Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 640/2023-T
Data da decisão: 2024-08-23  IRC  
Valor do pedido: € 156.191,04
Tema: IRC – RFAI; Transformação de produtos agrícolas; Criação de postos de trabalho.
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SUMÁRIO:

1. A atividade de transformação e comercialização de leite e produtos lácteos não é uma das atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR 2014-2020 a que se refere a artigo 22.º, do CFI, desde que satisfaça as condições previstas nas OAR previstas para os anos de 2014 a 2020.

2. Conforme o artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, só não é permitida a concessão de auxílios estatais à atividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações indicadas nas suas subalíneas i) ou ii).

3. O requisito de atribuição do benefício RFAI a que se refere a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do Código Fiscal de Investimento não pressupõe a criação líquida de postos de trabalho, mas a criação de postos de trabalho e a sua manutenção pelo período legalmente previsto

 

DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

A..., sociedade comercial por quotas, NIPC..., com sede em ..., ...-... ..., abrangida pelo serviço periférico local de Feira 1 (“Requerente”), ao abrigo do disposto nos artigos 10.º e 2.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante, “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” ou “RJAT”) e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, para se pronunciar sobre a legalidade dos atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), identificados com os n.os 2023..., de 24.04.2023, no valor de € 12.440,08, 2023..., de 09.05.2023, no valor de € 6.739,05, 2023..., de 16.05.2023, no valor de € 49.890,35, 2023..., de 23.05.2023, no valor de € 34.187,99, 2023..., de 01.06.2023, no valor de € 3.271,62, e 2023..., de 06.06.2023, no valor de € 4.770,11, referentes aos períodos de 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, respetivamente; bem como dos respetivos atos de liquidação de juros identificados com os n.os 2023..., 2023... e 2023..., referentes ao período de 2016, 2023..., referente ao período de 2017, 2023..., referente ao período de 2018, 2023..., referente ao período de 2019, 2023..., referente ao período de 2020, 2023..., 2023... e 2023..., referentes ao período de 2021; os quais resultaram nas demonstrações de acerto de contas n.os 2023..., relativa ao período de 2016, no valor de € 29.868,42, 2023..., relativa ao período de 2017, no valor de € 54.394,94, 2023..., relativa ao período de 2018, no valor de € 31.202,01, 2023..., relativa ao período de 2019, no valor de € 16.055,75, 2023..., relativa ao período de 2020, no valor de € 11.417,25 e 2023..., relativa ao período de 2021, no valor de € 13.252,67, cujas datas limites de pagamento terminaram a 14.06.2023, 28.06.2023, 06.07.2023, 11.07.2023, 20.07.2023 e 25.07.2023.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

 

1.1. Do pedido

 

A Requerente peticiona a final:

“Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. mui doutamente suprirá, requer-se que V. Exa. se digne julgar integralmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por provado, e, em consequência, determine a anulação dos actos de liquidação ora contestados, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 163.º do CPA (aplicável ex vi da alínea c) do artigo 2.º da LGT), tudo com as devidas consequências legais, nomeadamente, o reembolso do montante de imposto e juros indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios à taxa legal, nos termos do artigo 43.º da LGT”

 

1.2. Tramitação processual

O pedido de constituição do Tribunal foi entregue no dia 11-09-2023 e foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 12-09-2023, não tendo a Requerente nomeado árbitro.

Em 31-10-2023, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes, devidamente notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 20-11-2023, tendo na mesma data dado cumprimento ao disposto no artigo 17.º do RJAT.

Em 08-01-2024 a AT apresentou a Resposta e a 17-01-2024 juntou aos autos o Processo Administrativo.

A 16-01-2024 foi proferido Despacho Arbitral a convidar a Requerente “a indicar os factos (ou temas da prova) sobre que pretende a inquirição das testemunhas arroladas, na sequência do que o Tribunal decidirá sobre a utilidade ou dispensa desse meio de prova”, tendo a Requerente respondido por requerimento de 23-01-2024.

Em 24-01-2024 foi proferido Despacho pelo Tribunal no qual se agendou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT para o dia 22-02-2024 e para a inquirição das testemunhas apresentadas pela Requerente. No dia 22-02-2024 foi realizada essa reunião e foi produzida a prova testemunhal e determinou-se que as alegações escritas sejam simultâneas e a apresentar no prazo simultâneo de 20 dias.

A 14-03- 2024 a Requerente e Requerida apresentaram as suas alegações escritas, reproduzindo, no essencial as posições apresentadas.

 

2. Saneamento

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no artigo 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos n.º 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

O Tribunal Arbitral, com base nos documentos juntos pelas partes e não impugnados e na prova testemunhal considera provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que tem como objeto social o exercício e exploração da indústria e comércio de lacticínios e seus derivados; (cfr. Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”), e Resposta e Processo Administrativo (“PA”).
  2. Para efeitos da Classificação Portuguesa das Atividades Económicas (CAE Rev. 3), a Requerente encontra-se inscrita para o exercício da atividade de “Indústrias do leite e derivados” – CAE 10510, o qual compreende a “produção de diversos tipos de leite, manteiga, queijo e de produtos frescos ou conservados derivados do leite. Inclui também produção de bebidas à base de leite”; (cfr. art.º 17 do PPA e Resposta e PA).
  3. Os projetos de investimento de 2016 a 2021 enquadram-se na tipologia de investimento inicial relacionada com o “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente” prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 2 da portaria 297/2015; (cfr. PA).
  4. Os montantes de investimento efetuado pelo sujeito passivo entre os anos 2016 e 2021 e por ele considerados como elegíveis para efeitos de benefícios fiscais são apresentados no quadro seguinte (cfr. PA):

 

 

  1. Em 2016, a Requerente realizou os seguintes investimentos:

i) uma nova bomba para doseamento de queijo no fabrico, com maior capacidade e eficiência energética;

ii) um agitador de leite, que permitiu aumentar a capacidade de armazenagem desta matéria-prima;

iii) a cobertura da área fabril em painel Sandwich, o que permitiu um maior isolamento e controlo da temperatura, com consequente melhoria na qualidade da produção;

iv)  uma viatura comercial, para transporte da maior quantidade de produto; (cfr. doc. 8 junto com o PPA e PA e depoimento das testemunhas).

  1. De 2016 a 2021 a contratação de pessoal consta do seguinte quadro; (cfr. PA):

 

 

 

 

 

  1.  Em 2016, com ligação ao investimento referido em e), a Requerente contratou 4 (quatro) colaboradores: L..., N..., OO... e RR...; (cfr. o PPA e PA e depoimento das testemunhas).
  2. Em 2017, a Requerente realizou os investimentos discriminados no mapa resumo e descritos no documento 8 junto com o PPA:

- Filtragem do soro: aquisição de um novo filtro de finos e ampliação da osmose inversa;

- Acabamento e expedição da produção: aquisição de balanças etiquetadoras, maquinaria para fecho de caixas e porta paletes; formas de queijo; isolamento térmico de viatura, para garantia da qualidade do produto; (cfr. o PPA e PA e depoimento das testemunhas).

  1. No ano de 2017, a Requerente contratou 6 colaboradores com ligação ao investimento referido em h): B..., M..., S..., CC..., JJ... e SS...; (cfr. PA).
  2. Em 2018, a Requerente deu continuidade à melhoria de alguns processos produtivos, e ao aumento de um conjunto de estruturas de suporte, tendo realizado os investimentos discriminados no mapa resumo (cfr. o PPA e PA e depoimento das testemunhas).
  3. Em 2018, com ligação ao investimento referido em j), contratou um colaborador: G...; (cfr. PPA e PA e depoimento das testemunhas).
  4. Em 2019, a Requerente investiu numa linha totalmente automatizada de receção e circulação de leite, circulação de soro, pasteurização e do CIP (“Clean in Place”), cujos processos passam a ser controlados por autómatos, numa digitalização total dos processos; (cfr. PPA e PA e depoimento das testemunhas).
  5. A requerente contratou em 2019 Y... com ligação ao investimento referido em l) e W..., este último para exercer funções de contabilista (cfr. facto alegado na PPA e depoimento das testemunhas).
  6. Em 2020, a Requerente, realizou os investimentos discriminados no mapa resumo constante do PA e do doc. 8 junto com o PPA.
  7. A Requente em 2020 contratou FF... e PP...,
  8. Em 2021, realizou os seguintes investimentos:

- continuidade do processo de automação das linhas, com a modernização do quadro da centrifuga desnatadeira (ponto obrigatório de passagem das linhas de leite, soro e CIP), o qual passou a integrar o circuito controlado por autómatos, contribuindo para a digitalização do sistema; (cfr. PPA e PA e depoimento das testemunhas)

  1. A Requerente admitiu dois novos colaboradores para operar as linhas automatizadas e a nova cuba: R... e U....
  2. Ao abrigo das Ordens de Serviço n.os OI2022..., OI2022..., OI2022..., OI2022..., OI2022... e OI2022..., a atividade da ora Requerente foi objeto de 6 procedimentos de inspeção externos, que abrangeram os períodos de 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, respetivamente. Todos os Relatórios apreciam as mesmas circunstâncias de facto, fundamentam-se nas mesmas razões de direito, e aplicam o mesmo entendimento pugnado pela AT.
  3. A Requerente foi notificada das liquidações adicionais de imposto, liquidações de juros compensatórios e respetivas demonstrações de acerto de contas, relativas aos períodos de 2016 a 2021, cujas datas limites de pagamento terminaram a 14.06.2023, 28.06.2023, 06.07.2023, 11.07.2023, 20.07.2023 e 25.07.2023
  4. Em 07-06-2023 a Requerente pagou os valores de € 29.868,42 e € 54.394,94, referente aos exercícios de 2016 e 2017; (cfr. doc. n.º 10 junto com o PPA).
  5. Em 29-06-2023 a Requerente pagou os valores de 31.202,01, € 16.055,75, relativamente aos exercícios de 2018 e 2019; (cfr. doc. n.º 10 junto com o PPA).
  6. Em 13-07-2023 a Requerente pagou os valores de € 11.417,25 e € 13.252,67, relativamente aos exercícios de 2020 e 2021 (cfr. doc. n.º 10 junto com o PPA).

 

3.2. Factos não provados

Não há factos não provados que se considerem relevantes para a decisão da causa.

 

3.3. Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto

 

O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, a) e), do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.

Assim, a convicção deste Tribunal Arbitral sobre os factos dados como provados fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes, a prova testemunhal produzida, e a prova documental carreada para os autos.

4. Matéria de direito

A questão decidenda no caso em apreço consiste primeiramente em saber se a atividade exercida pela Requerente se insere nos sectores de atividade elegíveis para a concessão do benefício fiscal do RFAI à luz da interpretação do artigo 2.º e 22.º do Código Fiscal ao Investimento (CFI) e de mais legislação aplicável e das exclusões previstas no RGIC e nas OAR.

E se deve considerar verificado o requisito da criação e manutenção de postos de trabalho, previsto na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI.

 

4.1. Da elegibilidade dos investimentos realizados pela Requerente para efeitos do RFAI

 

4.1.1. Posição da Requerente

A Requerente defende que: “requer a anulação dos actos tributários ora em causa, por considerar que os mesmos padecem de vício de violação de lei, por assentarem numa errada interpretação do Direito, ao considerar, por um lado, que a actividade económica desenvolvida pela Requerente não é elegível para efeitos de aplicação do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”) e, por outro lado, que não se encontra reunido o requisito previsto na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento (“CFI”) quanto à criação de postos de trabalho”.

Alega ainda que “o n.º 1 do artigo 22.º do CFI determina que o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma actividade nos sectores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º (tendo em consideração os CAE’s definidos na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro (de ora em diante, “Portaria 282/2014”), com excepção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das Orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (de ora em diante, “OAR”) e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (de ora em diante, “RGIC”).

Ora, ao analisar os sectores previstos no n.º 2 do artigo 2.º do CFI percebe-se que a actividade da ora Requerente se insere nas actividades agrícolas, especificamente previstas na alínea d) daquela disposição legal, correspondendo, concretamente, à divisão 10 (CAE 10510) prevista na alínea b) do artigo 2.º da Portaria 282/2014”.

Na opinião da Requerente, as liquidações em causa são ilegais porque enfermam de erro na aplicação do direito quando invocam as OAR como obstáculo à aplicação do RFAI, porquanto a apreciação efetuada pela AT deveria ter incidido sobre as regras específicas previstas nas Orientações para os auxílios estatais no sector agrícola, e, só́ se se concluísse que aquelas não derrogam, total ou parcialmente, as OAR, se poderia concluir pela exclusão da atividade da Requerente do âmbito do RFAI.

Defende que a atividade exercida é elegível para efeitos de aplicação do RFAI, porquanto se enquadra no artigo 2.º, n.º 2 do CFI e não se encontra excluída do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC, para efeitos do n.º 1 do artigo 22.º do CFI”.

 

4.1.2. Posição da Requerida

Entende a Requerida que os produtos comercializados pela Requerente no exercício da atividade de “Indústrias do leite e derivados”, CAE 10510, integram o conceito de “transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado, pelo que a atividade encontra-se excluída do âmbito do RFAI, por força do disposto no artigo 1o da Portaria no 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do n.º 1 do artigo 22.º do CFI, e do próprio n.º 1 do art.º 22.º deste diploma, que na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC.

As CORREÇÕES EFETUADAS aos benefícios fiscais declarados pela Requerente, referentes a RFAI, nos seis exercícios supra identificados, tem por base o entendimento de que a atividade desenvolvida pela requerente, ao abrigo do CAE 10510 – “indústrias do leite e derivados” não é elegível para efeitos de aplicação do RFAI e ainda assim, também não se encontra verificado o requisito da criação e manutenção de postos de trabalho, previsto na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI”.

 

A AT menciona no PA:

“Quanto aos benefícios fiscais decorrentes do regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI) e da dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR), os investimentos em questão foram objeto de uma análise formal/documental e para uma correta identificação da natureza dos mesmos foi efetuada uma visita às instalações fabris, acompanhada pelos responsáveis da empresa, visita que nos permitiu observar/verificar o investimento efetuado, a sua localização, função e condição.

Conforme já referimos, o presente procedimento inspetivo decorreu em simultâneo com os procedimentos aos anos 2017 (OI2022...), 2018 (OI2022...), 2019 (OI2022...), 2020 (OI2022...) e 2021 (OI2022...). Considerando que a análise das questões relacionadas com benefícios fiscais envolve a interconexão de vários períodos contabilísticos, incluindo o controlo das condições dos projetos de investimento, da criação e manutenção dos postos de trabalho, bem como do cálculo da intensidade máxima dos auxílios, optou-se por fazer, no presente relatório, uma abordagem simultânea aos seis exercícios em análise”.

Os SIT validaram o preenchimento das condições e requisitos habilitadores da concessão do RFAI, previstos no artigo 22.º, números 2 e seguintes, bem como no artigo 2.º, n.º 2, alínea d) da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, mas concluíram e bem, que a actividade económica em que se encontra compreendido o objecto dos investimentos realizados, é afastada do âmbito de aplicação do RFAI, à luz do disposto quer nos normativos relevantes do quadro legislativo nacional - artigo 2.º, números 2 e 3 e artigo 22.º, n.º 1 do CFI, e Portaria n.º 282/2014, de 31 de Dezembro – e o quadro legislativo europeu, in casu, as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR) e o Regulamento (UE) N.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.o e 108.o do Tratado (RGIC)”.

E, a AT entende que:

“Logo, face ao disposto no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, não são elegíveis para a concessão do RFAI os projetos de investimento que tenham por objeto, entre outras, as atividades económicas da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado.”

A legislação interna não define transformação de produtos agrícolas e produto agrícola, porém, o n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, estabelece que “Para efeitos da determinação do âmbito sectorial estabelecido na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do nº 1 do artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento, aplicam-se as definições relativas a atividades económicas estabelecidas no art.º 2.º do RGIC”.

O RGIC, nos pontos 10) e 11) do artigo 2.º dispõe: “Transformação de produtos agrícolas” é “qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola (...)”. O “Produto agrícola” é “um produto enumerado no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (...)”.

E, o artigo 38.º do TFUE, indica no capítulo 4.º dos Números da Nomenclatura de Bruxelas, designação de produtos: Leite e laticínios.

Por sua vez, o ponto 10 das OAR, que especifica que “A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica, com exceção da pesca e da aquicultura, da agricultura e dos transportes, que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações”, e“A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas”.

Logo, “a contrario”, as referidas OAR não são aplicáveis à transformação de produtos agrícolas da qual resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, ou seja, um produto enumerado no Anexo I do Tratado.

A nota de rodapé (11) inserida nas OAR a propósito da agricultura, esclarece que “Os auxílios estatais à produção agrícola primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola”.

Em conclusão, os SIT consideram que os produtos comercializados pela Requerente no exercício da atividade de “Indústrias do leite e derivados”, CAE 10510, integram o conceito de “transformação de produtos agrícolas de que resulte um produto agrícola enumerado no Anexo I do Tratado, pelo que a atividade encontra-se excluída do âmbito do RFAI, por força do disposto no artigo 1º da Portaria nº 282/2014, de 30 de dezembro, aplicável ao RFAI por remissão do nº 1 do artigo 22º do CFI, e do próprio nº 1 do art.º 22º deste diploma, que na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR e do RGIC.”

Acrescenta a AT que:

“Tal como, mencionado nos relatórios elaborados pelos serviços de inspeção da Direção de Finanças de Aveiro, importa referir que entre os anos 2016 e 2021 e no âmbito do FEADER (Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural), o sujeito passivo beneficiou de dois incentivos financeiros não reembolsáveis (contrato n.º PDR2020-3.3.1-FEADER-049716, assinado em 2019-06-13 e contrato PDR2020-3.3.1-FEADER-034160, assinado em 2018-01- 30).

O sistema de incentivos FEADER tem enquadramento no Regulamento (UE) 2021/2115 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 2 de dezembro de 2021, que estabelece regras de apoio aos planos estratégicos a elaborar pelos Estados-Membros no âmbito da política agrícola comum (Planos Estratégicos da PAC) e financiados pela Garantia Agrícola Europeia (FEAGA) e pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER). T

O recebimento dos incentivos financeiros não reembolsáveis por parte da empresa relacionados com o FEADER, enquadram-se assim no âmbito dos apoios estratégicos da política agrícola comum da União Europeia, o que reforça as conclusões anteriormente apresentadas acerca da atividade exercida, nomeadamente o facto de se enquadrar na definição de «transformação de produtos agrícolas» e dos produtos resultantes do seu processo de transformação serem considerados produtos agrícolas.”

Mesmo que a actividade da Requerente fosse elegível – o que não se concede – os SIT analisaram e concluíram pela não verificação do requisito da criação e manutenção de postos de trabalho, previsto na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI – o que impediria a aplicação do RFAI.

 

4.2. Legislação

A legislação nacional:

O Código Fiscal do Investimento (“CFI”), aprovado pelo decreto-lei n.º 162/2014, de 31 de outubro - vigente à data dos factos, dispunha o seguinte:

“Art.º 1º Objeto

(…)

n.º 2 “O regime de benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo e o RFAI constituem regimes de auxílios com finalidade regional aprovados nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC)”.

“Artigo 2.º

Âmbito objetivo

1 - Até 31 de dezembro de 2020, podem ser concedidos benefícios fiscais, em regime contratual, com um período de vigência até 10 anos a contar da conclusão do projeto de investimento, aos projetos de investimento, tal como são caracterizados no presente capítulo, cujas aplicações relevantes sejam de montante igual ou superior a (euro) 3 000 000,00.

2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:

a) Indústria extrativa e indústria transformadora;

(...)

d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;

3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.

Artigo 22.º Âmbito de aplicação e definições

1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

(…)

4 - Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente capítulo os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

a) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade;

b) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;

c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, ou cinco anos nos restantes casos, os bens objeto do investimento ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, alterado pelas Leis n.os 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 2/2014, de 16 de janeiro, ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 31.º-B do Código do IRC;

d) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento dos seus débitos devidamente assegurado;

e) Não sejam consideradas empresas em dificuldade nos termos da comunicação da Comissão - Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 249, de 31 de julho de 2014;

f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c), aqui se incluindo os postos de trabalho criados nos termos da alínea c) do n.º 2. (Aditada pela Lei  n.º 82/2023, de  29/12)5 - Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso.

5 - Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso, bem como os custos salariais incorridos com a criação dos postos de trabalho nos termos da alínea c) do n.º 2, aqui se incluindo o salário bruto antes de impostos, as contribuições obrigatórias para a segurança social, o seguro de acidentes de trabalho, os encargos com a guarda de crianças e ascendentes e outros encargos de origem legal ou decorrentes de regulamentação coletiva de trabalho. (Redação da Lei  n.º 82/2023, de  29/12)

6 - Para efeitos do disposto no número anterior, não se consideram as adições de ativos que resultem de transferências de investimentos em curso transitado de períodos anteriores, exceto se forem adiantamentos.

7 - Nas regiões elegíveis para auxílios nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 107.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia constantes da tabela do artigo 43.º, no caso de empresas que não se enquadrem na categoria das micro, pequenas e médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, apenas podem beneficiar do RFAI os investimentos que respeitem a uma nova atividade económica, ou seja, a um investimento em ativos fixos tangíveis e intangíveis relacionados com a criação de um novo estabelecimento, ou com a diversificação da atividade de um estabelecimento, na condição de a nova atividade não ser a mesma ou uma atividade semelhante à anteriormente exercida no estabelecimento”. 

A Portaria para a qual remete o n.º 3 do artigo 2.º do CFI veio a ser a Portaria n.º 282/2014, de 30 setembro, a qual refere no seu Preâmbulo:

“Atendendo à necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014, são também definidos na presente portaria os setores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais.”

E quanto ao enquadramento comunitário e âmbito setorial, estabelecem os artigos 1.º e 2.º o seguinte:

Artigo 1.º

Enquadramento comunitário

Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo i do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.

Artigo 2.º

Âmbito setorial

Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:

(…)

b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;

(…)

A legislação da UE

O Regulamento Geral de Isenção por Categoria - RGIC (Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014), no Considerando (10) dispõe:

O presente regulamento deve aplicar-se, em princípio, à maioria dos setores económicos. No entanto, em alguns setores, como a pesca e a aquicultura e a produção agrícola primária, o âmbito de aplicação deve ser limitado à luz das regras especiais aplicáveis.”

O artigo 1.º, n.º 3 a), determina:

“O presente regulamento não é aplicável aos seguintes auxílios:

Auxílios concedidos no setor da pesca e da aquicultura, nos termos do Regulamento (UE) n.o1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, que estabelece a organização comum de mercado no setor dos produtos da pesca e da aquicultura, altera os Regulamentos (CE) n.º 1184/2006 e (CE) n.º 1224/2009 do Conselho e revoga o Regulamento (CE) n.º104/2000 do Conselho, com exceção dos auxílios à formação, dos auxílios ao acesso das PME ao financiamento, dos auxílios à investigação e desenvolvimento, dos auxílios à inovação a favor das PME e dos auxílios a trabalhadores desfavorecidos e trabalhadores com deficiência.”

E este artigo 1.º estabelece a final: “Sempre que uma empresa exercer atividades nos setores excluídos, referidos nas alíneas a), b) ou c) do primeiro parágrafo, bem como em setores abrangidos pelo âmbito de aplicação do presente regulamento, este apenas se aplica aos auxílios concedidos a esses últimos setores ou atividades, desde que os Estados-Membros assegurem, através de meios adequados como a separação das atividades ou a distinção dos custos, que as atividades nos setores excluídos não beneficiam dos auxílios concedidos em conformidade com o presente regulamento”.

 

Considerando que os investimentos em causa neste processo dizem respeito aos anos de 2016 a 2021 temos de atender ao regime estabelecido nas OAR 2014-2020, que foram adotadas pela Comissão em 19 de junho de 2013, tendo entrado em vigor a 1 de julho de 2014.

Na introdução no paragrafo 1. é mencionado que “Com base no artigo 107.º, n.º 3, alíneas a) e c), do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a Comissão pode considerar compatíveis com o mercado interno os auxílios estatais destinados a facilitar o desenvolvimento económico de certas regiões desfavorecidas da União Europeia. Este tipo de auxílios estatais é designado por auxílios com finalidade regional”.

o ponto 10 das OAR indica que:

A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica, com exceção da pesca e da aquicultura, da agricultura e dos transportes que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações. A Comissão aplicará estas orientações à transformação e comercialização de produtos agrícolas em produtos não agrícolas. As presentes orientações aplicam-se a medidas de auxílio em apoio de atividades fora do âmbito do artigo 42.º do Tratado, mas abrangidas pelo regulamento relativo ao desenvolvimento rural, e cofinanciadas pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural ou concedidas como um financiamento nacional em suplemento dessas medidas cofinanciadas, salvo previsão em contrário das regras setoriais.”

É referido na nota de rodapé 11 respeitante ao ponto 10 das OAR, que:

“(11) Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola”.

E no ponto (33) das OAR do setor agrícola é dito: “Em virtude das especificidades do sector, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020(27). Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações”.

E na secção 1.1.1.4., ponto (168), das OAR do setor agrícola: “Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio:

(a) Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado;

(b) Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020;

(c) As condições estabelecidas na presente secção”.

 

4.3. Apreciação

A Requerente é uma empresa com sede no concelho de ... , distrito de Aveiro e exerce atividades qualificadas como de indústria de transformação, com o CAE principal 10510 INDÚSTRIAS DO LEITE E DERIVADOS.

 Atividades que se enquadram no artigo 2.º, n.º 2, a) do CFI, e os investimentos realizados no exercício de 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021 seriam dedutíveis à coleta de IRC, ao abrigo do RFAI, por estar em causa um investimento de aumento da capacidade produtiva de um estabelecimento já existente”, em harmonia com o disposto na alínea d) do n.º 2 da Portaria no 297/2015.

As atividades em que se realizou o investimento da Requerente, estão relacionadas com a transformação e comercialização de produtos agrícolas.

O RFAI - Regime Fiscal de Apoio ao Investimento é um benefício fiscal que permite às empresas deduzir à coleta apurada uma percentagem do investimento realizado em ativos não correntes (tangíveis e intangíveis). Prevê-se a dedução à coleta de IRC (dedução que não pode exceder 50% da coleta do IRC, exceto nos casos de investimentos realizados no período de tributação do início de atividade e nos dois períodos de tributação seguintes) das seguintes importâncias:

No caso de investimentos realizados nas regiões Norte, Centro, Alentejo, Região Autónoma dos Açores e Região Autónoma da Madeira, 25% das aplicações relevantes, para o investimento realizado até ao montante de € 10.000.000,00 (até à Redação da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, sendo aumentado para € 15.000.000,00 a partir da sua entrada em vigor), e de 10% das aplicações relevantes, relativamente à parte excedente;

 

O RFAI, enquanto benefício fiscal concedido pelo legislador português, comporta limites na sua aplicação, como é estabelecido no mencionado artigo n.º 22, n.º 1 do CFI.

O facto de a Portaria n.º 282/2014 excluir do âmbito de aplicação do RFAI os projetos de investimento que tenham por objeto a transformação de produtos agrícolas, não pode relevar para a não aplicação do benefício fiscal que permite a dedução de uma percentagem dos valores dos investimentos realizados. Isto porque entendemos que o legislador remeteu para a Portaria apenas a definição dos códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no n.º 2 do artigo 2.º do CFI, tal como tem vindo a ser decidido pela jurisprudência maioritária do CAAD.

É de salientar que a definição do âmbito objetivo dos benefícios fiscais é matéria da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, como decorre dos artigos 103.º n.º 2 e 165.º, n.º 1 alínea i) e 198.º da CRP, determinando que a definição dos benefícios fiscais tem de ser feita por lei, estando vedado o condicionamento ou alargamento desses benefícios por via de uma Portaria.

Assim, assiste razão à Requerente quando defende que as atividades da Requerente, no âmbito da qual foram realizados os investimentos considerados como deduções à coleta ao abrigo do RFAI, se enquadram num setor de atividade previsto no artigo 2.º, n.º 2, alínea a), do CFI, e, bem assim, num dos Códigos CAE previstos no artigo 2.º, alínea b), da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro.

Porém, como o direito nacional nesta matéria dos auxílios estatais às indústrias transformadoras de produtos provenientes da agricultura está submetido à legislação da União Europeia, impõe-se que este Tribunal Arbitral análise essa legislação para determinar se a atividade da Requerente em que foi realizado o investimento está ou não excluída do RFAI e/ou do âmbito setorial de aplicação do RGIC e das OARs.

O TFUE consagra, nos seus artigos 107.º a 109.º, o regime jurídico que regula os auxílios de Estado, com a finalidade de proibir a concessão de auxílios por parte dos Estados que ponham em perigo a concorrência dentro da União Europeia.

Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, b) do TFUE, a determinação das regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno integra a reserva de competência exclusiva da União Europeia.

Em matérias de competência exclusiva da União, só esta pode legislar e adotar atos juridicamente vinculativos. Os Estados-Membros apenas poderão fazê-lo se habilitados pelo direito europeu ou a fim de dar execução aos atos da União (v. artigo 2.º, n.º 1 do TFUE). Neste âmbito, a Comissão Europeia, adotou em 2014, o RGIC (que sucedeu ao anterior regulamento geral de isenção por categoria, o Regulamento n.º 800/2008, de 6 de agosto de 2008), e continuou a simplificação do procedimento de autorização relativo aos auxílios, dispensando os Estados-Membros da obrigação de notificação, desde que verificados determinados pressupostos, orientando-os no sentido de dirigirem os recursos públicos para a realização de objetivos europeus comuns.

O primeiro capítulo do RGIC, sob a epígrafe “Disposições comuns”, dispõe sobre as normas comuns a todas as categorias de auxílios aí abrangidas, e consagra “a obrigatoriedade de os Estados respeitarem certos princípios quando se decidem a implementar auxílios sob o seu manto”, incorporando as diretrizes sobre os elementos que os auxílios devem respeitar, para serem considerados compatíveis com o mercado interno e estabelecendo expressamente a obrigação de os auxílios terem um efeito de incentivo (cfr. o artigo 6.º do RGIC).

Assim, o RGIC, além de isentar certos auxílios de Estado da obrigação de notificação, define os princípios e diretrizes que devem servir de enquadramento à ação legislativa dos Estados Membros nesta área, fazendo parte do respetivo quadro regulatório. Os referidos princípios e diretrizes, ao constarem de regulamento adotado pela Comissão Europeia, são obrigatórios em todos os seus elementos e diretamente aplicáveis em todos os Estados-Membros, como expressamente determina o artigo 288.º do TFUE e reitera o artigo 59.º do RGIC.

O RFAI integra os benefícios fiscais regulados no Código Fiscal de Investimento que operam por dedução à coleta. Quanto ao RFAI, o CFI enquadra-o, no seu artigo 1.º, n.º 2, como um regime de auxílio com finalidade regional aprovado “nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC)”.

O Código Fiscal do Investimento no artigo 1.º, n.º 2 convoca (ainda que tal não se afigurasse necessário) os “termos do Regulamento”. Assim, é no contexto institucional e normativo do RGIC que devem ser interpretados e aplicados o CFI, o RFAI e a Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.

Determina o RGIC que os auxílios com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável, prevendo o seu Considerando 31 que “podem ser concedidos para promover a criação de novos estabelecimentos, a extensão da capacidade de um estabelecimento existente, a diversificação da produção de um estabelecimento ou uma mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.”

As “Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020” (OAR), publicadas no Jornal Oficial da União Europeia C 209, de 23 de julho de 2013, são um diploma legal no qual “a Comissão enuncia as condições ao abrigo das quais os auxílios com finalidade regional podem ser considerados compatíveis com o mercado interno, definindo os critérios para a identificação das regiões que preenchem as condições previstas no artigo 107.º, n.º 3, alíneas a) e c), do Tratado”, no período temporal indicado.

 

Considerando a legislação mencionada, entende este Tribunal Arbitral que resulta do artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, que só não é permitida a concessão de auxílios estatais à atividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações indicadas nas suas subalíneas i) ou ii), isto é, “sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa” ou “sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários”.

Como não se verifica qualquer uma destas situações nos presentes autos, temos de concluir que a aplicação do benefício fiscal RFAI aos investimentos realizados pela Requerente também não é afastada pelo RGIC.

De salientar ainda que o artigo 13.º, alínea b), do RGIC, que define o “âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional”, confirma a sua aplicação à atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, ao excluir do seu âmbito de aplicação os “auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica”.

 

Em síntese, entende este Tribunal Arbitral que os investimentos realizados pela Requerente na sua atividade de produção de leite e produtos lácteos (com o CAE principal 10510 indústria do Leite e derivados) devem ser considerados para aplicação da dedução do benefício fiscal constante do RFAI na dedução à coleta de IRC dos anos de 2016 a 2021.

 

4.4. Da criação de postos de trabalho

Outra questão em analisar é a de determinar se a Requerente cumpriu a condição da “criação de postos de trabalho”, nos termos do artigo 22.º, n.º 4, f) do CFI.

 

4.4.1. Posição da Requerente

Relativamente à criação de postos de trabalho, a Requerente defende que não se deve aderir “ao conceito de criação líquida de postos de trabalho, tal como defendido pela AT e utilizado como fundamento para não considerar preenchido o requisito da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, nos anos de 2016, 2019, 2020 e 2021.

Com efeito, como facilmente se retira da letra da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, para aplicação do RFAI o legislador apenas exige que o investimento relevante proporcione a criação de postos de trabalho, ou seja, que exista um nexo de causalidade entre a realização do investimento relevante e a contratação de novos trabalhadores por parte do sujeito passivo, independentemente de, durante o período de manutenção dos mesmos, se registarem outras entradas ou saídas de trabalhadores, às quais o legislador não faz qualquer referência.

(...)

“Concretamente, no ano de 2016, houve a criação de 4 (quatro) postos de trabalho, sendo que 3 (três) deles foram mantidos por mais de três anos.

No ano de 2019, houve a criação de 2 (dois) postos de trabalho, sendo que 1 (um) deles foi mantido por mais de três anos.

Nos anos de 2020 e 2021, houve a criação de 2 (dois) postos de trabalho, em cada ano, embora nenhum deles tenha sido mantido por mais de três anos.

Sucede que, conforme melhor explicitado em sede de petição inicial, a Requerente considera que o requisito da manutenção dos postos de trabalho deve ser interpretado no sentido de desconsiderar os casos em que o termo do vínculo laboral é por exclusiva vontade dos trabalhadores.

Acresce que, o legislador também não fez qualquer referência à forma de contratação dos trabalhadores, admitindo, por isso, para efeitos do RFAI, tanto contratos a termo como contratos sem termo.

 

4.4.2. Posição da Requerida

A AT alega que:

Mesmo que a actividade da Requerente fosse elegível – o que não se concede – os SIT analisaram e concluíram pela não verificação do requisito da criação e manutenção de postos de trabalho, previsto na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI – o que impediria a aplicação do RFAI.

Quanto à condição de manutenção dos postos de trabalho, os serviços de inspeção invocam a ficha doutrinária proferida no âmbito do Processo n.º 2010 002853, PIV n.º 1212, com despacho de 2010-10-27, do Diretor-Geral.

Defendendo que, se a condição de “criação de postos de trabalho” é aferida em função do número de trabalhadores a 31 de dezembro, face à média dos 12 meses anteriores, considera-se que a condição de “manutenção” seja também ela avaliada nos mesmos termos, pois só assim existe evidência plena de que o investimento realizado num determinado período foi efetivamente proporcionador de criação de postos de trabalho durante um período mínimo igual ao da manutenção dos bens alvo do investimento.

Caso contrário, o investimento não foi indutor da criação de postos de trabalho. Partindo destes alicerces, e com base na documentação fornecida pela Requerente, os serviços da inspeção tributária da Direção de Finanças de Aveiro elaboraram os quadros apresentados no ponto V.1.2 dos relatórios da inspeção (relatórios que integram o processo administrativo e os documentos juntos ao pedido arbitral) concluindo que: só nos anos 2017 e 2018 é que a Requerente criou postos de trabalho, ou seja, a Requerente não criou qualquer posto de trabalho nos anos 2016, 2019, 2020, 2021 e 2022. Quanto à condição da manutenção dos postos de trabalho nos anos 2016, 2019, 2020 e 2021, essa questão fica prejudicada uma vez que nestes anos não foi criado qualquer posto de trabalho.

Contudo, vejamos, de entre as condições a satisfazer cumulativamente pelos sujeitos

passivos de IRC, para que possam beneficiar de RFAI, salienta-se a definida na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, de onde resulta a exigência de realização de “investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c)”.

Apesar de o CFI ser omisso quanto à definição de “criação de postos de trabalho”, constata- se que esta condição reflete uma estreita conexão com o espírito consignado no Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.o L 187, de 26 de junho de 2014 (RGIC), nomeadamente no seu § 31 onde se lê que “Ao tentar ultrapassar as desvantagens das regiões desfavorecidas, os auxílios com finalidade regional promovem a coesão económica, social e territorial dos Estados-Membros e da União no seu conjunto.

Os auxílios com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável.”

Deste modo, as condições em que se considera estar assegurada a exigência relativa à “criação de postos de trabalho” e à sua manutenção, como estão definidas na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, estão, em consonância com o disposto no RGIC, designadamente quanto aos objetivos a alcançar com os auxílios com finalidade regional.

E, para tal, a criação de postos de trabalho é aferida com referência a 31 de dezembro em “comparação com a média dos 12 meses anteriores” (dezembro de n-1 a novembro de n), conforme ponto 32) do artigo 2.º e alínea a) do n.º 9 do artigo 14.º, ambos do RGIC.

Por conseguinte, para que os sujeitos passivos possam beneficiar do RFAI, tem que se verificar a criação de postos de trabalho diretamente conexos com o investimento em causa, tendo, esses mesmos postos de trabalho que ser mantidos durante o período mínimo de detenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, de forma a dar cumprimento à norma que se encontra prevista nesse diploma e que é de aplicação específica quando esteja em causa esse benefício fiscal (RFAI).

Assim, a avaliação do impacto da criação e manutenção de postos de trabalho deve basear- se nessas disposições claras e bem definidas presentes no Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão. Isso implica não apenas uma análise numérica direta, mas também uma consideração meticulosa das flutuações no número de postos de trabalho ao longo do tempo.

Dessa forma, o aumento líquido do número de trabalhadores é avaliado em relação à média histórica, permitindo uma avaliação mais precisa e abrangente das tendências de emprego no estabelecimento em causa”.

(...)

E a AT defende ainda que “só com a contratação de trabalhadores através de contratos sem termo é possível alcançar o objetivo de “criação de emprego num contexto sustentável” imposta pelo § 31 do preâmbulo do RGIC.

O desenvolvimento das regiões apenas é alcançado se houver contratação líquida de pessoas, com contrato sem termo (sustentável), e se o nível de empregabilidade (trabalhadores com contrato sem termo no final do período), atingido pela entidade no período do investimento relevante, for superior à média dos 12 meses anteriores e se mantiver, nos três períodos seguintes (caso das PME’s que é o caso em análise), sempre superior a tal média.”

 

4.4.3. Apreciação

Nos anos de execução do projeto de investimento a Requerente criou postos de trabalho conforme é supramencionado nos factos provados.

O investimento realizado proporcionou a criação de postos de trabalho e a sua manutenção, nos termos da prova produzida com os documentos juntos com o PPA e com o depoimento das testemunhas.

Para analisar esta questão teremos de analisar as disposições aplicáveis, relativamente à criação de emprego, a nível da União Europeia e nacional.

 

O n.º 32 do artigo 2.º do RGIC, no âmbito das definições genéricas, menciona que: “o aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento em causa em comparação com a média durante um determinado período de tempo, devendo os postos de trabalho suprimidos durante esse período ser, por conseguinte, deduzidos e o número de trabalhadores a tempo inteiro, a tempo parcial e sazonais ser considerado segundo as respetivas frações de trabalho anual”.

No mesmo sentido, segundo disposto na alínea k) do ponto 1.2 das OAR, que se refere às definições aplicáveis para efeito dessas orientações, entende-se como criação de emprego “um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período do número aparente de postos de trabalho criados.”

É de salientar que apenas é feita menção no RGIC, no capítulo específico sobre os auxílios com finalidade regional (subsecção A, da Secção I, capítulo III), às condições relativas ao número de trabalhadores, concretamente no n.º 9 do artigo 14.º, “quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados”, descritos no n.º 4 (alíneas b) e c)), ou seja, “decorrentes da criação de emprego, em virtude de um investimento inicial, calculados ao longo de um período de dois anos”.

Quanto à legislação nacional, o artigo 22.º, n.º 4, f) do CFI, sobre a questão dos postos de trabalho determina: “Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c), aqui se incluindo os postos de trabalho criados nos termos da alínea c) do n.º 2”.

Esta norma apenas exige que o investimento proporcione a criação de postos de trabalho, nada dispondo sobre a tipologia do contrato de trabalho ou aumento líquido do número de trabalhadores. Neste sentido se pronunciou o Acórdão do STA de 08-11-2023, proferido no Processo 0411/16.0BEPNF, em que analisou o disposto no n.º 3, f), do CFI, sendo igual a redação dessa norma jurídica.

Assim, e porque concordamos transcrevemos parte desse, no que diz respeito à questão da criação de postos de trabalho no âmbito do RFAI: “No âmbito do RFAI 2009, nem a letra nem a ratio legis da alínea f) do n.º 3 do art. 2.º autorizam a interpretação da expressão aí utilizada de criação de postos de trabalho com o sentido de criação líquida de emprego.”

E é dito neste Acórdão do STA:

“Antes do mais, é de notar que a AT não pôs em causa a ligação causal entre o investimento efectuado pela ora Recorrida e a criação dos empregos ocorrida em 2011 nem a sua manutenção durante o período de dedução. O que considera é que não houve criação de postos de trabalho porque esta condição só poderia considerar-se preenchida se «à data de 31 de Dezembro de 2011 se verifica[sse] um aumento líquido do número de trabalhadores relativamente à média dos doze meses precedentes», o que não ocorreu. Ou seja, a AT sustenta que não basta a criação de postos de trabalho causada pelo investimento realizado, exigindo-se ainda que o número global de trabalhadores do sujeito passivo tenha aumentado.

(...)

Desde logo, a letra da lei – que constitui «o ponto de partida da interpretação» (Cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 182, que assinala uma dupla função à letra da lei enquanto factor hermenêutico: por um lado, «uma função negativa», qual seja «a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei»; por outro lado, «uma função positiva», que se reconduz a dois efeitos, sendo o primeiro, que, «se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador» e o segundo «quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais de um significado)», «dar mais forte apoio a, ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis».) –aponta nesse sentido. Na verdade, como bem assinalou a Juíza do Tribunal a quo, o legislador disse «investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período de dedução constante dos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º» (sublinhado nosso) e não que haja criação líquida de emprego nesse ou noutro período – expressões de sentido obviamente diverso –, apesar de ter utilizado expressamente esta segunda expressão relativamente a outros regimes de benefícios fiscais. Ora, o n.º 3 do art. 9.º CC impõe-nos presumir, não só «que o legislador consagrou as soluções mais acertadas», como também que «soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».

Mas ainda que se pudesse considerar que a letra da lei comportava o significado que a Recorrente lhe aponta – e, a nosso ver, não pode –, sempre teríamos de ter presente que «na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas» (Cfr. BAPTISTA MACHADO, ibidem.). Ora, criação de postos de trabalho não se confunde com criação líquida de emprego, sendo que esta última expressão tem, manifestamente, um carácter bem mais restritivo que a primeira. Tenha-se presente que se aconselha redobrado cuidado na tarefa hermenêutica uma vez que nos situamos no âmbito de benefícios fiscais, que, como é sabido, se encontram a coberto do princípio da legalidade tributária (cfr. art. 8.º da LGT e art. 103.º da Constituição da República Portuguesa), o que proíbe a sua integração por analogia (cfr. art. 11.º, n.º 4, da LGT). Para além disso, as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais (cfr. art. 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais), pelo que devem ser interpretadas nos seus precisos termos, sem ampliações ou restrições.

Mas não é só a letra da lei a apontar esse significado. Também a sua razão de ser (a ratio legis) – factor hermenêutico cuja consideração é imposta ao intérprete pelo n.º 1 do art. 9.º do CC (Nos termos do art. 9.º, n.º 1, do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, antes procurando reconstituir a partir do seu texto o pensamento legislativo.) – vai no sentido de que a norma releva a criação efectiva (e ulterior manutenção durante o período da dedução) de postos de trabalho (Sendo de realçar que a AT, através da Ficha Doutrinária – Processo 2010 002853 e 2010 001800, divulgou já o entendimento de que é suficiente a criação de um posto de trabalho.), independentemente de ser positiva a relação entre o número absoluto dos trabalhadores nesse ano e no ano anterior, i.e., independentemente do efectivo aumento global do número de trabalhadores da empresa. Se não vejamos:

O RFAI 2019 integra-se no âmbito da Iniciativa para o Investimento e o Emprego, designada por Programa IIE, criado pela Lei 10/2009, de 10 de Março, programa que visou «promover o crescimento económico e o emprego, contribuindo para o reforço da modernização e da competitividade do País, das qualificações dos Portugueses, da independência e da eficiência energética, bem como para a sustentabilidade ambiental e promoção da coesão social» (cfr. art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 10/2009) e no seu âmbito incluíam-se medidas de «Apoio especial à actividade económica, exportações e pequenas e médias empresas (PME)» e de «Apoio ao emprego e reforço da protecção social» (cfr. alíneas d) e e) do n.º 1 do art. 3.º da Lei 10/2009).

O RFAI 2009 foi criado no âmbito do mesmo Programa como «um sistema específico de incentivos fiscais ao investimento», conforme resulta do respectivo art. 1.º do mesmo Regime e é um regime que visa, essencialmente o investimento e não o emprego (o apoio ao investimento é calculado com base nos custos de investimento em activos corpóreos e/ou incorpóreos, e não com base nos custos de investimento em postos de trabalho ou em custos salariais estimados). Ou seja, o RFAI 2009 foi formulado como um incentivo ao investimento. Assim sendo, acriação de emprego é uma condição para a aplicação do benefício fiscal nele previsto, não é o seu objectivo principal, motivo por que bem se compreende que o legislador se tenha bastado com a «criação de postos de trabalho», ao invés de exigir, como noutros a criação líquida de emprego. Nesse contexto, a criação de postos de trabalho a que alude a alínea f) do n.º 3 do art. 2.º daquele regime, deverá ser entendido como um requisito sine qua non do direito ao benefício fiscal, mas não o fundamento desse direito.

No mesmo sentido aponta o Regulamento (CE) n.º 800/2008 da Comissão, de 6 de Agosto de 2008, vigente na altura da implementação do RFAI 2009 e que está na sua génese.

Na verdade, o referido Regulamento distingue dois tipos de apoios às PME: os apoios quantificados com base nos custos do investimento e os apoios quantificados com base nos custos relativos aos postos de trabalho directamente criados por um projecto de investimento. É para este último tipo de apoios que é utilizado o conceito de criação líquida de postos de trabalho por serem, justamente, aqueles em que a utilização de tal conceito se justifica.

Ora, como deixámos já dito, o RFAI 2009 foi um apoio ao investimento, calculado com base nos custos de investimento em activos corpóreos e/ou incorpóreos, e não com base nos custos de investimento em postos de trabalho ou em custos salariais estimados.

Por isso, também a ratio legis não autoriza a invocação do conceito de criação líquida de postos de trabalho para a interpretação a fazer da alínea f) do n.º 3 do art. 2.º do RFAI 2009, que se refere a criação de postos de trabalho.

Concluímos, pois, que a expressão criação de postos de trabalho não pode ser interpretada, como pretende a Recorrente, com o sentido de criação líquida de postos de trabalho”.

 

Pelo exposto conclui-se que a AT não tem razão ao exigir uma criação “líquida” de postos de trabalho, sendo que a Requerente logrou provar que ao longo dos anos em causa neste processo procedeu à criação de postos de trabalho e a ligação das contratações com o seu investimento.

 

Decide-se pela ilegalidade das liquidações adicionais impugnadas, por vício de violação de lei, determinando-se a sua anulação.

 

5. Dos Juros compensatórios

As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto a respetiva liquidação de IRC (n.º 8 do artigo 35.º da LGT), pelo que enferma do mesmo vício que afeta esta, justificando-se desta forma também a sua anulação.

 

6. Reembolso e Juros indemnizatórios

6.1. Reembolso

A requerente peticiona o reembolso do valor de IRC pago.

Na sequência da anulação dos atos de liquidação adicional a Requerente tem direito a ser reembolsado das quantias pagas, o que é consequência da anulação.

No total dos atos de liquidação adicional e pagos pela Requerente tem o valor de € 156.191,04, pelo que é esta a quantia a que o Requerente tem direito.

6.2. Juros indemnizatórios

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que dispõe que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Os erros que afetam as liquidações são imputáveis à Administração Tributária, que efetuou por sua iniciativa as liquidações adicionais de imposto e de juros compensatórios. Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados à taxa legal supletiva, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT e 61.º do CPPT, até ao integral reembolso contados desde as datas de pagamento.

 

7. Decisão

Este Tribunal Arbitral decide:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular as liquidações de IRC, relativas aos períodos de 2016 a 2021;

b) Determinar, em consequência, a restituição das quantias pagas pela Requerente e reconhecer o direito aos juros indemnizatórios contados desde a do pagamento do IRC até à emissão da nota de crédito; e

c) Condenar a Requerida nas custas processuais.

 

8. Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 156.191,04.

 

9. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Notifique-se

 

Lisboa, 23 de agosto de 2024

 

Os Árbitros

 

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(Regina de Almeida Monteiro – Presidente e Relatora)

 

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(Fernando Miranda Ferreira – Adjunto)

 

 

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(Jorge Belchior de Campos Laires - Adjunto)