Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 881/2023-T
Data da decisão: 2024-08-14  IRS  
Valor do pedido: € 11.050,24
Tema: IRS – Residente não habitual; Competência do Tribunal Arbitral; Impugnabilidade da liquidação de IRS; Registo como Residente Não Habitual.
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SUMÁRIO:

1. Visando o pedido arbitral a ilegalidade de acto tributário de liquidação (do IRS de 2022), com acolhimento na al. a) do n.º 1 do artigo 2º do RJAT e não qualquer pedido de reconhecimento de registo como residente não habitual e tendo por causa de pedir fundamentos integráveis no disposto no artigo 99º do CPPT, improcede a excepção de incompetência material deste tribunal arbitral invocada pela requerida.

2. Não é condição de impugnabilidade da liquidação de IRS notificada aos Requerentes a falta de inscrição do Requerente marido como RNH, sendo antes um facto impeditivo da pretensão anulatória, que a proceder determina a improcedência do pedido de anulação formulado.

3. A inscrição no registo de residentes não habituais, tem natureza exclusivamente declarativa, e não efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respectivo regime.

 

DECISÃO ARBITRAL

           O árbitro José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 6/2/2024, profere a presente decisão arbitral, nos termos seguintes:

          

1. Relatório:

A..., contribuinte n.º ..., e B..., contribuinte n.º ..., residentes na Rua..., n.º ..., ..., ...-... Póvoa de Varzim, vêm, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do artigo 5º, n.º 2, alínea a), artigo 6º, n.º 1 e nºs. 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e do artigo 102º. do CPPT requerer a Constituição de Tribunal Arbitral, no sentido de declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação da liquidação de IRS n.º 2023..., relativa ao ano de 2022, no valor de €11.050,24, que junta, bem como o reembolso do imposto que entende indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

1.1 Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral:

O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 28/11/2023 e aceite no mesmo dia, nos termos regulamentares aplicáveis, tendo o Requerente optado pela não designação de árbitro.

Por despacho de 17/1/2024 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi designado para árbitro o ora subscritor, tendo sido comunicada essa designação no mesmo dia às partes e não tendo havido reclamação da mesma, em 6/2/2024 foi comunicada às partes a constituição do Tribunal Arbitral;

A 5/3/2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, juntando o processo administrativo (PA), tendo, nessa mesma data, o CAAD notificado os Requerentes da Resposta da AT e da junção do processo administrativo.

Por despacho de 11/9/2023, foi dada a possibilidade aos Requerentes de se pronunciarem, querendo, sobre a excepção da incompetência absoluta do tribunal arbitral, em razão da matéria, bem como sobre a questão prévia da inimpugnabilidade do acto de liquidação parcial, deduzidas na resposta da AT, a que os Requerentes responderam por requerimento de 18/3/2024.

Por despacho arbitral de 14/4/2024, foi dispensada a reunião a que se refere o artº. 18º. do RJAT e notificadas as partes para alegações no prazo de 15 dias sucessivos, tendo ambas as partes apresentado alegações escritas.

Nesse mesmo despacho, os requerentes foram notificados para dar oportuno cumprimento ao disposto no artigo 4º-3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, ou seja, pagamento, antes da decisão e pela forma regulamentar, do remanescente da taxa arbitral, o que fizeram em 6/5/2024.

 

1.2 – Posição dos Requerentes

Alegam que o Requerente marido, que se tornou residente em Portugal em 18-03-2022, havia anteriormente residido em ..., ..., ... Wallisellen, desde 18-11-2003 até 31-12-2021. Porém, encontrava-se ainda registado no cadastro da AT como residente em Portugal no período de 18-08-2010 a 01-08-2017, mas essa informação não correspondia à realidade, já que conforme resulta do certificado de residência fiscal emitido pelas Autoridades Fiscais da Suíça, que se juntou como documento 3, o Requerente foi aí residente desde 18-11-2003 a 31-12-2021.

Por isso, o Requerente solicitou à AT alteração de morada com efeitos retroativos, o que inicialmente lhe foi indeferido, mas por notificação que foi junta aos autos depois de apresentado o Pedido de Pronúncia Arbitral, lhe veio a ser deferido com efeitos a 18/11/2003.

Em 18-03-2022, o Requerente alterou a sua morada para Portugal, vindo em 06-06-2022, a alterar a sua morada para a Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Póvoa de Varzim.

Por isso, foi o Requerente marido residente na Suíça nos 5 anos anteriores a 18-03-2022, data em que regressou a Portugal, pelo que cumpria, no momento em que regressou a Portugal e aqui passou a residir, em 18-03-2022, o requisito temporal previsto no artigo 16.º, n.º 8 do CIRS - não ter sido residente em Portugal em qualquer dos cinco anos anteriores, para beneficiar do regime fiscal de residente não habitual.

O Requerente entregou a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2022, na qual incluiu o anexo J, onde declarou rendimentos da categoria H obtidos no estrangeiro no valor de € 53.670,36, tendo os Requerentes sido notificados da liquidação de IRS n.º 2023..., relativa ao ano de 2022.

Porém, na declaração de IRS apresentada, os Requerentes, por lapso, não procederam à entrega do anexo L (Residente Não Habitual), embora o Requerente marido preenchesse relativamente ao ano de 2022, todos os requisitos para beneficiar daquele regime. O Requerente marido procedeu em 09-06-2023, à submissão do pedido de inscrição como residente não habitual, mas, por impossibilidade técnica do sistema, o Requerente não conseguiu, em 09-06-2023, submeter o pedido de inscrição como residente não habitual com início no ano de 2022, ano relativamente ao qual se encontravam verificados os pressupostos materiais da aplicação do regime do RNH, em virtude da não residência do Requerente no período compreendido entre 2003 e 2022. Esse pedido de inscrição como residente não habitual veio a ser indeferido inicialmente, mas o Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual, aguardando ainda decisão.

Porém, entende o Requerente que a AT devia aplicar aos rendimentos auferidos pelo Requerente marido, no ano de 2022, o regime de residente não habitual, pois o Requerente marido preenchia os pressupostos para que lhe fosse aplicada a taxa especial de 10%, sobre os rendimentos da categoria H por si auferidos, conforme resulta do artigo 72.º, n.º 12 do Código do IRS e essa aplicação não depende da declaração de residente não habitual no cadastro da AT, porque o pedido de inscrição como residente não habitual não tem efeitos constitutivos do direito de ser considerado como residente habitual para beneficiar do respetivo regime fiscal[1]

Consequentemente, entende o Requerente marido que as liquidações impugnadas padecem, no seu entender, de excesso de quantificação, motivo pelo qual deverão ser anuladas, porque, nos termos do artigo 72.º, n.º 12 do Código do IRS, os residentes não habituais em território português são tributados à taxa de 10% relativamente aos rendimentos líquidos de pensões, incluindo os da categoria H, quando, pelos critérios previstos no n.º 1 do artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português e os rendimentos auferidos pelo Requerente marido dizem respeito a uma pensão da Suíça, devida por uma entidade que não tem residência, sede, direção efectiva ou estabelecimento estável em Portugal, pelo que tal rendimento não se considera obtido em território português, nos termos do artigo 18.º, n.º 1 do CIRS. Por isso, a liquidação impugnada ao não sujeitar a pensão à tributação nos termos do artigo 72.º, n.º 12 do CIRS, padece de excesso de quantificação, devendo, nessa medida, ser anulada.

Acresce que a liquidação de IRS de 2022, que ora se reclama, incorre em vício de fundamentação, porque os documentos notificados aos Requerentes tornam-se impercetíveis para um destinatário normal, colocando em causa o direito de defesa dos Requerentes, dado que não basta a mera emissão e notificação da liquidação para que o acto se considere fundamentado, estando, por isso, os actos impugnados inquinados de vício de forma, que legitimam a sua anulação nos termos do artigo 99.º, alínea c) e d) do CPPT[2].

Por fim, o Requerente procedeu ao pagamento do valor de €5.000, relativo à liquidação de IRS objeto do presente pedido arbitral, encontrando-se o restante do valor da liquidação, a ser pago em prestações, pelo que requerem desde já o reembolso do imposto pago em excesso indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios, não só relativamente ao depósito inicial, como também às prestações pagas posteriormente.

 

 

1.3 – Posição da Requerida

A AT, na sua extensa resposta, começa por deduzir a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação ao 1.º Requerente do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais, pois o meio impugnatório escolhido pelos Requerentes para fazer valer a sua pretensão não é o adequado, porquanto, não obstante solicitarem a anulação da liquidação em crise, referente ao ano de 2022, a causa de pedir que suporta tal pedido centra-se, maioritariamente, na suposta condição de RNH do 1.º Requerente.

Efetivamente, segundo a AT, da factualidade aduzida, atenta a causa de pedir subjacente ao pedido de pronúncia arbitral (PPA), resulta manifesto, que está em causa um pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual, pelo que a matéria controvertida nos presentes autos é relativa à não aplicação do regime previsto para os residentes não habituais.

Com efeito, sem aquele primeiro passo, sem que essa questão prévia seja decidida a seu favor pelo presente Tribunal, não há como imputar o vício de ilegalidade à liquidação de IRS contestado e de acordo com a vontade expressa do legislador, no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT «fixam-se, com rigor quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral» – conforme Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro;

E o rigor dessa fixação exprime-se através da enunciação taxativa da competência desta jurisdição, a saber:

- Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamentos por conta, e

- Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não deem origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria coletável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

Daí a incompetência absoluta em razão da matéria deste Tribunal, que configura uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto ao pedido respetivo, de acordo com o previsto nos artigos 88.º, n.º 2 e 89.º, n.º 3, alínea a) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea c) do RJAT[3].

Em seguida, a Requerida suscita ainda a questão da inimpugnabilidade do ato de liquidação parcial, com fundamento no suposto estatuto de RNH do Requerente marido, porque, no seu entender, o reconhecimento da condição de RNH, assenta num procedimento prévio e independente da liquidação impugnada nos presentes autos.

Para o efeito, invoca como se tendo pronunciado sobre esta temática o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 718/2017, proferido no Processo nº 723/2016, de 2017.11.15, apoiando-se nas suas conclusões, na desconstrução da natureza interlocutória do procedimento de reconhecimento da condição de residente não habitual, considerando que o preceito estipulado no artigo 54.º, nº 1, alínea d) da Lei Geral Tributária (LGT), estatuiria que, no conjunto de actos compreendidos no procedimento tributário, encontrar-se-ia o reconhecimento ou revogação de benefícios fiscais.

Deste modo, o Acórdão infere que a aplicação do princípio da impugnação unitária, ordenado no artigo 54º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), não seria subsumível ao caso em apreço, porque o procedimento de reconhecimento da residência fiscal não habitual, não teria uma natureza preparatória/destacável do procedimento de liquidação. Mas seria, antes, um ato administrativo autónomo.

Em reforço do seu ponto de vista, a Requerida invoca ainda a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) prevalecente (Acórdão do STA, Uniformizador de Jurisprudência, nº 014/19.7BALSB, de 04.11.2020), que ditaria que a impugnação do acto de benefícios fiscais, seria autónoma em relação ao acto de impugnação das liquidações, sendo, nestes casos e na óptica do Acórdão, o meio de reação ao dispor do contribuinte, a acção administrativa.

Por isso, a Requerida entende que a impugnação do acto de reconhecimento da condição de residente não habitual, não encontra sustentação jurisdicional na discussão da legalidade da liquidação, pelo que o erro na forma de processo, assim como, a inimpugnabilidade do acto com fundamento no suposto estatuto de RNH, são manifestos nos presentes autos.

Face ao exposto, conclui que ocorre a excepção dilatória da inimpugnabilidade do ato de liquidação com o fundamento no suposto estatuto de RNH de que os Requerentes se arrogam para se conhecer o pedido arbitral apresentado, o que argui, com as devidas consequências legais, designadamente, a absolvição da instância, de acordo com o previsto nos artigos 88.º, n.º 2 e 89.º, n.º 3, alínea i) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea c) do RJAT.

Relativamente aos factos alegados pelos Requerentes faz uma impugnação global, por meio de remissão para o PA que juntou.

No que respeita ao vício da falta de fundamentação, estribando-se em várias decisões jurisprudenciais que cita[4], a Requerida alega que os Requerentes demonstram pelo teor sua petição inicial apresentada nos presentes autos, que a desconsideração da taxa de 10%, descrita no artigo 72º, nº 12 do CIRS, se ficou a dever à preterição da condição de residente não habitual do 1.º Requerente, sendo que este revela o conhecimento da importância dessa condição, quando solicitou a respetiva inscrição como residente não habitual, pelo que os Requerentes assumem plena compreensão da questão controvertida e essencial à apreciação do pedido.

Por isso, pergunta até a Requerida, como poderiam os Requerentes, para além da dúvida metódica, sem conhecer a fundamentação que expressamente se enunciou, sem conhecer perfeitamente os factos e o direito fundamentadores da liquidação impugnada nos presentes autos, chegar tão agilmente, tão seguramente, à conclusão que a desaplicação da taxa pretendida, deveu-se à preterição da condição de residente não habitual do 1.º Requerente?

Deste modo, entende que não há qualquer vício de fundamentação a imputar à liquidação impugnada.

Outrossim, como já anteriormente aduzido, volta a reiterar que a causa de pedir no presente PPA, quanto ao mérito, centra-se, no essencial, na suposta condição de residente não habitual do 1.º Requerente.

Procedendo depois e alegadamente à parametrização substantiva da problemática em questão, conclui que, de acordo com o n.º 8 do art.º 16.º do CIRS, consideram-se residentes não habituais as pessoas singulares que, tendo-se tornado residentes em Portugal de acordo com as regras previstas no n.º 1 do referido artigo, não tenham em qualquer dos cinco anos anteriores sido tributados como tal, em sede de IRS, devendo considerar-se que a inscrição como residente não habitual tem de ser solicitada por via eletrónica, posteriormente à inscrição como residente fiscal ou, em momento ulterior, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte aquele em que se tornou residente em Portugal (n.º 10 art.º 16.º do CIRS).

Ora, o 1.º Requerente pretendendo a inscrição como RNH, com efeitos a 2022, como resulta do recurso hierárquico apresentado contra o indeferimento do seu pedido de inscrição como RNH, em sede de procedimento de 1.º grau, o respetivo pedido de inscrição deveria ter sido formulado até 2023.03.31, porque o ora 1.º Requerente tendo-se tornado residente fiscal em Portugal no ano de 2022, teria até 2023.03.31 (até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torna residente nesse território), nos termos do nº 10 do art.º 16.º do CIRS para solicitar o estatuto de RNH, com efeitos ao ano de 2022, mas esse pedido de inscrição como RNH formulado pelo ora 1.º Requerente apenas foi efetuado em 2023.06.09, pelo que é extemporâneo, atento o disposto no aludido n.º 10 do artigo 16.º do CIRS.

Além disso, essa inscrição, porque tem um prazo estabelecido - 31 de março do ano seguinte àquele em que se torne residente em Portugal -, entende a Requerida que é indiscutível de que se trata de um prazo peremptório que, pela sua natureza, faz precludir o direito do Requerente, e, por isso, a “interpretação jurídica invocada pelos Requerentes, e plasmada em algumas decisões do CAAD, sobre o alegado efeito meramente declarativo do artigo 16.º n.º 10 do CIRS, constitui numa manifesta violação das regras de interpretação das normas jurídicas fiscais previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária e do artigo 9.º do Código Civil”.

Por outro lado, o regime fiscal de RNH em sede de IRS, mais não trata que de um benefício fiscal que visou atrair para Portugal profissionais qualificados, indivíduos com património e pensionistas estrangeiros, o que é de facto um regime fiscal extremamente benéfico e altamente incentivador para os seus potenciais beneficiários, mas não aparenta que tenha sido o intuito do legislador atribuir um benefício de natureza fiscal automaticamente, só pelo facto de alguém residir mais de cinco anos no estrangeiro, e vir depois fixar a sua residência em Portugal.

O Estatuto dos Benefícios Fiscais, determina, no seu artigo 2.º, o seguinte: “Consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem” e, por isso, sendo considerados como benefícios fiscais nomeadamente: (…) “as isenções”.

Por isso, o legislador além de criar o regime, fixou alegadamente um procedimento obrigatório que exige o cumprimento de um prazo imperativo, apelando a uma inscrição obrigatória para a obtenção de um estatuto jurídico, e não de uma mera declaração, encontrando-se aqui um elemento sistemático para a interpretação seguida pela Requerida, porque é seu entendimento que a inscrição é um acto formal que tem por consequência o início ou a alteração de uma situação jurídica, e um enquadramento legal para uma pessoa ou um bem.

E reforçando esse elemento sistemático, refere ainda que a grande maioria das obrigações declarativas não se encontra nos capítulos de incidência objetiva e subjetiva do CIRS, como acontece aliás com todos os outros Códigos Fiscais e não é por acaso que a disposição do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS se encontrava na secção das normas de incidência subjetiva do CIRS, tendo o legislador optado por fixar expressamente um limite temporal para acesso ao regime de RNH, só pode concluir-se que esta disposição é condição formal e constitutiva do regime jurídico do benefício fiscal.

Como elemento histórico que alegadamente suporta a sua interpretação do carácter constitutivo da inscrição do contribuinte em sede RNH, a Requerida invoca a evolução do artº. 16º., nº. 7 do CIRS, pelo que não pode negar-se que existe um limite temporal para a apresentação do pedido, com um prazo limite definido, e cujo incumprimento faz precludir o direito, pelo que se pode afirmar, sem margem para quaisquer dúvidas, que o benefício fiscal que advém da atribuição do estatuto de RNH é um benefício cuja atribuição carece da acção do interessado.

Acrescenta que, existindo dois tipos de benefícios fiscais: os automáticos e os que dependem de reconhecimento – vide artigo 5.º do EBF -, sendo que os primeiros resultam direta e imediatamente da lei, enquanto que os segundos pressupõem um ou mais atos posteriores de reconhecimento e mesmo que consideremos que estamos perante um benefício fiscal automático, parece-nos correcto afirmar que esse facto não exclui o ónus de o interessado declarar à AT a verificação dos respetivos pressupostos, dentro de um prazo determinado, pois nada obsta a que a automaticidade seja condicionada pela atuação do interessado, dentro de um prazo fixado, provando, se necessário, a verificação dos requisitos que levam à atribuição do benefício, citando como exemplo, a concessão de outras isenções/benefícios fiscais, tendo por exemplo a isenção prevista no artigo 270.º n.º 2 do CIRE relativa ao IMT.

Cita a requerida como norma geral o disposto no artigo 65.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) de que “o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei”, pelo que, nada obsta, no entender da requerida que um não residente, que se estabeleça em Portugal, tornando-se após, residente em território nacional, opte por ser tributado como um residente “normal”, sendo esta uma escolha que impende sobre o sujeito passivo e que parte da sua demonstração de vontade, só assim dando utilidade ao nº. 10º. do artº. 16º. do CIRS.

Invoca, por fim, em abono do seu ponto de vista um elemento teleológico da interpretação da norma, uma vez que o efeito meramente declarativo colocaria em causa o princípio da não renovação do regime de RNH e da sua possível suspensão, no caso de deixar de ser residente em Portugal e depois voltar a sê-lo, pois entende que, se o legislador pretendesse a atribuição do estatuto de RNH pela mera aplicação do n.º 8, necessariamente que teria previsto no n.º 12, que em caso de ausência superior a 5 anos, o regime de suspensão caducaria, aplicando-se novamente o disposto no n.º 8.

Para a requerida, o que logicamente faz sentido é que uma vez efetuada validamente a inscrição como RNH existe a possibilidade de beneficiar deste regime durante 10 anos, pelo que a ausência do território nacional no decurso de um período por 5 ou mais anos não renova ou atribui o regime por mais 10 anos por força do n.º 8 do artigo 16.º do CIRS, mas apenas possibilita usufruir do mesmo pelo período remanescente até atingir os 10 anos, pelo que era necessário ter um marco de referência para a contabilização desse período, o que, no seu entender, reforça uma vez mais o efeito constitutivo da inscrição como RNH, que permite definir a data exata de início da produção dos seus efeitos, bem como a definição dos períodos exatos de suspensão e da sua retoma, se for caso disso.

 Acresce que a interpretação de que a aplicação do regime de RNH se basta com a verificação das condições previstas no n.º 8, não dependendo do pedido de inscrição, atenta diretamente contra a coerência da aplicação do sistema de benefícios fiscais, designadamente com o “Programa Regressar”, previsto no artigo 12.º A, nº. 2 do CIRS, que expressamente determina que “não podem beneficiar do disposto no presente artigo os sujeitos passivos que tenham solicitado a sua inscrição como residente não habitual”, pelo que, a contrario sensu, um contribuinte que não tenha pedido a inscrição como RNH poderia beneficiar primeiramente do “Programa Regressar” e, terminados os 5 anos, do regime de RNH por aplicação automática do n.º 8 do artigo 16 do CIRS e a contrario, um contribuinte que tenha pedido a inscrição como RNH, não poderia beneficiar do “Programa Regressar” por não cumprir a condição exigida pelo n.º 2 do artigo 12.º A do CIRS.

É inevitável concluir que a correcta aplicação do regime de RNH, de forma sistematizada e atendendo aos princípios jurídicos que lhe subjazem, é a que exige a inscrição dentro do prazo expressamente determinado na lei e que o regime do RNH é um benefício que depende de reconhecimento, conforme resulta expressamente da lei, motivo pelo qual, justamente, existe um “procedimento de inscrição”, no seguimento do qual a AT autoriza, ou não, essa inscrição no registo do contribuinte.

Pelo que afirma que, atento o consagrado na lei, foi fixado um prazo peremptório para o exercício do direito, o qual não sendo observado atempadamente determina a caducidade do mesmo, o que aconteceu no caso sub judice.

Nessa conformidade, sendo a inscrição como RNH, um requisito prévio necessário à concessão do estatuto/ benefício de RNH, e não tendo este sido este concedido, não se verifica qualquer ilegalidade da liquidação contestada[5].

Como último argumento, invoca a requerida AT a inconstitucionalidade da interpretação propugnada pelos Requerentes no sentido do efeito meramente declarativo da inscrição prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, o que consubstancia no seu entender uma violação frontal aos princípios da Legalidade, do Sistema Fiscal e da Segurança Jurídica (cf. artigos 3º nº 3, 103º nº 2, 267º nº 2 e 2º todos da CRP), sendo que estes princípios estão igualmente inseridos no n.º 1 do art.º 8.º, n.º 2 do artigo 5.º, n.º 3 do artigo 7.º e n.º 5 do artigo 36.º todos da LGT.

Em termos de incidência subjetiva o legislador pretendeu condicionar o acesso ao benefício fiscal deste regime a requisitos materiais e formais e dentre estes, a obrigação da inscrição prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS é o resultado de várias alterações legislativas já anteriormente referidas, mas cuja redação inicial, aquando da criação do regime do RNH, implicava uma verdadeira manifestação de interesse por parte do contribuinte em beneficiar do referido regime (cf. anterior e inicial n.º 7 do artigo 16.º do CIRS).

Deste modo, entende a requerida que a interpretação dada pelos Requerentes quanto ao efeito meramente declarativo da inscrição obrigatória prevista no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS é manifestamente inconstitucional, para além de ser ilegal, viola claramente os artigos 3.º n.º 3, 103.º n.º 2, 267.º n.º 2 e 2.º todos da CRP, o que se invoca.

Termina com a alegação de que face à ilegalidade da pretensão dos requerentes não são devidos quaisquer juros indemnizatórios.

 

1.4 – Posição dos Requerentes perante as excepções deduzidas

Notificado da resposta da AT e para querendo responder às excepções por esta deduzidas, vieram os requerentes dizer que a competência material do tribunal é aferida pela forma como o demandante conforma o seu pedido e a respetiva causa de pedir, determinando-se, pois, pelos termos em que a ação é configurada pelo autor e em que são expostos a pretensão deduzida e os factos com relevância jurídica e que os Requerentes formularam um pedido muito concreto, no qual pediram a anulação do acto de liquidação adicional de IRS do ano de 2022, invocando como fundamento que a referida liquidação enferma de excesso de quantificação da matéria tributável para efeitos de IRS, pela não aplicação das regras de tributação na qualidade de residente não habitual ao Requerente marido e de vício de fundamentação.

Resulta claro, do teor do pedido de pronúncia arbitral, em que se impugna a liquidação de IRS n.º 2023..., do ano de 2022, à qual os Requerentes imputam o vício de excesso de quantificação da matéria tributável para efeitos de IRS, pela não aplicação das regras de tributação na qualidade de residente não habitual e enfermar ainda de vício de fundamentação, não sendo o objeto do presente processo a inscrição autónoma e específica como condição de residente não habitual do Requerente marido, mas a legalidade da liquidação de IRS em atenção à regulação jurídica aplicável.

Conforme a jurisprudência arbitral tem decidido nas decisões que os requerentes citam[6] e em que se refere que ““Não há que confundir a competência para a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de imposto com a inviabilidade de isso se fazer com base em fundamentos que respeitem a atos destacáveis autonomamente impugnáveis, que envolvem a consequência, na falta da sua impugnação tempestiva, de se consolidarem como caso resolvido.”. O sujeito passivo pode impugnar uma decisão de imposto perante Tribunal Arbitral, o qual é competente para a sua      apreciação (art.º 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT)”.

Por isso, estando em causa no presente processo, apenas a apreciação da legalidade de um acto de liquidação, sempre será o CAAD materialmente competente, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

Relativamente à questão da inimpugnabilidade do acto com fundamento no suposto estatuto do residente não habitual, reafirma que o presente pedido arbitral tem como objeto a liquidação de IRS de 2022 e nada mais, pois, para sindicar a legalidade da decisão de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual, o Requerente apresentou recurso hierárquico, conforme documento 8 que se juntou com o pedido de pronúncia arbitral, que se encontra ainda em apreciação.

Relativamente à jurisprudência do Tribunal Constitucional invocada pela Requerida na sua Resposta, esta assenta em factualidade distinta daquela que está em causa nos presentes autos, sendo que no referido Acórdão o contribuinte não havia reagido contra a decisão de indeferimento do pedido de RNH e nos presentes autos o Requerente marido interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento relativa ao pedido de inscrição como residente não habitual, conforme resulta do documento 8 que se juntou com o pedido arbitral.

Além disso, aquele acórdão respeitou a uma liquidação relativa ao ano de 2010, cujo cenário normativo não coincide com o aqui em consideração, por se reportar à regulação originariamente introduzida pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro e sobre ele e a sua aplicação actual já se pronunciou a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 319/2022-T. no sentido de demonstrar que a impugnação do acto de liquidação não determina qualquer incompatibilidade com o Acórdão n.º 718/2017, de 15 de Novembro, do Tribunal Constitucional.

 Consequentemente deve também improceder a alegada exceção de inimpugnabilidade do acto de liquidação aqui contestado nos presentes autos.

 

 

2. Saneamento:

              O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são as legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

É suscitada a questão da competência deste tribunal arbitral, bem como a questão da inimpugnabilidade do acto com fundamento no suposto estatuto do residente não habitual, que, por alegadamente ser um acto destacável determinaria a nulidade do erro na forma do presente processo que, a proceder, inquinaria todo o processado.

Como, porém, estas questões dependem para o seu conhecimento da determinação dos factos que forem considerados provados ou não provados, remetemos o seu conhecimento para depois de apreciada e decidida a matéria de facto.

 

 

3. Fundamentação de facto.

Considerando os articulados das partes, os documentos juntos e o processo administrativo, são considerados provados e não provados os factos que a seguir se indicam:

 

3.1 - Factos provados:

a) Os Requerentes foram notificados da demonstração de liquidação de IRS n.º 2023..., no valor de €11.050,24, relativa ao ano de 2022, (provado pelo doc. 1 junto com o PPA)

b) A referida demonstração de liquidação de IRS tinha como data limite de pagamento o dia 31-08-2023 (provado pelo doc. 1 junto com o PPA)

c) O Requerente tornou-se fiscalmente residente em Portugal em 18-03-2022, mediante declaração perante a Autoridade Tributária e Aduaneira (provado pelo doc. 2 junto com o PPA).

d) O Requerente foi residente na Suíça, concretamente, em ..., ..., ... Wallisellen, desde 18-11-2003 até 31-12-2021, conforme resulta do certificado de residência emitido pelas autoridades fiscais da Suíça, devidamente traduzido. (provado pelo doc. 3 junto com o PPA).

 e) Porém, o Requerente encontrava-se registado no cadastro da AT como residente em Portugal no período de 18-08-2010 a 01-08-2017, (provado pelo doc. 2 junto com o PPA).

f) Porque tal informação não era exacta, o Requerente solicitou à AT alteração de morada com efeitos retroativos (provado pelo doc. 4 junto com o PPA).

g) Por despacho de 2024-02-12, foi deferido o pedido de alteração morada com efeitos retroactivos à data de 2003-11-18 (provado pelo doc. junto com o requerimento apresentado em 19-2-2024).

h) Em 18-03-2022, o Requerente alterou a sua morada para Portugal, passando a residir na Rua ..., ..., ...-... Póvoa de Varzim (provado pelo doc. 2 junto com o PPA).

 i) Em 06-06-2022, o Requerente alterou a sua morada para a Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Póvoa de Varzim. (provado pelo doc. 2 junto com o PPA)

j) O Requerente foi residente na Suíça desde 2-8-2017 a 17-3-2022, ou seja, nos 5 anos anteriores a 18-03-2022, data em que regressou a Portugal. (provado pelo doc. 2 junto com o PPA).

 k) O Requerente entregou em 9-6-2023, a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2022, na qual incluiu o anexo J, onde declarou rendimentos da categoria H obtidos no estrangeiro no valor de € 53.670,36, conforme declaração modelo 3 de IRS. (provado pelo doc. 5 junto com o PPA)

l) Na declaração de IRS apresentada, os Requerentes, por lapso, não procederam à entrega do anexo L (Residente Não Habitual), embora o Requerente marido preenchesse relativamente ao ano de 2022, todos os requisitos para beneficiar daquele regime (provado pelo doc. 5 junto com o PPA).

m) O Requerente marido procedeu em 09-06-2023, à submissão do pedido de inscrição como residente não habitual. (provado pelo doc. 6 junto com o PPA).

n) Por impossibilidade técnica do sistema, o Requerente não conseguiu, em 09-06-2023, submeter o pedido de inscrição como residente não habitual com início no ano de 2022, ano relativamente ao qual se encontravam verificados os pressupostos materiais da aplicação do regime do RNH, em virtude da não residência do Requerente no período compreendido entre 2003 e 2022 (provado por acordo das partes)

o) O pedido de inscrição como residente não habitual veio a ser indeferido por despacho de 28/7/2023. (provado pelo doc. 7 junto com o PPA)

p) O ora requerente encontra-se registado/a no cadastro da AT como residente em território português (n.º 8 do artigo 16.º do CIRS e alínea b) do ponto 1, da Circular nº 9/2012), no(s) ano(s) 2022 (provado pelo doc. 2 junto com o PPA)

q) O Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual referido na al. o), mas ainda não foi decidido (provado pelo doc. 8 junto com o PPA)

r) Na liquidação objeto do presente pedido arbitral, a AT não aplicou aos rendimentos auferidos pelo Requerente marido, no ano de 2022, o regime do residente não habitual. (provado pelo doc. 1 junto com o PPA)

s) Os Requerente procederam ao pagamento do valor de €5.000, relativo à liquidação de IRS de 2022 (provado pelo doc. 9 junto com o PPA).

t) O restante do valor da liquidação de IRS relativo ao ano de 2022, encontra-se a ser pago em prestações (provado pelo doc. 10 junto com o PPA).

u) Os Requerentes apresentaram em 2023-11-28, o presente pedido de pronúncia no Tribunal Arbitral.

t) os requerentes comprovaram em 2024-05-06, o pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

 

3.2 Factos não provados e fundamentação da matéria de facto considerada provada.

          Não existem outros factos não provados com interesse para a decisão deste processo.

           Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela requerente e no que consta do processo administrativo e também os factos que as partes estão de acordo em considerar provados, conforme resulta do por si alegado em sede de requerimento inicial e da resposta que lhe sucedeu, na qual a AT admitiu essa matéria de facto.

 

 

4. Matéria de direito

 

4.1 - Questões a resolver:

Como questões a resolver, teremos desde logo, a da incompetência deste tribunal arbitral para conhecer o presente PPA e a questão prévia da inimpugnabilidade do acto de liquidação parcial, com fundamento na falta de inscrição do Requerente marido como residente não habitual.

Como questão de fundo, se as excepções não procederem, teremos necessidade de averiguar da legalidade da liquidação notificada aos ora requerentes, questão esta que se prende unicamente com a necessidade ou não de prévia inscrição do ora Requerente marido no cadastro da AT como RNH, ou se este benefício é automático, pelo que basta a invocação dos factos que servem de base à aplicação desse regime de tributação, para dele se usufruir.

 

4.2 – Da excepção de incompetência material do tribunal arbitral

O âmbito de competência material dos tribunais arbitrais encontra-se limitado nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT à apreciação da legalidade “de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e “de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

Ora, a competência material do tribunal é aferida pela forma como o demandante conforma o seu pedido e a respetiva causa de pedir, determinando-se, pois, pelos termos em que a ação é configurada pelo autor e em que são expostos a pretensão deduzida e os factos com relevância jurídica.

Os Requerentes formularam um pedido muito concreto, no qual pediram a anulação do acto de liquidação adicional de IRS do ano de 2022, liquidação de IRS n.º 2023 ..., à qual os Requerentes imputam o vício de excesso de quantificação da matéria tributável para efeitos de IRS, pela não aplicação das regras de tributação na qualidade de residente não habitual e o vício de falta de fundamentação.

Por outras palavras, o objeto do presente processo não é a inscrição autónoma e específica da condição de residente não habitual do Requerente marido, mas a legalidade da liquidação de IRS em atenção à regulação jurídica aplicável.

Como é por demais sabido e consabido, a competência material do tribunal, como pressuposto processual, é aferida pela forma como o demandante conforma o pedido e a respetiva causa de pedir, determinando-se, pois, pelos termos em que a ação é configurada pelo autor e em que são expostos a pretensão deduzida em juízo e os factos com relevância jurídica (vd. os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.11.2019, proc. n.º 44/19.9BCLSB e de 7.4.2022, proc. n.º 56/21.2BCLSB).

              Em consequência, para determinação da competência material do Tribunal, cabe atender à articulação da causa de pedir e da pretensão jurídica formulada pelo demandante na sua petição inicial.

Contra esta conclusão, insurge-se a Requerida alegando que, apesar de solicitar a anulação da liquidação de IRS em crise, a causa de pedir centra-se na condição de residente não habitual por parte do requerente marido, pelo que estaria em causa o pedido de reconhecimento dessa condição, que é susceptível, em termos contenciosos e perante o seu indeferimento, no caso expresso, de reacção mediante ação administrativa (art. 97.º, n.º 2 do CPPT), matéria e meio processual que são alheios à competência dos tribunais arbitrais.

Sucede que, se é certo que os Requerentes questionam na sua PI a natureza da inscrição no registo dos contribuintes da condição de residente não habitual para efeitos da aplicação do competente regime, tendo recorrido hierarquicamente do indeferimento dessa inscrição, os termos da configuração do pedido de pronúncia arbitral, pelos quais se afere a competência, não correspondem ao que indica a Requerida, sendo claro que se impugna a liquidação de IRS em crise, à qual se imputa um vício de erro sobre os pressupostos por não aplicação das regras de tributação dos residentes não habituais que corresponderia à situação tributária do Requerente. Por outras palavras, o objeto do presente processo não é a inscrição autónoma e específica no registo da condição de residente não habitual do Requerente (a que se dirige o requerimento administrativo aludido no facto provado r)), mas a legalidade da liquidação de IRS em atenção à regulação jurídica aplicável.

              Por outro lado, não há que confundir a competência para a declaração de ilegalidade de acto de liquidação de imposto com a inviabilidade de isso se fazer com base em fundamentos que respeitem a actos destacáveis autonomamente impugnáveis, que envolvem a consequência, na falta da sua impugnação tempestiva, de se consolidarem como caso resolvido. O sujeito passivo pode impugnar uma liquidação de imposto perante Tribunal arbitral, o qual é competente para a sua apreciação (art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT); questão distinta é verificar se, no exercício dessa competência, o Tribunal arbitral está vinculado a acolher ou não acolher, como fundamentos de anulação, vícios imputados em relação a antecedentes actos que, por terem sido objeto oportunamente dos competentes meios de reação autónoma, se não consolidaram em definitivo na ordem jurídica.

              Sendo ainda de acrescentar que, como notam os Requerentes, e como se conclui na decisão arbitral de 2 de dezembro de 2022, proferida no processo n.º 319/2022-T, “a pendência de discussão sobre a inscrição do contribuinte como residente não habitual, independente da fase em que se encontre (administrativa ou judicial), permite a impugnação direta do ato de liquidação de IRS com fundamento na não aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais, inexistindo qualquer incompatibilidade com o Acórdão n.º 718/2017, de 15 de Novembro, do Tribunal Constitucional.”

              Refira-se a propósito que, nas decisões citadas no ponto 12 da resposta dos requerentes às excepções deduzidas pelo Requerida estava em causa a impugnação de liquidações, sem que houvesse prévia inscrição do contribuinte como residente não habitual, tendo a AT em todas elas deduzido a excepção de incompetência do tribunal arbitral e em todas elas viu essa excepção indeferida, decisões essas que, em alguns casos, a Requerida impugnou judicialmente

              Pelas razões expostas, é também nosso entendimento o entendimento acolhido nas decisões arbitrais referidas.

Acresce que a jurisprudência do Tribunal Constitucional invocada pela Requerida na sua resposta assenta em factualidade distinta da controvertida, sendo que no Acórdão n.º 718/2017, de 15-11-2017, o contribuinte não havia reagido contra a decisão de indeferimento do pedido RNH e nos presentes autos a Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento relativa ao pedido de inscrição como RNH, como já se referiu.

Aliás, sobre similar matéria atinente à interpretação do artigo 54º do CPPT quanto à possibilidade de, em sede de impugnação de liquidação, apreciar vícios atinentes a atos interlocutórios ou autónomos entretanto já consolidados na ordem jurídica,  se havia já pronunciado o Tribunal Constitucional em 2015 em sentido inverso, ou seja, propendendo para a possibilidade de apreciação de tais vícios próprios do acto interlocutório ou autónomo, o que o fez através do acórdão 410/2015, de 29-09, no qual se acordou: “Julgar inconstitucional a interpretação do artigo 54.º do Código de Procedimento e Processo Tributário que, qualificando como um ónus e não como uma faculdade do contribuinte a impugnação judicial dos atos interlocutórios imediatamente lesivos dos seus direitos, impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles, por violação do princípio da tutela judicial efetiva e do princípio da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

Ora, se esta questão relativa à interpretação da norma do artigo 54º do CPPT ao nível da sua conformidade constitucional pode não ser consensual, afigura-se que para a decisão da questão objecto dos presentes autos suscitada pela Requerida, a fundamentação para a sua dilucidação não contende sequer, no nosso, com a decisão invocada pela Requerida (acórdão do TC n.º 718/2017) em suposto abono da excepção erigida, por inaplicabilidade ao caso dos autos.

              Com efeito, se bem analisado o teor da decisão proferida pelo TC trazida à colação pela Requerida, tal decisão tem subjacente uma realidade factual (e jurídica) absolutamente distinta daquela que resulta dos presentes autos, porquanto se no primeiro o contribuinte não havia reagido, designadamente, impugnando a decisão de indeferimento de inscrição enquanto residente não habitual, já nos presentes autos o Requerente requereu a sua inscrição ao abrigo de tal regime, encontrando-se este pedido pendente de decisão por parte da AT, em recurso hierárquico, depois de um primeiro indeferimento.

              Isto é, se no primeiro caso, apreciado pelo TC e invocado pela Requerida, o contribuinte havia omitido qualquer reação impugnatória quanto à decisão de indeferimento relativa à sua inscrição como residente não habitual e assim deixara consolidar na ordem jurídico-tributária tal decisão, já nos presentes autos a questão quanto à inscrição da Requerente enquanto RNH permanece em aberto, isto é, encontra-se pendente de apreciação e decisão por parte da AT, nos termos expostos.

              Que o mesmo equivale a afirmar que, independentemente da consideração e qualificação que se pretenda efetuar quanto à natureza de eventual decisão de indeferimento – interlocutória ou autónoma – e às eventuais repercussões ao nível impugnatório daí decorrentes no que ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e segurança dizem respeito, certo e seguro é que no caso ora em apreciação, o Requerente não viu definitivamente indeferido, até à presente data, o pedido de inscrição por ele formulado e logo dessa circunstância factual não se podendo extrair qualquer consequência ao nível de uma hipotética omissão impugnatória, leia-se, da dedução de eventual ação administrativa.

              Perante tudo o que se deixa exposto, nomeadamente em sede fáctica e a situação jurídica do pedido de inscrição como residente não habitual nos presentes autos, não se afigura de todo subsumível ao caso dos autos o sentido da jurisprudência invocada pela Requerida (Acórdão do TC n.º 718/2017).

Concretizando: a pendência de discussão sobre a inscrição do contribuinte como residente não habitual, independente da fase em que se encontre (administrativa ou judicial), permite a impugnação directa do acto de liquidação de IRS com fundamento na não aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais, inexistindo qualquer incompatibilidade com o Acórdão n.º 718/2017, de 15 de Novembro, do Tribunal Constitucional.

Por outro lado, nos termos da al. a) do artigo 99º do CPPT: “Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente:

a) Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários;”

No que à ilegalidade apontada nos presentes autos à liquidação por não aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais concerne, tal causa de pedir não poderá deixar de se ter como inscrita no leque de fundamentos suscetíveis de, em caso de provimento, determinar a errada quantificação dos rendimentos por esta declarados e consequentemente, a ilegalidade do acto tributário de liquidação.

              Ante o exposto, visando o pedido arbitral a declaração de ilegalidade de acto tributário de liquidação (do IRS de 2022), com acolhimento na al. a) do n.º 1 do artigo 2º do RJAT e não qualquer pedido de reconhecimento de inscrição como residente não habitual, tendo por causa de pedir fundamentos integráveis no disposto no artigo 99º do CPPT, não pode deixar de reconhecer a competência material do tribunal arbitral para conhecer o presente PPA, devendo improceder a excepção de incompetência material deste tribunal arbitral invocada pela Requerida.

 

 

4.3 – Da inimpugnabilidade do acto de liquidação parcial, com fundamento na falta de inscrição como residente não habitual:

 

Relativamente a esta questão da inimpugnabilidade, estamos perante uma falsa questão, resultante do deficiente enquadramento feito pela Requerida do problema em análise nos presentes autos.

Com efeito, os Requerentes formulam um pedido e alegam os factos que sustentam esse seu pedido, que no seu entender, determinariam a anulação da liquidação ainda que parcial da liquidação impugnada.

Por sua vez, a requerida alegou um facto impeditivo do direito de anulação dos Requerentes, qual seja, a falta de inscrição do Requerente marido como residente não habitual em Portugal para efeitos de tributação, cuja procedência, no seu entender, impede que seja decretada a anulação requerida pelos Requerentes.

Ou seja, a alegada falta de inscrição do Requerente como contribuinte residente não habitual não é, nem nunca pode ser, condição de impugnabilidade, mas de improcedência ou de procedência da impugnação da liquidação notificada aos Requerentes, consoante seja entendido que essa inscrição é ou não necessária para se beneficiar do regime especial de tributação dos residentes não habituais.

Deste modo, aquilo que a Requerida alega ser condição de impugnabilidade da liquidação de IRS notificada aos ora Requerentes, mais não é que a alegação de um facto impeditivo da sua pretensão, que a proceder determina a improcedência do pedido de anulação formulado.

Por isso, julga-se improcedente a questão prévia suscitada pela Requerida da inimpugnabilidade do acto de liquidação parcial, com fundamento na falta de inscrição do Requerente marido como RNH.

 

 

4.4 - Legalidade das liquidações notificadas à ora requerente

 

4.4.1 – Da eventual falta de fundamentação:

 

A fundamentação é uma exigência dos actos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (268.º da CRP) e legal (art.º 77º da LGT).

Segundo o Ac. do STA de 21/6/2017, proferido no Procº. 068/17, “a exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa”.

Por sua vez, o Ac. ainda do STA de 08-06-2011, proferido no processo 068/11, decidiu que “apesar da não indicação expressa do preceito legal aplicável, a exigível fundamentação de direito do acto tributário será suficiente com a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, desde que, em qualquer caso, se possa concluir que aqueles eram conhecidos ou cognoscíveis por um destinatário normal colocado na posição em concreto do real destinatário”.

Por fim, deve ainda ter-se em conta o Ac. do STA de 17/06/2009, proferido proc. n.º 0246/09, onde se decidiu que “nos actos de liquidação de IRS, atenta sua natureza de “processo de massa”, o dever de fundamentação é cumprido pela Administração fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”, mas sem que possa deixar de observar o disposto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT ou de pôr em causa as finalidades do direito à fundamentação”.

No caso dos presentes autos, de uma liquidação de IRS, é por demais evidente que os Requerentes entenderam a liquidação que lhes foi notificada, acabando por deduzir um PPA, em que de forma completa e revelando essa compreensão da liquidação notificada, a impugnaram, alegando todos os factos relevantes.

Mesmo recorrendo, como último critério, ao critério civilístico da impressão do destinatário, da leitura do PPA resulta claro e evidente que, como destinatários da liquidação, esta “estará devidamente fundamentada sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, e optar conscientemente entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação”, como de facto veio a acontecer[7].

Face ao que se deixa exposto, julga-se o acto ora impugnado devidamente fundamentado, improcedendo o vício da falta ou insuficiência de fundamentação

 

4.4.2 – Da eventual necessidade de prévia inscrição no cadastro da AT

A legalidade das liquidações notificadas aos ora Requerentes, é uma questão que se prende unicamente com a necessidade ou não de prévia inscrição do Requerente marido no cadastro da AT como RNH, ou se este benefício é automático, no sentido de que é invocável e aplicável com a simples alegação dos factos que servem de base à invocação desse regime de tributação.

No entender da Requerida é pressuposto indispensável para beneficiar do regime fiscal de Residente Não Habitual a prévia inscrição do Requerente no cadastro da AT como residente não habitual.[8]

              O regime do residente não habitual constava, ao tempo dos factos, do artº. 16º. do CIRS, nos seus números 8 a 12, que tinham a seguinte redacção:

8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)

11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.

12 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português.

 

              De acordo com o n.º 8 do art.º 16.º do CIRS, consideram-se residentes não habituais as pessoas singulares que, tendo-se tornado residentes em Portugal de acordo com as regras previstas no n.º 1 do mesmo artigo, não tenham em qualquer dos cinco anos anteriores sido tributados como tal, em sede de IRS, em Portugal.

              Atentos os factos considerados provados nas alíneas c), d), g) e j), o requerente marido preenche os requisitos para ser considerado residente não habitual.

              Porém, a Requerida entende que, para poder beneficiar desse regime de tributação, como residente não habitual, o Requerente depois da sua inscrição na AT como residente em território português, devia ter solicitado a sua inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente a esse da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

              Entende a Requerida que esta inscrição é elemento constitutivo da situação de residente não habitual (RNH) e consequentemente beneficiário desse regime e é seguro que o requerente não requereu essa inscrição como RNH, nem logo a seguir à sua inscrição como residente em território português, que ocorreu em 18-03-2022, nem até 31 de Março do ano seguinte a essa inscrição.

              A sua tentativa de inscrição como RNH, ocorreu apenas em 9/6/2023.

              Entende a Requerida, que essa omissão da inscrição como residente não habitual do requerente, por via eletrónica, no Portal das Finanças no prazo legalmente fixado constitui uma omissão que impede definitivamente os ora Requerentes de beneficiarem do regime de tributação do RNH, por estar precludido o seu direito a inscreverem-se no Portal das Finanças, como RNH, sendo essa inscrição elemento constitutivo do direito ao regime de tributação de RNH.

A AT invoca ainda as decisões adoptadas por tribunais de 1ª. Instância, no processo nº 842/23.BESNT, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no processo nº 208/21.5BELRA, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, no processo nº. 284/20.8 BEVIS do Tribunal Tributário de Viseu, no processo nº 406/14.8BELRS, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra e no processo 2972/15.1BELRS, do Tribunal Tributário de Lisboa, sem que seja possível averiguar a situação concreta que lhes subjaz e sem indicação da data do trânsito em julgado ou indicação da pendência em sede de recurso.

Mas a sua pedra de toque é o Acórdão n.º 718/2017, de 15 de Novembro, do Tribunal Constitucional, que, para além de ser uma decisão isolada e não ter consequentemente força obrigatória geral, a questão de facto apreciada pelo TC nesse acórdão invocado pela Requerida, refere-se a um contribuinte que havia omitido qualquer reação impugnatória quanto à decisão de indeferimento relativa à sua inscrição como residente não habitual e assim deixara consolidar na ordem jurídico-tributária tal decisão, ao passo que nos presentes autos a questão quanto à inscrição da Requerente enquanto RNH permanece em aberto, isto é, encontra-se pendente de apreciação e decisão por parte da AT, nos termos que já atrás deixámos expostos.

              Porém, não tem sido este o entendimento unanime dos tribunais arbitrais, sobretudo nas decisões mais recentes[9], relativamente a esse efeito constitutivo da inscrição como RNH, por via eletrónica, no Portal das Finanças sobre o direito ao regime de tributação de RNH, entendendo que a obrigação declarativa referida no nº 10 do artigo 16º do CIRS tem natureza exclusivamente declarativa e não tem efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respetivo regime, aliás porque é similar à obrigação declarativa prevista no artigo 19.º, n.º 3, da LGT que não constitui uma formalidade ad substanciam. Assim, a sua preterição não tem, em princípio, também, impacto em termos de tributação.

É este também o nosso entendimento.

Será oportuno referir que o elemento literal da norma é sempre um elemento muito relevante, por ser delimitador da actividade interpretativa.

Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

“Uma interpretação que não se situe já no âmbito do sentido literal possível, já não é interpretação, mas modificação de sentido” (Larenz).

Ora, para que o sujeito passivo seja considerado residente não habitual e adquira o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português, determina o nº. 9 do artº. 16º. do CIRS, que, no período da tributação, o sujeito passivo tenha de ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.

E refira-se que esse direito, emergindo directamente da lei e não carecendo, nos termos da lei de qualquer reconhecimento, não precisa de ser requerido, estando inerente à declaração de que o Requerente se tornou fiscalmente residente em Portugal, o que ocorreu em 18-03-2022, mediante declaração perante a Autoridade Tributária e Aduaneira, sem prejuízo do contribuinte a ele poder renunciar, o que não é sequer imaginável, pois passaria a pagar mais imposto.

Do cotejo dos n.ºs 8 a 12 do artigo 16º do Código do IRS é possível apreender que os

pressupostos para a aplicação deste regime são os seguintes:

- O sujeito passivo se torne fiscalmente residente em Portugal, em conformidade com qualquer dos critérios estabelecidos nºs n.º 1 e 2 do artigo 16º do CIRS;

- O sujeito passivo não tenha sido considerado residente em território nacional em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano em que se deva considerar residente nos termos do n.º 1 e 2 da referida norma.

Face ao exposto, resulta claro que o legislador faz depender, para efeitos da aplicação deste benefício fiscal, apenas do preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 16º, n.º 8, do CIRS, e não da inscrição formal como residente não habitual.

              O teor da norma – n.º 11 do artigo 16º do CIRS – é, a este propósito, muito claro ao fazer depender para a aplicação de tal regime da circunstância factual de o sujeito passivo se ter inscrito (e assim ser considerado) como residente em território português e não da sua inscrição formal enquanto residente não habitual.

Aliás, a inscrição formal enquanto residente não habitual não poderá deixar de se ter como uma mera obrigação declarativa, obrigação essa que, quando eventualmente não cumprida no prazo definido no n.º 10 do artigo 16º do CIRS constituirá infração a esse mesmo comando legislativo, sujeita a procedimento contraordenacional.

É que a inscrição formal do requerente como residente não habitual é um acto autónomo, sujeito a procedimento próprio não se inserindo obviamente no procedimento tributário de liquidação do IRS dos Requerentes, bastando uma leitura do artº. 54º., nº. 1, al. a) da LGT, para se concluir que nessa alínea se não têm vista os procedimentos autónomas, mas apenas as acções inspectivas que servem de base a liquidações adicionais.

Aliás, contraditoriamente com a posição por si defendida na resposta, a Requerida refere no artº. 24º. dessa mesma resposta que “o procedimento de reconhecimento da residência fiscal não habitual, não teria uma natureza preparatória/destacável do procedimento de liquidação.”

Daí que, e bem, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) (Acórdão do STA, Uniformizador de Jurisprudência, nº 014/19.7BALSB, de 04.11.2020), ditaria que “a impugnação do ato de benefícios fiscais, seria autónoma em relação ao ato de impugnação, sendo, nestes casos e na ótica do Acórdão, o meio de reação ao dispor do contribuinte, a ação administrativa”.

              Acresce que a interpretação seguida pelos tribunais arbitrais está perfeitamente de acordo com as regras de interpretação das leis, consagradas no artº. 9º. do Cod. Civil e para além de ter expressão literal na lei, não está em desacordo com sistema jurídico considerado no seu todo, sendo que a interpretação das leis tributárias segue os mesmos princípios, como resulta do artº. 11º. da Lei Geral Tributária

              Com efeito, independentemente da sua qualificação ou não como benefício fiscal, que a Requerida foi buscar para fazer crer que o mesmo carece de reconhecimento da AT, a situação de redução da taxa de tributação, não constitui uma isenção, mas um desagravamento fiscal dinâmico, que, como resulta da lei, é de aplicação imediata e automática[10].

              Isso mesmo resulta da leitura dos nºs. 8 a 12 do artº. 16º. do Cirs, que, em lado algum, obrigam a que a previamente a beneficiar do regime de tributação como residente habitual comunique, se deva inscrever como tal perante a AT, antes resultando o contrário.

              Com efeito,

              Do nº. 9 resulta que “o sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.” Ora, essa consideração ou reconhecimento como RNH pode ser feita pelo tribunal, directamente ou indirectamente através do julgamento da impugnação da liquidação do IRS, não tendo a lei retirado essa competência aos tribunais que apreciem as impugnações das liquidações de IRS em que essa questão seja suscitada.

              Além disso, resulta claramente deste nº. 9 a fixação de um marco para a contagem do prazo ao longo do qual se contarão os 10 anos legalmente fixados e que é o do momento em que o Requerente se tornou fiscalmente residente em Portugal, mediante declaração perante a Autoridade Tributária e Aduaneira, no caso dos presentes autos, desde 18-3-2022.

              Mas também do nº. 11 do mesmo artigo, nos termos do qual “o direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano”. Ou seja, legislador apenas faz depender a tributação como residente não habitual do facto de o contribuinte poder ser considerado residente em Portugal no período a que se refere a tributação e já não de qualquer outro acto. Aliás, inserindo-se este nº. 11 depois do nº. 10, onde se exige a inscrição como residente não habitual, e não fazendo o nº. 11 depender a tributação em regime especial do acto de inscrição referido no nº. 10, é evidente que, presumindo-se que o legislador exprimiu adequadamente o seu pensamento como se refere no artº. 9º. do Cod. Civil, o legislador não quis fazer depender a aplicação desse regime especial de tributação dessa inscrição como residente não habitual prevista no nº. 10.

          Argumenta ainda a Requerida com as dificuldades na contagem do prazo de aplicação do regime especial de tributação como residente não habitual, pois sem a inscrição prevista no nº. 10, não se saberia quando começaria e terminaria o prazo em que o contribuinte beneficiaria desse regime especial de tributação.

              Nada de mais incorrecto.

              Basta ler com atenção o disposto no nº. 9 do artº. 16º. do CIRS, onde se determina que “9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.” Portanto, seja ou não cumprido o disposto no nº. 10 do artº. 16º. do CIRS, o prazo de 10 anos conta-se do ano em que o contribuinte participou fiscalmente que era um residente em território português, como já atrás se referiu. No caso dos presentes autos desde o ano de 2022, como resulta do facto provado c), podendo os Requerentes beneficiar desse regime até 2031.

              Trata-se de um argumento da Requerida manifestamente contra legem, que não tem qualquer fundamento.

              Do mesmo modo, não há qualquer problema com a suspensão do prazo de vigência do regime de RNH, pois que, se, por ter deixado de residir em Portugal por um ou mais anos, desde que ainda não esteja completo o prazo inicial de vigência do RNH, ele será retomado para o requerente beneficiar dos anos subsequentes, como expressamente o prevê o artº. 16º., nº. 12 do CIRS que determina que “o sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português”, ou seja, ocorre apenas a suspensão do gozo do referido direito a ser tributado em RNH, retomando esse direito, quando volte a residir em território português.

              Mas mesmo que essa suspensão se prolongue por 5 ou mais anos, dessa suspensão não resulta qualquer caducidade do referido direito de tributação como residente não habitual, como pretende a Requerida, pois essa caducidade não se antevê na regulamentação legal, nem expressa, nem tacitamente.

              Do mesmo modo, não previa o regime do RNH a sua renovação, apenas podendo teoricamente ser objecto de nova admissão a esse regime, caso se verificassem os respectivos pressupostos. Porém, a hipótese do artº. 117º. da resposta nunca se verificará, pois como já se referiu e a AT tem seguramente conhecimento desse facto, o regime tributário do RNH foi extinto em 31-12-2023.

Do mesmo modo, não pode extrair-se qualquer argumento do diploma que instituiu o “Programa Regressar”, que estabeleceu apenas os pressupostos da sua aplicação sem qualquer ligação com o regime tributário do RNH.

Em resumo, o que interessa aferir nos presentes autos é apenas se o registo como “residente não habitual,” previsto no n.º 8 (à data dos factos) do art.º 16.º, constitui um requisito formal necessário para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime respetivo.

Face à redacção do n.º 8 do art.º 16º., em que legislador determina que “o sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português”, é evidente que o direito a ser tributado como residente não habitual depende, portanto e apenas de o sujeito passivo “ser considerado residente não habitual” e para que assim seja considerado a lei não exige em parte alguma o respectivo registo como RNH.

Aliás, o n.º 8 é perfeitamente expresso e inequívoco ao afirmar que “consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

Conclui-se, em suma, que o Requerente marido cumpre os requisitos previstos nos nºs 8 e 9, os quais sãos os únicos requisitos exigidos pela lei para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime dos “residentes não habituais.” Deste modo, o acto de liquidação que impôs aos Requerente a tributação pelo regime normal dos residentes habituais é ilegal por erro nos pressupostos de direito, pelo que tem de proceder o presente PPA.

 

              Pretende, por fim, a Requerida que a interpretação, que se deixa expressa, de que o registo como residente não habitual previsto no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS tem efeito meramente declarativo, está ferida de inconstitucionalidade.

              Entende a requerida que essa interpretação constituiuma violação frontal aos princípios da Legalidade, do Sistema Fiscal e da Segurança Jurídica, por inobservância do disposto nos artigos 3º nº 3, 103º nº 2, 267º nº 2 e 2º todos da CRP.

              Vejamos se assim é.

O artigo 3.º n.º 3 da CRP estipula que “a validade das leis e dos demais atos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição.” Até aqui nada de novo, pois esta norma consagra o princípio da conformidade da lei com as normas e princípios da constituição e a requerida não indica em que +e que a interpretação seguida do nº. 10 do artº. 16º. do CIRS conflitua com esta norma.

Por sua vez, o artigo 103.º n.º 2 da CRP enuncia que “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.” Também aqui nada de novo e nada se demonstra sobre a inconstitucionalidade da interpretação seguida na presente decisão, pois a mesma, como se demonstrou, caracteriza-se por respeitar os cânones interpretativos da lei fixados no artº. 9º. do Cod. Civil e no artº. 11º. da LGT, baseando-se em lei criada pela Assembleia da República.

              Além disso, invoca a Requerida a desconformidade desta interpretação com o artigo 267.º n.º 2 da CRP, onde se determina que “para efeito do disposto no número anterior, a lei estabelecerá adequadas formas de descentralização e desconcentração administrativas, sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de ação da Administração e dos poderes de direção, superintendência e tutela dos órgãos competentes.”

              Ora, não se vê e nem a requerida ao menos procura demonstrar em que é que a interpretação sobre os efeitos meramente declarativos do registo como residente não habitual previsto no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS atenta contra a descentralização e desconcentração administrativas.

              E o mesmo se diga da invocação do artigo 2.º da CRP, onde se dispõe que “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.

              As considerações que a seguir constam da resposta da Requerida não têm qualquer suporte factual, pois não existe qualquer “anarquia legislativa”, como o demonstram as decisões unânimes do CAAD, nem há lugar a frequentes revisões oficiosas de liquidação, bastando que a AT adeque a sua interpretação da lei às decisões judiciais, não sendo adequado o uso de expressões como “cartel interpretativo” e outras semelhantes dirigidos aos julgadores do CAAD, apenas porque discordam das interpretações seguidas pela AT.

              Face ao exposto, não se considera que viole a CRP a interpretação seguida nesta decisão, como em muitas outras decisões no sentido de que o registo como residente não habitual previsto no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS tem efeito meramente declarativo, pelo que a mesma não está ferida de inconstitucionalidade.

 

  

5. Devolução do imposto pago, juros e custas, acrescido de juros indemnizatórios.

           Conforme vem provado nas als. s) e t) dos factos provados e é demonstrado pelos documentos 9 e 10 juntos com o PPA, os Requerentes procederam ao pagamento do valor de € 5.000, relativo à liquidação de IRS de 2022, estando o restante do valor da liquidação a ser pago em prestações, conforme documento 10 que juntam.

           Por isso, apesar de ser pedida a anulação da liquidação na sua totalidade, os Requerentes apenas têm direito à restituição, das quantias efectivamente pagas no momento, em que se proceder a essa restituição.

           Além da restituição dessas quantias já pagas por força da anulação da liquidação ora impugnada, pedem ainda os Requerentes a condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, que serão calculados desde a data em que procederam a cada um dos pagamentos até à data em que vier a ser reembolsado aos Requerentes o indevidamente pago, juros esses vencidos e vincendos, desde aquela data.

           A propósito dos juros indemnizatórios, prescreve o artigo 43º nº 1 da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

           No caso ora em apreciação, o erro que afeta a liquidação impugnada é exclusivamente imputável à Requerida AT, que persiste numa interpretação do regime fiscal de RNH, que tem sido julgada improcedente por diversas decisões já citadas no texto desta decisão, pelo que têm os ora Requerentes direito ao recebimento dos juros indemnizatórios.

           É que, nos termos da alínea b) do artigo 24º do RJAT, 35º nº 10 e 43º nº 1 da Lei Geral Tributária e 61º nº 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a Requerida incorreu em erro que lhe é imputável ao não proceder à liquidação do IRS dos ora Requerentes relativo ao ano de 2022, mediante a aplicação do regime fiscal de RNH, apesar de os mesmos demonstrarem possuir os necessários e legais requisitos para o efeito.

           Por isso, deve a Requerida pagar aos Requerentes juros indemnizatórios sobre as quantias pagas indevidamente, juros esses contados à taxa legal, nos termos já referidos, desde o pagamento das quantias indevidamente exigidas até à sua restituição.

           Portanto, tem os ora Requerentes direito a ser reembolsados relativamente às as quantias pagas indevidamente e, ainda, a serem indemnizados por esse pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios por parte da requerida, desde a data do pagamento de cada uma dessas quantias, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

7. Decisão

           Nestes termos, decide-se:

a) julgar improcedentes e não provadas a excepção de incompetência material deste tribunal arbitral para conhecer o presente PPA e a questão prévia da inimpugnabilidade do acto de liquidação parcial;

 b) julgar procedente e provado o presente pedido de pronúncia arbitral e anular em consequência, o acto de liquidação de IRS relativa ao ano de 2022, constante do documento junto sob o nº. 1 com o presente PPA, com fundamento em erro sobre os pressupostos de direito, resultante da não aplicação aos Requerentes da tributação pelo regime dos residentes não habituais;

c) julgar procedente o pedido de condenação da requerida na restituição de imposto relativo a essa nota de liquidação anulada, no valor das quantias que os Requerentes já pagaram, inicialmente e nas prestações seguintes relativamente à liquidação de IRS de 2022 referida na alínea anterior, acrescido de juros indemnizatórios, por parte da requerida, desde a data do pagamento de todas e cada uma dessas quantias, até efectivo reembolso, calculados à taxa legal supletiva que é actualmente de 4% ao ano.

 

 

8. Valor do processo

           De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 11.050,24, indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

9. Custas

           Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante total das custas a pagar em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerida.

 

 

Lisboa, 14-08-2024

 

 

 

O Árbitro

(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)

 

 

 

 

 

 

Texto elaborado com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, 1990 excepto em transcrições que o adoptem.

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Cita a decisão do CAAD de 24-09-2021, proferida no processo 188/2020-T, bem como as decisões proferidas nos processos 319/2022-T, 664/2023-T, 815/2021-T e 777/2020-T, citando mais alguns em sede de alegações, no sentido de demonstrar a unanimidade das decisões do CAAD no sentido por si propugnado.

[2] Também aqui invocam, em abono do seu ponto de vista, os Acs. do STA de 02/04/2008, proferidos no processo n.º 0209/08 de 02/04/2008 e de 24-04-2019, no processo n.º 0399/13.9BEAVR.

[3] Cita os Acórdãos do STA de 11/5/2016, proferido no Processo n.º 034/14, e de 04.11.2020, proferido no processo n.º 014/19.7BALSB (uniformizador de jurisprudência) e ainda acórdão do Tribunal Constitucional de 15/11/2017, com o n.º 718/2017, bem como as decisões arbitrais proferidas no processo 796/2022-T CAAD e no processo n.º 262/2018-T.

[4] Ac. do STA de 17/06/2009, proc. n.º 0246/09, Acórdão do TCAS nº 01788/07, de 19-06-2007, Acórdão do TCAN nº 03081/15.9BEPRT, de 13-12-2018, Sentença do CAAD nº 150/2018-T, de 11/6/2018, Acórdão do CAAD nº 421/2020-T, de 2022-01-24, Sentença do CAAD nº 247/2021-T, de 11-11-2021 e decisão proferida pelo CAAD no processo n.º 137/2013-T de 02.12.2013.

 

[5] Neste ponto, a AT cita diversas sentenças de primeira instância, a que não tivemos acesso e por isso não foi possível conhecer o seu conteúdo de modo a considerar a argumentação nelas expendida.

[6] Decisões proferidas no processo n.º 705/2022-T, nº. 664/2022-T, nº. 777/2020-T e nº. 319/2022-T.

[7] Cfr. Ac. do STA de 02-12-2010, proferido no processo 0554/10

[8] O regime de tributação dos residentes não habituais foi revogado pela Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro (Lei do Orçamento), pelo que no corrente ano de 2024 já não está em vigor.

[9] Decisões nos processos 422/2023-T, proferida em 2024-02-21, 894/2023-T, proferida em 2024-04-15, 756/2023-T, proferida em 2024-03-07, 707/2023-T, proferida em 2024-6-12 656/2023-T, proferida em 2024-05-27 e 574/2023-T, proferida em 2024-03-04, que se citam por terem especificamente abordado a questão da necessidade ou não da inscrição prévia em cadastro para beneficiar do regime de RNH.

[10] Sobre esta questão, cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 10ª. Edição, Coimbra, 2017, págs. 400 e segs.