Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1030/2023-T
Data da decisão: 2024-08-12  IRC  
Valor do pedido: € 1.093.087,67
Tema: Incompatibilidade do n.º 3, do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia; Juros indemnizatórios.
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SUMÁRIO:

  1. A circunstância de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa quanto a atos de retenção na fonte previsto no artigo 132.º do CPPT não impede o sujeito passivo de apresentar pedido de revisão dos mesmos com fundamento em erro imputável aos serviços nos termos do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT e de impugnar contenciosamente o eventual ato de indeferimento.
  2. Na substituição fiscal o substituto exerce materialmente funções de administração fiscal pois liquida e cobra impostos por imposição legal, sendo de considerar que a Requerida adere implicitamente às retenções na fonte realizadas ao não lhe efetuar qualquer correção após lhe terem sido apresentadas as respetivas declarações de modelo oficial.
  3. Nada justificando diferentes graus de garantia para o contribuinte consoante esteja em causa uma liquidação com origem na AT ou num substituto e homologada implicitamente por esta, os erros de direito de que as retenções na fonte eventualmente enfermem devem ser consideradas imputáveis aos serviços, nos termos e para os efeitos do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT.
  4. Decorre do n.º 4 do art. 132.º do CPPT, em conjugação com o art. 94.º, n.º 3, al. b) do CIRC, que o substituído tem legitimidade para impugnar o ato tributário de retenção na fonte, efetuado a título definitivo.
  5. As normas dos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º, n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4 do CIRC e artigo 22.º do EBF, na medida em que determinam a tributação em sede de imposto sobre o rendimento, através de retenção liberatória dos dividendos de origem nacional, quando são auferidos por OIC não residentes, ao mesmo tempo que preveem uma isenção de tributação quando os dividendos de origem nacional são auferidos por OIC residentes em Portugal, estão em desconformidade com o artigo 63.º do TFUE.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 21.12.2023, o Requerente, A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito espanhol, com o número de contribuinte português..., com sede em..., ..., Madrid, Espanha, (doravante designado de “Requerente”), representado por B..., S.A., SGIIC, na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à apreciação da legalidade e anulação dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2020 e 2021, no montante de € 1.093.087,67, bem como da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa previamente apresentado para o efeito.

 

O Requerente peticiona ainda a restituição do montante referente às retenções na fonte em causa, acrescido de juros indemnizatórios.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados árbitros os signatários, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 1.03.2024.

 

3. Os fundamentos apresentados pelo Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:

 

  1. O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal espanhol, uma entidade jurídica de direito espanhol, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal em Espanha, constituída sob a forma contratual e não societária.
  2. O Requerente é um OIC de direito espanhol, constituído sob a forma contratual e não societária, comumente designado de fundo de investimento, sendo um sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável no país.
  3. O Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.
  4. Nos anos de 2020 e 2021, o Requerente, na qualidade de acionista destas sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos que foram, em parte, sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC (“CIRC”) e, em parte, sujeitos à taxa reduzida prevista no Acordo para Evitar a Dupla Tributação (“ADT”) celebrado entre Portugal e Espanha.
  5. Nos casos em que a taxa reduzida não foi aplicada “upfront” o Requerente efetuou pedidos de reembolso do imposto retido na fonte em excesso face à taxa prevista no ADT celebrado entre Portugal e Espanha (correspondente a 10%, pois a taxa prevista no ADT para os dividendos é de 15%), através da entrega do formulário Modelo 21 RFI.
  6. Assim, o presente pedido incide sobre o montante das retenções suportadas pelo Requerente em Portugal nos anos de 2020 e 2021, correspondente a 15% do valor bruto dos rendimentos auferidos em Portugal.
  7. No que diz respeito ao regime interno de tributação dos dividendos, sempre que os mesmos são pagos por uma entidade residente a um sujeito passivo residente em Portugal, tais rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte por conta do imposto devido a final a uma taxa de 25% (cfr. artigos 94.º, n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b) e 94.º, n.º 4, todos do CIRC).
  8. O artigo 22.º, n.º 1, do EBF prevê que “São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário, sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.
  9. Por força do disposto no n.º 3 do referido preceito legal, os OIC constituídos de acordo com a legislação nacional estavam, à data dos factos tributários, isentos de IRC sobre dividendos obtidos.
  10. Nos termos do Regime Geral dos OIC (Lei n.º 16/2015, alterada pelo Decreto-Lei
    n.º 124/2015, de 7 de julho), a constituição de um fundo de investimento de acordo com a ordem jurídica nacional implica a sua residência em Portugal, estando, assim, vedada a possibilidade de um OIC residente noutro EM da UE beneficiar da norma de isenção prevista no artigo 22.º do EBF.
  11. Com efeito, a constituição de um OIC em Portugal depende de autorização prévia da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (“CMVM”) nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do Regime Geral dos OIC e para que um OIC se constitua de acordo com a legislação nacional (tal como definido no n.º 1 do artigo 22.º do EBF) necessita do cumprimento de múltiplos requisitos previstos no Regime Geral dos OIC, cuja verificação é supervisionada pela CMVM, o que não se pode verificar no caso de OIC constituídos ao abrigo de legislação estrangeira.
  12. Assim, nos casos de distribuição de dividendos por parte de sociedades residentes em Portugal a OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa, os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25%, tal como preceituado nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4 também do CIRC, não beneficiando do regime previsto no artigo 22.º do EBF.
  13. Por seu turno, nos casos de dividendos distribuídos a OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa, tais rendimentos estão isentos de imposto, ao abrigo do regime previsto (à data dos factos e ainda atualmente) no artigo 22.º do EBF.
  14. Do acima exposto resulta inquestionável que existe uma diferença de tratamento conferida pela legislação fiscal portuguesa, entre os OIC residentes e os OIC não residentes, na tributação de dividendos de fonte portuguesa que se consubstancia no diferente tratamento fiscal que é conferido aos rendimentos obtidos em Portugal por OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa – que estão isentos de imposto – e aos rendimentos obtidos em Portugal por OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa – que estão sujeitos a retenção na fonte liberatória de IRC a uma taxa de 25% o que foi confirmado pelo TJUE, no acórdão proferido no processo C-545/19, pelo que se impõe a anulação dos atos de retenção na fonte sindicados, por força do princípio do primado consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão do Requerente, defendendo-se, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

Por exceção:

 

Da Ilegitimidade Processual do Requerente

 

  1. Para efeitos de validação dos factos invocados pelo Requerente os serviços da AT constataram o seguinte:

“(…) após consulta à base de dados da AT, por esta Direção de Serviços de IRC, não é possível confirmar todos elementos indicados no pedido, na medida em que NÃO FORAM DECLARADOS RENDIMENTOS PAGOS OU COLOCADOS À DISPOSIÇÃO DO REQUERENTE NO PERÍODO DE SETEMBRO DE 2021 INDICADOS NO PEDIDO. OU SEJA, O C..., S.A., NIF:..., NA QUALIDADE DE SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO, NÃO INDICOU NA DECLARAÇÃO MODELO 30 QUAISQUER RENDIMENTOS PAGOS AO REQUERENTE E RESPETIVA RETENÇÃO REFERENTE AO PERÍODO DE 09-2021.

iv)A guia de pagamento n.º... discriminada no §.9.º do PPA, existe mas, no sistema informático da AT, o requerente não consta como beneficiário efetivo de rendimentos relativos a dividendos no montante de 859.652,75, nem que tenha sido feita a correspondente retenção na fonte a título definitivo à taxa de 15%. Pelo que, nesta parte, NÃO SE PODE VALIDAR A ALEGADA RETENÇÃO DE IRC NO MONTANTE DE €128.947,91 REFERENCIADA NO PEDIDO.

  1. Nestes termos, e considerando que o Requerente não cumpre os pressupostos que lhe permitam ser titular direto do direito ao reembolso que alega ter suportado, não tem o mesma legitimidade material, substantiva ou ad actum para figurar no presente processo arbitral verifica-se a exceção de ilegitimidade do Requerente, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

 

Ainda que assim não se entenda,

 

Da incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral

 

  1. Nos termos do disposto no art. 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no n.º 1 do art. 2.º do RJAT, “com excepção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
  2. O Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa, na qual o Requerente – na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do art. 132.º do CPPT.
  3. Situação esta que está fora da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
  4. Ainda para mais quando o Requerente não recorreu, em tempo, à reclamação graciosa prevista no referido art. 132.º do CPPT, deixando, desse modo, precludir o prazo de 2 anos aí previsto.
  5. Donde, in casu, não tendo o pedido de anulação das retenções na fonte sido precedido, em prazo, de reclamação graciosa necessária, o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar sobre a (i)legalidade das mesmas, ainda que o requerente tenha apresentado um pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos.
  6. Tal situação impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.

 

Ainda que assim não se entenda, sem conceder:

 

  1. Mantém-se a impossibilidade, por incompetência material, do Tribunal Arbitral para o conhecimento in casu, da (i)legalidade das retenções na fonte.
  2. Sempre que o contribuinte opte pelo pedido de revisão, não tem quatro anos para o fazer, mas o prazo da reclamação graciosa.
  3. E quando, como é manifestamente o caso dos autos, não tenha havido erro imputável aos serviços na liquidação, preclude, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do acto de liquidação ( tal como é defendido por A. Lima Guerreiro, LGT anotada, em anotação ao art. 78.º).
  4. A decisão proferida em sede de procedimento de revisão pode, ou não, comportar a apreciação da legalidade do ato de liquidação.
  5. Conforme se deliberou no Ac. do STA, de 06/11/08, in proc. n.º 0357/08, a forma processual de reação contra o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa pode ser a impugnação judicial ou a ação administrativa especial, consoante a decisão comporte, ou não, a apreciação da legalidade do ato de liquidação.
  6. No caso concreto, o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é um ato silente, na medida em que foi apenas por efeito da passagem do tempo que se ficcionou a existência de um indeferimento tácito, para efeitos de impugnação arbitral.
  7. Ora, tal indeferimento pode consubstanciar e, no caso teria obrigatoriamente que se reportar a um indeferimento por extemporaneidade.
  8. No presente p.p.a, é inquestionável, pois, que o Tribunal Arbitral vai ter que analisar os pressupostos de aplicação do mecanismo da revisão oficiosa, uma vez que in casu, inexiste qualquer erro de direito, imputável à AT que justificasse a revisão da liquidação.
  9. Ou seja, tendo em conta que o p.p.a não é interposto para a apreciação direta e nem indireta de uma liquidação adicional, mas apenas para a apreciação de um indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, é evidente que o Tribunal vai ter que decidir se o Requerente ainda estava em tempo de apresentar pedido de revisão oficiosa, tendo em conta a existência de erro imputável aos Serviços.
  10. Donde, não há qualquer dúvida que no presente pedido de pronúncia arbitral foi submetida à apreciação do Tribunal Arbitral uma questão relativa ao controle dos pressupostos de aplicação do art. 78.º da LGT.
  11. Ora, o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78.º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT.
  12. Deste modo, verifica-se a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

III- Por impugnação:

 

  1. Decorre do Acórdão Schumacker (processo C-279/03) que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal e ainda no Acórdão Marks & Spencer (C‑446/03), o TJUE concluiu que a residência pode constituir um fator justificador das normas fiscais que implicam uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes e não residentes.
  2. O Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme prevê o n.º 3 do artigo 22.º do EBF a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, conforme n.º 6 da mencionada norma legal.
  3. Contudo paralela a esta opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC.
  4. Ou seja, optou-se por uma tributação na esfera do Imposto do Selo tendo sido aditada, à TGIS, a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos.
  5. Esta reforma na tributação veio apenas a incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.
  6. Por outro lado, está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º, do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
  7. Por isso, no presente caso, não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelo Requerente.
  8. E não sendo as situações comparáveis parece difícil de aceitar o argumento do Requerente de que a legislação nacional e particularmente o artigo 22.º do EBF está em desconformidade e contraria o disposto no TFUE, nomeadamente, quanto à liberdade de circulação de capitais, tendo em apreço a proibição geral de discriminação face a uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do referido TFUE.
  9. E, portanto, o que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas, a que não corresponde uma discriminação em substância, conforme supra referido.
  10. Por conseguinte, a retenção na fonte efetuada sobre os dividendos pagos ao Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação, devendo ser mantida na ordem jurídica.

 

Dos juros indemnizatórios

 

  1. Em face do exposto e inexistindo qualquer ilegalidade sobre os atos impugnados, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
  2. Todavia, e sem conceder, sempre se dirá que, a al. c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, determina que são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

 

 

  1. Assim, apenas em 22 de maio de 2023, se iniciou a contagem do prazo legalmente estabelecido, tanto para efeitos de prolação da decisão a recair sobre o pedido de revisão oficiosa, como para efeitos de contagem do eventual direito a juros indemnizatórios, que nos termos do disposto pela c) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT e al. b) do art. 279.º do CC, apenas se iniciarão em 23-05-2024.

 

5. O Requerente respondeu por escrito à matéria de exceção, no essencial, nos termos seguintes:

 

  1. A AT suscita questões relativamente a um único pagamento de dividendos incluído no pedido (do período de 09/2021) mas pretende retirar daí um vício que, segundo se compreende, inquinaria todo o pedido do Requerente.
  2. Refira-se que o C..., S.A atesta, no tax voucher emitido, que foram efetuados os pagamentos de dividendos incluídos no pedido de pronúncia arbitral relativos ao período de setembro de 2021, sendo a informação completa.
  3. Em concreto, o C..., S.A. atesta que o beneficiário do rendimento é o Requerente (A..., NIF:...), tendo o imposto retido na fonte sido entregue nos cofres da AT através da guia de pagamento n.º... .
  4. Informação que, de resto, resulta igualmente do documento emitido pela D..., entidade responsável pela custódia dos títulos.
  5. Não restam dúvidas que o Requerente tem legitimidade material, nos termos do artigo 9.º do CPPT, não devendo a sua pretensão ser prejudicada pelas alegações vagas da Requerida sobre alegadas incongruências da Declaração Modelo 30 e nas informações associadas à guia de pagamento de 30.10.2021, que são da responsabilidade do substituto tributário, já que os factos alegados na p.i. se encontram inequivocamente demonstrados e provados pela documentação junta e suportam a legitimidade processual do Requerente.
  6. Pelo acima exposto não pode proceder a exceção invocada, sendo possível à AT verificar a veracidade dos factos alegados na p.i. e confirmados pelos documentos n.ºs 2 e 3 juntos à p.i., estando inequivocamente demonstrada a legitimidade processual do Requerente.

 

A competência, em razão da matéria, do Tribunal Arbitral

 

  1. A Requerida suscita, ainda, a exceção de incompetência, em razão da matéria, do Tribunal Arbitral.
  2. Esta exceção é manifestamente improcedente pois é pacífico o entendimento de que um ato de indeferimento expresso ou tácito de um pedido de revisão oficiosa, que verse sobre a legalidade do tributo que o consubstancia, é um ato passível de apreciação pelo Tribunal Arbitral, sendo inúmeras as decisões jurisprudenciais neste sentido.
  3. Refira-se que a Requerida lança, no artigo 39.º da Resposta (sem daí retirar qualquer ilação), que “[a] decisão proferida em sede de procedimento de revisão pode, ou não, comportar a apreciação da legalidade do ato de liquidação”.
  4. Ainda que não se compreenda exatamente que conclusão pretende a Requerida extrair desta afirmação, sublinhe-se que de acordo com o n.º 1 do artigo 57.º da LGT impende sobre a AT o dever de proferir uma decisão no âmbito do procedimento tributário no prazo de 4 meses, presumindo-se, em caso de desrespeito de tal obrigação, o indeferimento tácito “para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial” (n.º 5 do artigo 57.º da LGT).
  5. Por outras palavras, o indeferimento tácito comporta em si mesmo uma tomada de posição sobre a alegada ilegalidade, razão pela qual tem os mesmos efeitos que resultariam de um indeferimento expresso.
  6. Face ao exposto, tendo o presente pedido de pronúncia arbitral sido precedido de recurso à via administrativa, e perante o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa oportunamente apresentado, não sobram dúvidas sobre a competência material deste Tribunal Arbitral.
  7. Termos em que é forçoso concluir pela inexistência de incompetência material do Tribunal Arbitral, improcedendo a exceção invocada pela Requerida na Resposta.

 

6. Ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT, por despacho de 9.05.2024 foi dispensada a realização da reunião prevista no art.º 18 do RJAT remetendo-se para a decisão final a apreciação da matéria de excecão. 

No mesmo despacho facultou-se às partes “a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas, facultativas, por prazo simultâneo de 15 dias contados da data da notificação do presente despacho.”

7. O Requerente apresentou alegações, no essencial, reiterando o exposto em sede de petição inicial.

A Requerida apresentou requerimento no qual remeteu e deu “por integralmente reproduzido o aduzido em sede de Resposta e aí peticionado

 

II – SANEAMENTO

 

8. Da incompetência do Tribunal em razão da matéria

 

Na decisão do processo arbitral n.º 830/2023-T considerou-se o seguinte:

9. A Requerida invocou na sua resposta a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido formulado pelo Requerente.

10. Em primeiro lugar, invocou a Requerida que o Tribunal Arbitral é incompetente porque o pedido de anulação das retenções na fonte não foi precedido de reclamação graciosa necessária apresentada nos termos do artigo 132.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), não podendo o procedimento de revisão oficiosa substituir aquele pedido, o que viola o âmbito de competência material fixado nos termos conjugados dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março.

11. Em sentido contrário, defendeu o Requerente em sede de contraditório que resulta do RJAT e da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março a competência dos Tribunais Arbitrais para apreciar a legalidade de actos de retenção na fonte, incluindo os actos de segundo grau que sobre eles versam, tais como o acto de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário. Alegou também o Requerente que a Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março apenas prevê a necessidade de a contestação de actos de retenção na fonte através da arbitragem tributária ser precedida de recurso à via administrativa, o que não terá de ocorrer obrigatória e necessariamente através da reclamação graciosa, sendo igualmente válido para o efeito o procedimento de revisão.

12. Cabendo decidir, não tem razão a Requerida a este respeito, uma vez que a apresentação de pedido de revisão dos actos de retenção na fonte nos termos do artigo 78.º, n.º 1 da LGT permite colmatar a necessidade de apresentação de reclamação graciosa necessária, exigida nos termos do artigo 132.º do CPPT. Com efeito, a ratio daquela norma e, bem assim, das excepções de vinculação da AT à arbitragem tributária previstas na Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março, é que exista uma intervenção administrativa que garanta o controlo da legalidade daqueles actos previamente à sua contestação juntos dos Tribunais.

13. É este o entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que no acórdão proferido em 12 de Abril de 2023, no processo n.º 01257/17.3BELRS, deixou claro:

não relevar o decurso do prazo de reclamação graciosa de dois anos previsto no artº.132, nºs.3 e 4, do C.P.P.T., quanto ao substituído e em caso de retenção na fonte a título definitivo. Por outras palavras, a circunstância de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação do acto de retenção na fonte, não impede o sujeito passivo de pedir a respectiva revisão oficiosa e impugnar, contenciosamente, o eventual acto de indeferimento desta (cfr.v.g. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/07/2006, rec.402/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/05/2014, rec.1458/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/02/2017, rec.678/16; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, II volume, págs.422).”.

14. Neste sentido, a apresentação de pedido de revisão dos actos de retenção na fonte basta para que se considere preenchido o requisito de intervenção administrativa prévia previsto no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março, respeitando-se assim o âmbito material e os termos da vinculação da AT à arbitragem tributária.

15. Em segundo lugar, alegou a Requerida que as retenções na fonte não foram efectuadas pela AT, que nunca se pronunciou sobre a respectiva legalidade, nem sobre a existência de erro imputável aos serviços no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, não tendo o Requerente logrado provar um erro de direito imputável à AT, designadamente que as retenções na fonte se deveram a orientações ou instruções desta. Assim, na perspectiva da Requerida, ao terem as retenções na fonte sido efectuadas de acordo com a lei vigente aplicável, e ao não ter havido erro imputável aos serviços, precludiu com o decurso do prazo de reclamação graciosa o direito de o Requerente obter a seu favor a revisão dos actos de retenção na fonte. O Requerente não se pronunciou em específico a este respeito.

16. Cabendo decidir, entende o presente Tribunal Arbitral que o facto de os actos de retenção na fonte terem sido efectuados por uma terceira entidade na qualidade de substituta tributária, não impede que os erros de direito de que os mesmos eventualmente enfermem possam considerar-se imputáveis aos serviços nos termos e para os efeitos do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT.

17. Tal imputabilidade ocorrerá, desde logo, nos casos em que o substituto tributário siga na sua actuação instruções ou orientações genéricas emitidas pela AT que originem o erro em causa. Mas também ocorrerá nos casos em que o substituto tributário, ao liquidar e garantir a cobrança do imposto através do mecanismo de retenção na fonte a título definitivo, pratica um conjunto de actos viciados por erros de direito, decorrentes da aplicação de normas jurídicas nacionais contrárias ao direito da União Europeia.

18. Tais erros, a existirem, não são seguramente imputáveis a qualquer comportamento negligente ou elementos erróneos indicados ou provocados pelo Requerente enquanto substituído, que em nada contribuiu para a sua verificação. Esta violação do Direito Europeu, que consiste numa ilegalidade abstracta/erro de direito para efeitos do pedido de revisão do acto tributário previsto no artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT, terá de se considerar imputável aos serviços, sob pena de a falta de intervenção do sujeito activo da relação tributária (AT) e do substituído (Requerente) no apuramento e conformação do imposto, resultar numa diminuição das garantias que assistem a quem sofre efectivamente uma ablação de rendimento.

19. Esta é também a posição defendida na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que no acórdão proferido em 9 de Novembro de 2022, no processo n.º 087/22.5BEAVR sublinhou o seguinte:

há que ter em conta que in casu estamos perante uma situação de substituição tributária, realizada através do mecanismo de retenção na fonte, em que não há intervenção do contribuinte, e em que o substituto actua por imposição legal.

Depois, impera a realidade em que ocorreu um acto de retenção de imposto de selo a título definitivo, pois, se se tratasse de um acto de retenção na fonte por conta do imposto devido a final, na esteira ainda de Paulo Marques, in “A Revisão do Ato Tributário”, Almedina, pág.202, o acto não seria passível de pedido de revisão, na medida em que constituiria um acto provisório que tem por finalidade a antecipação da receita.

Por fim, não advém da sentença recorrida que os actos de retenção e cobrança do imposto tenham sido despoletados ou originados com base em elementos erróneos indicados pelo sujeito passivo.

Neste conspecto, propendemos a considerar que em tal situação se justifica que os erros praticados no acto de retenção sejam imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no nº1 do artigo 78º da LGT, pois se afigura inviável responsabilizar o contribuinte pela actuação do substituto, sob pena de violação dos seus direitos garantísticos.

É esse o ponto de vista do Ministério Público apoiado no acórdão deste tribunal de 12/07/2006, tirado no recurso nº 402/06, em que se doutrinou que «A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do art. 152.º do CPT (ou 132.º do CPPT), pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial».

Vide, no mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa, in CPP Anotado, II vol., 6ª edição, pág.422 e que foi o relator do aresto acabado de mencionar.

Na senda da jurisprudência assinalada, exposto o regime da revisão do acto tributário e impugnação das decisões proferidas (ou omitidas) no seu âmbito, que aponta no sentido de que não obsta à possibilidade de impugnação contenciosa a falta da reclamação prevista no artº 132.º do C.P.P.T..

Significa que apesar de essa reclamação ser necessária para a impugnação judicial do acto de retenção, com o regime geral da impugnação de actos anuláveis e com aos efeitos retroactivos próprios dos meios anulatórios, a sua falta não obsta (como também não obsta a impugnação judicial dos actos que podem ser impugnados contenciosamente por via directa), a que possa ser pedida a revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto, traduzida na restituição do que foi recebido pela administração tributária e que não deveria ter sido pago, à face do regime substantivo aplicável (eventualmente acrescida de juros indemnizatórios nos termos do n.º 3 do art. 43.º da LGT, sem natureza retroactiva).

Por assim ser e em concordância com o Ministério Público que acolheu e defendeu esse ponto de vista, é de concluir que, apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa, nos termos do artº 132.º do C.P.P.T., a Impugnante podia pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efectuar e podia impugnar contenciosamente a decisão de indeferimento.

Por isso, colhem de pleno os argumentos da recorrente no sentido de que, tendo sido o IS liquidado e cobrado pelas instituições financeiras, em substituição da AT tal como lhe é perpetrado pela lei (artigo 2.º do Código do IS), o erro de direito tem de ser imputado precisamente “aos serviços” como antedito, pelo que os PROAT apresentados no prazo de quatro anos, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, devem ter-se como apresentados tempestivamente e está a AT obrigada a tomar conhecimento do mérito dos pedidos feitos na revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto.”.

20. Por conseguinte, na eventualidade de se julgar procedente a violação do Direito Europeu pelos actos de retenção na fonte – o que ainda está nesta fase por verificar –, tal violação será susceptível de configurar um “erro imputável aos serviços” nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT, respeitando-se assim o âmbito material da arbitragem tributária.

21. Em terceiro e último lugar, arguiu a Requerida que a forma processual de reacção contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, isto é, a utilização da impugnação judicial ou da acção administrativa, varia consoante a decisão comporte, ou não, a apreciação da legalidade do acto de liquidação. No entender da Requerida, o Tribunal terá de analisar os pressupostos de aplicação da revisão oficiosa, isto é, analisar o acto de indeferimento e verificar se existiu um erro imputável aos serviços bem como se o pedido foi tempestivamente apresentado. No entanto, considera a AT que tal exercício está fora do escopo de competências do Tribunal Arbitral, ou seja, este não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se a AT aplicou bem ou não os pressupostos subjacentes ao pedido de revisão oficiosa.

22. Em sentido oposto, retorquiu o Requerente no exercício do contraditório que o objecto imediato do presente processo arbitral é o indeferimento do pedido de revisão oficiosa e que o objecto mediato radica nos actos de retenção na fonte que nele foram contestados. No entender do Requerente, o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar quer os actos de primeiro grau (retenções na fonte) quer os actos de segundo grau que sobre aqueles versam (indeferimento da revisão oficiosa). Defendeu ainda o Requerente que o indeferimento tácito comporta em si mesmo uma tomada de posição sobre a ilegalidade invocada no pedido de revisão, estando-lhe associados os mesmos efeitos que resultariam de um indeferimento expresso, sendo inequívoca a competência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido.

23. Cabendo decidir, desde logo se precisa que o indeferimento tácito consiste numa ficção de acto que permite ao sujeito passivo prosseguir com a impugnação judicial dos actos que conformam o seu objetco, não ficando desse modo paralisada a contestação da legalidade em resultado da inércia decisória da AT. Ao estar em causa um acto silente, o acto de indeferimento tácito não tem um conteúdo ou fundamentação passível de ser sindicada para efeitos de determinar se o acto em questão apreciou ou não a legalidade dos actos de primeiro grau que conformam o seu objecto, o que impossibilitaria, à partida, a escolha do meio processual a utilizar pelo sujeito passivo para prosseguir com a respectiva impugnação.

24. Nestes casos, o conteúdo a atribuir ao indeferimento tácito afere-se pelo pedido, ficcionando-se que ao incumprir com o prazo de decisão a AT indefere a pretensão do sujeito passivo. O mesmo é dizer que ao ser invocado um erro imputável aos serviços, ficciona-se através do indeferimento tácito que a AT não considera verificado tal erro, confirmando e mantendo na ordem jurídica os actos de retenção contestados.

25. A idêntica conclusão chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 30 de Abril de 2020, no processo n.º 540/2020-T, ao evidenciar o seguinte:

No caso em apreço, a Requerente não apresentou uma reclamação graciosa, mas sim um pedido de revisão oficiosa, que não foi apreciado no prazo previsto no artigo 57.º, n.º 5, da LGT, pelo que se formou indeferimento tácito.

Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de acto de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objecto um acto de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.

No caso de impugnação administrativa directa de um acto de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do acto de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito de meio de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo acto de liquidação se baseia em razões substantivas e não por razões formais.”.

26. Portanto, ao estar em causa no presente caso um indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa que versou sobre a contrariedade ao Direito Europeu de actos de retenção na fonte de IRC, ficciona-se que o conteúdo do acto de indeferimento apreciou e negou a existência de erro de direito naqueles actos, de tal modo que o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial previsto na alínea d), do n.º 1, do artigo 97.º do CPPT e, nessa medida, o pedido de pronúncia arbitral previsto no RJAT que lhe é alternativo.

27. Quanto à tempestividade do pedido de revisão, não é controvertido que o mesmo foi apresentado dentro do prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT. Assim, a aplicação desta norma depende apenas da existência do erro de direito invocado pelo Requerente, o que cumpre aferir no âmbito da apreciação do mérito da causa. “[1]

Acompanhando-se este entendimento, entende-se que exceção em causa não procede com base na circunstância do pedido de anulação das retenções na fonte não ter sido precedido, em prazo, de reclamação graciosa necessária.

Quanto à argumentação avançada em segunda linha pela Requerida, que parte do pressuposto de que não se verifica a existência de qualquer erro de direito imputável à AT que justificasse a revisão da liquidação, a decisão da exceção em causa depende da existência do erro de direito invocado pelo Requerente, em linha com o sustentado na decisão arbitral que se acaba de citar.

Efetivamente, como consta do acórdão TJUE de 4 de dezembro de 2018, no processo C‑378/17:

“38      Como diversas vezes afirmou o Tribunal de Justiça, a referida obrigação de não aplicar uma legislação nacional contrária ao direito da União incumbe não só aos órgãos jurisdicionais nacionais mas também a todos os órgãos do Estado, incluindo as autoridades administrativas, encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, o direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, n.o 31; de 9 de setembro de 2003, CIF, C‑198/01, EU:C:2003:430, n.o 49; de 12 de janeiro de 2010, Petersen, C‑341/08, EU:C:2010:4, n.o 80; e de 14 de setembro de 2017, The Trustees of the BT Pension Scheme, C‑628/15, EU:C:2017:687, n.o 54).”

39      Daqui resulta que o princípio do primado do direito da União impõe não só aos órgãos jurisdicionais mas a todas as instâncias do Estado‑Membro que confiram plena eficácia às normas da União.”

Na decisão do processo The Trustees of the BT Pension Scheme, C‑628/15, pode também ler‑se que:

 “há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tanto as autoridades administrativas como os órgãos jurisdicionais nacionais encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, as disposições do direito da União têm a obrigação de garantir a plena eficácia dessas disposições e de não aplicar, se necessário pela sua própria autoridade, qualquer disposição nacional contrária, sem pedir nem aguardar pela eliminação prévia dessa disposição nacional por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (v., neste sentido, relativamente às autoridades administrativas, acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, n.o 31, e de 29 de abril de 1999, Ciola, C‑224/97, EU:C:1999:212, n.os 26 e 30, e, relativamente aos órgãos jurisdicionais, acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, n.o 24, e de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C‑614/14, EU:C:2016:514, n.o 34).”[2]

É certo que que na data da retenção na fonte ainda não havia, evidentemente, ocorrido qualquer ato da administração quanto à situação tributária em causa. A esta luz, é sustentável que na retenção na fonte haverá erro da entidade que procede à retenção mas que tal erro não é imputável à Requerida.

Acontece que a própria lei admite a ocorrência de erro imputável aos serviços em situação em que os serviços não se pronunciaram expressamente, como acontece na situação prevista no n.º 2 do artigo 43.º da LGT, nos casos em que o contribuinte seguiu no preenchimento de declaração fiscal as orientações genéricas da administração tributárias devidamente publicadas. Esta situação não deixa de ter alguma similitude substantiva com a situação dos autos, em que o substituto tributário seguiu na sua declaração a própria lei.

Por outro lado, os artigos 99.º e 103.º do CIRC, interpretados à luz dos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade que a administração tributária não pode deixar de observar na sua atuação, impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação em montante superior ao que seria devido face à lei aplicável, sendo certo que as entidades obrigadas a efetuar retenções na fonte estão obrigadas a entregar à Requerida uma declaração de modelo oficial, referente aos rendimentos pagos ou colocados à disposição e respetivas retenções na fonte, em cumprimento dos artigos 128.º do CIRC e 119.º do CIRC e da Portaria n.º 372/2013 de 27/12 (atualmente Portaria n.º 98/2021 de 5 de maio).A Requerida, ao receber tal declaração e omitir qualquer correção à mesma, adere tacitamente à retenção[3], tanto mais que a mesma é efetuada no cumprimento de dever de colaboração de entidades privadas em funções de gestão fiscal, cujo controlo cabe à Administração tributária.[4]

 

Sobre esta questão formularam-se, na decisão arbitral do proc. 200/2023-T, as considerações que se seguem e que também se acompanham:

“A questão de saber se se deve considerar que uma ilegalidade cometida pelo substituto (a entidade que tem o dever legal de proceder à retenção na fonte) configura um “erro imputável aos serviços” não teve ainda resposta uniformizadora por parte do STA.

A questão tem origem na revogação, operada em 2016, do nº 2 do art. 78º da LGT, segundo o qual se considerava, para efeitos de revisão oficiosa, imputável aos serviços o erro na autoliquidação. Sendo o substituto sujeito passivo da obrigação de liquidar (autoliquidar, em sentido técnico) e pagar o imposto retido na fonte, nenhuma dúvida se suscitava quanto à aplicação a tais liquidações, nomeadamente em termos de prazo, do disposto para os casos de “erro imputável aos serviços”.

Com a revogação desta norma surgiram dois entendimentos diferentes: o sufragado pela AT segundo o qual a palavra serviços significa – dito em termos intencionalmente simplistas - “ela própria”. Do que decorre a conclusão de que, por não ter tido intervenção nas retenções na fonte (no apuramento do montante de imposto assim cobrado), nenhum erro lhe pode ser assacado.

Entendimento diferente é o de que o substituto exerce funções de administração fiscal pois liquida e cobra impostos por imposição legal, ou seja é, materialmente, um “serviço” da administração fiscal; no mesmo sentido, mais relevante nos parece ser o argumento de que nada justifica diferentes graus de garantia para o contribuinte (aquele que suporta o encargo económico do imposto) consoante esteja em causa uma liquidação com origem na AT ou num substituto. Em ambos os casos, diferentemente do que acontece com a autoliquidação stricto sensu, o contribuinte não tem qualquer intervenção direta na liquidação, ou seja, em ambos os casos os erros cometidos não lhe podem ser imputados.

O segundo entendimento é, a nosso ver, o preferível: está em causa uma garantia do contribuinte, matéria que, no particular domínio do direito fiscal, está sujeita a um princípio de estrita legalidade, de reserva de lei formal (art. 103º, nº 2, da CRP). Só a AR ou o Governo devidamente autorizado podem reduzir o âmbito das garantias dos contribuintes.

De onde decorre, no nosso entender, a duvidosa constitucionalidade de interpretações de normas de direito fiscal relativas a garantias dos particulares que, na dúvida, perfilhem o entendimento que, na prática, resulte menos garantístico.

 

Esta convicção surge reforçada pelo recente acórdão do STA no proc. 087/22.5, de 9 de novembro de 2022.(…)”

 

Face ao exposto, a decisão sobre a questão da alegada incompetência com base na argumentação em segunda linha acima referida não pode deixar de ser decidida na sequência da apreciação do vício de violação do Direito da União Europeia alegado pela Requente, motivo pelo qual a questão será decidida no âmbito da apreciação do referido vício, atinente ao mérito da causa.

 

9. Exceção de ilegitimidade

 

O artigo 132.º do Código de Procedimento e Processo Tributário tem a seguinte redação:

“1 - A retenção na fonte é susceptível de impugnação por parte do substituto em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido.

2 - O imposto entregue a mais será descontado nas entregas seguintes da mesma natureza a efectuar no ano do pagamento indevido.

3 - Caso não seja possível a correcção referida no número anterior, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo nele referido.

4 - O disposto no número anterior aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efectuada, salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.

5 - (Revogado pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro)

6 - À impugnação em caso de retenção na fonte aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo anterior.”

 

Por sua vez, é o seguinte o teor do artigo 20.º da Lei Geral Tributária:

“1 - A substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte.

2 - A substituição tributária é efetivada, designadamente, através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido.“

 

Por outro lado, estabelece o art. 94.º, n.º 3, do CIRC:

“3 — As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, excepto nos seguintes casos em que têm carácter definitivo:

(…)

b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis.

(…)”

Decorre claramente do n.º 4 do art. 132.º do CPPT, em conjugação com o art. 94.º, n.º 3, al. b) do CIRC, que o substituído tem legitimidade para impugnar o ato tributário de retenção na fonte. O que bem se compreende, dado que o mesmo é o contribuinte, visto sofrer na sua esfera jurídica a ablação correspondente à imposição tributária.

Por outro lado, relativamente à alegada ilegitimidade substantiva, pode ler-se na decisão arbitral proferida no processo 1049/2023-T:

“Como é entendimento corrente, a chamada a legitimidade substancial ou substantiva tem a ver com a efetividade da relação material, interessando já ao mérito da causa e, nesse sentido, constitui um requisito da procedência do pedido (cfr. acórdão da Relação do Porto de 4 de outubro de 2021, Processo n.º 10910/20).

 

Não é possível considerar verificada liminarmente a inviabilidade da pretensão deduzida em juízo com base em meras alegações da parte contra quem vem deduzido o pedido, quando essa é a questão de fundo que carece de ser analisada em função do direito aplicável face aos factos que venham a ser dados como provados ou não provados.

 

Nem a alegação aduzida pela Requerida poderá caracterizar uma exceção perentória. As exceções perentórias consistem na invocação de factos que, em face da lei substantiva, possam integrar uma causa impeditiva, extintiva ou modificativa do direito invocado pelo autor na ação e que assim determinem a improcedência total ou parcial do pedido. São impeditivos os factos que excluem ou impedem a eficácia do direito alegado (incapacidade, falta ou vícios de vontade), modificativos os que alteram a relação jurídica modificando a natureza da prestação ou as condições da sua exigibilidade (alteração das circunstâncias em que foi celebrado um contrato), extintivos os que fazem cessar o direito tornando inviável o respetivo exercício (caducidade, prescrição, cumprimento da obrigação).

 

Assim sendo, o que vem alegado quanto à legitimidade substantiva não integra a defesa por exceção e apenas poderá relevar em sede de apreciação do mérito.”

 

Efetivamente, para aferição da legitimidade, releva apenas a relação controvertida tal como é configurada pelo Requerente (art. 30.º, n.º 3, “in fine” CPC) ou, em termos substancialmente equivalentes, na expressão do CPTA, “o autor é parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida” (art. 9.º, n.º 1, do CPTA).

Como explicam Mário Aroso de Almeida-Carlos Alberto Fernandes Cadilha:

“Através da mesma fórmula verbal ­– e à semelhança do que já sucedera com a nova redacção dada ao nº 3 do artigo 26º do CPC (resultante da reforma de 1996) – o artigo 9º, nº 1, toma posição explícita sobre a velha querela relativa ao critério de determinação da legitimidade, dando agora como assente que a legitimação processual é aferida pela relação controvertida tal como é apresentada pelo autor.”[5] (COMENTÁRIO DA CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS, Almedina, 2ª edição revista – 2007).[6]

Questão distinta será a da prova das retenções na fonte, o que relevará em sede de apreciação do mérito da causa.

Termos em que, improcede a exceção de ilegitimidade suscitada pela Requerida.

 

10. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

11. Cumpre solucionar as seguintes questões:

1) Ilegalidade dos atos de retenção na fonte objeto do processo.

2) Direito do Requerente à restituição dos montantes objeto de retenção na fonte.

3) Direito do Requerente a juros indemnizatórios.

 

III – A matéria de facto relevante

 

12. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

12.1 O Requerente era, de acordo com o quadro regulatório e fiscal espanhol, uma entidade jurídica residente em Espanha nos anos de 2020 e 2021, à luz da Convenção fiscal para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, vigente entre Espanha e Portugal (Cfr. documento junto pelo Requerente como documento n.º 1).

12.2. O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país ( cfr. documento junto pelo Requerente como documento n.º 1 e afirmações das partes no mesmo sentido: art. 2.º da petição inicial e art. 48.º da Resposta da Requerida) .

12.3. Nos anos de 2020 e 2021, o Requerente era detentor de participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal:

 

E...

F... SGPS S.A.

G... SGPS SA

H... S.A.

 

 

12.4. Nos referidos anos, o Requerente, na qualidade de acionista destas sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos (cfr. documentos juntos com a petição inicial como documentos números 2 e 3).

12.5. Os dividendos recebidos no decorrer dos anos de anos de 2020 e 2021, foram, em parte, sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC (“CIRC”) e, em parte, sujeitos à taxa reduzida prevista no Acordo para Evitar a Dupla Tributação (“ADT”) celebrado entre Portugal e Espanha (cfr. documentos juntos com a petição inicial como documentos números 2 e 3).

12.6. Nos casos em que a taxa reduzida não foi aplicada “upfront” o Requerente efetuou pedidos de reembolso do imposto retido na fonte em excesso face à taxa prevista no ADT celebrado entre Portugal e Espanha (correspondente a 10%, pois a taxa prevista no ADT para os dividendos é de 15%), através da entrega do formulário Modelo 21 RFI (cfr. documentos juntos com a petição inicial como documentos números 2 e 3).

12.7. Assim, nos anos em causa, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte no montante total a seguir discriminado:

 

Ano da Retenção

Valor Bruto do Dividendo

Data de Pagamento

Taxa de Retenção na Fonte

Guia de pagamento

Valor da retenção (€)

Redução/

reembolso ao abrigo do ADT (10%)

Valor do imposto após pedido de reembolso ao abrigo do ADT

2020

76 808,13

15.06.2020

25%

...

19 202,03

7 980,81

11 521,22

2020

1 396 082,08

03.07.2020

25%

...

349 020,52

139 608,21

209 412,31

2020

1 768 109,03

14.05.2020

25%

...

442 027,26

176 810,90

265 216,35

2021

414 864,38

11.05.2021

25%

...

103 716,10

41 486,44

62 229,66

2021

859 652,75

16.09.2021

25%

...

214 913,19

85 965,28

128 947,91

2021

1 190 709,58

06.05.2021

25%

...

297 677,40

119 070,96

178 606,44

2021

1 581 025,15

26.04.2021

25%

...

395 256,89

158 102,52

237 153,77

TOTAL

1 093 087,67

 

(cfr. documentos juntos com a petição inicial como documentos números 2 e 3).

 

12.8. No dia 22.05.2023, o Requerente apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2020 e 2021, no qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal (cfr. cópia que se junta como documento n.º 4).

 

12.9. o Requerente não foi notificado de qualquer decisão no procedimento de revisão oficiosa referido no ponto que antecede.

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados

 

13. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto considerada provada alicerçou-se quer nos documentos constantes do processo acima indicados relativamente a cada ponto do probatório, quer na posição da Requerida sobre os factos alegados pelo Requerente.

A Requerida apenas discordou do quadro factual invocado pelo Requerente no que respeita à retenção na fonte referente ao período de Setembro de 2021, alegando que “A guia de pagamento n.º... discriminada no §.9.º do PPA, existe mas, no sistema informático da AT, o requerente não consta como beneficiário efetivo de rendimentos relativos a dividendos no montante de 859.652,75, nem que tenha sido feita a correspondente retenção na fonte a título definitivo à taxa de 15%. Pelo que, nesta parte, NÃO SE PODE VALIDAR A ALEGADA RETENÇÃO DE IRC NO MONTANTE DE €128.947,91 REFERENCIADA NO PEDIDO”.

No entanto, resulta do documento n.º 3, junto com a petição inicial que o  C... S.A. declara que o beneficiário do rendimento foi o Requerente tendo o imposto retido na fonte sido entregue nos cofres da Requerida através da guia de pagamento em causa. Tal resulta ainda do documento emitido pela D..., entidade responsável pela custódia dos títulos (cfr. documento n.º 2 junto à p.i.). Estes documentos não foram impugnados pela Requerida. Assim, com base nos mesmos, o tribunal considera provada a retenção em causa.

 

IV – O Direito aplicável

 

14. A questão jurídica que importa solucionar, no que respeita à legalidade dos atos tributários em apreciação, é a de saber se Portugal ao sujeitar a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia, simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal, viola o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia.

 

15. Em 17 de Março de 2022 foi proferido acórdão pelo Tribunal de Justiça no referido processo n.º C-545/19[7] tendo por objeto a questão jurídica em causa, onde se pode ler, além do mais, o seguinte:

 “(…)

 36      Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 49 e jurisprudência referida).

37      No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38      Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39      Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).

40      Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41      Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].

42      O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].

 (…)

49      Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).

(..)

 

53      A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54      Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402).

55      Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56      Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57      Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

60      Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).

72      Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).

73      Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

74      Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.”

(…)

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

Como se entendeu no acórdão arbitral proferido no processo 830/2023-T:

“(…) resulta do citado acórdão do TJUE que a legislação portuguesa relativa ao tratamento fiscal em sede de IRC dos dividendos auferidos por OIC origina uma discriminação dos OIC não residentes face aos OIC residentes, já que apesar de estarem em causa situações objectivamente comparáveis, não era aplicável aos OIC residentes noutros Estados-Membros as regras de isenção de tributação em sede de IRC previstas para os OIC residentes. Discriminação esta que o TJUE entendeu não ser justificável por razões imperiosas de interesse geral, designadamente a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional ou a necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder tributário entre os Estados‑Membros. Em suma, concluiu o TJUE, em termos aplicáveis mutatis mutandis ao presente processo, que o regime português de tributação de dividendos auferidos por OIC não residentes viola o princípio da livre circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE.

37. Ora, as disposições dos tratados que regem a União Europeia são directa e obrigatoriamente aplicáveis na ordem jurídica interna, por força do princípio do primado previsto no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, prevalecendo sobre as normas do direito nacional, razão pela qual os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que se encontre em desconformidade com o direito europeu (cfr., entre outros, o acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 0188/15, em 1 de Julho de 2015). Raciocínio que vale igualmente para a jurisprudência proferida pelo TJUE relativa à interpretação ou validade de normas jurídicas perante o Direito Europeu.

38. Acresce que as citadas conclusões do TJUE foram já objecto de reafirmação pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão n.º 7/2024, de 26 de Fevereiro, que uniformizou jurisprudência no seguinte sentido:

“1 –Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;

2 – O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado -Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;

3 – A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto -Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.”.

 

Acompanhando-se esta jurisprudência[8], não pode deixar de se considerar que procede o vício de violação do direito da União Europeia o que implica, desde logo, conforme supra exposto, em linha com a jurisprudência supra citada, a existência de erro imputável aos serviços com a consequente competência material do Tribunal Arbitral, pelo que se julga improcedente a exceção de incompetência suscitada pela Requerida.

A procedência do vício de violação do direito da União Europeia tem ainda como consequência a anulação dos atos tributários objeto do processo.

 

16. Veio, ainda, o Requerente pedir a condenação da Requerida ao reembolso da quantia indevidamente arrecadada, bem como o pagamento de juros indemnizatórios que se mostrarem devidos, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de retenção na fonte objeto do processo, é procedente a pretensão do Requerente à restituição por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para restabelecer a situação que existiria se a ilegalidade em causa não tivesse sido praticada.

 

17. No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43.º da Lei Geral Tributária que tem o seguinte teor:

 

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. (Aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro)

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro). 

 

Como se decidiu no acórdão arbitral proferido no processo 777/2023-T, que se acompanha:

 

“Na sequência da anulação da retenção na fonte, o Requerente (…). No que concerne a direito a juros indemnizatórios, o TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:

 

 21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C- 11. 397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

 

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).

 

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).

 

No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. (…).

 

 O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito como quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços. O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido n processo n.º 402/06. Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT». Foi uniformizada jurisprudência neste sentido pelo acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 30-09-2020, proferido no processo n.º 040/19.6BALSB, publicado com o n.º 4/2023, no Diário da República, I Série, de 16-11-2023, em que se conclui: «só são devidos juros indemnizatórios decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa e até à data da emissão das respetivas notas de crédito a favor da Recorrida». Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no n.º 1 do artigo 78.º da LGT. Assim, no caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária»”[9]

 

Como resulta da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 22.05.2023, pelo que já decorreu o prazo de um ano referido na decisão arbitral que se acaba de citar.

 

Assim, é devido à Requerente o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT e 61.º do CPPT, calculados por referência às quantias que o Requerente suportou indevidamente, com termo inicial reportado à data de 22.05.2024, à taxa legal, conforme disposto no artigo 43.º, n.º 4 da LGT.

 

V – Decisão

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar improcedentes as exceções dilatórias invocadas pela Requerida.
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando-se a ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários de retenção na fonte objeto do processo
  3. Condenar a Requerida a restituir à Requerente o valor do imposto indevidamente pago no montante de 1.093.087,67 €, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa de juros legais, contados desde a data de 22.05.2024 à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

Valor da ação: 1.093.087,67 (um milhão, noventa e três mil, oitenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos) nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

Custas pela Requerida, no valor de 14.994,00 €, nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT.

Notifique-se as partes.

Nos termos e para efeitos do artigo 17.º, n.º 3 do RJAT, notifique-se, ainda, o Representante do Ministério Público junto do Tribunal competente para o julgamento da impugnação, para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua redação atual.

 

Lisboa, CAAD, 12 de agosto de 2024

 

 

Os Árbitros,

 

 

Carla Castelo Trindade (Presidente)

 

 

Marcolino Pisão Pedreiro (relator)

 

 

Rita Guerra Alves

 

 



[1] Destaques nossos.

[2] Nosso sublinhado.

[3] Em termos que nos parecem aplicáveis à retenção na fonte efetuada  a título definito, escreve o Professor Casalta Nabais a propósito da  autoliquidação:

 “(…) relativamente à (…) natureza da autoliquidação, (…) estamos em crer que se trata dum acto tributário (…) relativamente ao qual, por via de regra, se verifica uma homologação implícita pela administração tributária decorrente da aceitação do pagamento do imposto.”(DIREITO FISCAL, 3ª Ed., 2005, Almedina, pags. 326-327, itálico do autor).

[4] Neste sentido, entre outras, foram as decisões arbitrais proferidas nos processos 529/2019-T, 116/2022-T e 135/2022-T.

 

[5] O art. 26.º do CPC referido corresponde ao atual art. 30.º do CPC.

[6] No mesmo sentido,  cfr. AC. TCAN 00036/06.8BEVIS, de 13-12-2019:  "(...) a parte terá legitimidade como autor, se de acordo com a relação jurídica por ele delineada e atendendo ao direito substantivo aplicável valer a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão exista" e  AC. TCAS 07902/14, de 09-06-2016"(...) o princípio geral em matéria de legitimidade procedimental activa, é o da titularidade da respectiva relação material controvertida aferida essa titularidade de acordo com a alegação feita pelo contribuinte (...)"

 

[7] Este acórdão pode ser consultado em “https://curia.europa.eu/.”

[8] No mesmo sentido, entre outras, foram as decisões arbitrais proferidas nos processos 529/2019-T, 558/2020-T, 382/2021-T, 116/2022-T e 135/2022-T.

[9] Perfilhando também este entendimento cfr. o acórdão arbitral proferido no proc. 830/2023-T.