentado o pedido fora de prazo, nem pode obter o deferimento do pedido com efeitos ao ano de 2021, dado que é considerado residente em Portugal no ano anterior, 2020, não reunindo as condições exigidas pelo artigo 16.º, n. 8, do CIRS para ser inscrito em 2021.

M) O Requerente apresentou ação administrativa junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a que foi atribuído o n.º .../23...BEVIS, onde peticiona a anulação da decisão proferida pela AT de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual, com fundamento na sua ilegalidade; e a consequente condenação da AT à pratica do ato legalmente devido de inscrição do Requerente como RNH com efeitos a partir do ano 2020.

N) A Requerente B... foi notificada por ofício datado de 31 de outubro de 2023 da “alteração de morada com efeitos retroativos à data de 01-01-2014 e até 31-12-2019, para a Suíça, de acordo com o solicitado no pedido apresentado em 29-06-2023.”.

O) Os Requerentes, em 30 de junho de 2023, apresentaram a declaração conjunta de rendimentos de IRS Modelo 3, referente aos anos de 2020, 2021 e 2022, preenchendo o Anexo L, relativo a rendimentos da categoria H obtidos no estrangeiro pelo cônjuge marido, como residentes não habituais.

P) Na sequência desta submissão, os Requerentes foram notificados pela AT do seguinte: “na sua declaração Modelo 3 de IRS submetida via Internet, verificou-se a ocorrência, após validação central, dos seguintes erros:

L55 – SE NIF TITULAR NÃO É RESIDENTE

Solicita-se a V. Exa. que proceda à correção desta declaração, para o que deverá entrar de novo no Portal das Finanças (www.portaldasfinanças.gov.pt) e selecionar as seguintes opções (...).

Decorrido o prazo atrás referido sem que tenha sido efetuada a referida correção, será o seu registo eliminado, considerando-se a declaração como não tendo sido entregue com todas as consequências legais, conforme o disposto no n.º 3 do art. 3.º da Portaria n.º 1303/2010, de 22 de Dezembro.”.

Q) Os Requerentes submeteram novas declarações de IRS preenchendo o Anexo J, mas já não o Anexo L do Modelo 3 de IRS.

R) Consequentemente, foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de IRS e correspondentes juros compensatórios num montante global de € 31.373,11: i)  Liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao período de tributação compreendido entre 01.01.2020 e 31.12.2020, no valor de € 10.207,09, sendo € 756,08 referentes a de juros compensatórios (Liquidação de juros n.º 2023...); ii) Liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao período de tributação compreendido entre 01.01.2021 e 31.12.2021, no valor de € 10.460,40, sendo € 402,32 referentes a de juros compensatórios (Liquidação de juros n.º 20233...); iii) Liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao período de tributação compreendido entre 01.01.2022 e 31.12.2022, no valor de € 10.705,62.

S) Os Requerente procederam ao pagamento das referidas importâncias a 25 de setembro de 2023.

 

A.2. Factos dados como não provados

            Com relevo para a decisão, não foram identificados factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

            Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, 2, CPPT, e art. 607.º, 3, CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, 1, a) e e), RJAT).

            Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior art. 511.º, 1, CPC, correspondente ao atual art. 596.º, aplicável ex vi art. 29.º, 1, e), RJAT).

            Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do art. 110.º, 7, CPPT, e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

            Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

            Na verdade, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do art. 607.º do CPC.

            Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (v.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º, CCiv.) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

           

 

B. DE DIREITO

 

            A. Incompetência material

            Como vimos, para a Requerida, o tribunal é materialmente incompetente, na medida em que, para ela, a causa de pedir dos presentes autos tem como subjacente o reconhecimento do estatuto de residente não habitual.

            Ora, a competência deste tribunal arbitral consiste em apreciar, segundo as palavras da Requerida, as i) pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamentos por conta, e ii) pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais, mas já não as questões relacionadas com o estatuto fiscal do sujeito passivo.

            Além disso, cita jurisprudência, nomeadamente do CAAD, proc. 796/2022-T, com o entendimento que o reconhecimento da aplicabilidade ao Requerente do regime dos RNH teria de ser efetuada por via de ação administrativa especial e não pela presente via impugnatória arbitral, sustentando-se para o efeito nos acórdãos do STA n.º 034/14 de 2016-05-11, n.º 014/19.7BALSB (uniformizador de jurisprudência) e acórdão do Tribunal Constitucional (doravante TC), com o n.º 718/2017 — naquilo que aqui for aplicável já que o quadro factual que lhe está subjacente não é exatamente idêntico ao dos autos.”

            Por sua vez, os Requerentes têm posição contrário, que cristalizaram via resposta às exceções aduzidas, e que se encontram junto aos autos.

            Ora, efetivamente, a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação a) da declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; bem como a b)  A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais — cf. art. 2.º, 1, a), b), RJAT.

            Compulsados os ditos, verificamos que o pedido formulado pelos Requerentes consiste na declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRS n.º 2023..., n.º 2023... e n.º 2023..., referentes aos anos de 2020, 2021 e 2022, respetivamente, por desconsideração do estatuto dos residentes não habituais. 

            Em momento algum os Requerentes pretendem que este tribunal se pronuncie sobre o indeferimento de que foram alvo relativo ao formulado RNH; aliás, esse tema está a ser objeto de análise junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, cujos termos correm no processo n.º .../23...BEVIS.

            Além disso, do citado proc. n.º 796/2022-T, CAAD, do qual sobressaem os referidos arestos do STA e do TC, resulta do pedido de pronúncia, além da declaração de ilegalidade da liquidação de IRS 2019 e de 2021, incidentalmente e consequentemente, "que se ordene a inscrição do Requerente no registo de contribuintes da AT como residente não habitual, com efeitos a partir do ano de 2020".

            Ora, conforme citado, de acordo com Jorge Lopes de Sousa, in Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 105,  "mesmo relativamente à impugnação de atos praticados no âmbito de procedimentos tributários, a competência destes tribunais arbitrais restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando de fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT

            Como vimos, in casu, o pedido reduz-se à apreciação das notas de liquidação já identificados. Em momento algum os requerentes pretendem que este tribunal se pronuncie sobre o indeferimento da aplicação do regime de RNH.

            Sendo assim, o peticionado encontra-se abrangido pelo disposto no art. 2.º, 1, a), RJAT.          Deste modo, o tribunal é materialmente competente para apreciação da matéria em juízo. Consequentemente, não se dá provimento à invocada exceção de incompetência material invocada pela AT.

 

            B.  Inimpugnabilidade do ato de liquidação

            Defende ainda a AT a inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de RNH pois este será um ato administrativo autónomo.

            Considera que o reconhecimento da condição de RNH, assenta num procedimento prévio e independente da liquidação objetada nos presentes autos (...), (pois) a impugnação do ato de benefícios fiscais seria autónoma em relação ao ato de impugnação, sendo, nestes casos e na ótica do Acórdão, o meio de reação ao dispor do contribuinte, a ação administrativa.

            Além disso, sendo indeferida esta argumentação, e atendendo a que só após ser decidida a suprarreferida ação (questão prejudicial) é que este Tribunal Arbitral poderá apreciar a legalidade da liquidação aqui impugnada com fundamento na violação do estatuído no n.º 10 do artigo 16.º, deve a presente instância ser suspensa, nos termos do disposto no artigo 272.º do CPC, até que seja decidida a ação administrativa que tramita no TAF de Viseu.

            Por sua vez, notificado para o efeito, os Requerentes vieram defender que "o ato de indeferimento do pedido de inscrição como Residente Não Habitual não é um ato interlocutório ou consultivo no procedimento de liquidação, sendo antes um ato administrativo definitivo de conteúdo negativo (...), vertical e horizontalmente definitivo e diretamente conformador e lesivo da esfera jurídica do contribuinte e contra o qual os Requerentes tempestivamente reagiram por forma a evitar que a solução por ele determinada se consolidasse nas suas esferas jurídicas, através da ação de condenação à prática de ato devido, intentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, processo n.º 366/23.4BEVIS.

            Coisa diferente, e autónoma, é a impugnação das liquidações dos atos tributários que desconsideraram a aplicação de um regime fiscal mais benéfico aos contribuintes, ato esse, direta e autonomamente impugnável."

            Quanto à possibilidade de a inimpugnabilidade ser uma questão prejudicial que exigiria a suspensão dos presentes autos, entendem os Requerentes que ela não se verifica, "pois a decisão a proferir pelo TAF Viseu não afeta o julgamento a proferir neste Tribunal Arbitral, na medida" em que "há identidade de sujeitos entre as duas ações, mas não há identidade de objeto, de pedido ou de causa de pedir."

            Vejamos.

            Sobre esta temática pronunciou-se muito recentemente o Tribunal Arbitral, proc. 656/2023 ­— T, que segue alinhado com a decisão proferida nos autos proc. 705/2022 — T, a que aderimos.

            Com efeito, não obstante o SP ter submetido pedido para a obtenção do estatuto de RNH e o mesmo ter sido indeferido, o certo é que o ato que ora se discute resume-se à legalidade ou não das notas de liquidação já identificadas. Além disso, a indicada decisão de indeferimento corre em processo próprio, junto do TAF de Viseu.

            Não consideramos que a apreciação do reconhecimento ou não reconhecimento como residente não habitual para efeitos fiscais seja questão prévia à presente assim como seja pressuposto autónomo, prévio e destacável relativamente aos atos de liquidação do imposto ora sindicado, que é o único ato tributário relevante para os presentes autos com que o Requerente foi confrontado.

            Embora conste da factualidade o ato administrativo-tributário da AT de negação da condição de residente não habitual, a situação dos autos não possui comparação com o caso que esteve na base do processo arbitral n.º 514/2015-T, do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 718/2017 e do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 014/19.7BALSB, pois esse é tema que ficou reservado para o TAF de Viseu.

            Em particular, esta jurisprudência citada respeitou a liquidação relativa ao ano de 2010, cujo cenário normativo não coincide com o aqui em consideração, por se reportar à regulação originariamente introduzida pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23.09 (anterior, pois, às alterações ocorridas com a Lei n.º  20/2012, de 14.05, e com o Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01.08), em que o n.º 7 do art. 16.º do Código do IRS (CIRS) dispunha: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos” (cfr. o atualmente disposto no n.º 9 do art. 16.º do CIRS).

            No mais, antecipando parte da posição defendida infra, o art. 16.º, 10.º, CIRS, na redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01.08 (“O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território”), ao impor a solicitação, por via eletrónica, da inscrição no registo dos contribuintes como residente não habitual, não consagra, para além da imposição de um dever acessório (art. 31.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária - LGT), um procedimento autónomo ou um momento procedimental interlocutório dirigido a um ato de reconhecimento do estatuto de residente não habitual, prévio e prejudicial, sem o qual estaria inviabilizada a aplicação em cada ano dos benefícios fiscais a isso associados. Trata-se, aliás, de entendimento que está em consonância com a orientação estabelecida na Circular n.º 4/2019 da Diretora-Geral da AT (n.º 1) segundo a qual as medidas resultantes do regime dos residentes não habituais “consubstanciam medidas excecionais de desagravamento da tributação de caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT, conforme determina o artigo 5.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)”.

            Assim, face aos normativos vigentes, somos da opinião que a inscrição cadastral como residente não habitual do sujeito passivo de imposto não constitui ato autónomo ou destacável em relação ao procedimento de liquidação do imposto para efeitos de impugnação contenciosa, que obrigue, em derrogação do princípio da impugnação unitária (art. 54.º do CPPT), à impugnação direta e autónoma, no prazo e pelo meio legalmente previsto, de uma eventual decisão de indeferimento, sob pena de estabilização da situação mediante caso decidido ou caso resolvido e de decorrente preclusão da impugnação da liquidação de imposto nessa base.

            Desta forma, indefere-se a exceção invocada, sendo suscetível de apreciação nos presentes autos a liquidação de IRS dos anos referidos.

 

 

            C. Do mérito

           

            Como vimos, o thema decidendum consiste em identificar os requisitos materiais da condição de residente não habitual, bem como a necessidade, enquanto pressuposto de atribuição, da inscrição dessa qualidade de residente não habitual. Além disso, importa saber da relevância do não cumprimento do prazo legal para ser apresentado pelo SP o pedido de obtenção da referida qualidade.

            A questão convoca, essencialmente, o disposto no art. 16.º, 8, sgts., CIRS.

            Este tema já foi tratado variadas vezes pelos Tribunais Arbitrais, pelo que importa chamar a jurisprudência que nos parece consolidada.

            Embora para um período fiscal distinto (2018), convoquemos de novo a decisão proferida no âmbito do proc. 705/2022-T, pois o enquadramento legal a aplicar ao nosso caso não se alterou (2020, 2021 e 2022).

            O quadro legal (...) é constituído, no que imediatamente releva para a questão indicada, pelo disposto nos n.s 8 a 11 do art. 16.º do CIRS, na redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01.08, segundo os quais:

            “8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

            9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

            10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

            11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano”.

            Pois bem, em face do assim disposto, julga-se que não é possível reputar a inscrição no registo dos contribuintes como residente não habitual como requisito necessário e constitutivo do direito à aplicação do regime respetivo e dos benefícios fiscais dele emergentes.

            Como já foi observado, por exemplo, no processo n.º 777/2020-T e acolhido no processo n.º 550/2022-T, (e ainda no proc. n.º 544/2023/T), a redação aplicável dos n.ºs 8 e 9 do art. 16.º do CIRS depõe claramente no sentido de que se trata, nessa inscrição no cadastro dos contribuintes, de um registo declarativo, cuja não realização não obvia à aplicação, verificados os pressupostos materiais exigidos, dos benefícios fiscais em causa.

            É que, se o n.º 9 do art. 16.º do CIRS estabelece que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português”, com o que faz depender a aquisição do direito a ser tributado como residente não habitual de o sujeito passivo ser considerado residente não habitual, o n.º 8 do mesmo artigo é expresso e taxativo em declarar que: “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores”. Assim, para que o sujeito passivo seja “considerado residente não habitual” e adquira o direito a ser tributado como tal, a lei não inclui a inscrição no registo como residente não habitual, que surge no n.º 10 do mesmo artigo apenas como um dever do sujeito passivo (“deve solicitar a inscrição”), não como um requisito constitutivo dessa condição e do direito à correspondente situação tributária vantajosa.

            Esta interpretação mostra-se corroborada pelo confronto com a anterior regulação do regime dos residentes não habituais. Recorde-se que, na versão do Decreto-Lei n.º 249/2009, o art. 23.º, n.º 2 do Código Fiscal do Investimento dispunha que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal, pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI” e o então n.º 7 do art. 16.º do CIRS afirmava, do mesmo modo, que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos”.

            Como se observa, a ligação que então se fazia entre a inscrição da qualidade de residente não habitual no registo dos contribuintes e a aquisição do direito a ser tributado como tal desapareceu da regulação vigente, a qual apenas conexiona a aquisição do direito a ser tributado como residente não habitual à consideração como tal em atenção à factualidade de os sujeitos passivos se tornarem fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do art. 16.º do CIRS e não terem sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores, que são, pois, os únicos requisitos de que depende essa condição.

            A facti species constitutiva da situação tributária de residente não habitual e dos correspondentes benefícios fiscais em sede de IRS é, portanto, a verificação dos dois pressupostos materiais atinentes à residência fiscal em certo ano em território português e à não residência fiscal pretérita nos cinco anos anteriores nesse território.

            O pedido de inscrição como residente não habitual imposto pelo n.º 10 do art. 16.º do CIRS deve, então, reputar-se um dever acessório do contribuinte (art. 31.º, n.º 2 da LGT) que serve a finalidade de facilitação da fiscalização da situação tributária do contribuinte e da aplicação do beneficio fiscal, de modo a que a AT proceda ao controlo dos registos do contribuinte no seu cadastro, bem como dos demais elementos em seu poder, solicite eventuais elementos adicionais para verificar que o interessado foi considerado como residente fiscal noutra jurisdição e valide o cumprimento dos requisitos legalmente previstos, sendo, porém, da verificação destes requisitos, e não da solicitação ou realização daquela inscrição no registo, que depende a constituição do direito a ser tributado, de modo desagravado, como residente não habitual.

            Assim, como dever acessório, o seu incumprimento pode gerar uma contraordenação tributária (cfr. art. 117.º do Regime Geral das Infrações Tributárias), mas não interfere com o direito à redução ou isenção tributária adveniente do regime do residente não habitual, que assenta estritamente na satisfação das condições materiais legalmente previstas e não pressupõe, como requisito formal autónomo, a inscrição cadastral como tal.

            Conclui-se, pois, que a aplicação do regime dos residentes não habituais exige a verificação dos requisitos de o sujeito passivo se ter tornado fiscalmente residente em território português e não ter sido nele residente em qualquer dos cinco anos anteriores, mas não depende da inscrição correspondente no cadastro. Como tal, a falta ou intempestividade da inscrição como residente não habitual não determina, por si mesma, a exclusão do regime correspondente.

            Tendo em conta este enquadramento, que sufragamos, fica claro que o prazo previsto no art. 16.º, 10, sendo meramente procedimental, e não constitutivo, apesar de não ser cumprido in casu pelos SP's, em nada interfere com a atribuição da qualidade de RNH.

            Portanto, os Requerentes, apesar de não se encontrarem inscritos enquanto tais no registo dos contribuintes, por não terem apresentado o pedido no prazo legal, cumprem as condições para serem considerados como residentes não habituais, pois encontram-se fiscalmente residentes em território português nos anos de 2020, 2021 e 2022 e de não residência fiscal em território português em qualquer dos cinco anos anteriores, conforme foi dado como assente dos factos provados.

            Desta forma, ao não ter aplicado aos Requerentes o regime dos residentes não habituais, as liquidações de IRS melhor identificadas são ilegais por erro nos pressupostos, originando a sua anulação nos termos do art. 163.º, 1, CPA, gerando também a invalidade das liquidações de juros compensatórios já melhor identificados.

            Ainda, considerando conforme decidido a anulação das liquidações de IRS impugnadas, devem ver os Requerentes reembolsados do montante pago, de € 31.373,11, considerando o teor dos arts. 24.º, 1, b), RJAT e 100.º, LGT, de modo a restabelecer a situação que existiria se os atos tributários objeto das anulações ora decretadas não tivessem sido praticados.

            Quanto aos juros peticionados, dado que a AT emitiu as liquidações impugnadas por sua iniciativa com as ilegalidades verificadas, é-lhe imputável tal situação, pelo que, nos termos do art. 43.º, 1, LGT, assiste aos Requerentes o direito a juros indemnizatórios, contados desde a data dos pagamentos até integral reembolso da quantia paga, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, 4, e 35.º, 10, LGT.

 

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

            a) julgar improcedente as exceções invocadas e procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular as liquidações de IRS respeitantes aos períodos tributários de 2020, 2021 e 2022 e, bem assim, as liquidações dos respetivos juros compensatórios, com as legais consequências;

            b) condenar a Requerida na restituição do total do montante indevidamente pago pelos Requerentes, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento até integral reembolso;

b) Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

D. Valor do processo

       Fixa-se o valor do processo em € 31.373,11, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

       Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.836,00 € nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto no artigo 22.º, 4, RJAT.

 

Notifique-se.

Bom Sucesso,

4 de setembro de 2024

 

O Árbitro Singular

 

(Ricardo Marques Candeias)