SUMÁRIO:
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A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é um tributo que se qualifica como “imposto” e não como “contribuição”, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar matérias a ela respeitantes.
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Os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de actos de liquidação de CSR e já não de actos de repercussão daquele imposto.
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A Requerente não suportou o encargo da CSR por repercussão legal, pelo que carece de legitimidade processual para contestar a legalidade dos actos de liquidação daquele imposto.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dr José Poças Falcão (árbitro-presidente), Professor Doutor João Pedro Rodrigues e Dr. Fernando Miranda Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 20-02-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
“A..., LDA”, (Requerente), NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ..., vem, nos termos dos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (que aprovou o RJAT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar: (doravante, «Requerente»), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a impugnação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), emitidas pela Administração Tributária e Aduaneira (AT), reflectidas nas facturas emitidas pelas sociedades fornecedoras de combustível abaixo mencionadas, referentes a gasolina e gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente àquelas sociedades no período compreendido entre 10.05.2019 e 31.12.2022, no valor total de € 118.919,90.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 11-12-2023.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 20-02-2024.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, em que suscitou as seguintes excepções:
- incompetência do Tribunal em razão da matéria
- ilegitimidade processual e substantiva da Requerente
- ineptidão do pedido arbitral – da falta de objeto
- caducidade do direito de ação
Para além disso, a AT defendeu, por impugnação de mérito, a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 06-05-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, facultando prazo para alegações, podendo a Requerente responder às excepções.
A Requerente apresentou resposta às excepções.
Considerando que as questões objecto dos autos estão abundantemente tratadas nos articulados e na Jurisprudência, foi dispensada a apresentação de alegações escritas.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias. O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
- A Requerente é uma sociedade de direito português, com sede e direcção efetiva em Portugal;
- A Requerente tem como objecto e actividade a construção civil e obras públicas, designadamente a construção de estradas e terraplanagens, incluindo a compra e venda e aluguer de máquinas para a indústria de construção civil, entre outras actividades relacionadas.
- A Requerente adquiriu a sociedades fornecedoras de combustível - no período o período compreendido entre 10.05.2019 e 31.12.2022 - gasolina e gasóleo rodoviário, nas quantidades de 1.069.231,23 litros de gasóleo rodoviário e 2.704,08 litros de gasolina. Tendo sido emitidas as facturas correspondentes.
- Foram, as seguintes, as sociedades fornecedoras:
B..., Lda. (...), C..., Lda. (...), D..., Unipessoal. Lda. (...), E..., S.A. (...), F..., S.A. (...), G..., Lda. (...), H..., Lda. (...), I..., Lda. (...), J..., Unipessoal, Lda. (...), K..., Lda. (...), L..., Lda. (...), M..., Unipessoal, Lda. (...), N..., Lda. (...); O..., S.A. (...), P..., Lda. (...), Q... Unipessoal, Lda. (...), R..., S.A (...), S..., Lda. (...), T... Unipessoal, Lda. (...), U..., Lda. (...), V..., S.A. (...), W..., S.A. (...), X... Unipessoal, Lda. (...), Y..., Lda. (...), Z... Lda. (...), AA..., Lda. (...), BB..., Lda. (...), CC..., Lda. (...), DD..., Lda. (...), EE..., Lda. (...), FF..., Lda. (...), GG..., S.A. (...), HH..., Lda. (...), II..., Lda. (...), JJ..., Lda. (...), KK..., S.A. (...), LL..., Lda. (...), MM..., Lda. (...), NN..., Lda. (...), OO..., Lda. (...), PP..., Lda. (...), QQ..., Lda. (...), RR..., S.A. (...), SS..., Lda. (...), TT..., Lda. (...), UU..., Lda. (...), VV..., Lda. (...), WW..., S.A. (...), XX..., Lda. (...), YY..., Lda. (...), ZZ..., Lda. (...), AAA.... S.A. (...), BBB..., Lda. (...), CCC..., Lda. (...), DDD..., Lda. (...), EEE..., S.A. (...), FFF..., Lda. (...), GGG..., Lda. (...), e HHH..., Lda, (...).
- A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), emitidas pela Administração Tributária e Aduaneira (AT), no seu entender, reflectidas nas facturas emitidas pelas sociedades fornecedoras de combustível abaixo mencionadas, referentes a gasolina e gasóleo rodoviário, ou seja, adquirido pela Requerente àquelas sociedades, no período compreendido entre 10.05.2019 e 31.12.2022, no valor total de € 118.919,90.
- O pedido de revisão oficiosa, apresentado em 10mai2023, não foi decidido até á data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes, nos termos do sentido decisório da causa, que não se tenham provado.
Fundamentação da fixação da matéria de facto
O Tribunal Arbitral, tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e nos artigos 596.º, n.º 1 do CPC e 607.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Assim, o Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados e não provados, atenta a posição das partes e através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação e regras da experiência, normalidade e racionalidade. Tudo em conformidade com os ditames fixados nos artigos 16.º, alínea e) do RJAT e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
3- MATÉRIA DE DIREITO
Importa apreciar prioritariamente as excepções, começando pela de (in)competência, que é de conhecimento prioritário [artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT]
3.1. Apreciação das Excepções
3.1.1- Argui a AT, no respeitante (e, em suma):
3.1.1.1- - A espécie tributária da CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, pelo que está excluída do âmbito material da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (“Portaria de Vinculação”), tal como entenderia o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 29 de Maio de 2023, no processo n.º 31/2023-T;
- A incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido das Requerentes resulta ainda do facto de esta questionar a conformidade jurídico-constitucional do regime jurídico da CSR no seu conjunto, tendo em vista a suspensão da eficácia de atos legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República no exercício das suas competências, o que extravasa as competências dos Tribunais Arbitrais previstas nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria de Vinculação, as quais são de natureza exclusivamente anulatória.
- Neste sentido, verifica-se a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos artigos 576.º e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT;
3.1.1.2- O direito à revisão oficiosa ou ao reembolso por erro não é conferido às entidades em que alegadamente foi repercutido o imposto, como é o caso das Requerentes, que não estão abrangidas na incidência subjetiva da CSR, como vem definida no já referido artigo 4.º do CIEC, aplicável ex vi do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007;
Apenas, se esse meio fosse impossível ou excessivamente difícil, entre outras causas por insolvência do repercutente, em conformidade com a jurisprudência do TJUE no acórdão Danfoss A/S, proferido em 20 de Outubro de 2011, no processo n.º C94/10, impossibilidade ou desproporcionada onerosidade que as Requerentes não provaram, seria eventualmente possível a impugnação da repercussão pelo repercutido seria legalmente possível;
No seu entendimento, verifica-se, pois, entre o mais, também, a excepção de ilegitimidade, com a consequente absolvição da Requerida da instância nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º todos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”), de todos os pedidos.
3.1.2- A Requerente, notificada para exercer o direito ao contraditório, sustenta, em síntese, o seguinte:
3.1.2.1- Quanto à alegada incompetência do Tribunal arbitral em razão da matéria
O nº 1 do artigo 2º do RJAT não restringe a competência dos tribunais arbitrais à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de impostos, abrangendo antes a declaração de ilegalidade dos tributos em geral.
Não obstante, está hoje assente na jurisprudência que a CSR é um imposto administrado pela AT, e não uma mera contribuição financeira. O que determina a qualificação de um tributo como contribuição financeira, e não como um imposto, é o facto desse tributo ter por finalidade compensar prestações administrativas de que o sujeito passivo dessa mesma contribuição seja presumidamente beneficiário ou que a elas tenha dado causa. Ou seja, é necessário que a prestação pública beneficie ou seja causada pelo respetivo sujeito passivo da contribuição financeira. O que não é o caso da CSR.
Os beneficiários e os responsáveis pelo financiamento da tarefa da Infraestruturas de Portugal é a população em geral, aqui se incluindo tanto os utilizadores da rede rodoviária nacional concessionada à Infraestruturas de Portugal, como os utilizadores de vias rodoviárias não incluídas da rede concessionada.
Evoca e cita abundante jurisprudência do CAAD e lembra que, segundo o disposto no artigo 8º nº 3 do CCivil, “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”
3.1.2.2- Quanto à alegada ilegitimidade processual e substantiva da Requerente
Refere que, ao contrário do entendimento da Requerida/AT, a Requerente tem legitimidade processual e substancial activa.
Cita, entre muitos outros, o Acordão/(CAAD), de 12.03.2024 (processo nº 676/2023-T), segundo o qual, “Ora, como resulta do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os atos de liquidação que geram a repercussão. Embora não seja o sujeito passivo da relação tributária subjacente à repercussão, as Requerentes, enquanto entidades repercutidas, podem impugnar os próprios atos de liquidação do imposto, através de qualquer daqueles meios procedimentais ou processuais, como modo de reagir contra a ilegalidade da repercussão. Para além da legitimidade ativa das Requerentes, se encontrar coberta pela referida norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”. Alega ainda a Autoridade Tributária que, face ao regime especial dos artigos 15.º e 16.º do CIEC, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do ISP e da CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago, e, como tal, os adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto. Há que fazer notar, a este propósito, que o artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, que cria a Contribuição de Serviço Rodoviário, apenas remete para o CIEC o procedimento de liquidação e cobrança do imposto, remissão que igualmente é efetuada para a LGT e o CPPT, significando que, nesse âmbito, haverá de ter-se em consideração as disposições conjugadas do CIEC e da demais legislação tributária aplicável. Por outro lado, o regime específico previsto nos artigos 15.º e seguintes do CIEC abrange o reembolso com fundamento em erro na liquidação ou em caso de expedição ou exportação, ao passo que o que está em causa no presente processo arbitral não é um qualquer pedido de reembolso, mas a declaração de ilegalidade dos atos tributários de repercussão do imposto por violação do direito europeu. E, nesses termos, a questão da legitimidade ativa terá de ser analisada à luz das regras processuais aplicáveis, e não do regime específico do reembolso do imposto que consta das citadas disposições do CIEC. A alegada exceção de ilegitimidade ativa, tal como se encontra formulada, é improcedente e nada obsta ao prosseguimento do processo no tocante aos falados atos de liquidação como meio de obter a consequente anulação dos atos de repercussão.”.
Cumpre decidir
3.3- É conhecida a forte divisão da jurisprudência do CAAD, nesta materia, em termo de procedência de excepções.
Assumimos, no entanto, (revendo posição), a concordância, em larga medida, com o defendido no processo nº 736/2023-T, (excepcionando a ineptidão), que, pela sua apreciação exaustiva, pouco cabe acrescentar:
Competência material do Tribunal Arbitral
3.3.1. - Quanto à competência deste Tribunal Arbitral, impõe-se, em primeiro lugar, aferir se, em termos gerais, o pedido formulado pelas Requerentes é arbitrável, isto é, se a apreciação de pretensões referentes à CSR se encontra ou não inserida no âmbito de competência material da arbitragem tributária.
Apesar de a jurisprudência do CAAD não ser uniforme sobre a arbitrabilidade de atos de liquidação de contribuições, certo é que a vinculação do competência material dos Tribunais Arbitrais apenas abrange a apreciação da legalidade de atos de liquidação de impostos e não dos tributos sem essa natureza, como as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas. Obviamente, não interessa para tal a designação da espécie tributária em concreto, mas a sua substância: historicamente o legislador deu a designação de contribuições a espécies tributárias que a doutrina e jurisprudência maioritárias qualificam de impostos, como é o caso das contribuições da entidade patronal para a segurança social e da extinta contribuição autárquica, ambas abrangidas pela reserva constitucional na criação de impostos.
Revela-se, pois, necessário, qualificar a CSR enquanto “contribuição” ou “imposto”, para daí extrair as necessárias consequências quanto à competência material deste Tribunal Arbitral. Esta análise tem sido amplamente discutida e desenvolvida pela jurisprudência, que importa aqui considerar em cumprimento do desiderato de interpretação e aplicação uniforme do direito que emana do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.
Nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T e 520/2023T a CSR foi qualificada como uma contribuição, o que levou aqueles Tribunais Arbitrais a julgar procedente a exceção de incompetência material. No acórdão proferido em 16 de Novembro de 2023, no processo n.º 520/2023-T, referiu-se a este respeito o seguinte:
“(…) nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.
Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considera «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.
No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspetiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.”.
Em sentido contrário, entre outras, pronunciaram-se, os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T, 410/2023T, 467/2023-T e 491/2023-T que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável. Por todos, cita-se nesta sede o acórdão proferido em 24 de Outubro de 2023, no processo n.º 644/2022-T, que registou a este respeito o seguinte:
“Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coativo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto.
Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspetividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.
Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito ativo respetivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspetividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).
Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da atividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua conceção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.
Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada,(a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…)
Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respetiva natureza.
Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a excepção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.”
Acompanha este Tribunal Arbitral a jurisprudência maioritária que qualifica a CSR como um imposto sobre o consumo de combustíveis e não como uma taxa ou contribuição financeira a favor da Infra-estruturas de Portugal. Tal qualificação resulta, não apenas do direito nacional, como do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no n.º 3 do artigo 8.º da CRP e do efeito direto da norma do n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2007/118/CE, que pode ser invocado diretamente pelos tribunais junto dos tribunais nacionais como seria o caso da pretensão que originou o Despacho no processo n.º C-460/2021.
Para justificar que a CSR não é um imposto, as referidas Decisões Arbitrais invocam que a Lei n.º 55/2007 que destacou do CIEC a CSR, a designou como contribuição. O facto, no entanto, não é relevante.
A designação dessa prestação como imposto ou contribuição nada diz sobre a natureza jurídica da figura. Essa jurisprudência tem um sólido suporte doutrinário:
Na recolha de Casalta Nabais “Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo”, Almedina, Coimbra, 2019, pgs. 42-43, refere-se, a propósito da CSR (e de outras figuras aí referidas), “estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efectivos impostos, muito embora dada a titularidade activa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal.”. Como o A. escreve em Direito Fiscal, 11.ª ed, Almedina, Coimbra, 2021, pp. 53-54, “o critério para a distinção entre os tipos de tributos [reporta-se] exclusivamente à estrutura da relação tributária, ao tipo de relação que se estabelece entre os respetivos sujeito ativo e passivo, e não à titularidade activa dessa relação (…) É, pois, a estrutura bilateral da relação jurídica, em que assentam tanto as taxas como as contribuições financeiras, que revela a natureza comutativa destes tributos….”
Procurando identificar os critérios de distinção das taxas, das contribuições financeiras, das contribuições especiais e dos impostos, Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, recorre, para a delimitação dos contornos das contribuições financeiras, aos critérios desenvolvidos pelo Tribunal Constitucional Alemão: 1) incidir sobre um grupo homogéneo; 2) manter uma proximidade com a obrigação tributária e as suas finalidades; 3) corresponder a uma relação encargo/benefício capaz de demonstrar que as receitas geradas são fruídas pelos membros do grupo” (pg. 91).”
Segundo essa autora:
“(…) a CSR apresenta diferenças muito significativas em relação ao comum das contribuições financeiras, sejam elas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas” de regulação ou as “grandes contribuições” que foram surgindo a título transitório e se vão mantendo (Contribuição sobre o Sector Bancário, Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético - CESE, Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, …).
Em primeiro lugar, nessas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições”, o sujeito passivo é o contribuinte (na CESE há mesmo uma proibição da sua repercussão), enquanto que na CSR um e outro são diferentes: o sujeito passivo (quem tem de entregar o imposto ao Fisco) é o introdutor dos produtos no mercado e o contribuinte (quem tem de suportar a exação fiscal) é o adquirente dos combustíveis (incluindo, como a já citada jurisprudência arbitral evidencia, adquirentes de combustíveis que nada têm a ver com a utilização das estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal).
Em segundo lugar, o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas colectivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária. (…)
Em terceiro lugar, enquanto nas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições” é a pertença ao grupo que permite de imediato a identificação do devedor – sendo a indução de um custo ou a obtenção de um benefício presumida a partir dessa inclusão nele – na CSR não há nenhum grupo prévio a que se possa imputar o pagamento: é porque se paga a CSR que se supõe que se integra o grupo. (…)
Em quarto lugar, o princípio da equivalência – a que se recorre para conferir unidade de sentido às contribuições financeiras, equiparando-se o pagamento feito à repartição, tendencialmente idêntica (ou, pelo menos, com base em características dadas e estáveis), dos custos especificamente gerados pelo grupo homogéneo (ou dos benefícios auferidos pelo grupo homogéneo, como nas “taxas” das autoridades reguladoras, ou, forçando mais ou menos a nota, nas tais “grandes contribuições”) – assume na CSR uma ligação a um índice variável: o do consumo dos “grandes combustíveis rodoviários”. Com a agravante de o presumido benefício não ter uma relação direta com esse índice variável: por um lado, as vias da Rede Rodoviária Nacional (que foram concessionadas, em 2007, à EP - Estradas de Portugal, E.P.E.) não são a totalidade das estradas nacionais (além das auto-estradas concessionadas, e da rede municipal – urbana e rural –, o Plano Rodoviário Nacional prevê a transferência para as autarquias das estradas que não estejam nele incluídas). Noutras palavras: a utilidade proporcionada pela circulação nas estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal não é segmentável da que é proporcionada pelas demais; por outro lado, uma fração crescente dos utilizadores dessa sub-parcela das vias de circulação automóvel – a rede rodoviária nacional – não fica sujeita a essa “contribuição”: o dos utilizadores dela com veículos eléctricos ou velocípedes. (…)
Em quinto lugar, e não obstante – como já referido – não ser bom critério determinar a natureza de um tributo a partir da sua consignação material ou orgânica, certo é que a EP - Estradas de Portugal, E.P.E. só gastava o dinheiro em estradas (e no mais necessário a poder fazê-lo, incluindo as suas despesas correntes), mas, com a fusão, em 2015, com a Rede Ferroviária Nacional - REFER E.P.E. para dar origem à Infraestruturas de Portugal, isso deixou de ser assim.”.
Segundo a jurisprudência mais recente do STA essa natureza bilateral ou comutativa está presente:
- Na contribuição extraordinária do sector bancário, CSB, acórdão de 5 de julho de 2023, proc, 0510/20.3BELRS e jurisprudência aí referida, cuja receita é afeta ao Fundo de Resolução, com o consequente benefício, para as instituições de crédito, da estabilidade do sistema financeiro.
- Na contribuição extraordinária do setor energético, CESE, acórdão de 5 de Julho de 2023, proc. 0675/229BERG, cuja função é a assegurar a sustentabilidade sistémica do setor energético.
- Na contribuição para o setor farmacêutico, acórdão de 10 de maio de 2023, proc. 0191/20.4BELRS, que é receita do Serviço Nacional de Saúde.
Não está seguramente essa natureza bilateral presente na CSR, por faltarem notoriamente os requisitos da homogeneidade de grupo, responsabilidade de grupo e participação comum nos benefícios.
Na mesma linha, Tribunal de Contas, a pp. 90 do seu Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2008, consideraria o seguinte:
“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspetos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.”.
A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é, assim, um tributo que se qualifica como “imposto” e não como “contribuição”, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar matérias a ela respeitantes.
3.3.2. Questão da incompetência por a Requerente pretender a fiscalização da legalidade de normas em abstrato
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, o seguinte:
Considerando o teor do pedido e sua fundamentação, o mesmo extravasa o âmbito da Ação Arbitral prevista no RJAT, e em concreto do artigo 2.º, o qual não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, que, conforme decorre da restrição do perímetro desta forma processual à mera ilegalidade face a atos de liquidação de impostos, determina a exclusão do âmbito da jurisdição arbitral a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa;
Isto é, a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, não é da competência do tribunal arbitral.
A Requerente diz, em suma, que a ilegalidade abstracta das normas da Lei n.º 55/2007 se veio a traduzir em ilegalidade concreta das liquidações que aplicaram aquelas normas.
A AT parte do pressuposto errado de que a Requerente não impugna actos de liquidação. A Requerente impugna, (ao menos de forma implicita, valorizada pelo Tribunal), não só os actos de liquidação praticados pela AT ás empresas fornecedoras de combustivel, bem como os subsequentes «atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas».
Assim, não está, em causa, a fiscalização abstracta da legalidade das normas que criaram e regularam a CSR, mas sim a fiscalização da legalidade concreta de actos que as aplicaram, o que se insere na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, definida no artigo 2.º do RJAT.
Improcede, assim, esta excepção de incompetência.
3.3.3 - Questão da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral
A AT defende a que o pedido de pronúncia arbitral é inepto por a Requerente não identificar os actos que são objecto do pedido arbitral, como exige a alínea b) o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT.
Ora, o artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.
Não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
No artigo 186.º, n.º 1, do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que «se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial».
No caso em apreço é manifesto que a ineptidão arguida pela AT não se enquadra nas referidas alíneas b) e c), pelo que só se pode aventar o seu enquadramento na alínea a).
No que concerne à alínea a), não se estando perante uma situação de falta do pedido ou de causa de pedir, apenas se poderá enquadrar a arguição no conceito de inteligibilidade.
No entanto, percebe-se o que pretende a Requerente com os pedidos que formula:
– declarar a ilegalidade dos atos de liquidação de contribuição de serviço rodoviario emitidas pela at, reflectidas nas facturas emitidas pelas sociedades fornecedoras de combustivel, adquiridas no perido mencionado.
– reembolso das quantias suportadas a esse título, acrescido de juros indemnizatórios.
Ora, não obstante a falta de clareza e inequivocidade do pedido no RI, podemos verificar, que o mesmo mostra a intenção da autora - a qual foi apreendida pela AT - podendo o Tribunal concluir que, embora não dito expressamente, o acto terá o sentido correspondente à intenção de impugnar a decisão de indeferimento da Revisão oficiosa e, mediatamente, pretender a anulação dos atos tributários de liquidação de CSR.
De todo o modo, sempre estariamos perante um pedido implícito, que, na conjugação do previsto no art.º186º3 do CPC, com a especifica natureza do processo arbitral, leva a que o RI não seja considerado inepto, com as legais consequências.
Improcede, pois, a excepção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.
3.3.4- Tempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral
O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 10-05-2023, não havendo decisão até 11-12-2023, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral.
Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma.
O indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa formou-se quatro meses após a apresentação do pedido, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.
Assim, é tempestivo o pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado.
3.3.5- REPERCUSSÃO
Avança-se, desde já, que a apreciação da legalidade de actos de repercussão de CSR extravasa o âmbito material da arbitragem tributária.
Os atos de repercussão materializam “um fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”, tal como evidencia Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2ª edição , Coimbra, 2019. pg. 399.
Fenómeno este que não se subsume a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT anteriormente transcrito, que determina que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de actos de liquidação (alínea a) do n.º 1) e de atos de fixação da matéria tributável/matéria coletável/valores patrimoniais na eventualidade de não terem originado qualquer ato de liquidação (alínea b) do n.º 1).
Com efeito, independentemente da posição que se adote sobre a natureza jurídica dos atos de repercussão – i.e., saber se são atos que integram uma relação jurídicotributária complexa ou se são um fenómeno económico de natureza estritamente privada – certo é que aqueles não são atos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria coletável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos atos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada (neste sentido vide Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Almedina, 2017, p. 278).
Este é, de resto, o entendimento que tem sido defendido pela jurisprudência que se pronunciou sobre o tema, concretamente pelos Tribunais Arbitrais constituídos nos processos n.º 296/2023-T, 375/2023-T, 332/2023-T, 408/2023-T e 467/2023-T. Por todos, reproduz-se nesta sede em reforço das considerações já realizadas, o excerto das conclusões a que chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 1 de Fevereiro de 2024, no processo n.º 296/2023-T:
“III.6. A possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem atos de repercussão
Como os Coletivos que decidiram os processos n.os 408/2023-T e 375/2023-T, o presente Tribunal arbitral entende que não tem competências para apreciar diretamente – e sem mais – actos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais atos ocorrem a jusante dos atos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa – na sindicância dos atos de liquidação. Isso decorre diretamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier, distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária.”
Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa, entre o terceiro repercutido “e o sujeito ativo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito ativo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”
Da apreciação da legalidade da repercussão, em que repercutente e repercutido discutem a legalidade da transferência do encargo económico do primeiro para o segundo, seja por esta ser proibida por lei ou contrária às relações contratuais de direito privado estabelecidas entre repercutente e repercutido, distingue-se a legalidade da liquidação do imposto ao repercutido, que ao Tribunal Arbitral é lícito conhecer, desde que verificados os pressupostos da alínea a), do n.º 4 do artigo 18.º da LGT: legitimidade das partes e interesse em agir.
Em face do exposto, declara-se o presente Tribunal Arbitral incompetente, em razão da matéria, para conhecer o pedido de apreciação da legalidade de actos de repercussão de CSR, impondo-se a absolvição parcial da Requerida da instância quanto a este concreto pedido, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) todos do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
3.3.5. – (I)legitimidade das partes
Considerando que o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de CSR, pelo menos implicitamente, se refere, também, (ou sobretudo), às liquidações efectuadas ás sociedades fornecedoras de combustíveis, porque subsumível ao âmbito material previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, interessa saber se tal impugnação pode ser feita pelas Requerentes, na qualidade de (alegadas) repercutidas, ou apenas por tais fornecedoras de combustíveis, enquanto sujeitos passivos a quem foi (alegadamente) liquidada e por quem foi (alegadamente) paga a CSR.
É, pois, uma questão que não releva para efeitos de determinação de competência mas tão só para efeitos de apuramento de legitimidade, pelo que será nessa sede apreciada.
Cumpre, desde logo, referir, que nada interessa, para o caso, o facto de se considerar ter ou não havido repercussão do encargo da CSR (e que a mesma tenha sido suportada pela Requerente). Pois, a mesma seria, sempre, parte ilegítima para deduzir impugnação ou pedido de pronúncia arbitral pelos motivos que se passam a expor.
Parte da jurisprudência arbitral tem-se pronunciado no sentido da legitimidade do repercutido para impugnar as liquidações de CSR efetuadas ao repercutente (Decisões Arbitrais n.ºs 294/2023-T, 299 /2023-T, 332/2023- T, 374/2023-T, 379/2023T, 409/2023-T, 410/2023-T, 467/2023-T, 490/2023-T, 491/2023-T, 496/2023T e 534/2023-T).
Outra parte tem-se pronunciado desfavoravelmente a essa legitimidade, abstendo -se, por isso, de decidir sobre o mérito (Decisões Arbitrais n.ºs 24/2023-T, 75/2023-T, 113/2023-T, 523/2023-T, 375/2023-T, 477/2023-T 644/2023-T, 467/2023-T e 702/2023T.
O artigo 15.º do CIEC reserva, assim, a legitimidade para requerer o reembolso do ISP e, inerentemente, da CRS aos sujeitos passivos do imposto enunciados no artigo 4.º do CIEC, ou seja, os operadores que introduzem no consumo os bens sujeitos a IEC e, em virtude da remissão do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, com exclusão, assim, dos repercutidos.
A jurisprudência arbitral que sustenta a legitimidade do repercutido para impugnar a liquidação da CSR e o consequente direito a uma decisão de mérito da causa baseia-se na parte final da alínea a), do n.º 4 do artigo 18,º da LGT, que, após declarar não ser sujeito passivo quem suporta o imposto por repercussão legal, admite que aquele goza do direito de reclamação, impugnação ou recurso de acordo com as leis tributárias.
O n.º 1, do artigo 20.º da CRP garante aos cidadãos o acesso a uma justiça fiscal plena, eficaz e efetiva que garante, entre outras consequências, o direito de reclamação, impugnação ou recurso não apenas dos atos formalmente administrativos, mas de todos os atos lesivos, independentemente da forma. Esse princípio não é, no entanto, incompatível com a necessidade da racionalização dos meios processuais, indispensável à eficácia da justiça: apenas exige que a cada direito ou meio processual corresponda, pelo menos, um meio processual adequado, a exercer conforme os casos junto dos tribunais para o fazer valer em juízo.
Apenas na repercussão legal e não na repercussão voluntária cuja fonte não é a lei, mas a vontade das partes, tal direito vem legalmente garantido ao repercutido: o facto de este não ter acesso à jurisdição arbitral por os repercutidos não integrarem o universo definido no universo definido no artigo 15.º do CIEC não prejudica, nesse caso, o acesso aos tribunais estaduais, comuns ou arbitrais.
Assim, tal possibilidade apenas pode ser exercida, desde que cumulativamente:
a) O repercutido tenha suportado efetivamente o imposto, o que é ao impugnante que cabe provar.
b) Quando a repercussão seja legal, no sentido de obrigatória ou resultar de um direito potestativo do repercutente da incorporação do imposto suportado no preço do bem.
Tenha-se em conta que, segundo a doutrina dos Acórdãos C-193/95 a C-218/95, mesmo na repercussão legal, o direito do repercutente, ainda que consagrado na lei, é renunciável, “maxime” por razões comerciais.
No direito interno, tal dever de repercussão legal, é imposto no artigo 37.º, n.º 1, do Código do IVA, ainda que com as exceções previstas no n.º 3 dessa norma legal, e no artigo 3.º do Código do imposto de Selo, mas não é imposto pelo CIEC, nem na Lei n.º 55/2007, nem se conhecem quaisquer medidas legais ou administrativas para operacionalizar tal dever.
Basta para haver repercussão legal que o sujeito passivo do IVA, que tenha procedido ao pagamento do imposto, poder exigir com fundamento na lei ao adquirente dos bens ou serviços o reembolso do imposto que tiver pago ao Estado.
O CIEC não impõe qualquer dever ou direito potestativo de repercussão aos operadores referidos no artigo 4.º, pelo que essa repercussão, pelo menos a quando dos factos sobre os quais incide o presente pedido de pronúncia arbitral, é meramente voluntária.
Tal repercussão – mesmo a acontecer – ocorreria, assim, dada a inexistência de qualquer dever ou faculdade jurídica de repercussão de, em geral, os fornecedores terem de refletir os custos suportados na sua atividade comercial que, por serem sociedades comerciais, visarem a obtenção do lucro (nesse sentido, ainda a Decisão Arbitral n.º 375/2023-T).
No mesmo sentido de que a repercussão nos impostos especiais de consumo é um fenómeno exterior à relação tributária, mas uma mera condição de legitimação, em virtude de a função última desses impostos ser fazer pagar o consumidor pelo custo social das suas escolhas, Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira, Coimbra, 2016 “Os impostos especiais de consumo”, pgs. 104 e sgs.).
Também, sendo a repercussão voluntária, a AT carece de legitimidade processual passiva.
Segundo a jurisprudência consolidada do STA (Acórdão do Pleno de 4/2/2023, proc. 0506/17.2 BEALM, a propósito de outro caso de repercussão voluntária, não legal, a da taxa de ocupação do sub-solo) na impugnação judicial do ato de repercussão de um tributo intentada contra entidade pública, a legitimidade processual passiva é atribuída a quem seja imputável o ato impugnado, no caso o repercutente, não relevando tal entidade ser de direito público ou privado.
Sendo certo, que o artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022 é, uma norma falsamente interpretativa, mas materialmente inovatória (sobre o caráter falsamente interpretativo de norma de tipo idêntico, o artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que visa essencialmente contornar a proibição constitucional da retroatividade dos impostos, consagrado no artigo 104.º, n.º 3, da CRP, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 196/2021).
Na interpretação e aplicação do artigo 2.º do CIEC sempre foi entendido, antes da Lei n.º 24-E/2022, que é um imposto de repercussão voluntária, entendimento subjacente ao Despacho do proc. C-460/2021.
De acordo com a referida alínea a), do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, em princípio, apenas o repercutido que não assuma a qualidade de sujeito passivo ou seja, o consumidor final que não adquire os bens e serviços no âmbito de uma atividade económica tem o direito de reclamar ou impugnar (artigo 9.º e alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT em conjugação com os n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT, cfr. António Carlos Santos e Clotilde Celorico Palma, Código do IVA e do RITI, Anotado e Comentado, Coimbra, 2014, Notas e Comentários de 347, e sgs.).
Em face de tudo o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, julga este Tribunal Arbitral procedente a exceção de ilegitimidade da Requerente para deduzir pedido de declaração da ilegalidade das liquidações de CSR.
Fica prejudicada, porque inútil, em face do decidido, a apreciação das demais questões suscitadas no processo.
DECISÃO
Termos em que o Tribunal decide:
-
Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de liquidação de CSR
-
Julgar procedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade de atos de repercussão
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Julgar procedente a exceção de ilegitimidade da Requerente quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de CSR
-
Em consequência, absolver a Requerida da instância.
-
Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo
VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €118.919,90.
CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de €3.060,00, a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 31 de julho de 2024 (com depósito no CAAD pelo presidente do Tribunal, em 6 de agosto de 2024)
O Presidente do Tribunal Arbitral,
com a seguinte declaração de voto:
Divergindo embora num ou noutro ponto da fundamentação da decisão e inerentes conclusões, tal como o evidenciam os vários acórdãos, publicados, proferidos por Tribunais Arbitrais a que presidi no âmbito do CAAD, e acompanhando até, em boa parte, a declaração de voto infra, verdade é que não considero tais divergências suficientemente relevantes ou fortes para não subscrever, com esta declaração, a decisão ora proferida.
(José Poças Falcão)
O árbitro adjunto
(João Pedro Rodrigues)
Vencido, conforme declaração junta,
O árbitro adjunto
(Fernando Miranda Ferreira)
(revendo posição)
Declaração de voto do árbitro João Pedro Rodrigues:
Vencido quanto às exceções julgadas procedentes, pelas razões que fiz constar da decisão prolatada no Processo n.º 535/2023-T. Teria, assim, conhecido do pedido e, nessa sede, também analogamente ao decidido no referido processo, teria julgado o pedido improcedente por a Requerente não ter provado que suportou os valores alegados a título de repercussão da CSR.
Brevitatis causa, esclareço que a legitimidade (legitimatio ad causam) deve ser configurada como um pressuposto processual e não como condição de procedência do mérito da ação. O que vale por dizer que a determinação da legitimidade não deve envolver um juízo de procedência ou de improcedência da pretensão formulada, mas “apenas” uma análise da “fisionomia da relação material litigiosa (apenas a fisionomia, não o seu mérito ou a sua real ou efetiva existência), tal como ela é configurada ou desenhada unilateralmente, na petição inicial, pelo autor”, subscrevendo-se a posição centenária de Barbosa de Magalhães, segundo a qual “é à relação jurídica, que o autor apresenta – e não à que virá a ser constatada pela sentença – que deve atender-se para a determinação da legitimidade das partes; não sendo assim, essa determinação só poderia fazer-se depois do julgamento do mérito do pedido”. Considerando estas reflexões à luz do quadro desenhado pela concreta causa de pedir e pedido definidos no requerimento de pronúncia arbitral, apenas pode concluir-se que a Requerente, face ao disposto nos artigos 9.º do CPPT e 18.º, n.º 4, da LGT, goza de legitimidade para contestar as liquidações de CSR nos termos em que o fez.
Lisboa, 31 de julho de 2024,
João Pedro Rodrigues.