Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 72/2024-T
Data da decisão: 2024-08-05  IRC  
Valor do pedido: € 40.221,41
Tema: Organismos de Investimento Coletivo. IRC. Retenção na fonte. Estatuto dos Benefícios Fiscais. Direito da União Europeia.
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SUMÁRIO:

 

  1. A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele.
  2. A legislação portuguesa de IRC, ao tributar por retenção na fonte dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a Organismos de Investimento Coletivo constituídos ao abrigo da legislação de outro Estado Membro, ao mesmo tempo que permite aos Organismos de Investimento Coletivo equiparáveis constituídos ao abrigo da legislação nacional beneficiar, em idêntica situação, de isenção dessa retenção na fonte, não é compatível com o direito da União Europeia, por violação da liberdade fundamental de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, com Acórdão de 17 de março de 2022.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

            I. RELATÓRIO

 

  1. A... , Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português ..., com sede em ..., ... ..., Alemanha (doravante designado de "Requerente"),  apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), para apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2020, 2021 e 2022, bem como da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa previamente apresentada para o efeito

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito em 16 de janeiro de 2024 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

  1. Ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 6 de março de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

  1. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 26 de março de 2024, tendo nesse mesmo dia sido notificada a Requerida para apresentar a sua resposta.

 

  1. Em 2 de maio de 2024, a Requerida apresentou resposta, não tendo, contudo, junto o processo administrativo, defendendo-se por impugnação e requerendo a sua absolvição da instância.

 

  1. Por despacho de 3 de maio de 2024, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. O Tribunal Arbitral notificou as Partes para de modo simultâneo apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias.

 

  1. Requerente e Requerida apresentaram as suas alegações escritas, respetivamente em 21 de maio de 2024 e 6 de junho de 2024, onde reafirmaram as posições já anteriormente expressas.

 

A posição e os fundamentos do Requerente

 

  1. O Requerente para fundamentar o pedido alega, em síntese, o seguinte:

 

  1. O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária.
  2. Nos anos de 2020 a 2022, o Requerente, na qualidade de acionista da B... SGPS S.A. e C... SGPS S.A. recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte, no montante total a seguir discriminado:

Ano da Retenção

Valor Bruto do Dividendo

Data de Pagamento

Taxa de Retenção na Fonte

Guia de pagamento

Valor da retenção (€)

Pedido de reembolso o abrigo do ADT (10%)

Valor do imposto após pedido de reembolso ao abrigo do ADT

2020

28 346,83

03.07.2020

25%

 

7 086,71

2 834,68

4 252,02

2020

19 591,52

15.07.2020

25%

 

4 897,88

1 959,15

2 938,73

2020

4 751,69

15.07.2020

25%

 

1 187,92

475,17

712,75

2020

11 360,85

16.12.2020

25%

 

2 840,21

1 136,09

1 704,13

2021

24 541,92

06.05.2021

25%

 

6 135,48

2 454,19

3 681,29

2022

168 018,26

18.05.2022

25%

 

42 004,56

16 801,83

25 202,74

2022

11 531,65

18.05.2022

25%

 

2 882,91

1 153,17

1 729,75

TOTAL

40 221,41

  1. Com enorme relevância para a discussão da questão material ora controvertida, importa referir que em sede de outro processo arbitral que correu termos junto deste centro de arbitragem (processo n.º 93/2019-T), foi decidido o reenvio de questões prejudiciais para análise do TJUE, em tudo idênticas às que se colocam nos presentes autos, tendo o processo corrido termos junto do TJUE sob o n.º C-545/19.
  2. No dia 17.03.2022 foi conhecido o veredito do TJUE no processo que correu termos sob o n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), no qual o TJUE se pronunciou, de acordo com a pretensão do Requerente no processo, sobre o regime português de tributação de dividendos auferidos por OIC. 
  3. De forma perentória e inequívoca, o TJUE declarou que:

O artigo 63.° TFUE [relativo à liberdade de circulação de capitais] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.

  1. Significa isto que o regime previsto nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4, todos do CIRC, ao prever que os rendimentos obtidos em Portugal por OIC não residentes estão sujeitos a retenção na fonte liberatória em sede de IRC a uma taxa de 25% (enquanto se prevê uma isenção de tributação aplicável, nos termos do artigo 22.º do EBF, a dividendos auferidos por OIC residentes) não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais, tal como resulta expresso e inequívoco da decisão do TJUE.
  2. A consequência jurídica do princípio do primado do Direito da UE é a não aplicação, em caso de conflito entre leis, das disposições internas contrárias à disposição comunitária bem como a proibição da introdução de disposições de direito interno contrárias à legislação comunitária.
  3. Nestes termos, tendo o regime interno que impõe a aplicação de retenção na fonte a dividendos distribuídos a um OIC não residente – como o Requerente – (enquanto se prevê que os dividendos distribuídos a OIC residentes estão isentos dessa retenção) sido expressamente e sem reservas julgado incompatível com o Direito da UE no passado dia 17 de março de 2022, impõe-se a anulação dos atos de retenção na fonte sindicados, por força do princípio do primado consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.

 

A posição e os fundamentos da Requerida

 

  1. Na resposta apresentada nestes autos, alega a Requerida, com suporte na declaração de voto vencido proferida no âmbito do Processo 619/2023-T, em síntese e no essencial, o seguinte:

 

  1. A título prévio, sempre se dirá que, sendo o Requerente um organismo de investimento coletivo e um sujeito passivo não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável, deverá o peticionado ser julgado improcedente, pelo que se impugna todos os factos alegados pela requerente, por não corresponderem à verdade ou por deles não se poder retirar o efeito jurídico almejado pela Requerente.
  2. Acresce que é sobre o requerente que recaí o ónus de demonstrar os factos constitutivos e legitimadores da sua pretensão, pelo que a falta de demonstração da verificação dos factos por si alegados ter-se-á de resolver contra as suas pretensões processuais.
  3. Sucede que, a nosso ver, o requerente não logrou fazer a prova dos factos por si alegados e, nessa medida, fica prejudicada a subsunção dos factos efetivamente demonstrados aos referidos princípios e normas jurídicas do Direito da União.
  4. À luz da causa de pedir que avançou nesta arbitragem, o requerente não logrou demonstrar ser o sujeito passivo da relação jurídico-tributária de direito substantivo, porquanto não demonstrou ser o titular dos rendimentos objeto de tributação nem o destinatário direto e imediato dos atos tributários impugnados, não cabendo agora ao Tribunal Arbitral invalidá-los com fundamento em diferentes motivações.
  5. Com efeito e recorrendo ao Acórdão Schumacker (processo C-279/03), o direito internacional admite que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal.
  6. Deste modo, tem o TJUE entendido que o facto de determinado Estado-membro não conceder a não residentes certos benefícios fiscais que concede a residentes, apenas pode ser discriminativo, na medida em que residentes e não residentes não se encontram numa situação comparável.
  7. Ora, no caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português.
  8. Aliás, “o TFUE refere expressamente que “a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros (art. 63º, nº 1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de “Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido” [art. 65º, nº 1, alínea a), do TFUE] ”(Acórdão do STA 01435/12, de 20/02/2013).
  9. Também o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no âmbito do Processo n.º 0654/13, de 27 de Novembro referiu que “Resulta da jurisprudência comunitária que embora da legislação nacional decorra, em abstrato, uma restrição à livre circulação de capitais não consentida pelo art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia (atual art. 63º TFUE), importa averiguar se essa restrição, consubstanciada em maior tributação de entidade não residente, será neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação.
  10. O Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artigos 5º, 8º e 10º do CIRS, conforme prevê o nº 3 do artigo 22º do EBF a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, conforme nº 6 da mencionada norma legal.
  11. Contudo paralela a esta opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC.
  12. Esta reforma na tributação veio apenas a incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.
  13. Por outro lado, está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º, do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
  14. Por isso, no presente caso, não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela requerente.
  15. E ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores.
  16. Ou seja, a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir, em nossa opinião, por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois como se viu embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros Estados Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.
  17. E não sendo as situações comparáveis parece difícil de aceitar o argumento da requerente de que a legislação nacional e particularmente o artigo 22.º do EBF está em desconformidade e contrariaria o disposto no TFUE, nomeadamente, quanto à liberdade de circulação de capitais, tendo em apreço a proibição geral de discriminação face a uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 63.º do referido TFUE.
  18. Não compete à Administração Tributária avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, não podendo aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.
  19. A administração tributária não pode deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada.
  20. Para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos.
  21. Além do mais, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera da Requerente, bem como na esfera dos investidores, sendo que esta última questão a Requerente não esclareceu.
  22. A verdade é que a Requerente não esclareceu/provou (apenas alegou) se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera da própria Requerente ou dos investidores.
  23. Assim, contrariamente ao afirmado pela Requerente, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.
  24. Para avaliar se da legislação nacional resulta um tratamento discriminatório dos fundos de investimento de outros Estados-Membros contrário ao TFUE, por constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais, a análise não pode cingir-se à consideração estrita das regras de retenção na fonte, há que atender à carga fiscal a que estão sujeitos os OICs abrangidos pelo artigo 22.º do EBF relativamente aos dividendos e às correspondentes ações, pois, só com esta visão global pode concluir-se com um mínimo de segurança que os fundos estrangeiros que investem em ações de sociedades residentes em Portugal são colocados numa situação mais desfavorável.
  25. A pretensão da Requerente é demonstrar que a legislação nacional gera uma diferença de tratamento dos Fundos de Investimento estrangeiros suscetível de os dissuadir de realizarem investimentos em Portugal, em razão de serem sujeitos a uma carga fiscal superior que lhes reduz a sua capacidade de mobilização de capitais para investimento e a rendibilidade a proporcionar aos investidores.
  26. Pois bem, a carga fiscal que pode recair sobre os dividendos e as correspondentes ações dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, seja de IRC, tributações autónomas ou de Imposto do Selo, também tem um impacto negativo na capacidade financeira dos mesmos e nas taxas de rendibilidade dos investimentos, que, como se viu, no exemplo supra, pode exceder o imposto retido na fonte sobre os dividendos auferidos por Fundos de investimento de outros EstadosMembros.
  27. Portanto, o que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas, a que não corresponde uma discriminação em substância, conforme supra referido.
  28. Assim, um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa e um Fundo de Investimento constituído ao abrigo das normas de outro Estado Membro, não estão em situações comparáveis para efeitos de averiguar se existe um tratamento discriminatório em termos fiscais e uma clara restrição à liberdade de circulação de capitais.
  29. Acrescentamos ainda que admitindo-se a comparabilidade das situações dos OIC residentes e não residentes, entende-se, porém, seguindo a doutrina expendida no Acórdão proferido no proc. 1435/12 do STA de 9.07.2014, que o tratamento diferenciado entre residentes e não residentes não constitui em si mesmo qualquer discriminação proibida pelo n.º 1 do artigo 63.º do TFUE.
  30. No caso sub judice, em face da matéria de facto e dos documentos juntos aos autos entende-se que a Requerente não fez prova da discriminação proibida.
  31. Assim sendo, considerando-se que, à luz do disposto no artigo 348.º do Código Civil, segundo o qual àquele que invocar direito estrangeiro compete fazer prova da sua existência e conteúdo, o Requerente não fez prova da discriminação proibida, pelo que só se pode defender a improcedência do pedido, por falta de prova da impossibilidade de neutralização da discriminação contestada.
  32. Inexistindo qualquer ilegalidade sobre os atos impugnados, não há, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
  33. Todavia, e sem conceder, sempre se dirá que, a al. c) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT, determina que são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

 

II. SANEAMENTO

 

  1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

 

 

§1 – Factos provados

 

  1. Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. O Requerente é uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária.
  2. O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país.
  3. O Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal..
  4. Nos anos de 2020 a 2022 o Requerente era detentor de participações sociais na B... SGPS S.A. e na C... SGPS S.A., sociedades residentes em Portugal.
  5.  Na qualidade de acionista destas sociedades residentes em Portugal o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte, no montante total a seguir discriminado:

Ano da Retenção

Valor Bruto do Dividendo

Data de Pagamento

Taxa de Retenção na Fonte

Guia de pagamento

Valor da retenção (€)

Pedido de reembolso o abrigo do ADT (10%)

Valor do imposto após pedido de reembolso ao abrigo do ADT

2020

28 346,83

03.07.2020

25%

 

7 086,71

2 834,68

4 252,02

2020

19 591,52

15.07.2020

25%

 

4 897,88

1 959,15

2 938,73

2020

4 751,69

15.07.2020

25%

 

1 187,92

475,17

712,75

2020

11 360,85

16.12.2020

25%

 

2 840,21

1 136,09

1 704,13

2021

24 541,92

06.05.2021

25%

 

6 135,48

2 454,19

3 681,29

2022

168 018,26

18.05.2022

25%

 

42 004,56

16 801,83

25 202,74

2022

11 531,65

18.05.2022

25%

 

2 882,91

1 153,17

1 729,75

TOTAL

40 221,41

 

  1. Por não concordar com as retenções na fonte efetuadas, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, em 19 de junho de 2023, não tendo obtido dentro dos quatro meses subsequentes qualquer decisão expressa por parte da Requerida.
  2. Tendo em consideração o descrito no ponto anterior, presumiu-se a formação de indeferimento tácito (sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado) decorrido o referido prazo.

 

  1. O Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 16 de janeiro de 2024.

 

§2 – Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

  1. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

  1. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes, no teor dos documentos juntos aos autos pelo Requerente.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. A questão decidenda no presente processo reconduz-se a saber se o regime especial de tributação previsto no artigo 22.º do EBF para os OIC constituídos de acordo com a legislação nacional, interpretado no sentido de excluir desse regime os OIC constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE.

 

  1. A questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22.º, n.º 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63.º do TFUE, foi apreciada no acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, em que se concluiu que:

O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

  1. Este Tribunal adere ao entendimento expresso no referido acórdão do TJUE, cuja fundamentação, na sua parte mais relevante, se reproduz de seguida:

 

Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais

 

36 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 49 e jurisprudência referida).

 

37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

 

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).

 

40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

 

41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].

42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].

 Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis

 

49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).

 

50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, n.° 41).

 

51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.

 

52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).

 

53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

 

54 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402).

55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

 

56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

 

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

 

(…)

 

60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).

(…)

 

71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

 

72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).

 

73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

 

74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

 

 Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral

 

75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida].

 

(…)

 

78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C‑375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).

 

79 Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 93).

 

80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.

 

81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.

 

82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).

 

83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida).

84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida.

 

(…)

 

  1. Nesta sede, cumpre assinalar o Princípio do Primado do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional, bem como o relevo que assume a jurisprudência do TJUE na garantia de uma aplicação uniforme do direito da União Europeia nos diversos Estados Membros, por via do mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do TFUE.

 

  1. Deste modo, estando em causa questões de direito da União Europeia, a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais (neste sentido, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26-03-2003, proferido no âmbito do processo n.º 01716/02).
  2. A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

 

  1. Daqui se retira que os tribunais nacionais têm o poder-dever de desaplicar as normas de direito interno que se revelem contrárias a normas de direito da União Europeia, desde que estas respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático (v., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-02-2016, proferido no processo n.º 01172/14).

 

  1. De resto, o Supremo Tribunal Administrativo uniformizou a jurisprudência sobre esta matéria em obediência ao decidido pelo TJUE (Acórdão de 28-09-2023, processo n.º 093/19), nos seguintes termos:

1 - Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;

2 - O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;

3 - A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.”

 

  1. No mesmo sentido, veja-se ainda a jurisprudência arbitral mais recente: Decisão Arbitral de 26-04-2022, processo n.º 821/2021-T; Decisão Arbitral de 28-06-2022, processo n.º 129/2022-T; Decisão Arbitral de 08-08-2022, processo n.º 624/2022-T; Decisão Arbitral de 21-08-2022, processo n.º 83/2022-T; Decisão Arbitral de 16-04-2024; Decisão Arbitral de 04-06-2024, processo n.º 992/2023-T; Decisão Arbitral de 24-06-2024, processo n.º 984/2023-T; Decisão arbitral de 14-05-2024, processo n.º 967/2023-T; Decisão Arbitral de 05-07-2024, processo n.º 998/2023-T; Decisão Arbitral de 13-05-2024, processo n.º 66/2024-T; Decisão Arbitral de 27-05-2024, processo n.º 45/2024-T; Decisão Arbitral de 29-05-2024, processo n.º 89/2024; Decisão de 28-06-2024, processo n.º 1025/2023-T; Decisão de 06-05-2024, processo n.º 1003/2023-T.

 

  1. Nestes termos, e considerando a incompatibilidade do artigo 22.º do EBF, ao excluir do seu âmbito de aplicação os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados‑Membros da União Europeia, com o artigo 63.º do TFUE, tem de se concluir que as retenções na fonte e o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra aqueles atos de retenção na fonte, enfermam de vício de violação de lei, o que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c), da Lei Geral Tributária (LGT), com o reembolso do imposto indevidamente retido.

 

  1. Em consequência do acima exposto, não se toma conhecimento dos vícios de prova suscitados pela Requerida na sua Resposta, por ser inútil.

 

IV. PEDIDO DE REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

  1. O Requerente pede o reembolso das quantias indevidamente retidas na fonte, acrescido de juros indemnizatórios.

 

IV.1. Reembolso

  1.  Na sequência da anulação das retenções na fonte o Requerente tem direito a ser reembolsado das quantias retidas, o que é consequência da anulação.

 

  1. Assim, tendo sido retida a quantia total de EUR 40.221,41, o Requerente tem direito a ser dela reembolsado.

 

IV.2. Juros indemnizatórios

 

  1. Ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

 

  1. O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 –São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 4 – A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 – No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

  1. Quando o pedido de revisão oficiosa é apresentando no prazo da reclamação graciosa é equiparável a esta, como vem entendendo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo[1], pelo que o direito a juros indemnizatórios é regulado pelo n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

 

  1. Nos casos em que é apresentado pedido de revisão oficiosa fora do prazo da reclamação graciosa, o direito a juros indemnizatórios só existe decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, como decidiu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão uniformizador n.º 4/2023, de 30-09-2020, proferido no processo n.º 040/19.6BALSB, publicado no Diário da República, I Série, de 16-01-2023.

 

§1 Atos de retenção na fonte relativos ao ano 2020

 

  1. No que concerne aos atos de retenção na fonte relativos ao ano de 2020 é manifesto que decorreram mais de dois anos entre o termo dos prazos para entrega, que decorreram até 20 de agosto de 2020 (por referência à guia de pagamento ...) e 20 de janeiro de 2021 (por referência à guia de pagamento ...), e a data em que foi apresentado o pedido de revisão oficiosa, em 19 de junho de 2023.

 

  1. Por isso, é aplicável aos juros indemnizatórios a alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

 

  1. Assim, aplicando a referida jurisprudência, tendo decorrido mais de um ano desde a data em que foi apresentado o pedido de revisão oficiosa (19 de junho de 2023), o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, relativamente às quantias a reembolsar referentes ao ano de 2020, que totalizam EUR 7.903,50, contados com base nesse valor desde 20 de junho de 2024 até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.

 

§2 Atos de retenção na fonte relativos aos anos 2021 e 2022

 

  1. No que concerne aos atos de retenção na fonte relativos aos anos de 2021 e 2022 não decorreram mais de dois anos entre o termo dos prazos para entrega, que decorreram até 20 de junho de 2021 (por referência à guia de pagamento ...) e 20 de junho de 2022 (por referência à guia de pagamento...), respetivamente, e a data em que foi apresentado o pedido de revisão oficiosa, em 19 de junho de 2023.

 

  1. Assim, o pedido de revisão oficiosa é equivalente a uma reclamação graciosa.

 

  1. O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no acórdão de 29-06-2022, processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos:

 Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs. 1 e 3, da L.G.T.

 

  1. Tratando-se de jurisprudência uniformizada, ela deve ser acatada, pelo que é de concluir que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data em que se formou o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

         

  1. O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 19 de junho de 2023, pelo que o indeferimento tácito se formou em 19 de outubro de 2023, findo o prazo de quatro meses, de harmonia com o preceituado nos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.

 

  1. Por isso, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia que deve ser reembolsada, relativa aos anos de 2021 e 2022, que é € 32.317,91 (€ 3.681,29+ € 26.932,49).

 

  1. Os juros indemnizatórios devem ser contados, com base no valor de € 32.317,91, desde a data em que se formou indeferimento tácito (19 de outubro de 2023), até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos anteriormente referidos.

 

VI. DECISÃO

 

De harmonia com o supra exposto, decide o Tribunal Arbitral em julgar procedente a ação e, em consequência:

 

  1. Declarar ilegais e anular as liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas, referentes a 2020, 2021 e 2022, no valor total de EUR € 40.221,41, declarando-se ilegal e anulando-se também a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente em 19 de junho de 2023.
  2. Condenar a AT a restituir as importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRC, no montante total de € 40.221,41.
  3. Condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto IV.2. deste acórdão.
  4. Condenar a AT nas custas do processo.

 

VII. VALOR DO PROCESSO

           

Fixa-se ao processo o valor de € 40.221,41, indicado pelo Requerente, respeitante ao montante das retenções na fonte de IRC cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

VIII. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00, a cargo da Requerida, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do citado Regulamento.

 

Notifiquem-se as Partes e, bem assim, o Ministério Público para efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 3, da CRP, no artigo 72.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional) e no artigo 17.º, n.º 3 do RJAT.

 

Porto, 5 de agosto de 2024

 

O Árbitro,

 

Francisco Melo

 

 



[1] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-07-2006, proferido no processo n.º 0402/06; de 14-11-2007, processo n.º 0565/07; de 18-11-2015, processo n.º 01509/13; do Pleno de 03-06-2015, processo n.º 0793/14.