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SUMÁRIO
Sumário: I - Nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 10.º e artigo 43.º e seguintes do Código de IRS, para o cálculo da mais-valia há que atender ao valor da realização, às despesas com a valorização dos bens e encargos inerentes à alienação e ao valor de aquisição.
II - De acordo com o disposto no artigo 51.º do Código de IRS, para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem “os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos (…)”.
III - Estão aqui em causa encargos intrinsecamente ligados ao bem alienado, conducentes a uma valorização, quer material ou física, quer económica, do mesmo.
O árbitro singular, Ana Teixeira de Sousa, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante apenas ‘CAAD’) para constituir o presente Tribunal Arbitral (TA) singular, no âmbito do qual se decide o seguinte
I – Relatório
A..., NIF ... e B..., NIF..., ambos com domicilio fiscal na Rua ... no..., ...-... Bombarral (doravante, Requerentes), vêm requerer a constituição de Tribunal arbitral e a apreciação do Pedido de Pronúncia Arbitral (adiante designado por “PPA”), ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº 2023..., relativa ao ano de 2021, com fundamento em errónea qualificação dos factos tributários.
Requerem:
“A) a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, por vício de violação da lei, por erro nos pressupostos fr facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do artº 51º do Código do IRS e no uso de informação vinculativa, que só produz efeitos interpartes conforme artº68º da LGT, atual 68º-A, tal como refere o Acordão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22 de março de 2018 (proc.07228/13);
B) a declaração de ilegalidade do processo contraordenacional,
C) por conseguinte a devolução dos valores pagos a título de acerto de liquidação e o valor da coima pelo processo contraordenacional que foi instaurado,
D) condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal calculados sobre o imposto indevidamente pago até ao reembolso integral da quantia devida,
E) condenação da AT nas custas processuais.
Se assim não se entender, vêm requerer:
A) o arquivamento do processo contraordenacional por ilegal, por falta da comunicação da possibilidade do exercício do direito à redução da coima, da incoerência das normas punitivas aplicáveis e da violação do princípio da legalidade, justiça, colaboração com os particulares, da fundamentação da decisão e do contraditório,
B) por conseguinte do valor da coima no valor de 151,50E pelo processo contraordenacional que foi instaurado,
C) condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal calculados sobre a coima indevidamente pagas até ao reembolso integral da quantia decida,
D) Condenação da AT nas custas processuais
Sinteticamente, fundamentam o pedido nos seguintes termos.
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Os Requerentes adquiriram um imóvel pelo valor de 35,000,00€ e venderam
por 66.500,00€, num espaço temporal de 1 ano e 2 meses, tendo o mesmo sido amplamente valorizado.
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Realizaram inúmeras obras de remodelação pelos seus próprios meios adquirindo materiais de construção para o efeito, apresentaram essas faturas em sede de IRS para tributação das mais valias.
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A AT não considerou essas faturas de compra de materiais de construção como despesas para efeitos do estabelecido pelo artigo 51º do CIRS.
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Os Requerentes apresentaram reclamação, juntando meios de prova e indicando prova testemunhal.
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Tais meios de prova não foram aceites pela AT.
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A AT procedeu oficiosamente à substituição do valor declarado, rejeitando oficiosamente os valores das faturas de compra de materiais, dando origem a uma nota de cobrança de IRS, tendo esta sido paga pelos Requerentes.
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Por motivo de ter procedido à substituição oficiosa da declaração, deu origem a um processo contraordenacional contra os Requerentes, os quais nunca foram notificados para exercer o direito de pedir redução da coima.
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Da análise do auto de notícia contrapondo com a carta que acompanha o mesmo, verifica-se a existência de normas punitivas diferentes, obstando ao pleno exercício do direito de defesa e ao conhecimento da causa.
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Foi exercido o direito de defesa pelos Requerentes, nunca se tendo a AT pronunciado.
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Os Requerentes imputam diversos vícios ao ato de liquidação de IRS controvertido nos seguintes termos.
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Violação dos princípios constitucionais da legalidade, da tributação pelo rendimento real e da justiça, ínsito no princípio do Estado de direito.
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Violação do princípio da colaboração com os particulares em todos os contactos presenciais com a AT,
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Violação do princípio da fundamentação da decisão ao apreciar a reclamação enviada em 20/10/2022, optando pela não apreciação das provas juntas e ter formulado uma decisão enferma de fundamentação,
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O art. 128º do CIRS não colhe qualquer limitação quanto à natureza do ou dos documentos comprovativos dos valores declarativamente expressos, permitindo a Lei que o sujeito passivo faça prova através de outros elementos probatórios, logo estavam os sujeitos passivos crentes de que estariam a apresentar todos documentos de prova necessários.
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Violação do art. 48º do CPPT, pois nos termos do art 28º-A do RGIT a AT ao detetar a infração e ao notificar o contribuinte da possibilidade de regularização da situação tributária, estava obrigado a informar sobre a possibilidade do exercício do direito à redução da coima nos termos do art. 30º do RGIT.
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Violação do princípio do contraditório, pois da comunicação do processo contraordenacional verifica-se a identificação de duas normas punitivas para a mesma infração, não permitindo o efetivo conhecimento por parte dos contribuintes, de todos os elementos relevantes à tomada de decisão pela AT, obstando pois a um pleno exercício do direito de defesa
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Violação do princípio da legalidade na interpretação do art.51º do CIRS pela aplicação de uma informação vinculativa, que só produz efeitos interpartes conforme art.°68 da LGT, atual 58.0-A, tal como refere o Acordão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22 de março de 2018 (proc.07228/13), argumento usado pela própria AT em sede de resposta ao processo 701/2021-T do CAAD.
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Na interpretação do art. 51º do CIRS, quando a AT aplica uma norma vinculativa que só produz efeitos interpartes.
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Por violação do nºs. 2 e 4 do art 65º do CIRS, quando a AT procede à alteração dos elementos declarados, efetuando correções, não obstante dispor de documentos que comprovavam a veracidade desses elementos.
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Pois o art. 51.° do CIRS apenas exige que os encargos com a valorização do bem sejam comprovados, não indicando a forma e os documentos necessários, não tendo a AT vindo abalar a presunção de veracidade desses documentos.
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Assim como por violação do princípio de colaboração com os particulares, do principio da fundamentação da decisão quando a AT não apreciou as provas juntas pelos Requerentes em sede de reclamação.
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Pela violação do art. 48º do CPPT. ao não comunicar aos Requerentes a possibilidade do exercício do direito à redução da coima, e ainda pela falta de apreciação da defesa apresentada em sede de processo de contraordenação.
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Efectivamente, o imóvel adquirido pelos Requerentes foi sujeito a obras profundas no seu interior, tal como apresentado em sede de reclamação enviada à AT onde constavam fotos de todo o evoluir das obras.
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Obras essas em que participaram os proprietários, família e amigos, não havendo lugar à contratação de mão de obra por não ser necessário.
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Pois o Requerente A... procedeu à maior parte das obras por saber fazer e por estar desempregado na altura da remodelação, evitando assim custos acrescidos com a remodelação.
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Os materiais foram comprados com o NIF do requerente, quase sempre em loja situada em Santarém e transportados até ao imóvel através do seu próprio veículo com um reboque para cargas.
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As obras de requalificação do imóvel foram realizadas,
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Essas obras valorizaram o imóvel elevando quase no dobro o seu valor de venda face ao de compra.
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As despesas apresentadas pelos Requerentes através de faturas de compra de materiais de construção em sede de IRS, rejeitadas pela AT, no valor de 5 047,55€, foram efetivamente materiais utilizados na reabilitação do imóvel alienado,
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Ocorrendo evidente conexão entre as despesas apresentadas e a valorização do imóvel, as mesmas não poderão deixar de ser consideradas como encargos dedutíveis nos termos e para os efeitos do art. 51º, nº1, al. a) do CIRS, cumprindo estas faturas a forma legal exigida por Lei, estado devidamente documentadas,
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É ilegal a aplicação de uma informação vinculativa aos Requerentes quando a mesma apenas pode produzir efeitos interpartes, conforme referido no acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido no âmbito do Processo nº 07228/13, de 22/03/2018.
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Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação quer da liquidação de IRS quer da liquidação de juros compensatórios controvertidas, nos termos acima enunciados, deve lugar ao reembolso dos montantes pecuniários indevidamente suportados pelos Requerentes, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se aqueles atos tributários não tivessem sido praticados nos termos em que foram.
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Neste escopo, deverá proceder o pedido de reembolso aos Requerentes dos valores de imposto indevidamente pago, no montante de € 708, 49 (setecentos e oito euros e quarenta e nove cêntimos) acrescido do valor da coima no montante de € 151,50 (cento e cinquenta e um euros e cinquenta cêntimos).
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Termina, peticionando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral nos termos seguintes:
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a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, por vício de violação da lei, por erro nos pressupostos fr facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do artº 51º do Código do IRS e no uso de informação vinculativa, que só produz efeitos interpartes conforme artº68º da LGT, atual 68º-A, tal como refere o Acordão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22 de março de 2018 (porc.07228/13);
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a declaração de ilegalidade do processo contraordenacional;
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por conseguinte a devolução dos valores pagos a título de acerto de liquidação e o valor da coima pelo processo contraordenacional que foi instaurado;
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condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal calculados sobre o imposto indevidamente pago até ao reembolso integral da quantia devida;
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Condenação da AT nas custas processuais.
Se assim não se entender, vêm requerer:
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o arquivamento do processo contraordenacional por ilegal, por falta da comunicação da possibilidade do exercício do direito à redução da coima, da incoerência das normas punitivas aplicáveis e da violação do princípio da legalidade, justiça, colaboração com os particulares, da fundamentação da decisão e do contraditório;
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por conseguinte do valor da coima no valor de 151,50E pelo processo contraordenacional que foi instaurado;
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condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal calculados sobre a coima indevidamente pagas até ao reembolso integral da quantia decida;
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Condenação da AT nas custas processuais
Respondeu a AT nos termos, que sumariamente, adiante se expendem:
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Pedem os Requerentes que o Tribunal Arbitral proceda ao arquivamento do processo de contraordenação n.º ...2023... .
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O âmbito de competência dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), não contempla a possibilidade de apreciação do pedido tendente ao requerido pelos Requerentes.
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Isto porque, a competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
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Para além da competência para a apreciação direta da legalidade de pedidos deste tipo, poderão os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar atos de segundo ou de terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos de liquidação.
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Não se insere, pois, no âmbito destas competências a apreciação do pedido, como o que resulta do PPA., no sentido de arquivamento de processo de contra-ordenação conforme pretendem os Requerentes.
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Inexiste qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas pelos tribunais arbitrais condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT: poderes declaratórios com fundamento em ilegalidade.
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A incompetência material do Tribunal para a apreciação do pedido identificado supra consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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Atendendo à demais argumentação despendida, bem como a documentação junta, consubstanciada nos documentos anexos, o objeto do presente pedido arbitral incide sobre a discordância do montante de custos de construção a considerar, relativamente ao imóvel já identificado, cuja alienação foi geradora de mais-valias, a tributar, em sede de IRS.
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Isto porque, os Requerentes referem o artigo 51º, nº 1, alínea a) do CIRS, sendo que, este artigo dispõe sobre encargos comprovadamente realizados com a valorização dos bens ou despesas necessárias e efetivamente praticadas, relativamente à respetiva alienação e /ou aquisição.
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Encargos devidamente sustentados em elementos que inequivocamente permitam concluir que os proprietários suportaram o seu montante, que contribuíram nas atividades que permitiram, para o incremento valorativo do bem, devendo ser indissociáveis dessa realidade, pelo que não podem suscitar-se questões sobre a efetiva concretização, aplicação e associação da despesa incorrida com as obras incorridas/realizadas e a sua correspondência com a valorização.
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A PIV nº 14220 emitida em razão do P. 2511/2018, com despacho concordante de 22.08.2018, bem como a PIV 16463, no ano de 2019, vieram veicular o entendimento que:
“ (…) 2. Ora, para que os encargos com as obras de valorização possam ser fiscalmente aceites, tem o sujeito passivo de dispor dos elementos que permitam identificar os serviços que foram efetuados, bem como o material adquirido (concretamente, faturas discriminadas, orçamentos…) de forma que permitam aferir da existência de uma ligação com o imóvel alienado, salientando-se que, quando se trata de materiais adquiridos para a realização da obra separadamente da mão-de-obra, porque a mera aquisição dos mesmos não basta para comprovar a realização das referidas obras no imóvel alienado …” .
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Tendo presente que a AT está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da forma de comunicação em conformidade com o expresso no art.º 68-A LGT, no respeito pelo principio da legalidade e da justiça, verifica-se por outro lado que, atento ao regime previsto no art.º 51º CIRS cujo fim é o de permitir, em razão do principio da tributação do rendimento real, a determinação do rendimento de mais valia imobiliária que os contribuintes vêm efetiva e realmente disponibilizado na sua esfera jurídica, que os encargos suportados com a valorização do imóvel devem ser ponderados, sendo certo que o dispositivo legal explicita a necessidade dos mesmos mostrarem-se comprovados de modo idóneo, seja porque efetivamente suportados pelos interessados, seja por estes revelam-se essenciais e necessários para a valorização que venha a concretizar-se.
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Assim sendo, mostra-se claro que a mera aquisição de materiais de construção por si só não permite inferir da sua utilização na realização da obra que venha a realizar-se, sendo que tal aferição mostra maior adequação quando a aquisição dos materiais se associe à mão de obra necessária à sua aplicação.
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Conclui-se, portanto, não assistir razão aos Requerentes na argumentação apresentada face ao teor do art.º 51 e exigência de indubitável comprovativo dos custos suportados e a sua correlação efetiva à obra realizada, ademais quando a aplicação deste normativo igualmente deve ter presente o principio da justiça e igualdade dos contribuintes em situações similares devendo a AT ponderar a factualidade apresentada de forma o mais objetiva e equidistante possível, sem se socorrer de meras ilações que, necessariamente, levam à discricionariedade.
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Contesta o pedido de juros indemnizatórios alegando que o erro que suporta o direito a juros indemnizatórios não é qualquer vício ou ilegalidade mas aquele que se concretiza em defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais.
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Ora, à data dos factos, a Administração tributária fez a aplicação da lei nos termos e que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT.
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Conclui no sentido de que deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do
pedido.
II - Saneamento
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A 27 de Junho os Requerentes deram entrada com pedido de constituição de Tribunal arbitral que foi aceite a 29 de Junho.
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O pedido de constituição do Tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
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Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
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Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal arbitral singular foi constituído em 30 de Agosto de 2023.
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O Tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
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O processo não enferma de nulidades, é tempestivo, tendo sido invocada exceção referente à incompetência deste Tribunal arbitral para efeitos de conhecimento do pedido referente ao arquivamento do processo contraordenacional.
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A Requerida, devidamente notificada, apresentou a sua resposta a 25 de Setembro de 2023.
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A 15 de Fevereiro de 2024 decorreu reunião do Tribunal tendo sido tomadas declarações de parte, de ambos os Requerentes A... e B... bem como da testemunha C... . Não compareceu a testemunha D..., representante da agência imobiliária que interveio na venda do imóvel em causa.
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O Tribunal notificou as partes para apresentação de alegações, no prazo sucessivo de 10 dias, bem como os Requerentes para pagamento da taxa de justiça subsequente.
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As partes apresentaram alegações no prazo legal.
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O Tribunal prorrogou por três vezes o prazo para prolação da decisão.
Da Exceção de Incompetência material deste TA:
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Para a Requerida o Tribunal Arbitral constituído é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido formulado pela Requerente, no que respeita ao arquivamento do processo de contraordenação fiscal instaurado com o n.º ...2023..., o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.
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Com efeito, o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, como resulta do disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
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A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:
“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.
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Por outro lado, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira”.
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Decorre do enquadramento legal supra, em relação a matérias aduaneiras, que a definição de competências é feita tendo em atenção o tipo de tributos a que se dirigem as pretensões. E quanto a estes a Autoridade Tributária e Aduaneira só se vinculou quanto aos impostos administrados pela mesma.
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No caso em apreço está em causa procedimento respeitante a processo de contraordenação fiscal, regulados pelo Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pelo n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, procedimento esse que não se insere em nenhuma das alíneas do artigo 2.º do RJAT.
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É, pois, manifesta a incompetência do Tribunal arbitral quanto a esta pretensão, o que determina a absolvição da instância arbitral nesta parte, nos termos dos artigos 2º, nº 1, do RJAT e 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577º, al. a), do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
III - Fundamentação
Matéria de facto
Factos Provados
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São considerados provados os factos assentes em prova documental e testemunhal bem como aqueles que as partes apresentaram e não foram contraditados pela parte contrária.
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O Requerente, na situação de casado no regime da comunhão de adquiridos com B..., contribuinte nº..., adquire em 31.01.2020 o direito de propriedade do imóvel urbano/habitação sito em Santarém, identificado sob art.º ...- fração J.
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Este imóvel foi adquirido em31/01/2020 pelo valor de 35.000,00€ (anexo 3).
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O imóvel foi alienado pelo valor de 66.500,00€ em 23/03/2021 (anexo 3, 2a parte).
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Na entrega da declaração de IRS referente ao ano de 2021, foram submetidas as despesas e encargos realizados e praticados com a valorização do bem imóvel e inerentes à aquisição e alienação nos termos do art. 51º do CIRS, no valor de €11.765,22.
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No período em causa o Requerente A... estava desempregado conforme consta do anexo 2 apresentado junto ao pedido pelos Requerentes;
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A AT diligenciou através da divergência nº ..., que fossem apresentadas as faturas relativas às despesas declaradas,
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Em 02/10/2022, foi enviado, via portal das finanças, digitalizações das respetivas faturas, comprovativas das despesas apresentadas em sede de IRS.
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Em 07/10/2022 foram recebidas comunicações da AT a informar que: "Das 81 faturas juntas, verifica-se que, a grande maioria (76) são referentes a aquisição de materiais de construção, sem mão de obra, o que, de acordo com a informação vinculativa referente ao processo 2511/2018, sancionado por despacho da Diretora de Serviços do IRS, de 2018-08- 22, não podem ser considerados despesas para efeitos do estabelecido no artigo 51.° do Código do IRS, porque, a mera aquisição dos mesmos, não basta para comprovar a realização das referidas obras no imóvel alienado.", e, "Assim serão apenas de considerar as despesas referentes ao IMT, Imp. Selo, comissão da imobiliária e escritura, no total de 6 717,67, a inscrever no respetivo campo do quadro 4-A do anexo G. Face ao exposto, deverá entregar declaração de substituição com as correções propostas (anexo 1).
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Em 20/10/2022 foi submetida, via portal das finanças, uma reclamação da decisão no âmbito do processo de divergências ao IRS 2021, juntando meios de prova, em como os materiais de construção foram efetivamente aplicados na obra, assim como, indicação de prova testemunhal, caso assim fosse necessário (anexo 2).
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Em 28/10/2022 foi recebida a seguinte comunicação "Tal como já informado no email de 7/10/2022 para comprovar as obras realizadas terá de juntar faturas de materiais e mão de obra. Não o tendo feito, vai ser expedida carta hoje propondo a correcção de declaração"(anexo 4).
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Em 28/10/2022 foi emitida a proposta de correção oficiosa da declaração de IRS (anexo 5).
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Os Requerentes foram notificados de um processo de contra ordenação com o nº ...2023... por falta de apresentação de documentos comprovativos das declarações, com infração do artigo 128º do CIRS.
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Da notificação do processo contraordenacional, consta no auto de notícia que regista no ponto 4 do quadro 2 que a norma punitiva é o art. 119º do RGIT, por sua vez, a carta registada que acompanha o auto e onde consta o valor mínimo e máximo da coima regista que a norma punitiva é o art.0117 n.o1 (anexo 6).
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A AT procedeu oficiosamente à substituição do valor declarado de 11.765,22€ por 6.717,67€, procedendo à rejeição oficiosa no valor de 5.047,55€ a título de despesas e encargos com a valorização do imóvel, invocando não terem sido apresentadas faturas de mão de obra para as faturas de materiais tal como exigido pela informação vinculativa.
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Tal substituição oficiosa deu origem a uma nova liquidação de IRS (anexo 5).
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Foi emitida nota de cobrança de IRS decorrente da correção oficiosa da mesma que foi paga pelos sujeitos passivos em 15/02/2023 no valor de 708,49 (anexo 9).
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Do processo contraordenacional constou no portal das finanças a título de coima, o valor de 38,25€ (anexo 7).
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Foi a 07/03/2023 exercido o direito de defesa através de envio de email, que se dá aqui por integralmente reproduzido (anexo 10).
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A coima, no valor de 151,50€ foi paga no dia 28/03/2023.
Factos não provados
Motivação da matéria de facto
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O Tribunal não tem o dever de pronunciar sobre toda a matéria de facto alegada pelas partes, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelas Requerentes, e decidir se a considera provada ou não provada, conforme resulta do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT.
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Considerando as posições assumidas pelas partes nas respetivas peças processuais, o princípio da livre apreciação da falta de contestação especificada dos factos expresso nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e testemunhal, que foram objeto de exame e avaliação cuidada por este Tribunal, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
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Não se consideraram provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
Matéria de direito
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A questão central a dirimir no presente processo consiste na apreciação dos vícios de violação de lei imputado pelos Requerentes à liquidação de IRS nº 2023... do período de tributação de 2021, por violação do disposto no artigo 51º do CIRS.
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Os Requerentes imputam ao ato de liquidação adicional de IRS controvertido, vícios materiais, radicados, desde logo, na violação do disposto no artigo 51.º, alínea a), e no artigo 65.º, n.º 2 e 4, ambos do Código do IRS.
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O artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, estatui que o Tribunal deve apreciar prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, seguidamente, os vícios que conduzam à sua anulação (n.º 1). No concernente aos vícios que consubstanciem inexistência ou nulidade, o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos. No tocante aos vícios que constituam anulabilidade, é estabelecido o mesmo critério, que só não será aplicável se o impugnante tiver estabelecido uma relação de subsidiariedade entre os vícios imputados ao ato – o que é permitido pelo artigo 101.º do CPPT – pois nesse caso é dada primazia à sua vontade (desde que o Ministério Público não tenha arguido outros vícios) (n.º 2).
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Não tendo sido estabelecida essa relação o Tribunal pronuncia-se em primeira linha acerca da violação do artigo 51º do CIRS.
Da violação do artigo 51º do CIRS:
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Regressando à questão substantiva em apreciação, importará ter presente o quadro normativo aplicável referente ao cálculo das mais-valias e das respetivas componentes que confluem para a determinação do montante tributável final.
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Assim, impõe-se considerar as seguintes normas do Código do IRS, com a redação à data dos factos e nos segmentos a que aqui importa atentar:
“Artigo 10.º
Mais-valias
1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresarias e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;
(…)
3 – Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:
(…)
4 – O ganho sujeito a IRS é constituído:
a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;
(…)”
“Artigo 43.º
Mais-valias
1 – O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
2 – O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.
(…)”
“Artigo 44.º
Valor de realização
1 – Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:
(…)
f) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação.
2 – Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.
(…)
5 – O disposto no n.º 2 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto.
6 – A prova referida no número anterior deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações.
(…)”
No que concerne ao valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis, previsto no n.º 1 do art. 46.º se refere que, “1 – No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).
Já no que respeita às despesas e encargos, prevê o art. 51.º a) que [P]ara a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:
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Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º; (…)”
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Dado que se trata de encargos e despesas necessários à obtenção do rendimento, a regra prevista no artigo 51.º do CIRS é uma concretização, relativamente ao cálculo das mais-valias, do princípio da capacidade contributiva e, em particular, do princípio da tributação do rendimento líquido objetivo – princípios estruturantes do CIRS.
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Desde que as aludidas obras originem uma melhoria ou valorização do imóvel, enquadram-se na previsão do artigo 51.º, alínea a) do CIRS e, portanto, acrescem ao valor de aquisição do imóvel alienado (o mesmo é dizer, deduzem-se para efeitos do cálculo da mais-valia sujeita a IRS), se o encargo estiver devidamente comprovado e tiver ocorrido nos últimos 12 anos.
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Uma situação bastante comum de encargos com a valorização de bens imóveis alienados prende-se com a realização de obras pelo proprietário do imóvel, nos últimos 12 anos, relativamente às quais se encontre devidamente comprovado o encargo.
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Desde que as aludidas obras originem uma melhoria ou valorização do imóvel, enquadram-se na previsão do artigo 51.º, alínea a) do CIRS e, portanto, acrescem ao valor de aquisição do imóvel alienado (o mesmo é dizer, deduzem-se para efeitos do cálculo da mais-valia sujeita a IRS), se o encargo estiver devidamente comprovado e tiver ocorrido nos últimos 12 anos.
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Importa notar que é necessária não apenas a comprovação de que o encargo foi efetivamente suportado pelo vendedor, mas também a comprovação da efetiva ligação do encargo com a valorização do imóvel alienado.
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A AT não questiona nem que o imóvel alienado foi objeto de obras de reconstrução e reabilitação, nem que os Requerentes suportaram metade dos respetivos encargos.
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A AT vem justificar a não aceitação de parte do valor dos encargos ao abrigo de PIV´s identificados aos quais entende estar sujeita. Com base nesses PIV´s – PIV 2511/2018 e PIV 16463 de 2019 alega que a mera aquisição de materiais de construção por si só não permite inferir da sua utilização na realização da obra que venha a realizar-se, sendo que tal aferição mostra maior adequação quando a aquisição dos materiais se associe à mão de obra necessária à sua aplicação.
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Explicita que, perante a documentação apresentada, suscita-se a dúvida se os materiais adquiridos foram destinados ao imóvel de Santarém ou ao imóvel do Bombarral, onde residem os Requerentes e que corresponde á morada constante em todos os documentos juntos aos autos
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Acresce que, muito embora, os Requerentes tenham declarado que fizeram obras de remodelação, não existe um documento que comprove, por exemplo, uma inspeção, uma inspeção de gás.
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A AT entendeu que não é possível extrair tal conclusão (que os custos em causa foram efetivamente incorridos com as obras de reconstrução e reabilitação executadas no imóvel alienado) das faturas apresentadas pelos Requerentes, por nelas não constar a morada do imóvel alienado, enquanto local da obra a que se destinavam os materiais e os serviços constantes das mesmas, como se depreende das questões colocadas durante o depoimento de partes.
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Quanto a este último argumento desde já se diga que a exigência imposta pela AT de que as faturas dos fornecedores deviam conter a morada da obra é desprovida de qualquer suporte legal e viola o princípio da legalidade, pois configura um pressuposto material de tributação não consagrado na lei (artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.º 2 da CRP).
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Aliás, de acordo com o artigo 36.º, n.º 5, alínea a) do CIVA, que rege os requisitos formais a que devem obedecer as faturas, a morada que destas deve (leia-se, tem de) constar é a da sede ou domicílio do adquirente dos bens e serviços.
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Assim, a única morada que, de acordo com a lei, tem obrigatoriamente de constar da fatura é a da residência do adquirente e não a do local das obras que este vai efetuar.
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Por outro lado, a AT violou o disposto nos n.ºs 2 e 4 do art. 65.º do CIRS, porquanto procedeu à alteração dos elementos declarados, efetuando correções decorrentes de erros evidenciados na declaração Modelo 3, não obstante dispor dos documentos que comprovavam a veracidade desses elementos, uma vez que os Requerentes cumpriram o disposto no n.º 1 do art. 128.º CIRS, apresentando os documentos que sustentavam as despesas declaradas.
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Na realidade a AT aceitou como despesas e encargos dedutíveis apenas as despesas co m o IMT, Imposto de Selo, comissão de mediação e despesas com a escritura de alienação do imóvel.
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Não aceitou nenhuma despesa ou encargo relacionado com materiais de construção.
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Em termos gerais – uma vez que o cálculo da mais-valia tributável assenta na diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (cfr. artigo 10.º, n.º 4, alínea a) do CIRS) –, o acréscimo, ao valor de aquisição do imóvel, dos encargos e das despesas suportados pelo sujeito passivo para obter o rendimento em causa, tem como efeito uma redução do valor da mais-valia sujeita a IRS.
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Dado que se trata de encargos e despesas necessários à obtenção do rendimento, a regra prevista no artigo 51.º do CIRS é uma concretização, relativamente ao cálculo das mais-valias, do princípio da capacidade contributiva e, em particular, do princípio da tributação do rendimento líquido objetivo – princípios estruturantes do CIRS.
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No que toca ao conceito de valorização do imóvel a adotar, o qual condiciona a dedutibilidade fiscal ou não dos encargos que lhe estão subjacentes a jurisprudência já sustentou que “a alínea a) do artigo 51.º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos [atualmente, doze], às valorizações materiais ou físicas daqueles, antes abrangendo também os encargos efetivamente suportados que os valorizem economicamente” [In Acórdão do STA, de 21 de março de 2012, proferido no Processo n.º 0587/11.].
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Em similar sentido, o Prof.º José Guilherme Xavier Basto (in IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 460 a 462), segundo o qual: «(…) a lei consagra também a dedução de despesas e encargos, para a determinação de algumas das mais-valias sujeitas a imposto. A solução decorre, como é evidente, de um princípio geral da tributação do rendimento, que impõe que só devam ser sujeitos a imposto os rendimentos líquidos, obrigando assim à dedução das despesas necessárias para que o rendimento pudesse ter ocorrido.
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O artigo 51.º manda, com efeito, acrescer ao valor de aquisição:
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Na alínea a), consideram-se os “encargos com a valorização dos bens imóveis, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos” [atualmente, doze anos] e também as “despesas necessárias e efectivamente realizadas” com a alienação do imóvel.
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Ambas as fórmulas usadas na lei podem suscitar dúvidas de interpretação, particularmente a segunda, atendendo à grande margem de indeterminação do que sejam “despesas necessárias”.
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(…) Há-de tratar-se, pois, de despesas que contribuem e são dirigidas, não meramente a conservar o valor do bem, mas a aumentar o seu valor. Não são as simples despesas de manutenção e conservação que são elegíveis para este efeito. Só as que “valorizam” o bem estão em causa. De entre estas, porém, a lei não parece autorizar distinções. (…)
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Por outro lado, a dedução de encargos – através, neste caso, da sua adição ao valor de aquisição – é solução que decorre do princípio da tributação do rendimento líquido. Não prever a dedução de encargos efectivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento – neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação – é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento, o que só razões muito ponderosas poderiam justificar e haveria, por certo, de ser expressamente reflectido no texto legislativo. (…) Com a redacção actual do artigo 51.º, abrangem-se os encargos que, nos últimos 5 anos [atualmente, 12 anos], tenham contribuído para a valorização do imóvel – todos eles e não só as beneficiações materiais.»
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Do mesmo modo, quer a jurisprudência dos tribunais arbitrais, quer dos tribunais estaduais, têm vindo a sufragar idênticos entendimentos quanto a esta matéria.
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No caso em julgamento por este Tribunal entende o mesmo que os elementos recolhidos no procedimento administrativo e nos presentes autos apontam no sentido de que os materiais adquiridos e pagos pelos Requerentes foram efectivamente aplicados em obras de melhoramento do imóvel alienado:
- As faturas reportam-se a materiais de construção;
- No período em causa o Requerente A... estava desempregado conforme consta do anexo 2 apresentado junto ao pedido pelos Requerentes;
- No período em causa, os Requerentes levaram a efeito obras de beneficiação no prédio alienado, conforme resulta da factualidade descrita no ponto 81. desta decisão, em conformidade com o anexo 2 carreado para os autos pelos Requerentes que demonstram através de fotografias essas obras de remodelação;
- Pese embora as faturas não indiquem o “local de descarga”, a administração fiscal não cuidou de o confirmar, sendo certo que, existindo dúvidas quanto ao destino dos materiais, competia à AT desenvolver todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, nos termos dos artigos 58º e 63º da LGT;
- O imóvel beneficiou de valorização significativa tendo sido adquirido por € 35 000,00 e alienado por € 65.000,00 no prazo de 1 ano e 3 meses.
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A verdade é que as regras práticas da experiência apontam para a conclusão de os materiais de construção adquiridos terem sido aplicados em obras de melhoramento do bem em apreço, na medida em que o probatório espelha terem sido realizadas obras de beneficiação e de reconstrução, e concluídas
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Desta forma, cabe ao Tribunal decidir se do cotejo da documentação junta aos autos, prova testemunhal e ante o enquadramento jurídico-tributário da questão de fundo vinda de enunciar, se pode extrair resposta quanto à questão de saber se os Requerentes terão suportado as despesas e encargos por estes invocados e se esses encargos foram efetivamente incorridos em obras de valorização executadas no imóvel alineado.
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A esta questão, a resposta não poderá deixar de ser respondida na afirmativa.
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Resulta do acervo probatório carreado para os autos – com particular destaque para os anexos 1 a 3 juntos com o PPA, que os Requerentes lograram aquilo que, à luz do normativo em questão e do entendimento que dele vem consolidadamente efetuando a jurisprudência e doutrina, lhes competia demonstrar, isto é, que os custos incorridos com os materiais fornecidos para as obras de remodelação foram executadas no Imóvel alienado.
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Efetivamente, os Requerentes comprovaram que realizaram obras no Imóvel, qual a natureza das mesmas e qual o montante que nelas despenderam, sendo inegável que ante o estado anterior às obras e o resultado adveniente dessa intervenção é suscetível de gerar uma valorização do Imóvel alienado.
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E prova disso mesmo radica do facto de num curto período temporal, sem que se conheçam outros fatores relevantes que para tal efeito pudessem concorrer, os Requerentes lograram alienar por um valor que rondou o dobro do montante de aquisição; não tendo sido indiciada qualquer outra ou razão nos autos que pudesse justificar tamanha oscilação no valor de transmissão do Imóvel entre as duas datas que não sejam as obras de remodelação levadas a efeito.
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Entende o Tribunal que o fundamento para tal valorização do Imóvel não se poderá deixar de dever aos encargos havidos com as obras nele executadas, as quais consabidamente, à luz da experiência e no âmbito do “padrão do homem médio” são aptas a provocar uma valorização do bem imobiliário intervencionado, como bem se evidencia do teor do anexo junto com o PPA.
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Cumprindo recordar que o legislador não impõe, a respeito da demonstração a efetuar relativamente à demonstração probatória das despesas e encargos de valorização a que se reporta o artigo 51º do CIRS, qualquer regime de limitação ou de prova vinculada.
Preceitua o artigo 128º do CIRS:
Obrigação de comprovar os elementos das declarações
1 – As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija.
2 – O prazo previsto no número anterior é alargado para 25 dias quando o sujeito passivo invoque dificuldade na obtenção da documentação exigida.
3 – A obrigação estabelecida no n.º 1 mantém-se durante os quatro anos seguintes àquele a que respeitem os documentos.
…………………..
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Da leitura da versada norma legal, é possível estabelecer e assentar que o legislador exige aos sujeitos passivos de IRS a obrigação de apresentar junto da AT da documentação comprovativa dos elementos por aqueles declarados nas suas declarações de IRS.
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Sendo que, da referido normativo, não se colhe qualquer limitação quanto à natureza do ou dos documentos comprovativos dos valores declarativamente expressos.
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Se da referida norma vinda de citar, não se vislumbra qualquer indício sobre a versada limitação legislativa quanto aos meios de prova suscetíveis de confirmar os elementos declarados e tendo presente que no caso em apreço se está sempre perante prova documental e ainda testemunhal, idêntica conclusão não poderá deixar de se efetuar da leitura do artigo 51º do CIRS, o qual igualmente se já deixou citado e no âmbito do qual o legislador não procede a qualquer densificação sobre qual ou quais os meios ou os elementos de prova suscetíveis de comprovar as despesas e os encargos de valorização.
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Pelo que a aceitação por parte da AT, como despesas e encargos dedutíveis, de apenas as despesas com o IMT, Imposto de Selo, comissão de mediação e despesas com a escritura de alienação do imóvel, não tem qualquer base legal.
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Em suma, do concatenação da prova produzida, temos por seguro concluir que, quer as despesas, quer os encargos de valorização não podem deixar de constituir custos subsumíveis à previsão normativa decorrente da al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS e, em consequência, aptas a acrescer ao valor de aquisição, com tudo o que tal significa em matéria de quantificação para efeitos do apuro das mais-valias.
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Perante a fundamentação produzida a correção efetuada pela AT, que deu lugar à liquidação adicional de IRS enferma de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, o que implica a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de IRS controvertida, na parte em que procedeu à correção (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT) de tais despesas e encargos no campo 4001 do Anexo G, de € 11.765,22 para os € 6.717,67. .
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Resultando demonstrado que os Requerentes suportaram despesas e encargos no valor de € 5.047,55 subsumíveis ao disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, logo suscetíveis de acrescer ao valor de aquisição do Imóvel, não pode a liquidação impugnada, ao não refletir tal realidade jurídico-tributário, deixar de ser, nesta conformidade, anulada.
Questões de conhecimento prejudicado
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Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação impugnada objeto dos presentes autos, por erro nos pressupostos de facto e de direito supra melhor expendidos, fica prejudicado, por inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pelos Requerentes.
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O artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao ato impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento. Fica prejudicado o conhecimento de outros vícios invocados pelos Requerentes.
Dos Juros indemnizatórios e da restituição do imposto indevidamente pago:
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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pelos Requerentes, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
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No caso, provou-se que os Requerentes procederam ao pagamento do montante de imposto liquidado (anexo 9) no montante de € 708,49.
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Afigurando-se manifestamente ilegal o ato de liquidação adicional de IRS por parte da AT, nos termos acima expostos, devem os Requerentes ser integralmente ressarcidos do valor do IRS indevidamente pago e respetivo juros indemnizatórios.
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O n.º 5 do art.º 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
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O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte: “1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
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O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.
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Os juros indemnizatórios são devidos quando se determine, em impugnação judicial ou na ação arbitral, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento de dívida tributária em montante superior ao devido.
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Para que haja direito a juros indemnizatórios, é necessário, antes de mais, que se verifique a ocorrência de um erro-vício e que o mesmo seja imputável aos serviços, respeitando este último requisito a «falta do próprio serviço, globalmente considerado» .
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Têm pois, direito os Requerentes a ver a liquidação anulada e a ser indemnizada pelo pagamento indevido do montante de imposto através da determinação de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
IV – Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente a exceção de incompetência material no que concerne ao pedido de arquivamento do processo contraordenacional e consequentemente, absolver a Requerida da instância;
b) Julgar procedente o pedido de reconhecimento da ilegalidade do ato de liquidação adicional de IRS nº 2023..., relativo ao ano de 2021:
b) Julgar procedentes os pedidos de pagamento de juros indemnizatórios e de restituição do imposto indevidamente pago;
V. - Valor da causa:
Nos termos do artigo 299.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT e no artigo 6.º, alínea a), do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, «na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal».
Assim, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 859,59 (oitocentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e nove cêntimos).
VI - Custas:
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 306,00.
Tendo os Requerentes obtido integral ganho de causa relativamente ao pedido de anulação da liquidação de IRS em causa, impõe-se condenar a Requerida AT no pagamento da totalidade das custas devidas por estes autos arbitrais.
Notifique.
Lisboa, 28 de Agosto de 2024
O Árbitro
Ana Teixeira de Sousa
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