Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 745/2023-T
Data da decisão: 2024-09-01  ISV  
Valor do pedido: € 3.222,14
Tema: ISV – artigo 110.º do TFUE; artigo 11º do Código do ISV, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 391º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro; componente cilindrada; componente ambiental.
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Sumário:

 

 

I - O artigo 110.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre os veículos, quando é aplicado a um carro usado proveniente de um outro Estado-Membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados.

 

II. A questão de saber se o regime vertido no artigo 11º do Código do ISV, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 391º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2021, é compatível com as exigências do Direito Europeu é de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado aos veículos usados importados de outros Estados-Membros e o valor de imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais.

 

III. Esta comparação pressupõe a indagação de matéria de fato que não se limite a constatar a diferença de regimes de desvalorização, mas compare os efeitos desses distintos regimes com os preços de mercado dos veículos usados nacionais, de modo a apurar da existência ou não de um tratamento desvantajoso para os veículos automóveis usados importados.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Pedro Miguel Bastos Rosado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:  

 

I. Relatório

 

1.  A..., LDA., NIPC..., com sede na ..., nº..., ...-... Palmela, doravante designado por Requerente, apresentou, em 20 de outubro de 2023, pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial dos atos de liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV), referentes a Declarações Aduaneiras de Veículos de 2022 e 2023, na sequência do indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa, assim como o reembolso do montante pago em excesso de € 3.222,14, acrescido de juros indemnizatórios, sendo Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante também designada por Requerida ou AT.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 23 de outubro de 2023, e posteriormente notificado à AT.

 

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou, em 11 de dezembro de 2023, o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo legal.

 

4. Em 11 de dezembro de 2023, as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo arguido qualquer impedimento.

 

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 2 de janeiro de 2024.

 

6. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º do RJAT, a Requerida, em 5 de fevereiro de 2024, apresentou resposta na qual defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo junto o “processo administrativo” (adiante designado apenas por PA).

 

7. Por despacho de 19 de abril de 2024 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinou-se que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.

 

8. A AT apresentou alegações.

 

9. Por despacho de 27 de junho de 2024, o Tribunal determinou a prorrogação por dois meses do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, ao abrigo do disposto no seu n.º 2.

 

II. Saneamento

 

1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

2. As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

3. O processo não enferma de nulidades.

 

4. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.

 

5. O Tribunal é competente.

III. Matéria de fato

 

1. Fatos provados

 

Dão-se como provados os seguintes fatos relevantes para a decisão:

 

A) A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, com sede em Portugal, que se dedica à introdução no consumo e comércio de veículos automóveis usados (documentos juntos com o PA, cujos teores se dão como reproduzidos).

 

B) A Requerente apresentou na Alfândega de Leixões, através de transmissão eletrónica de dados, sete Declarações Aduaneiras de Veículos, designadamente - (DAV) 2022/..., datada de 03-10-2022; - (DAV) 2022/..., datada de 03-10-2022; - (DAV) 2023/..., datada de 30-01-2023; - (DAV) 2023/..., datada de 30-01-2023 - (DAV) 2023/..., datada de 15-02-2023; - (DAV) 2023/..., datada de 03-05-2023; - (DAV) 2023/..., datada de 08-05-2023, relativas a ISV (documentos juntos com o PA, cujos teores se dão como reproduzidos).

 

C) Com a apresentação das Declarações Aduaneiras de Veículos descritas em B), a Requerente visou serem declarados para introdução no consumo sete veículos automóveis usados, com as matrículas, datas, países de origem e marcas que constam do mapa por si junto como documento 1 do pedido de pronúncia arbitral (documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, e PA, cujos teores se dão como reproduzidos).

 

D) Na sequência da apresentação Declarações Aduaneiras de Veículos referidas em B), a Alfândega de Leixões procedeu às liquidações de Imposto Sobre Veículos (ISV), no montante global € 15.501,88 (quinze mil quinhentos e um euros e oitenta e oito cêntimos), o qual foi pago pela Requerente (documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, e PA, cujos teores se dão como reproduzidos).

E) A liquidação e o cálculo do montante de imposto foram efetuados de acordo com os artigos 7.º e 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas, conforme resulta do Quadro R das DAV, as reduções previstas nas tabelas A e D para os veículos ligeiros de passageiros, com referência à componente cilindrada e à componente ambiental, de acordo com as características dos veículos, tendo sido aplicadas percentagens de redução de ISV diferenciadas à componente cilindrada e à componente ambiental (documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, e PA, cujos teores se dão como reproduzidos).

 

F) Em 12-07-2023, a Requerente apresentou, junto da Alfândega de Leixões, um pedido de revisão oficiosa relativo aos atos de liquidação de ISV supra referidos (documento nº 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, e PA, cujos teores se dão como reproduzidos).

 

G) Por despacho de 29-08-2023 do Diretor da Alfândega de Leixões (emitido na sequência de anterior notificação do projeto de decisão de indeferimento para audiência prévia, que foi convertido em definitivo), o pedido de revisão oficiosa foi expressamente indeferido (documento nº 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, e PA, cujos teores se dão como reproduzidos).

 

H) Em 04-09-2023, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento, por ofício da Alfandega de Leixões (documentos juntos com o PA, cujos teores se dão como reproduzidos).

 

I) Em 20-10-2023, a Requerente  apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2. Fundamentação da matéria de fato dada como provada e não provada

 

Relativamente à matéria de fato, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os fatos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os fatos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).

 

Os fatos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o seu pedido de pronúncia arbitral (PPA) e nos documentos constantes no processo administrativo (PA), cuja autenticidade não foi colocada em causa, bem como nas posições assumidas pelas partes nos articulados apresentados.

 

3. Fatos não provados

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como fatos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de fato consolidada.

 

Não se provou que a AT tenha cobrado ISV sobre os veículos importados pela Requerente, com base num valor superior ao valor real dos veículos e que os veículos da Requerente foram objeto de uma tributação de ISV superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, que conduziu a favorecer a venda dos veículos usados nacionais, pelo simples fato de que as percentagens de redução relativamente à componente ambiental serem inferiores às aplicadas à componente cilindrada.

 

Na verdade, para além da existência das DAVs juntas com o PA, não foi pela Requerente produzida qualquer prova sobre a matéria atrás referida.

 

Aliás, desde já se adianta, e como melhor se verá a final, que a Requerente não alegou sequer fatos que, a serem dados como provados, pudessem levar à conclusão de que, no caso concreto, a aplicação de uma percentagem de redução da componente ambiental do ISV diferente da aplicada à componente cilindrada deste imposto conduziu a favorecer a venda dos veículos usados nacionais.

 

Não existem quaisquer outros fatos, alegados pelas partes, com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

IV. Matéria de Direito

 

1.  Apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral

 

1.1. Posições das Partes

 

Para fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente  alegou, em síntese, o seguinte:

 

- que, relativamente às declarações aduaneiras dos veículos, “as percentagens de redução relativamente à componente ambiental são inferiores às aplicadas à componente cilindrada.”;

 

- que “as liquidações efetuadas do ISV estão feridas de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2.”;

 

- que a “norma atualmente em vigor, e que esteve na base da liquidação do imposto pago pelo Impugnante, continua a violar frontalmente o art. 110º do TFUE.”, uma vez que “permite que a Administração Fiscal cobre um imposto sobre veículos importados, com base num valor superior ao valor real do veículo.”;

 

- que a “AT não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo.”;

 

- que o “valor do veículo usado importado utilizado pela AT como base de tributação, deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional.”;

 

- que o “montante do imposto, calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional.”;

 

Na sua resposta, a AT alegou, em síntese, o seguinte:

 

- que “(a) liquidação e o cálculo do montante de imposto foram efetuados de acordo com os artigos 7.º e 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas, conforme resulta do Quadro R das DAV, as reduções previstas nas tabelas A e D para os veículos ligeiros de passageiros, com referência à componente cilindrada e à componente ambiental, de acordo com as características dos veículos, nos termos dos referidos artigos do CISV.”;

 

- que “atos de liquidação foram praticados tendo em consideração as normas estabelecidas no CISV, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, não podendo a AT deixar de aplicar normas com base num “julgamento” de alegada desconformidade com o direito comunitário.”;

 

-  que “os atos de liquidação em causa não podem ser considerados ilegais, desde logo, porque os mesmos foram efetuados de acordo com a disciplina legal aplicável, encontrando-se em total consonância com as normas legais aplicáveis à factualidade que lhes está subjacente.”;

 

- que “o Requerente, discordando do montante apurado através da liquidação provisória prevista no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, nem sequer recorreu ao método de avaliação previsto no n.º 3 do mesmo artigo, de acordo com o qual, o cálculo do imposto, a pedido do sujeito passivo, é efetuado (liquidação definitiva) através da fórmula de cálculo nele indicada.”;

 

- que “o tribunal está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído”, pelo que “deve improceder o pedido formulado de anulação parcial das liquidações de ISV”.

 

1.2. Da legalidade das liquidações de ISV contestadas

 

A questão central objeto do presente pedido de pronúncia arbitral é a de saber se a redação do nº 1 do artigo 11.º do CISV, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, está em conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110º do TFUE, ao prever distintas taxas de redução nas componentes cilindrada e ambiental do imposto que recai sobre a importação de veículos usados de outros estados membros da União Europeia.

 

A Requerente vem impugnar os atos de liquidação de ISV, com fundamento na violação do artigo 110.º do TFUE, por entender que deveria ser aplicada na componente ambiental a mesma percentagem de redução prevista para a componente cilindrada.

 

A este respeito, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) já teve oportunidade de sublinhar que o artigo110º do TFUE se opõe a um imposto relativo ao registo dos veículos cujo montante, determinado, nomeadamente, em função da «classificação ambiental» dos veículos, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação (Acórdão de 5 de outubro de 2006, Nádashi e Németh, C-290/05 e C-333/05, EU:C:2006:652, n.os 56 e 57).

 

 

Como corolário de decisão do TJUE, o legislador nacional introduziu uma nova redação no artigo 11º do Código do ISV (através da Lei nº 75-B/2020, de 31 de Dezembro), ao abrigo da qual foram praticados os atos de liquidação controvertidos no presente processo.

 

Nos termos desta nova redação, que o Tribunal se abstém de reproduzir, passou a existir uma redução do imposto na componente ambiental, eliminando-se parcialmente a anterior violação ao artigo 110º do TFUE.

 

No entender da Requerente, esta alteração legislativa foi insuficiente, na medida que estabeleceu taxas percentuais diferenciadas para cada uma das componentes (componente cilindrada e componente ambiental), permitindo a persistência de uma concreta discriminação entre os veículos originariamente registados em território nacional e os veículos usados provenientes de outro Estado-membro.

 

Com efeito, enquanto na venda de um veículo usado já anteriormente registado no território nacional se atende apenas à desvalorização comercial do veículo, em cujo preço de venda está incorporado o valor residual do imposto suportado aquando da primeira matricula (admissão ao consumo), na venda de um veículo usado proveniente de outro estado membro o cálculo do imposto que onera o valor do veículo é feito em função de duas taxas de desvalorização distintas, sendo a relativa à componente ambiental inferior à da componente de cilindrada, o que, em princípio e em abstrato, parece penalizar esta última transação (por implicar uma menor desvalorização do valor do veículo na componente ambiental, o que implica maior matéria tributável).

 

E, nessa medida, o ISV assim calculado poderá continuar a provocar um efeito discriminatório sobre os veículos usados provenientes de outros Estados-membros da União Europeia, o que poderá violar o disposto no artigo 110.º do TFUE.

 

Os tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD têm proferido decisões contraditórias sobre a mesma questão fundamental de direito, o que tem motivado recursos para o Supremo Tribunal Administrativo com vista a ser proferido acórdão de uniformização de jurisprudência, tal como as partes referem nos seus articulados.

 

A título de exemplo, por um lado, a decisão arbitral proferida no processo nº 343/2022-T de 30-01-2023, que julgou procedente o pedido formulado de apreciação da legalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa referente aos atos tributários de liquidação de ISV incidentes sobre determindas DAVs, que considerou que o nº 1 do artigo 11º do CISV não está em conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110º do TFUE e, em consequência, anulou parcialmente as liquidações impugnadas efetuadas ao abrigo da nova redação do nº 1 do artigo 11.º do CISV, aprovado pela Lei nº 22- A/2007, na redação introduzida pela Lei nº 75-B/2020, de 31 de Dezembro, condenando a AT no reembolso da respetiva quantia, bem como no o pagamento de juros indemnizatórios.

 

E, por outro lado, a decisão arbitral proferida no processo nº 350/2021-T de 22-02-2022, no segmento em que considerou que as liquidações impugnadas de ISV respeitantes a determinadas DAVs, efectuados ao abrigo da nova redação do nº 1 do artigo 11.º do CISV, aprovado pela Lei nº 22-A/2007, na redação introduzida pela Lei nº 75-B/2020, de 31 de Dezembro ao aplicarem o artigo 11.º do CISV, foram efetuadas em conformidade com a lei nacional em vigor e com o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição, não existindo, consequentemente, a alegada discriminação da tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-membros e violação do artigo 110º.

 

Na sequência dos mencionados recursos, o STA questionou o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) acerca da conformidade com o Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) do regime do artigo 11.º do Código ISV, por meio da seguinte questão - o artigo 110º do TFUE e os comandos ínsitos no acórdão do TJUE n.º C-169/20, são afrontados pela alteração legislativa de 2020 do artigo 11º do CISV, que estabeleceu as regras de desvalorização da componente ambiental, mas em que a desvalorização da componente ambiental obedece a critérios distintos da desvalorização da componente da cilindrada, o que implica taxas de desvalorização distintas e, nessa medida, poderá acarretar um efeito discriminatório sobre os veículos usados importados de outros países da União?.

(cfr. neste ponto o Acórdão de 24 de abril de 2024, proferido no Processo n.º 025/23.8BALSB - Pleno da Secção de Contencioso Tributário – disponível em

https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1105149c8ffa87ca80258b0d005efd38?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1)

 

Entretanto, o TJUE veio notificar o STA do teor da decisão lavrada no Processo C-399/23 (Ósoquim), de 6 de Fevereiro de 2024 (cfr. Acórdão de 24 de abril de 2024, proferido no Processo n.º 025/23.8BALSB - Pleno da Secção de Contencioso Tributário), cuja similitude da questão prejudicial é (praticamente) em tudo semelhante àquela que nos presentes autos se poderia suscitar e é até solicitado pela Requerente.

 

Por acórdão de 24 de abril de 2024, proferido no Processo n.º 025/23.8BALSB - Pleno da Secção de Contencioso Tributário, o STA julgou procedente o recurso e anulou a decisão recorrida, tendo decidido o seguinte:

 

III. (…) Naquela que é uma das últimas alterações introduzidas naquela legislação, por força daquele desiderato, fixou-se o regime que ora se sujeitou ao crivo de conformidade do Tribunal de Justiça da União e que, em resumo, estabeleceu um critério de desvalorização da componente ambiental para a determinação do imposto sobre veículos devido por veículos usados importados do espaço da União Europeia que, apesar de pretender reflectir o imposto implícito nos veículos nacionais similares, é distinto daquele fixado para a componente cilindrada que compõe aquele imposto.


IV. Ora, por força das exigências de paridade de tratamento não penalizador destes veículos, entendeu o Tribunal de Justiça da União pronunciar-se no sentido de que, sem prejuízo de o critério de desvalorização fixado no artigo 11.º do Código do ISV não ser equivalente àquele estabelecido para a desvalorização da componente cilindrada, nem por isso se tornaria forçosamente desconforme com o artigo 110.º do TFUE, conquanto o montante do imposto cobrado não se revelasse superior ao valor residual do imposto implícito nos veículos nacionais similares.

É o que se extrai da mencionada decisão C-399/23 (Ósoquim), de 6 de Fevereiro de 2024, em termos que são, em tudo, equivalentes aos dos presentes autos: “O artigo 110.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre os veículos, quando é aplicado a um carro usado proveniente de um outro Estado-Membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados.”

V. Colocada assim a questão, está fácil de ver que a resposta dada à questão prejudicial colocada por este Tribunal àquele Tribunal de Justiça da União será sempre de matriz relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado (e contestado na decisão arbitral recorrida) e o valor de imposto implícito em veículos usados nacionais equivalentes – ou, nas palavras do daquele Tribunal, o “valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados”.

Assim sendo, a determinação da conformidade ou não da legislação aqui em causa com os postulados do Direito Europeu passa, nas palavras ainda daquele Tribunal, por “determinar se a aplicação de uma percentagem de redução da componente ambiental do ISV diferente da aplicada à componente cilindrada deste imposto conduz a favorecer a venda dos veículos usados nacionais.”


VI. Como está fácil de ver, esta comparação não foi, em momento algum, equacionada ao longo dos processos arbitrais aqui em confronto – ou, pelo menos, não o foi nos termos expressos em que o Tribunal de Justiça da união o exige – e pressupõe a indagação de nova matéria de facto que não se limite a constatar a diferença de regimes de desvalorização, mas compare os efeitos desses distintos regimes com os preços de mercado dos veículos usados nacionais, de modo a apurar da existência ou não de um tratamento desvantajoso para os veículos automóveis usados importados.

Sucede que uma tal indagação – que carece de ser feita para se concluir acerca da conformidade ou não com o Direito Europeu – é, forçosamente, de natureza factual, e encontra-se, por imposição legal, não apenas fora do âmbito do presente recurso uniformizador como, inclusivamente, fora do âmbito das competências deste Supremo Tribunal.
Assim sendo, importa apenas concluir no sentido da anulação da decisão arbitral recorrida.

 

III CONCLUSÃO

A questão de saber se o regime vertido no artigo 11.º do Código do ISV é compatível com as exigências do Direito Europeu é de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado aos veículos usados importados de outros Estados-Membros e o valor de imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais.

 

No mesmo sentido, entre outros, também o acórdão do STA de 23 de maio de 2024, proferido no Processo n.º 071/23.1BALSB - Pleno da Secção de Contencioso Tributário (disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3bf6817ea555906f80258b26004f2c20?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1).

 

Por conseguinte, a Requerente alegou e provou que nas liquidações de ISV contestadas foi aplicada uma percentagem de redução da componente ambiental do ISV diferente da aplicada à componente cilindrada deste imposto.

Todavia, para além da constatação da diferença de regimes de desvalorização, inexiste nos articulados matéria de fato que compare os efeitos desses distintos regimes desvalorização com os preços de mercado dos veículos usados nacionais, de modo a apurar da existência ou não de um tratamento desvantajoso para os veículos automóveis usados importados.

 

Ou seja, a Requerente não alegou fatos que, a serem dados como provados, pudessem levar à conclusão de que, no caso concreto, a aplicação de uma percentagem de redução da componente ambiental do ISV diferente da aplicada à componente cilindrada deste imposto conduziu a favorecer a venda dos veículos usados nacionais.

 

E esse ónus impendia sobre a Requerente, não podendo o Tribunal substituir-se às partes na alegação da matéria de fato.

 

Como refere o STA no acórdão atrás parcialmente reproduzido, esta comparação não foi, em momento algum, equacionada ao longo do presente processo “ou, pelo menos, não o foi nos termos expressos em que o Tribunal de Justiça da união o exige – e pressupõe a indagação de nova matéria de facto que não se limite a constatar a diferença de regimes de desvalorização, mas compare os efeitos desses distintos regimes com os preços de mercado dos veículos usados nacionais, de modo a apurar da existência ou não de um tratamento desvantajoso para os veículos automóveis usados importados”.


Sendo que uma tal indagação, que teria de ser feita para se concluir acerca da conformidade ou não da lei nacional com o Direito Europeu, é de natureza factual, e a sua falta não pode deixar de ir contra a pretensão da Requerente.

 

Em conclusão:

 

O artigo 110.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre os veículos, quando é aplicado a um carro usado proveniente de um outro Estado-Membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados.

 

A questão de saber se o regime vertido no artigo 11º do Código do ISV, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 391º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2021, é compatível com as exigências do Direito Europeu é de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado aos veículos usados importados de outros Estados-Membros e o valor de imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais.

 

Esta comparação pressupõe a indagação de matéria de fato que não se limite a constatar a diferença de regimes de desvalorização, mas compare os efeitos desses distintos regimes com os preços de mercado dos veículos usados nacionais, de modo a apurar da existência ou não de um tratamento desvantajoso para os veículos automóveis usados importados.

 

Face à referida uniformização de jurisprudência pelo STA, porque a situação é em tudo idêntica à que foi suscitada nos atrás referidos processos, e porque o número 3 do artigo 8.º do Código Civil assim o impõe, o Tribunal não pode deixar de concluir e decidir que os actos impugnados, seja a decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa, sejam os atos de liquidação de ISV, não enfermam do vício de violação de lei indicado pela Requerente.

 

1.3. Questão do reenvio prejudicial

 

Considerando que o Tribunal de Justiça da União Europeia já se pronunciou no Processo C-399/23 (Ósoquim), de 6 de Fevereiro de 2024, cuja similitude da questão prejudicial é em tudo semelhante àquela que nos presentes autos se poderia suscitar, é manifesto que não há fundamento para se proceder ao peticionado reenvio prejudicial, sendo, por isso, indeferido este pedido apresentado pela Requerente.

 

2. Reembolso de quantias pagas pela Requerente e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede a restituição do valor de imposto cobrado em excesso, acrescido de juros indemnizatórios.

 

Improcedendo o pedido de anulação parcial das liquidações de ISV, improcede o pedido de reembolso de quaisquer quantias pagas em excesso, que pressupõe essa anulação, bem como quaisquer juros indemnizatórios, que pressupõem a existência de uma quantia a reembolsar.

 

V. Decisão

 

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação da decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa e da anulação parcial dos atos de liquidação de ISV impugnados;

 

b) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos;

 

c) Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

VI. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €  3.222,14 (três mil, duzentos e vinte e dois euros e catorze cêntimos), atribuído pela Requerente, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

VII. Custas

 

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo da Requerente.

 

 

Lisboa, 1 de setembro de 2024

 

O Árbitro,

 

 

 

Pedro Miguel Bastos Rosado