Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 887/2023-T
Data da decisão: 2024-09-05  Liquidação Outros 
Valor do pedido: € 483.831,21
Tema: CSR - Incompetência material do Tribunal Arbitral - Atos de repercussão de CSR; Ilegitimidade da Requerente.
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SUMÁRIO:

1. A competência dos tribunais arbitrais limita-se, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, à apreciação das pretensões de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. O presente Tribunal Arbitral não tem competência para se pronunciar sobre os atos de repercussão de facto, subsequentes a autónomos dos atos de liquidação de CSR.

2. A Requerente não é parte ilegítima para questionar os atos de liquidação da CSR praticados pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela sua Fornecedora de Combustíveis, porque só a entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR, tem legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações com fundamento em erro e consequente reembolso do montante correspondente, conforme o artigo 16.º do CIEC.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os Árbitros Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro, Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares e Dra. Sílvia Oliveira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 06-02-2024, decidem o seguinte:

 

1. Relatório

1.1. A..., S.A., Pessoa Coletiva n.º..., com sede em Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ...; B..., S.A., Pessoa Coletiva n.º ..., com sede em Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ..., C..., S.A., Pessoa Coletiva n.º ..., com sede em ...–..., ..., ...-... ..., D..., S.A., Pessoa Coletiva n.º..., com sede em Rua ..., n.º ...,  ..., ...-... ...; E..., S.A., Pessoa Coletiva n.º..., com sede em ...–..., ..., ...-... ..., F..., S.A., Pessoa Coletiva n.º..., com sede em ..., n.º..., ..., ..., ..., ...- ... ..., G..., S.A., Pessoa Coletiva n.º..., com sede em ...–..., ..., ...-... ..., H..., S.A., Pessoa Coletiva n.º..., com sede em ..., ..., ...-... ..., I..., S.A., Pessoa Coletiva n.º ..., com sede em ...–..., ..., ...-... ..., J..., S.A., titular do número de identificação fiscal ..., com sede em ..., ..., ...-... ... (adiante designadas por Requerentes), na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa, apresentado em 12-04-2023, junto da Alfândega do Freixieiro, relativo ás liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), no período compreendido entre 17 de Janeiro 2020 e 17 de Dezembro de 2020 e entre 19 de Janeiro de 2021 e 17 de Dezembro de 2021, apresentaram em 27-11-2023 pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 15.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.01 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)), artigo 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no sentido de peticionar que fosse anulada a decisão impugnada, serem anulados os actos tributários impugnados, ser a Requerida condenada no reembolso do imposto indevidamente pago, no montante de € 483.831,21, acrescido de juros indemnizatórios e ser ainda condenada no pagamento das custas do processo arbitral.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).

 

Em 05-12-2023 a Requerida apresentou um Requerimento dirigido ao Exmo. Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa com o seguinte teor:

(…) A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), notificada em 29/11/2023 do pedido de constituição de tribunal arbitral no processo supramencionado, apresentado por A..., SA NIPC ... e outras, vem informar, que analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário. Identificação que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária.  a) Tendo em conta, que:

A competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT e como se depreende das referências expressas que se fazem na alínea a), do nº 1, do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT;

b)  Conforme dispõe expressamente a alínea b), do nº 2, do artigo 10º do RJAT, do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;

c)  Sem a identificação, por parte dos interessados, do ato ou atos tributários, cuja ilegalidade é invocada, não pode o dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT.

Solicita-se que seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação, à Autoridade Tributária e Aduaneira, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.”

 

Tendo o Senhor Presidente do CAAD entendido que seria o Tribunal Arbitral a entidade competente para a pronúncia sobre o requerido pela AT, foi o requerimento integrado nos autos, constando do SGP do CAAD e que foi indeferido pelo Tribunal Arbitral por despacho de 08-02-2024. De mencionar que não cabe ao tribunal arbitral praticar quaisquer atos processuais ainda antes da sua constituição e as questões colocadas, mormente quanto à alegada não identificação dos actos tributários impugnados e a legitimidade processual apenas releva no âmbito do saneamento do processo.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite no dia 28-11-2023 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

Os Árbitros designados em 17-11-2023 pelo Conselho Deontológico do CAAD aceitaram as designações no prazo e termos legalmente previstos.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 17-01-2024.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 06-02-2024.

A AT apresentou Resposta, tendo-se defendido por impugnação e suscitado as seguintes exceções:

- Da incompetência do Tribunal em razão da matéria;

- Da ilegitimidade processual e substantiva das Requerentes;

- Ineptidão do pedido arbitral – Da falta de objeto;

- Da ilegalidade da coligação de Requerentes;

- Da ilegalidade da cumulação de pedidos;

- Da caducidade do direito de ação.

 

Por despacho de 23-02-2024 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e facultar às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, podendo as Requerentes pronunciar-se sobre as exceções invocadas pela Requerida na Resposta.

As Requerentes não apresentaram alegações nem se pronunciaram sobre a matéria de exceção.

A Requerida apresentou alegações escritas no dia 18-03-2024.

A 04-07-2024 as Requerentes apresentaram um requerimento de junção aos autos dos documentos cuja junção haviam protestado no pedido de pronúncia arbitral (ou seja, as declarações de repercussão emitidas pela empresa fornecedora de combustíveis a cada uma das Requerentes).

Por despacho arbitral datado de 13-07-2024 (notificado em 15-07-2024) foi a Requerida notificada para, querendo, se pronunciar no prazo de 5 dias sobre o teor dos referidos documentos.

A Requerida veio pronunciar-se em 23-08-2024 sobre a junção desses documentos nos seguintes termos:

1º A K... S.A. não é, nem nunca foi, sujeito passivo de ISP/CSR. Nas declarações juntas limita-se a declarar que nas vendas de combustível que fez a cada uma das Requerentes repercutiu a CSR que a própria alegadamente suportou aquando da respetiva aquisição.

2º Ora, as declarações genéricas em causa não têm a virtualidade de fazer prova de que a própria K..., S.A. tenha suportado, por repercussão, qualquer valor a título de CSR, e também nada provam quanto à alegada repercussão de CSR nas Requerentes.

3º Em suma, estas declarações da K... são dúbias e em nada comprovam nem esclarecem, procurando apenas justificar o interesse das Requerentes no presente pedido de reembolso da CSR alegadamente repercutida.

4º Nestes termos, entende a Requerida que nenhuma das declarações agora juntas apresentam relevância para a questão decidenda dos presentes autos.

 

2. Posição das partes

Segundo as Requerentes, “por não se conformar com o indeferimento (tácito) do Pedido de Revisão Oficiosa por si formulado junto da Alfândega do Freixieiro (…) e, por conseguinte, com a legalidade dos atos de liquidação de CSR que lhe estão subjacentes, e, bem assim, dos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos no período compreendido entre 17 .01.2020 e 17.12.2020, e entre 19.01.2021 e 19.12.2021, as ora Requerentes vêm suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade dos supra referidos atos, requerendo a anulação dos mesmos com as devidas consequências legais”, esclarecendo que “(…) constitui objeto imediato dos autos arbitrais a decisão de indeferimento do procedimento de Revisão Oficiosa do Acto Tributário, e constitui seu objecto mediato as liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) com base nas DIC submetidas pela fornecedora de combustíveis e, bem assim, dos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário àquelas adquiridos pelas Requerentes”.

Alegam as Requerentes a ilegalidade da CSR porquanto “(…) não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo 1.º, n.° 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”, “tendo como consequência que todos os atos tributários praticados ao seu abrigo, designadamente os atos tributários aqui controvertidos, resultam numa violação do Direito da União Europeia , porquanto subsiste uma antinomia entre as normas que instituíram a CSR e o regime gera l dos impostos especiais de consumo vertido na Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008”.

Assim, consideram as Requerentes que “os atos praticados ao abrigo das referidas normas internas padecem, assim, do vício de ilegalidade abstrata, pelo que a AT estava obrigada a desaplicar as referidas normas internas com fundamento na apontada desconformidade com o direito da União Europeia (…)”, considerando ainda que “(…) o erro (ilegalidade) ínsito nos atos tributários sub judice é imputável aos serviços, designadamente para efeitos do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, impunha -se à AT determinar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa que antecede, a anulação dos atos tributários sub judice e, pelos mesmos motivos, proceder ao reembolso das quantias indevidamente suportadas pela s Requerentes a título de CSR” mas “não o tendo feito, a AT manteve na ordem jurídica atos tributários que são ilegais, razão pela qual se impõe — agora, em sede de contencioso arbitral — ao presente tribunal proceder à anulação dos mesmos, anulando igualmente as decisões administrativas aqui impugnadas”, e determinando-se que “(…) as liquidações de CSR aqui controvertidas são manifestamente ilegais (…) devem as Requerentes ser integralmente ressarcida do respetivo valor de CSR indevidamente suportado. 132.º Para além do reembolso do imposto indevidamente liquidado, a s Requerentes solicitam que, sendo julgado procedente o presente pedido, lhe sejam pagos, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, ambos da LGT, os respetivos juros indemnizatórios por pagamento indevido da prestação tributária”.

 

A Requerida não concorda com a posição das Requerentes tendo, para além da matéria de exceção suscitada, se defendido por impugnação, referindo desde logo “(…) que, não logram as Requerentes fazer prova do que alegam, designadamente que pagaram e suportaram integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão”, sendo que “(…) o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque”.

Por outro lado, defende que “ainda que existisse repercussão legal no âmbito dos IEC, que não é o caso, sempre teriam as Requerentes que identificar o(s) ato(s) de liquidação de ISP/CSR referente(s) ao combustível (quantidade global/total) introduzido no consumo (através de uma determinada DIC), ao qual seria de imputar a parte de combustível sucessivamente comercializada e vendida às Requerentes, o que só pode ser feito pelo sujeito passivo, que não a K... [recorde-se que esta não é titular de qualquer estatuto fiscal no âmbito dos IEC não podendo, enquanto tal, ter sido a responsável nem pela declaração dos produtos sujeitos a imposto no consumo nem pelo correspondente pagamento da CSR], que, ao que, ao processar a DIC ou Documento Administrativo Único (DUC)/Declaração Aduaneira de Importação (DAU /DAI), procedeu à introdução no consumo”.

Alega ainda a Requerida que “admitindo (…) que o valor pago pelo combustível adquirido engloba as imposições pagas, os montantes referenciados no requerimento, que as Requerentes entendem que pagaram em sede de CSR são incorretos, uma vez que se limitou a aplicar à quantidade de litros fornecidos e constantes das faturas dos seus fornecedores, a taxa de CSR que se encontrava em vigor às datas das mesmas”.

Assim, entende a Requerida que “não existindo qualquer decisão judicial nacional transitada em julgado que declare a CSR ilegal, (…) não estando o ordenamento jurídico português em contradição ou antinomia com o Direito da União Europeia, (…) inexistindo uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida, porquanto inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare, (…) e agindo a Requerida em conformidade com a legislação nacional e europeia em vigor, (…) não se verificando no caso em apreço qualquer tipo de erro imputável aos serviços”.

 

3. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º da n.º 112- A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação).

O processo não enferma de nulidades.

Tendo em consideração a matéria de exceção suscitada pela Requerida importa apreciar, preliminarmente, estas matérias, começando pela da incompetência do Tribunal, que é de conhecimento prioritário [artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT]. Neste âmbito, vide análise das mesmas no ponto 5. desta decisão.

 

4. Matéria de facto

4.1. Factos provados

O Tribunal Arbitral considera provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. As Requerentes são sociedades comerciais com sede em Portugal (cfr. certidões de registo permanente juntas com o PA).
  2. As Requerentes não são sujeitos passivos de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e CSR;
  3. As Requerentes, no período compreendido 17-01-2020 e 17-12-2020, adquiriram à fornecedora de combustíveis que identificam (K... S.A.) gasolina e gasóleo rodoviário, as seguintes quantidades de combustíveis (conforme listagens anexas ao PPA):

- A A... adquiriu à fornecedora de combustível 1.165.333,52 litros de gasóleo rodoviário e 87.992,75 litros de gasolina;

- A B... adquiriu à fornecedora de combustível 210.858,45 litros de gasóleo rodoviário e 27.928,16 litros de gasolina;

- A C... adquiriu à fornecedora de combustível 132.739,55 litros de gasóleo rodoviário e 23.920,99 litros de gasolina;

- A D... adquiriu à fornecedora de combustível 228.639,46 litros de gasóleo rodoviário e 13.383,56 litros de gasolina;

- A E... adquiriu à fornecedora de combustível 63.855,72 litros de gasóleo rodoviário e 1.933,40 litros de gasolina;

- A F... adquiriu à fornecedora de combustível 59.002,54 litros de gasóleo rodoviário e 8.751,23 litros de gasolina;

- A G... adquiriu à fornecedora de combustível 45.557,95 litros de gasóleo rodoviário e 3.557,59 litros de gasolina;

- A H... adquiriu à fornecedora de combustível 25.232,56 litros de gasóleo rodoviário e 1.149,62 litros de gasolina;

- A I... adquiriu à fornecedora de combustível 18.039,58 litros de gasóleo rodoviário e 135,54 litros de gasolina;

- A J...  SGPS adquiriu à fornecedora de combustível 24.306,94 litros de gasóleo rodoviário e 7.145,32 litros de gasolina.

d)    As Requerentes afirmam que, no período compreendido 19-01-2021 e 17-12-2021, adquiriram à aludida fornecedora de combustíveis as seguintes quantidades de combustíveis (conforme listagens anexas ao PPA):

- A A... adquiriu à fornecedora de combustível 1.188.417,02 litros de gasóleo rodoviário e 160.269,76 litros de gasolina;

- A B... adquiriu à fornecedora de combustível 200.309,75 litros de gasóleo rodoviário e 39.494,08 litros de gasolina;

- A C... adquiriu à fornecedora de combustível 136.664,22 litros de gasóleo rodoviário e 39.437,64 litros de gasolina;

- A D... adquiriu à fornecedora de combustível 286.273,56 litros de gasóleo rodoviário e 6.618,05 litros de gasolina;

- A E... adquiriu à fornecedora de combustível 36.371,91 litros de gasóleo rodoviário e 1.131,17 litros de gasolina;

- A F... adquiriu à fornecedora de combustível 55.588,98 litros de gasóleo rodoviário e 15.850,14 litros de gasolina;

- A G... adquiriu à fornecedora de combustível 31.770,09 litros de gasóleo rodoviário e 2.725,13 litros de gasolina;

- A H... adquiriu à fornecedora de combustível 22.313,63 litros de gasóleo rodoviário e 6.576,84 litros de gasolina;

- A I... adquiriu à fornecedora de combustível 36.213,72 litros de gasóleo rodoviário e 8.011,96 litros de gasolina;

- A J... SGPS adquiriu à fornecedora de combustível 22.325,10 litros de gasóleo rodoviário e 14.812,64 litros de gasolina.

  1. Em consequência das aquisições acima identificadas, as Requerentes alegam ter suportado € 483.831,21 a título de CSR repercutida pela fornecedora de combustíveis  K... S.A.;
  2. As Requerentes apresentaram dois pedidos de revisão oficiosa junto da Alfândega do Freixiero, enviados no dia 27-04-2027, (rececionados em 28-04-2023) (cfr. doc. 1 junto com o PPA e PA).
  3. Sobre os pedidos de revisão oficiosa não recaiu, até ao momento, qualquer decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

4.2. Factos não provados

O Tribunal Arbitral considera como não provados os seguintes factos:

  1. A fornecedora de combustíveis das Requerentes (K..., S.A.) seja sujeito passivo de ISP/CSR e que tenha entregue ao Estado, quaisquer valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e de CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC por aquelas submetidas.
  2. A mencionada fornecedora de combustíveis repercutiu nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, nem que a Requerente tenha suportado integralmente este imposto.
  3. Com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou a título de CSR, a quantia global de € 483.831,21.

 

4.3. Motivação da matéria de facto

O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, a) e), do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição inicial e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a Resposta.

Assim, e tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, o como prevê o artigo 110.º do CPPT, a prova documental produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

5. Matéria de direito

5.1. Das exceções

A Requerida na Resposta invoca várias exceções e, a proceder alguma, obstará ao conhecimento do pedido e que, por isso, são de decisão prévia.

Considerando o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT há que iniciar por determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, sendo que o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria. Porém, e dada a sua importância para determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, analisamos a começar, a questão da natureza jurídica da CSR.

 

- Da natureza jurídica da CSR

A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e entrou em vigor em 01-01-2008. Teve alterações introduzidas pelas Lei n.ºs 67-A/2007, de 31 de dezembro, 64-A/2008, de 31 de dezembro, 64-B/2011, de 30 de dezembro, 66-B/2012, de 31 de dezembro, 83-C/2013, de 31 de dezembro, 82-B/2014, de 31 de dezembro, 7-A/2016, de 30 de março, sendo substituída pela “Consignação de serviço rodoviário”, pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro.

Considerando o disposto no artigo 1.º e no artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, a CSR visava financiar a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., constituindo a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.

Como determina o artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, em vigor à data dos factos, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), estando estes identificados no artigo 4.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).

O Código dos Impostos Especiais de Consumo, na redação aplicável ao caso em concreto, define como sujeito passivo:

“Artigo 4.º - Incidência subjetiva

1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:

a) O depositário autorizado e o destinatário registado;

(...).

Na tributação dos produtos petrolíferos e energéticos era aplicada uma taxa de ISP, a que acrescia o montante legalmente estabelecido a título de Fator de Adicionamento de CO2 e de CSR.

O artigo 7.º da Lei 55/2007 determina que “As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário.”.

Nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do CIEC o facto gerador do ISP consiste: “A produção em território nacional dos produtos a que se refere o artigo 5.º”; “A entrada em território nacional, quando provenientes de outro Estado -Membro, dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”; e a “A importação dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”.

Os IEC, como o ISP, são exigíveis, conforme decorre do artigo 8.º do CIEC no momento da introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto ou da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o referido Código.

São considerados como introdução no consumo os factos que se enquadrem no descrito no n.º 1 do artigo 9.º, designadamente a saída dos produtos do regime de suspensão, a detenção e armazenagem fora do regime de suspensão sem pagamento do imposto, a produção fora do regime de suspensão, a importação, a entrada dos produtos no território nacional, ainda que em situação irregular, a cessação ou violação dos pressupostos de um benefício fiscal.

A introdução no consumo é formalizada através da Declaração de Introdução no Consumo (DIC), processada por transmissão eletrónica de dados (e-DIC), conforme o artigo 10.º do CIEC.

De acordo artigo 10.º-A do CIEC, com as introduções no consumo efetuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos CIEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática.

Nos termos dos artigos 11.º, e 12.º do CIEC os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto, até ao dia 15 do mês da globalização, devendo aquele ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação.

Como é afirmado no preâmbulo, a CSR é atribuída pelo legislador a finalidade de financiar a Empresa Infraestruturas de Portugal I.P.

Uma vez descrito o regime jurídico da CSR, importa analisar se é um imposto, uma taxa ou uma contribuição especial.

Por concordamos com o que se afirma no Acórdão do STA, 2.ª Sec. de 04-07-2018, proferido no Processo n.º 01102/17, transcrevemos:

“(...) Dando por adquiridas as inúmeras reflexões doutrinárias e jurisprudenciais produzidas sobre a matéria atinente à distinção entre imposto e taxa [ou seja, que ambos constituem receitas públicas coactivamente impostas, mas enquanto o imposto «... é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos» (Cfr. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, Coimbra, 1977, p. 262.) a taxa tem «carácter sinalagmático, não unilateral, o qual por seu turno deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares» (Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Vol. I, Lisboa, 1981, p. 42.) pressupondo, pois, uma contraprestação por parte do ente público que a exige, a verificar-se na respectiva génese, e que deve concretizar-se naquela prestação de serviço público, naquele acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção do obstáculo jurídico à actividade do particular] (Cfr. Casalta Nabais, Contratos Fiscais, Coimbra 1994, 236.) ressalta na definição legal e doutrinal da taxa a individualização de um aspecto estrutural da mesma (a supra apontada sinalagmaticidade ou bilateralidade) e, em consequência, os respectivos pressupostos da sua cobrança.”

Mencionamos também, o decidido no Acórdão do TC n.º 232/2022 de 31-03-2022, Proc. 105/22, relator J. E. Figueiredo Dias:

“Esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos (...)”

De mencionar ainda a posição do Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, que afirma:

“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.

Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.”

 

Conclui este Tribunal Arbitral que a Contribuição de Serviço Rodoviário é um imposto indireto, um imposto monofásico, em que não estão legalmente previstos quaisquer atos de repercussão. O facto tributário ocorre apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez, com a apresentação da e-DIC, nos termos do CIEC.

 

 - Da incompetência do Tribunal Arbitral

No caso, a AT suscita a questão da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria por considerar, defendendo que a CSR é uma contribuição e não um imposto, pelo que as matérias sobre a CSR estão, assim, excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.

Adicionalmente, refere a Requerida que “Mais se dirá que sempre existiria a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, por outra via. Efetivamente, resulta do teor do pedido de pronúncia arbitral, e sua fundamentação, que o que as Requerentes suscitam junto desta instância arbitral é a legalidade do regime da CSR, no seu todo. De facto, ao sustentarem o seu pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, não obstante com fundamento na sua desconformidade face ao direito europeu, as Requerentes vêm questionar todo o regime jurídico desta contribuição. Pelo que, pretendendo as Requerentes, em rigor, a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa, visam, com a presente ação, suspender a eficácia de atos legislativos. Sucede que, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação. E este contencioso não consente nem o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação (o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão) – vide artigo 2.º do RJAT. Não sendo da competência do tribunal arbitral nem a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, nem a execução de sentenças/decisões. Afigurando-se inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos aqui formulados pelas Requerentes, quando a letra e o espírito da norma não o permitem. Ainda que se considerasse a competência do tribunal arbitral para a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação de ISP/CSR (que as Requerentes não conseguem identificar), nunca poderia o tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, e que para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto, como, à frente, se desenvolverá.

Pelo que o pedido arbitral das Requerentes extravasa e excede a competência do douto tribunal arbitral em razão da matéria”.

 

Vejamos

 

A competência dos Tribunais Arbitrais a constituir no âmbito do CAAD está estabelecida no artigo 2.º do RJAT, Portaria n.º 112-A/2011, e abrange nos temos do n.º 1 a) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”, porém o n.º 2 circunscreveu – ao menos literalmente – tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”.

A Portaria de Vinculação limita deste modo a competência dos Tribunais Arbitrais usando o termo impostos e não tributos.

Como acima concluído, sendo a CSR um imposto não procede a exceção alegada da Requerida que parte do pressuposto que a contribuição de serviço rodoviário deve ser qualificada como contribuição especial, e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.

Porém, para se concluir pela competência material deste Tribunal Arbitral temos ainda de analisar os concretos pedidos da Requerente e verificar a sua inclusão ou não nas normas de competência previstas no RJAT e da Portaria de Vinculação.

Entendemos, e com respaldo na doutrina e jurisprudência relevante, que os atos de repercussão não são atos tributários em sentido lato, porque neles não é realizada qualquer atividade de apuramento da matéria tributável, quer pela Administração Tributária e Aduaneira quer por um particular.

Também não são atos tributários de liquidação stricto sensu, pois não consistem na determinação da obrigação tributária, não a tornam certa e exigível através da aplicação da taxa à matéria coletável previamente determinada.

Concordamos com a afirmação de SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, pág. 399, ao afirmar que os atos de repercussão consistem “(...) na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”.

Assim, entende-se que os atos de repercussão não se podem subsumir nas previsões do artigo 2.º do RJAT, o que dita a incompetência dos Tribunais Arbitrais.

Este é o entendimento que vem sendo seguido por parte da jurisprudência arbitral, que se pronunciou sobre esta questão.

Porque concordamos, citamos com a devida vénia a decisão arbitral proferida em 01-02-2024, no processo n.º 296/2023-T:

“Como os Colectivos que decidiram os processos n.ºs 408/2023-T e 375/2023-T, o presente Tribunal arbitral entende que não tem competências para apreciar directamente – e sem mais – actos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais actos ocorrem a jusante dos actos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa – na sindicância dos actos de liquidação.

(...)

Sendo isso assim em tese geral, face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT: “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”.

 

Pelo exposto, declara-se o presente Tribunal Arbitral incompetente para conhecer o pedido de apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pelas Requerentes à sociedade K..., SA, no período de 17/01/2020 a 17/12/2020 e de 19/01/2021 a 17/12/2021, impondo-se a absolvição parcial da Requerida da instância quanto a este concreto pedido, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) todos do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

- Da ilegitimidade das Requerentes

Nos presentes autos as Requerentes invocando a qualidade de repercutidas legais pedem a declaração de ilegalidade:

- dos atos de repercussão da Contribuição de Serviço Rodoviário consubstanciados nas faturas referentes aos combustíveis adquiridos à sua fornecedora nos períodos de 17-01-2020 e 17-12-2020 e 19-01-2021 e 17-12-2021, e

- das anteriores liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que:

“Ora, desde logo é importante salientar que, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago.

O Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei nº 73/2010, de 21 de junho, prevê normativos legais que se fundamentam no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para introdução no consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.

Diferentes são os impostos plurifásicos, como é o caso do IVA, que incidem em todas as fases do circuito económico, através do crédito do imposto a jusante e do débito a montante.

À opção do legislador não terá, certamente, sido alheio o facto de a liquidação do ISP, e concomitantemente, da CSR, que tem por base as declarações de introdução no consumo apresentadas pelos sujeitos passivos, abranger posteriormente vendas efetuadas a um vasto conjunto de entidades que são totalmente alheias à relação jurídica tributária (adquirentes dos produtos).

Inexistindo, assim, qualquer dúvida, que, no que concerne aos impostos especiais sobre o consumo, o regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação.

O que decorre, expressamente, do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR, ao estabelecer que, quanto às matérias de “liquidação, cobrança e pagamento” da CSR, se aplica o CIEC, disciplina regulada no Capítulo II, da Parte Geral, relativo, precisamente, à liquidação, cobrança e pagamento, no qual se inserem as disposições relativas ao reembolso.

Sendo que, tal como ocorre no âmbito dos IEC, e em outros tipos de impostos, as disposições especiais previstas nos respetivos códigos prevalecem sobre as normas gerais previstas na LGT e no CPPT.

E nos termos do artigo 15.º do CIEC apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago, os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º do CIEC que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.

Dispondo, também o n.º 1, do artigo 78.º, da LGT, que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária.

O que corrobora o estabelecido no CIEC quanto ao titular do direito de revisão do ato tributário, já que, como decorre do n.º 2 do artigo 15.º, conjugado com o artigo 16.º, daquele código, só podem solicitar a revisão oficiosa os sujeitos passivos e a administração tributária.

Como tal, no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto.

Estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia de comercialização de combustíveis (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais).

Ora, no caso concreto, não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica do repercutido económico ou de facto, não podendo a entidade em que alegadamente teria sido repercutido o imposto apresentar pedido de revisão ou de reembolso por erro.

Ou seja, não sendo as Requerentes sujeitos passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.o do CIEC, não têm legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.”

 

Vejamos

 

O RJAT é omisso quanto à regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso nos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD.

Temos de procurar a resposta nas normas de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

Do artigo 9.º, n.º 1 do CPTA resulta que: Sem prejuízo do disposto no número seguinte e no capítulo II do título II, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”.

E, determina o artigo 30.º do CPC: “1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer;

2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.

3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.

Assim, a legitimidade processual é definida nestas normas, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por referência à relação material controvertida que no caso dos Tribunais Arbitrais a funcionar no CAAD, terá na sua génese um ato tributário. O sujeito passivo dessa relação jurídica tem de se enquadrar no artigo 18.º, n.º 3 da LGT.

A LGT no artigo 1.º, n.º 2 estabelece que “Para efeitos da presente lei, consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas”.

No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento tributário, a

LGT determina no artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.” E o artigo 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.

Por seu lado, o artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007 estipula: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações”.

Consideramos que o legislador se limitou a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma. O referido artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007, remete para o CIEC no que concerne às normas que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.

As Requerentes invocam a qualidade de repercutidas para deduzir a declaração de ilegalidade das “liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustíveis, determinando-se, nessa medida, a anulação, com demais consequências legais, designadamente o reembolso à Requerente de todas as quantias suportadas a esse título acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios”.

Cumpre dar nota, quanto à repercussão legal que se verifica no regime da CSR, que embora o sujeito passivo ou “Contribuinte de Direito” da CSR seja o que se encontra definido para efeitos de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (“ISP”) – in casu, a K...– o seu encargo é suportado pelo consumidor do combustível – in casu, as Requerentes.

Sendo “Contribuinte de Facto” da CSR, as Requerentes têm plena legitimidade para peticionar a declaração de ilegalidade dos respetivos atos de liquidação, e consequentes atos de repercussão (Cfr. art. artigo 18.º, n.º 4, al. a) da LGT).

De facto, os montantes de CSR entregues ao Estado pelos fornecedores de combustível foram incluídos no preço de venda dos combustíveis e, portanto, repercutidos nos respetivos adquirentes - pelo que são os consumidores finais quem têm interesse em agir (cfr. art.º 9.º CPPT)”.

 

Entendemos que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, a legitimidade, neste caso, só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).

Neste sentido é de referir a decisão arbitral, de 01-02-2024, proferida no Processo n.º 296/2023-T e Acórdão do STA de 28-10-2020, proferido no Proc. 0581/17.BEALM, nos termos da qual se refere “(...). V - “A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)”.

Por seu lado, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, 3.ª edição, VISLIS Editores, 2003, pág. 121, afirmam: “A exclusão do terceiro repercutido do âmbito de sujeitos passivos tem larga consagração na doutrina (vd., DIOGO LEITE DE CAMPOS e MÓNICA HORTA NEVES LEITE DE CAMPOS, ob. Cit., 2.ª ed. Coimbra, 2000, Parte II, A obrigação tributária) entre ele repercutido e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”

A legitimidade para requerer o reembolso do ISP e, inerentemente, da CSR pertence aos sujeitos passivos do imposto enunciados no n.º 1 e no n.º 1 a) do artigo 4.º do CIEC, ou seja, os operadores que introduzem no consumo os bens sujeitos a IEC e CSR, em virtude da remissão do n.º 1 do artigo 5.º da Lei nº 55/2007, com exclusão dos repercutidos.

A liquidação de CSR é realizada através do Documento de Introdução ao Consumo (e-DIC), que contem todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável, ou seja, é o documento que suporta as quantidades de produtos declaradas para consumo bem como a liquidação do imposto correspondente, o qual as Requerentes pretendem a sua anulação.

As Requerentes não apresentam as DICs correspondentes ao combustível que adquiriram e juntam ao pedido arbitral mapas em excel com as listagens das faturas, sem qualquer outro documento de suporte contabilístico.

Esses mapas em excel, por si só, não fazem prova do alegado pagamento pois não consubstanciam fatura, fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes por si alegados.

Uma fatura é documento fiscalmente relevante, que consubstancia um “documento em papel ou em formato eletrónico que: i) Contenha os elementos referidos nos artigos 36.º ou 40.º do Código do IVA, incluindo a fatura, a fatura simplificada e a fatura-recibo; ii) Constitua um documento retificativo de fatura nos termos legais; cfr artigo 2.º, c) do Decreto-Lei n.º 28/2019 de 15 de fevereiro.

Das alegadas faturas mencionadas nas listagens, (e não juntas aos autos), mesmo que fossem, não se poderia considerar que delas resultaria qualquer ato imputável à AT, quer tributário, quer administrativo em matéria tributária. Por definição uma fatura é um documento que deve ser emitido pelo fornecedor ou prestador de serviços, sempre esteja em causa a prestação de um serviço ou aquisição de um bem ou prestação de um serviço sujeito a IVA e da DIC resulta um ato tributário stricto sensu, a liquidação de CSR da competência da AT e que é impugnável nos termos do artigo 51.º do CPTA.

Na DIC está em causa um Imposto Especial ao Consumo (IEC), o qual é devido pela introdução no consumo de produtos petrolíferos.

As entidades que introduzem os combustíveis no consumo e que estejam registadas como tal, são os sujeitos passivos da CSR e têm a posição de entidades obrigadas a proceder ao pagamento ao Estado, não a Requerente. E, com base nas listagens das faturas juntas com o PPA, não é possível comprovar qual a entidade que procedeu à introdução no consumo, se submeteu as DICs respetivas, se procederam ou não a esse pagamento porque não é junto qualquer documento que se possa considerar como prova desse pagamento.

E, das listagens das faturas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas quaisquer referências a montantes pagos a título de ISP ou CSR, (estando a € 0,00 o campo das faturas referentes a ISP/Outras contribuições) pelo que não permitem provar quaisquer pagamentos ao Estado do ISP/CSR, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (e-DIC).

De salientar que impostos especiais sobre o consumo (IECs) são impostos monofásicos e o facto tributário ocorre apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.

O regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação, como resulta do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007.

Como ocorre no âmbito dos IEC, e em outros tipos de impostos, as disposições especiais previstas nos respetivos códigos prevalecem sobre as normas gerais previstas na LGT e no CPPT.

Apenas a entidade que introduziu no consumo os combustíveis e apresentou nas Alfândegas as DICs, o sujeito passivo de ISP/CSR, teria legitimidade para solicitar à AT o reembolso da CSR, (artigos 15.º e 16.º do CIEC), não as Requerentes.

Pelo exposto, considera-se que as Requerentes não têm legitimidade processual para questionar os atos de liquidação da CSR praticados pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela entidade que introduziu no consumo os combustíveis porque no âmbito dos impostos especiais de consumo. Apenas a entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR, tem legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações e consequente reembolso do montante correspondente, conforme o artigo 16.º do CIEC.

 

Considera-se, assim, verificada a exceção dilatória de ilegitimidade das Requerentes, o que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, da alínea a) do n.º 1 do artigo 55.º e do artigo 89.º, nºs 2 e 4 e) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

 

6. Decisão

a) Julgar procedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de repercussão de CSR;

b) Julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade das Requerentes quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR;

c) Em consequência, absolver a AT da instância, condenando as Requerentes nas custas.

 

7. Valor do processo

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 483.831,21, indicado pelas Requerentes sem oposição da Requerida.

 

8. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 7.650,00 a suportar pelas Requerentes, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

Notifique-se.

 

Lisboa, 5 de Setembro de 2024

 

Os Árbitros

 

_____________________

(Regina de Almeida Monteiro – Presidente e Relatora)

 

 

_____________________

(Tomás Cantista Tavares – Adjunto)

 

 

_________________

(Sílvia Oliveira – Adjunta)

(vencida nos termos da declaração anexa)

 

 

Declaração de Voto

 

Votei vencida quanto ao sentido decisório desta decisão arbitral porquanto entendo que não deveriam proceder as excepções que foram consideradas procedentes.

  1. Questão da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria

Desde logo, e quanto à questão da competência do Tribunal Arbitral refira-se, em síntese, que “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT]. Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.

Nestes termos, a vinculação reporta-se a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos (com a exclusão de outros tributos) e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.

Por outro lado, e no que diz respeito à natureza da CSR, sendo esta uma contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constituindo uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento (ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento), à luz do seu regime jurídico dificilmente se poderia concluir que a mesma constitui uma contribuição financeira, antes se qualificando como um imposto. E, a somar a este entendimento, o TJUE no seu Despacho de 07 de Fevereiro de 2022 , no âmbito do processo C-460/21 (Vapo Atlantic), para além de não colocar em causa essa qualificação, assumiu, para efeitos do artigo 1 da Diretiva 2008/118, um conceito funcional ou autónomo de imposto indireto. Tal conceito abrange quaisquer “imposições” indiretas que, pelas suas caraterísticas estruturais e teleológicas, não tenham um “motivo específico” na aceção da Diretiva 2008/118 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008 e possam, por conseguinte, privar o imposto especial de consumo harmonizado (no caso português, o ISP) de “todo o efeito útil” (par. 26 do acima mencionado).

Portanto, mesmo que, à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional português, a CSR houvesse de ser qualificada como uma contribuição financeira, nem por isso deixaria de ser um imposto indireto na aceção da Diretiva acima referida, sob pena de os Estados-membros poderem, em função da maior ou menor criatividade constitucional em termos de tributos públicos, frustrar os propósitos de harmonização e de neutralidade no plano dos impostos indiretos sobre o consumo.

No caso em análise, tendo em consideração que as Requerentes, “por não se conformarem com o indeferimento (tácito) do Pedido de Revisão Oficiosa (…) formulado junto da Alfândega do Freixieiro (…) e, por conseguinte, com a legalidade dos atos de liquidação de CSR que lhe estão subjacentes, e, bem assim, dos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos no período(…,) vêm suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade dos supra referidos atos, requerendo a anulação dos mesmos com as devidas consequências legais”, teria considerado totalmente improcedente a alegada excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria (suscitada pela Requerida) no que diz respeito ao pedido apresentado pelas Requerentes.

 

  1. Questão da ilegitimidade das Requerentes

Neste âmbito, refira-se que também não consideraria procedente a excepção da ilegitimidade das Requerentes atentos os argumentos que, em síntese, a seguir apresento.

Como se refere no despacho do TJUE de 07-02-2022, processo n.º C-460/21, “(…) a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas (…) 42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa (…) 43 (…) a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (sublinhado nosso).

Como decorre desta jurisprudência, há uma obrigação de a Administração Tributária reembolsar os tributos cobrados em violação do Direito de União a quem efectivamente os suportou, pelo que no caso de tributos susceptíveis de repercussão, a titularidade do direito ao reembolso dependerá de ela ter sido ou não concretizada (não se colocando assim a questão da plúrima possibilidade de reembolso pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pois, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem direito ao reembolso).

Com efeito, é corolário desta jurisprudência do TJUE que, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem legitimidade para impugnar os actos que a concretizem ou os que a antecedam, pois apenas o repercutido é afectado na sua esfera jurídica pelo acto lesivo e só terá legitimidade na medida em que não tenha repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade.

Também a lei tributária parte de um conceito amplo de legitimidade, que não coincide plenamente com a qualidade de sujeito activo ou passivo na relação jurídica tributária, abrangendo a AT, os contribuintes, os substitutos, os responsáveis, outros obrigados tributários e “quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (artigo 9.º, n.º 1 do CPPT).

Neste sentido, estão abrangidos tantos quantos possam dizer-se afetados pelo que venha a ser decidido no procedimento ou processo tributários, ou seja, que tenham nele um interesse económico a defender (Rui Duarte Morais, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, p. 58).

Por outro lado, o artigo 18.º, n.º 4, a) da LGT, embora privando quem suporte o imposto por repercussão legal da qualidade de sujeito passivo da relação jurídica tributária, estende ao repercutido legal as garantias dos contribuintes, concretamente o direito de reclamação, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral.

Nestes termos, entendo que as Requerentes têm legitimidade processual para apresentar a presente acção sendo que a prova da efectiva repercussão da CSR (por efeito da aquisição de combustíveis), teria de ser analisada no âmbito da decisão arbitral propriamente dita.

Pelo exposto, teria considerado improcedente a alegada excepção da ilegitimidade das Requerentes.

Em consequência, teriam de ser avaliadas as restantes excepções suscitadas pela Requerida e, se improcedentes, avaliado o mérito do pedido arbitral.

 

Sílvia Oliveira