SUMÁRIO:
1 – Cabe aos Estados Membros, desde que seja respeitado o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA, determinar quais as entregas de bens e as prestações de serviços incluídas nas categorias do anexo III da Diretiva IVA, aquelas a que é aplicável a taxa reduzida, pelo que não cabe reenvio prejudicial para o TJUE sobre a interpretação de normas emitidas por um Estado-Membro em no exercício desse poder normativo.
2. A taxa de IVA a aplicar às “refeições e complementos de refeição em livre serviço”, no ano de 2020, é a taxa intermédia, prevista na Lista II anexa ao CIVA, atenta a inclusão dessa comercialização de refeições e complementos de refeição em livre serviço na verba 1.8 – Refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio.
3. – Não pode aceitar-se como conforme à lei a interpretação da AT expressa em circular de que só beneficiam de taxa intermédia as refeições acabadas de confeccionar pela entidade que as vende e sejam prontas a comer imediatamente, ou seja, para consumo imediato, por tal interpretação não ter na letra da lei, a citada verba 1.8, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof. Doutor Victor Calvete, Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora (árbitro vogal relator) e Drª. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., Pessoa Colectiva n.º..., com sede na..., ..., ..., n.º ..., ... ..., Oeiras, tendo sido notificada do despacho do Senhor Director da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), domiciliada na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, (doc. n.º 1) que indeferiu a reclamação graciosa n.º ...2023..., apresentada contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e acrescido referente ao ano de 2020, relativamente à decisão sobre a incidência de IVA nos produtos designados por “refeições e complementos de refeição em livre serviço” no montante de €439.329,30, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), vem, contra aquela decisão de indeferimento e indirectamente contra as liquidações reclamadas, apresentar PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 15.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)), artigo 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), por remissão do artigo 97.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), no sentido de ser anulada a decisão impugnada, bem como ser anulada a correcção e liquidação de imposto e juros impugnadas, pedindo que a AT seja ainda condenada a indemnizar a Requerente pelos encargos incorridos com a indevida prestação de garantia e ser a Fazenda Pública condenada nas custas do processo arbitral.
1.1. Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral
O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 24/10/2023 e aceite no mesmo dia, nos termos regulamentares aplicáveis, tendo o Requerente optado pela não designação de árbitro.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Por despacho de 18/12/2023 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foram designados para árbitros os ora subscritores, tendo sido comunicada essa designação no mesmo dia às partes e não tendo havido reclamação da mesma, em 09/01/2024, foi comunicada às partes a constituição do Tribunal Arbitral.
No mesmo dia 09/01/2024, por despacho arbitral foi ordenada a notificação da Requerida para responder ao pedido de decisão arbitral, bem como para juntar o processo administrativo em 30 dias, o que foi notificado às partes no mesmo dia.
Em 08/02/2024, a Requerida apresentou a sua Resposta e fez juntar, nessa data, aos autos o processo administrativo (PA), tendo o CAAD notificado, no mesmo dia, o Requerente da Resposta da AT e da junção do PA.
Por despacho arbitral de19/02/2024, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18º. do RJAT, uma vez que a questão dos autos é de direito e não foi requerida a inquirição de testemunhas, não havendo outras diligências de prova a realizar, foi ordenada a notificação das partes para apresentarem, querendo, no prazo simultâneo de 15 (quinze) dias, alegações escritas, com a obrigação do Requerente de proceder, no mesmo prazo, ao pagamento do necessário complemento da taxa arbitral, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
A Requerente apresentou alegações, em 04/03/2024, bem como comprovou no dia seguinte o pagamento da taxa arbitral subsequente e comunicou esse pagamento ao CAAD.
Em 12/03/2024 a AT apresentou requerimento dizendo nada mais tendo a acrescentar à resposta já apresentada para a qual remete.
Por despacho de 05/07/2024, foi prorrogado o prazo para proferir decisão final, por mais dois meses.
1.2. Posição da Requerente
A Requerente vem pedir a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023..., apresentada contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e acrescido do ano de 2020, relativamente à decisão sobre a incidência de IVA nos produtos designados por “refeições e complementos de refeição em livre serviço”, no montante de €439.329,30 que é o montante de IVA liquidado, pedindo também a anulação da Liquidação adicional nesta parte, por resultar de incorrecta aplicação da taxa intermédia, dizendo que esta correcção é ilegal, por erro nos pressupostos de facto e errónea interpretação e aplicação da lei.
A Requerente foi alvo de inspecção tributária da qual resultou que, na comercialização de refeições prontas a consumir, a taxa de IVA praticada pela Requerente era a taxa intermédia, quando no entender da AT deveria ser a taxa normal, o que a Requerente contesta na medida em que os produtos em causa são refeições prontas para consumo imediato, colocados num expositor dedicado, refrigerado e específico à referida gama, a qual inclui, nomeadamente: refeições (e.g., arroz de pato, bacalhau com natas, lasanha, etc.), pizzas, sopas, acompanhamentos (e.g., arroz, esparregado), cachorros, sandes, wraps, hambúrguer, saladas, etc., estando todos os produtos prontos para serem tirados da prateleira e prontos a consumir, independentemente de alguns poderem ser aquecidos (refeições, acompanhamentos e sopa) ou não (cachorros, sandes, wraps, hambúrgueres, saladas).
Entende a Requerente que tais produtos se inserem na verba 1.8 da Lista II anexa ao Código do IVA, aditada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30.03, que prevê a sujeição à taxa intermédia das “refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio”, o que a AT não aceita porque faz uma interpretação restritiva das normas, com base num Ofício Circulado nº. 30181 de 06.06.2016, na medida em que considera relevante um requisito que a lei não exige, que é o facto de tais produtos terem sido “acabados de preparar”, o que é ilegal
Entende assim que há um erro nos pressupostos de facto e violação de lei, por errada interpretação e aplicação da lei, pelo que, quer a decisão da reclamação graciosa, que mantém a liquidação adicional de IVA, quer esta mesma liquidação, na parte referente às “refeições e complementos de refeição em livre serviço”, devem ser anuladas.
Porém, porque a Requerente entende que está em causa, não só a consideração dos produtos em causa, na forma como são comercializados, mas também a interpretação das normas do CIVA e seus anexos que, por terem origem na Directiva n.º 2006/112/CE de 28.11. do Conselho, entende também que se impõe o reenvio prejudicial deste Tribunal Arbitral para o TJCE, a quem cumprirá uniformizar, à luz do Direito Comunitário, os critérios de tributação em sede de IVA das “refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio”, uma vez que alega estarem em causa a aplicação de normas comunitárias, nos termos do artigo 267.º do TFUE, o que requer seja ordenado.
A Requerente pretende ainda a anulação da liquidação de juros compensatórios, pois dado que entende que não é devido o imposto adicional, não são devidos juros compensatórios que são acessórios da obrigação de pagamento de imposto, para além de que não há qualquer culpa do contribuinte, que entende que pagou o IVA à taxa correcta, sendo que a culpa é requisito essencial para a cobrança de juros compensatórios, nos termos da lei que invoca.
Por último, pretende a Requerente ser indemnizada pelos custos tidos e a ter com a prestação de garantia idónea (seguro-caução) para obter a suspensão do processo de execução fiscal, instaurado para cobrança coerciva da liquidação adicional em causa, devendo a indemnização ser no valor do que vier a ser liquidado em execução de sentença, nos termos do artigo 171º do CPPT e 53º da LGT.
1.3. Posição da Requerida
A Requerida, por sua vez, na sua resposta transcreve parte do RIT e da decisão da Reclamação Graciosa, mostrando que tais produtos, apesar de serem considerados refeições, não são, no entanto, destinados ao consumo imediato porquanto não foram confeccionados pela entidade que os vende, mas por terceiro, pelo que não foram “acabados de confeccionar”, como consta no Ofício Circulado nº. 30181 de 06.06.2016.
Neste ofício, quando compara o regime de 2011 e o actual regime introduzido em 2016, a AT conclui que a nova redacção da verba exige que tais refeições sejam acabadas de confeccionar e por isso aquelas que são vendidas pela Requerente, como já foram transaccionadas, não foram acabadas de fazer, implicando isso que não são de consumo imediato.
Compara estas refeições com alguns outros produtos que, embora possam ser imediatamente consumidos após abertura (enlatados e papas de bebés), não são sujeitos à taxa intermédia de IVA, pelo que as ditas refeições da Requerente também não devem ser sujeitas a ela.
Sendo a taxa intermédia de IVA uma excepção à regra da taxa normal, a Requerida apresenta vários acórdãos do TJUE[1] que proclamam a interpretação restritiva para os casos excepcionais, entendendo que é isso que faz o Ofício Circulado nº. 30181 de 06.06.2016, que não deve ser alvo de críticas.
Entende a Requerida que quanto aos juros compensatórios os mesmos são devidos, dado que é da responsabilidade da Requerente a aplicação incorrecta da taxa intermédia de IVA a estes produtos e, em consequência, o atraso na liquidação e pagamento do imposto devido, que corresponde à diferença entre o IVA liquidado pelo sujeito passivo e o valor apurado após reenquadramento na taxa normal de imposto, prevista na al. c) do nº1 do artigo 18.º do CIVA, citando a lei, jurisprudência dos tribunais superiores[2] e citando a decisão da reclamação graciosa nessa parte.
Insurge-se contra o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, dizendo apenas que não se verificam os respectivos pressupostos, nos termos da lei que invoca.
Termina pedindo a improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral.
2. Saneamento:
O tribunal arbitral é competente e foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são as legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias, suscitadas pelas partes ou de conhecimento oficioso que cumpra conhecer.
Requer a Requerente, com a concordância da requerida que se proceda ao reenvio prejudicial para o TJUE (pontos 84 a 93 da PI), parecendo que entende que esse reenvio é obrigatório.
Porém, a divergência entre a Requerente e a Requerida situa-se ao nível da interpretação de normas existentes dentro do ordenamento jurídico português, no caso a verba 1.8 da Lista II do CIVA, com a AT a interpretar a norma portuguesa com requisitos que aparentemente não resultam do texto legal, pelo que nada tem a ver com a interpretação directa de normas europeias.
Por isso, entende-se que não é caso de proceder ao reenvio, pois está em causa apenas a interpretação de uma norma de Direito nacional em matéria de IVA, sendo certo que o TJUE considerou que “cabe aos Estados Membros, desde que seja respeitado o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA, determinar mais precisamente, de entre as entregas de bens e as prestações de serviços incluídas nas categorias do anexo III da Diretiva IVA, aquelas a que é aplicável a taxa reduzida" (assim, os Acórdãos dos casos AZ, processo C-499/16 e J.K., processo C703/19, ambos invocados pela AT no 32. da sua Resposta).
Face ao exposto, indefere-se o pedido de reenvio prejudicial para o TJUE, requerido pelas partes por se tratar apenas da interpretação de uma norma de direito nacional, que o Estado Português tem liberdade de moldar, na fixação da taxa intermédia de IVA
3. Fundamentação de Facto
Considerando os articulados das partes, os documentos juntos e o processo administrativo, são considerados provados e não provados os factos que a seguir se indicam:
3.1. Factos provados
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A Requerente A..., S.A., sociedade anónima, Pessoa Colectiva n.º..., com sede na ..., ..., n.º ..., ... ..., Oeiras, dedica-se, na sua actividade, à exploração de superfícies comerciais de venda a retalho – super e hipermercados. (acordo das partes e relatório da Inspecção Tributária)
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É uma sociedade comercial, sujeito passivo de IVA e está enquadrada no regime normal com periodicidade mensal. (acordo das partes e relatório da Inspecção Tributária)
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A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva externa, efectuada e validada pela Unidade de Grandes Contribuintes (UGC), que decorreu sob a Ordem de Serviço n.º OI2022..., que incidiu sobre os elementos contabilísticos do ano de 2020, de que resultou o Relatório de Inspecção Tributária (RIT) que lhe foi oportunamente notificado por ofício assinado digitalmente em 28/12/2022. (provado pelo relatório da Inspecção Tributária)
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No âmbito de tal procedimento, a AT procedeu a correcções de diversos produtos por falta de liquidação de IVA, constando do anexo IV do Relatório da Inspecção Tributária a listagem dos produtos incorrectamente tributados. (provado pelo relatório da Inspecção Tributária).
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Essa correcção no valor de € 439.329,30 é relativa à taxa de IVA praticada em 2020 diz respeito à comercialização de refeições e complementos de refeição em livre serviço (provado pelo Relatório da Inspecção Tributária e acordo das partes)
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A AT entender que tais bens, identificados no Anexo 4 do RIT, foram “indevidamente comercializados à taxa intermédia” do IVA devendo, a sua tributação ter sido efectuada à taxa normal a que se refere a al. c), do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, ou seja, à taxa de 23%. (provado pelo Relatório da Inspecção Tributária e Liquidações que foram juntas na reclamação graciosa junta pela Requerida, de fls. 26 a 120)
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Tais liquidações correspondem à diferença entre o IVA liquidado pelo sujeito passivo e o valor apurado, após reenquadramento na taxa normal de imposto prevista na al. c) do nº1 do artigo 18.º do CIVA (provado pelo Relatório da Inspecção Tributária)
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Em consequência, foram efectuadas as liquidações adicionais de IVA, num total de 538.115,02€ (onde estão incluídas as correcções mencionada no ponto 4 dos factos provados), e de juros compensatórios, num total de 47.082,46€ (onde estão incluídos os juros relativos às correcções mencionadas no ponto 4 dos factos provados), com prazo de pagamento até 06/03/2023. (provado pelo Relatório da Inspecção Tributária e Liquidações que foram juntas na reclamação graciosa junta pela Requerida, de fls. 26 a 120)
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As refeições e os complementos de refeição não são produzidos pela Requerente, mas por terceiro (provado pelo Relatório da Inspecção Tributária e acordo das partes).
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Em 03/05/2023 a Requerente, apresentou reclamação graciosa contra aqueles actos de liquidação de imposto e acrescido em causa, entre outros, a qual foi tramitada na UGC sob o n.º ...2023... . (provado pelo doc. 1 junto com o PPA e reclamação graciosa junta pela Requerida)
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A reclamação graciosa foi indeferida tendo sido notificada a decisão de indeferimento à Requerente por carta registada recebida em 31/7/2023. (provado pelo doc. 1 junto com o PPA)
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Em 12 de Abril de 2023 a Requerente celebrou com a B... um seguro caução a favor da AT, no valor de €748.232,11, para suspensão dos processos de execução fiscal que indica. (provado pelo doc. 2 junto com o PPA)
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Em 24/10/2023 a Requerente apresenta o presente Pedido de Pronúncia Arbitral neste CAAD.
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Em 5/3/2024, o Requerente procedeu ao pagamento da taxa arbitral subsequente.
3.2 Factos não provados
Não existem outros factos não provados com interesse para a decisão deste processo.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela requerente e no que consta do processo administrativo e também os factos que as partes estão de acordo em considerar provados, conforme resulta do por si alegado em sede de requerimento inicial e da resposta que lhe sucedeu, na qual a AT admitiu essa matéria de facto.
4. Matéria de direito:
1. A única questão objecto dos presentes autos é a de determinar qual a taxa de IVA a aplicar às “refeições e complementos de refeição em livre serviço” comercializadas pela ora Requerente no ano de 2020, se a taxa normal, se a taxa intermédia, prevista na Lista II anexa ao CIVA, mediante a inclusão dessa comercialização de refeições e complementos de refeição em livre serviço na verba 1.8 – Refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio.
2. Como nota prévia e em consonância com a jurisprudência dos nossos tribunais superiores desde já consignamos que não reconhecemos valor de fonte de direito ao Ofício Circulado 30181, de 06.06.2016, que a Requerida cita e é indicado no Relatório da Inspecção Tributária, mas que, é sabido, como acontece com todo o chamado direito-circulatório, só a ela obriga e que corresponde a uma interpretação restritiva da norma.
Com efeito, como foi decidido no Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 21-06-2017, proferido no processo 0364/14, disponível em http://www.gde.mj.pt/jsta, “as orientações administrativas veiculadas sob a forma de circular da Administração Tributária, não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam e carecendo de força vinculativa heterónoma para os particulares, não constituem normas que possam ser objecto de declaração de inconstitucionalidade formal.”- Cfr., no mesmo sentido, os acórdãos do STA, proferido no proc. 0227/16 de 2017/02/08 e no processo 01229/15 de 2017/05/31.
No mesmo sentido é a jurisprudência do Tribunal Constitucional que decidiu que “faltando-lhes força vinculativa heterónoma para os particulares e não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam, as prescrições contidas nas “circulares” da Administração Tributária não constituem normas para efeitos do sistema de controlo de constitucionalidade da competência do Tribunal Constitucional, designadamente para abrir a via de recurso prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC”, conforme foi decidido pelo acórdão do Trib. Constitucional nº. 583/2009 de 2009/11/18, sendo no mesmo sentido o acórdão do mesmo tribunal nº. 42/14 de 2014/12/09.
Por isso, na medida em que o Relatório da Inspecção Tributária se baseia exclusivamente na doutrina constante do Ofício Circulado 30181, de 06.06.2016, pelo que a interpretação da lei defendida pela Requerida terá de ser analisada da sua conformidade com a lei, em plano de igualdade com a interpretação defendida pela Requerente.
4.4 – Da eventual ilegalidade das liquidações adicionais:
3. Em 2020, ano a que se reporta o Relatório da Inspecção Tributária (RIT), a Requerente vendeu os produtos que constam do anexo IV do RIT à taxa intermédia de IVA.
Consta do RIT (págs. 24 a 26) para fundamentar
Os supermercados da insígnia “A...” comercializam nos seus estabelecimentos uma grande variedade de produtos alimentares previamente confecionados/preparados e embalados, adquiridos, pelos supermercados “A...”, a uma terceira entidade, ou seja, são produtos alimentares produzidos/confecionados por outra entidade em instalações desta, como por exemplo, os produtos com a marca “C...”, entre outros. Estes produtos encontram-se no estado que se pode designar de “livre serviço” no qual o cliente retira o produto pretendido da prateleira onde está exposto já embalado, procede ao pagamento na caixa e será, depois de confecionado/preparado, pelo cliente, de acordo com as instruções presentes na embalagem, consumido fora das instalações do supermercado.
Os supermercados “A...”, de acordo com os esclarecimentos prestados em períodos anteriores, e após solicitação, aplicam (a partir da publicação da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março) a este tipo de produtos, a taxa intermédia de IVA considerando-os, portanto, como enquadráveis na Lista II do CIVA nomeadamente nas suas verbas 1.8 e/ou 3.1.
A verba 1.8 e a verba 3.1, foram aditadas ao CIVA pela Lei n.º 7-A/2016, com a seguinte redação, respetivamente:
“1.8 – Refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio”;
“3 – Prestações de serviços:
3.1- Prestações de serviços de alimentação e bebidas, com exclusão das bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias. Quando o serviço incorpore elementos sujeitos a taxas distintas para o qual é fixado um preço único, o valor tributável deve ser repartido pelas várias taxas, tendo por base a relação proporcional entre o preço de cada elemento da operação e o preço total que seria aplicado de acordo com a tabela de preços ou proporcionalmente ao valor normal dos serviços que compõem a operação. Não sendo efetuada aquela repartição, é aplicável a taxa mais elevada à totalidade do serviço”.
Estes bens em “livre serviço” terão que ser sempre tratados como uma transmissão de bens porquanto não existe nenhuma prestação de serviços de restauração associada uma vez que, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Regulamento de Execução (EU) n.º 282/2011, de 15 de março, os serviços de restauração são aqueles que “consistam no fornecimento de comida ou de bebidas, preparadas ou não, ou de ambas, destinadas ao consumo humano, acompanhado de serviços de apoio suficientes para permitir o consumo imediato das mesmas. O fornecimento de comida ou de bebidas, ou de ambas, constitui apenas uma componente de um conjunto em que os serviços são predominantes. Constituem serviços de restauração os serviços prestados nas instalações do prestador e serviços de catering os serviços prestados fora das instalações do prestador”.
No n.º 2 do mesmo Regulamento é excluído do conceito de “serviços de restauração e catering” “o fornecimento de comida ou de bebidas, preparadas ou não, ou de ambas, incluindo ou não o transporte das mesmas, mas sem qualquer outro serviço de apoio”.
Resulta, assim, do exposto que a verba 3.1 da Lista II será aplicável quando a entrega dos produtos alimentares for acompanhada dos serviços de apoio relevantes, adequados a permitir o consumo imediato dos mesmos nas instalações do prestador. Caso aqueles serviços de apoio não estejam presentes, ou não sejam preponderantes, estar-se-á na presença de uma transmissão de bens e não de uma prestação de serviços.
Assim, não sendo os bens em “livre serviço” acompanhados de quaisquer serviços de apoio relevantes está afastada a possibilidade do seu enquadramento na verba 3.1 da Lista II do CIVA.
No que à verba 1.8 diz respeito, e considerando a redação em vigor (“refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar”), a sua aplicação será, segundo interpretação veiculada pela AT, limitada aos pratos ou alimentos acabados de preparar, prontos para consumo imediato, com ou sem entrega ao domicílio (take away, drive in ou semelhantes).
Sublinhe-se também que e de acordo, novamente, com o entendimento veiculado pela AT, “os bens alimentares normalmente vendidos em grandes superfícies, supermercados ou similares (ex. enlatados ou boiões de comida para bebé) não se enquadram na verba 1.8 da Lista II, sem prejuízo, naturalmente, das situações em que estes estabelecimentos se dediquem, também, à confeção de refeições para consumo imediato, em regime de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio”.
Recorde-se, ainda que, e comparando a redação em vigor atualmente com a que vigorava até 31-12-2011, resulta claro que o legislador pretendeu excluir do âmbito da norma a transmissão de produtos preparados à base de carne, peixe, legumes ou produtos hortícolas, massas recheadas, pizas, sandes e sopas, ainda que apresentadas no estado de congelamento ou pré-congelamento, quando estes produtos não constituam refeições confecionadas para consumo imediato.
De acordo com esta alteração, delimitando o alcance da verba às “refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio”, o legislador pretendeu cingir a aplicação da taxa intermédia de IVA, constante da verba 1.8 da Lista II, ao exercício da atividade de confeção de refeições para levar para casa, como é o caso típico das refeições vendidas por churrasqueiras, pizarias e outros estabelecimentos de restauração que disponham da modalidade de venda de refeições que se destinam e são preparadas para serem consumidas fora do estabelecimento, podendo o fornecedor dos bens disponibilizar ou não o respetivo serviço de entrega (take away ou entrega ao domicílio).
Verifica-se assim que, nem a AT, no RIT e respectivo anexo IV, nem a Requerente no seu PPA ou antes na sua reclamação graciosa, discrimina os produtos em causa, limitando-se a AT a referir no ponto 3 que são refeições e complementos de refeição em livre serviço, passando depois de considerar que essas refeições e complementos de refeição em livre serviço são transmissão de bens, sujeitos a IVA à explanação da doutrina circulatória da AT sobre o assunto, que já referimos não interessa para a decisão dos presentes autos, enquanto tal.
Podemos, atento também o acordo das partes, que os bens objecto do presente PPA são essas refeições e complementos de refeição em livre serviço, que, segundo a AT, determinam uma correcção de IVA no valor de € 439.329,30, relativa à taxa de IVA praticada em 2020 e diz respeito à comercialização dessas refeições e complementos de refeição em livre serviço, conforme consta do facto 5 considerado provado.
Estando as partes de acordo sobre os bens objecto do presente PPA, para saber se a correcção feita pela Requerida na taxa de IVA praticada pela Requerente, em 2020, é legal ou ilegal, temos de interpretar apenas as normas constantes das verbas nº. 1.8 e 3.1 da Lista II anexa ao CIVA, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março.
4. Em 2020, era a seguinte a redacção dessas verbas:
“1.8 – Refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio”;
“3.1- Prestações de serviços de alimentação e bebidas, com exclusão das bebidas alcoólicas.
Quando o serviço incorpore elementos sujeitos a taxas distintas para o qual é fixado um preço único, o valor tributável deve ser repartido pelas várias taxas, tendo por base a relação proporcional entre o preço de cada elemento da operação e o preço total que seria aplicado de acordo com a tabela de preços ou proporcionalmente ao valor normal dos serviços que compõem a operação. Não sendo efetuada aquela repartição, é aplicável a taxa mais elevada à totalidade do serviço”.
Na versão anterior resultante da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro era a seguinte a versão dessas verbas 1.8 e 3.1:
1.8 - Produtos preparados à base de carne, peixe, legumes ou produtos hortícolas, massas recheadas, pizzas, sandes e sopas, ainda que apresentadas no estado de congelamento ou pré-congelamento e refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio.
3.1 - Prestações de serviços de alimentação e bebidas.
Quando o serviço incorpore elementos sujeitos a taxas distintas para o qual é fixado um preço único, o valor tributável deve ser repartido pelas várias taxas, tendo por base a relação proporcional entre o preço de cada elemento da operação e o preço total que seria aplicado de acordo com a tabela de preços ou proporcionalmente ao valor normal dos serviços que compõem a operação. Não sendo efetuada aquela repartição, é aplicável a taxa mais elevada à totalidade do serviço.
Da comparação das duas versões (a de 2011 e 2016) da verba 1.8 da Lista II do CIVA não se retira que as pizas, sandes e sopas tenham sido excluídas desta verba. Anteriormente tinham-se em vista produtos individuais e bem determinados pelas suas características e composição e depois passou-se a mencionar refeições prontas a consumir o que significa que, dos produtos da versão anterior, alguns ficaram na taxa intermédia porque eram de per si refeições (sopas, sandes e pizas) tendo deixado de ser nela incluídos os outros.
A própria AT, quando faz esta comparação (pág. 10 da resposta), escreve que “o legislador excluiu desta última a transmissão de produtos…., quando estes produtos não constituam refeições confeccionadas para consumo imediato” (porque se o forem mantêm-se nesta verba, tal como diz o parágrafo seguinte: “Assim, tomando por exemplo pizas, sandes ou sopas, estas enquadram-se na verba 1.8 da Lista II sempre que consistam em produtos confecionados para consumo imediato”.
Porém, no ponto 21 da sua resposta, a AT já entende que a sopa embalada não está abrangida pela taxa média porque não corresponde a uma refeição pronta a consumir, muito embora seja do conhecimento geral que há quem, por exemplo, jante só sopa.
5. Conforme emerge do texto do Relatório da Inspecção Tributária (RIT) só estão englobadas na verba 1.8, as refeições que tenham as seguintes características:
- sejam acabadas de confeccionar pela entidade que as vende;
- sejam prontas a comer imediatamente, ou seja, para consumo imediato.
Na interpretação do sentido e alcance das referidas verbas da Lista II do CIVA devem seguir-se as regras de interpretação das normas jurídicas fiscais previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária e das normas jurídicas em geral do artigo 9.º do Código Civil.
É o seguinte o texto do artº. 11º. vigente em 2020:
1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2 - Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
Por sua vez, a norma que contém as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis é o artº. 9º. do Cod. Civil, que é do seguinte teor:
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Por isso, não devendo o intérprete ser excessivamente exegeta e literal, não pode, porém, aceitar uma interpretação que “não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.”
Ora, a interpretação seguida pela Requerida e constante das suas normas internas segundo as quais na verba 1.8 da Lista II do CIVA apenas cabem as “refeições e complementos de refeição” que sejam acabadas de confeccionar pela entidade que as vende e estejam prontas a comer imediatamente, ou seja, para consumo imediato não tem na letra dessa verba 1.8 um mínimo de correspondência verbal, mesmo que imperfeitamente expresso.
Com efeito, no texto, “refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio” não pode considerar-se que nele se escreve que as referidas refeições tenham sido acabadas de confecionar e pela entidade que as vende e que o consumo das mesmas tenha de ser imediato, sendo apenas relevante que estejam prontas a consumir com ou sem aquecimento posterior.
Na verdade, a redacção da verba 1.8 da Lista II do CIVA não menciona, nem a origem da confecção da refeição (ter de ser confeccionado por quem vende ou por terceiro), nem a antecedência com que a refeição tem de ser preparada (acabado de confeccionar), antes de ser comercializada, que são aspectos apenas introduzidos pelas normas internas da AT, fazendo assim uma interpretação restritiva.
Em suma, este elemento “acabados de confeccionar”, não é sequer um critério que esclareça melhor a previsão da norma, mas é verdadeiramente um elemento inovador que impede a aplicação da norma a situações nela previstas.
Por isso, aderimos à tese expressa no acórdão final do processo 787/20020-T, proferido em 7 de Fevereiro de 2021, invocado pela Requerente e a propósito também “da correcção do montante de IVA liquidado relativamente a vários produtos enquadrados na verba 1.8. da Lista II, anexa ao CIVA "refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar ou com entrega no domicílio", por incorrecta aplicação da taxa intermédia de IVA”, onde se escreve:
“Embora os produtos em causa sejam alimentos pré confeccionados e embalados, a Requerida entende que não podem ser considerados refeições para efeitos de aplicação da taxa intermédia na medida em que, por um lado, os bens transmitidos não são confeccionados pela Requerente e, por outro, não são exactamente destinados ao consumo imediato.
O facto de não serem confeccionados pela Requerente - o que esta não nega – não permite, é certo, classificá-los como prestação de serviços, mas enquadra-os na transmissão de bens que permite, ela própria, a aplicação da taxa intermédia.
No que respeita ao facto de não serem exactamente “refeições”, antes alimentos confeccionados, que não se destinam a consumo imediato, a Requerida entende que considera-los “refeição” consistiria em integração analógica ou em aplicação de um benefício fiscal, violadores, em ambos os casos, do princípio da legalidade.
No que não lhe assiste razão.
Pelo contrário, é o conceito de refeição a que a Requerida adere, que consta do Oficio-circulado 30181, de 06.06.2016, que cita, mas que, é sabido, como acontece com todo o chamado direito-circulatório, só a ela obriga, que corresponde a uma interpretação restritiva da norma.
Como bem alega a Requerente, estando em causa uma transmissão de bens, não se pode concluir, face ao princípio da neutralidade, que, por exemplo, uma sopa feita e vendida pela Requerente seja tributada à taxa intermédia e uma sopa feita por um terceiro, seja adquirida ao fornecedor à taxa intermédia e deva ser vendida ao consumidor final à taxa normal, porque supostamente não foi acabada de preparar (facto que só se pode presumir por ter sido adquirida a um terceiro) embora esteja pronta para consumo imediato.
Pelo contrário, a verba inclui todo e qualquer produto alimentar confeccionado (a condição “acabado de preparar”, não consta da norma) tendo em vista o seu consumo imediato, seja vendido quente ou frio e, independentemente de o cliente o consumir ou não de imediato e, de igual modo, independentemente, de quem o confeccionou.
Pelo que bem andou a Requerente ao aplicar aos produtos em causa a taxa intermédia de 13%.”
Entendemos do mesmo modo, pois só uma interpretação como a seguida pela Requerente de aplicação da taxa intermédia às “refeições e complementos de refeição em livre serviço” se enquadra no texto da verba nº. 1.8, não cabendo na letra da lei a interpretação restritiva seguida pela Requerida nos presentes autos e com fundamento nas erróneas normas internas que formulou.
6. Face ao exposto, não há quaisquer dúvidas que as “refeições e complementos de refeição em livre serviço” foram devidamente taxadas pela Requerente, pelo que são ilegais as liquidações adicionais de IVA na parte respeitante ao IVA dessas “refeições e complementos de refeição em livre serviço” que deveria ser de 13% e não à taxa normal de 23%, estando essas liquidações viciadas por erro sobre os pressupostos de direito e consequente ilegalidade.
Consequentemente, procede o pedido de anulação da decisão da reclamação graciosa, mas só na parte objecto deste PPA, mantendo-se essa decisão na parte sobrante relativa a outras liquidações adicionais de IVA no valor de € 98 785,72, pois a Requerente deduziu reclamação graciosa contra todas as liquidações adicionais e apenas impugnou a decisão da reclamação graciosa na parte das “refeições e complementos de refeição em livre serviço”, cujo IVA liquidado adicionalmente somava € 439.329,30.
Procede igualmente o pedido de anulação da liquidação adicional de IVA relativo ao ano de 2020 e que tem em vista as “refeições e complementos de refeição em livre serviço”, no valor total de € 439.329,30.
Procede ainda o pedido de anulação de juros compensatórios relativamente à quantia de liquidação adicional de € 439.329,30.
5. Indemnização pela garantia prestada.
Conforme vem provado no nº. 12 dos factos provados, a Requerente, em 12 de Abril de 2023 celebrou com a B... um seguro caução a favor da AT, no valor de € 748.232,11, para suspensão dos processos de execução fiscal que indica. (provado pelo doc. 2 junto com o PPA) Porém, nos presentes autos, apenas, peticiona a Requerente a anulação de uma parte dessas liquidações, ou seja, a liquidação adicional de IVA relativo ao ano de 2020 e que tem em vista as “refeições e complementos de refeição em livre serviço”, no valor total de € 439.329,30.
Nos termos do artº. 53º. da Lei Geral Tributária, “1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida. 2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo”.
Ora, face à ilegalidade das liquidações adicionais ora impugnadas, como se demonstrou no ponto anterior da presente decisão e pelas razões elencadas no número 5 imediatamente anterior, não pode deixar de concluir-se que essas liquidações são ilegais por erro claramente imputável aos serviços, por violação da lei, nos pressupostos de direito.
Com efeito, quer os tribunais judiciais, quer os tribunais arbitrais haviam quase unanimemente decidido de que o direito circulatório da AT não é vinculativo e além disso, já existem decisões contrárias à orientação perfilhada pela requerida AT, sendo que esta não curou de utilizar os critérios legais de interpretação da lei para definir a orientação aplicável.
Por isso, entendemos que as ilegalidades apontadas pelo requerente às liquidações adicionais ora postas em crise resultam de forma clara e inequívoca de erro imputável aos serviços tributários.
Por isso, apesar de a garantia bancária ter sido prestada há menos de três anos, a Requerente deve ser indemnizada pelo valor que despendeu com a mesma na parte proporcional à quantia impugnada no presente PPA e em que obteve provimento de causa.
No caso ora em apreciação, o erro que afeta as liquidações impugnadas é exclusivamente imputável à requerida AT como se demonstrou em 4.5, pelo que tem o ora a Requerente direito a ser indemnizada pelas despesas que teve com a prestação da garantia comprovada pelo doc. 2 junto com o PPA.
6. Decisão
Nestes termos, decide-se julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e consequentemente:
a) anular-se parcialmente a decisão da reclamação graciosa, na parte objecto do presente PPA.
b) anular-se a liquidação adicional de IVA relativo ao ano de 2020 e que tem em vista as “refeições e complementos de refeição em livre serviço”, no valor total de € 439.329,30.
c) anular-se a liquidação de juros compensatórios relativamente à quantia de liquidação adicional de € 439.329,30.
d) condenar-se a Requerida a indemnizar a Requerente a pelas despesas que teve com a prestação da garantia comprovada pelo doc. 2 junto com o PPA, na parte proporcional ao valor das liquidações anuladas.
.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 439.329,30, indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante total das custas a pagar em € 7.038,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerida.
Lisboa, 17-08-2024
Árbitro – Presidente
(Victor Calvete)
Árbitro Vogal e Relator
(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)
Árbitro Vogal
(Elisabete Flora Louro Martins Cardoso)
Texto elaborado com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Acórdão de 10 de novembro de 2016, caso Baštová, processo C432/15, Acórdão de 9 de novembro de 2017, caso AZ, processo C-499/16 e Acórdão de 22 de abril de 2021, caso J.K., processo C703/19
[2] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 23-06-2021, no processo n.º 00929/06.2BEPRT, Acórdão do TCAN, de 25-03-2021, no processo n.º 01283/07.0BEPRT e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 16-12- 2010, no processo n.º 0587/10.