Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 211/2014-T
Data da decisão: 2014-10-29  IRC  
Valor do pedido: € 34.830,81
Tema: IRC – Tributações autónomas sobre encargos com viaturas, despesas de representação, ajudas de custo e sobre despesas não documentadas
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 211/2014 – T

 

 

I - RELATÓRIO

1. Em 1 de março de 2014, a sociedade “A”– SGPS, S.A., titular do NIPC …, com sede social na Rua …, Lote .., Lisboa, (doravante designada por “Requerente”) requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”).

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado, em 5 de março de 2014, à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou a “Requerida”).

 

3. A Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC (incluindo a sobretaxa derrama estadual) e da derrama municipal consequente do Grupo Fiscal “A” relativa ao exercício de 2010, no que respeita ao montante de € 34.830,81(trinta e quatro mil oitocentos e trinta euros e oitenta e um cêntimos), com a consequente anulação nesta parte, atenta a manifesta ilegalidade, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à Requerente desta quantia, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 1 de setembro de 2011 até integral reembolso.

 

4. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

 

5. As partes foram notificadas, em 17 de abril de 2014, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 7 de maio de 2014.

 

7. Em 6 de junho de 2014, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta.

 

8. A Requerida, em 15 de julho de 2014, remeteu o Processo Administrativo Tributário.

 

9. As alegações escritas foram apresentadas pela Requerente, em 21 de julho de 2014, e pela Requerida, em 22 de julho de 2014.

 

10. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto na petição de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações, pode ser sintetizada nas conclusões, que transcrevemos s seguir:

 

A. É inequívoco que as duas normas do CIRC que definem o que é o IRC são o seu artigo 1.º (mais genérico) e o seu artigo 3.º. Quer um quer outro explicam o que é o IRC, sendo absolutamente coincidentes nisto: imposto sobre o lucro/rendimento, em nenhuma alínea constando a base tributável das tributações autónomas aqui em causa (encargos ou despesas de certo tipo) ou de quaisquer outras.

 

B. E, nota-se, são normas que existem desde o início do IRC, mas que foram objecto de

republicação por mais do que uma vez muito depois de existirem já as tributações autónomas (as últimas republicações/reafirmações ocorreram com a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro e, quatro anos antes, com o Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), e nem por isso foram adaptadas para incluir na sua definição de IRC as tributações autónomas: pelo contrário, reafirmaram sempre, nessa ocasião, a definição originária do IRC.

 

C. Por sua vez e em contraste, o artigo 12.º do CIRC na redacção em vigor desde 2002 (e, desde 2014, a alínea a) do n.º 1 do novo artigo 23.º-A do CIRC), não têm por missão ou função definir o que é o IRC, donde não terem transformado em IRC, fora do seu âmbito específico (material e temporal) de aplicação, aquilo (as tributações autónomas sobre despesas e encargos) que não é nem nunca o foi, como resulta das normas fundamentais especificamente definidoras do que é o IRC e que constam do respectivo código (cfr. citados artigos 1.º e 3.º).

 

D. E será/seria grave e perigoso para a coerência e racionalidade do sistema fiscal e, consequentemente, para quem zela (ou deve zelar) por ele, se assim não for/fosse: se a definição de IRC constante dos artigos 1.º e 3.º do CIRC estiver realmente ultrapassada por uma nova definição de aplicação transversal/geral que se retiraria a contrario sensu da redacção do artigo 12.º do CIRC em vigor desde 2002, então as implicações sistemáticas a retirar daí são mais do que muitas e todas contrárias à prática que vem sendo seguida desde sempre pacificamente por AT e contribuintes: cfr. o tema da dedução das tributações autónomas a créditos fiscais em IRC (créditos ao investimento; por dupla tributação internacional; etc.); cfr. o tema da dedução das tributações autónomas ao PEC (pagamento especial por conta); etc.

 

E. Acresce que o STA, no acórdão de 21 de Março de 2012, proferido no processo n.º

0830/11, por referência a factos respeitantes a 1996, i.e., anteriores à actual redacção do artigo 12.º do CIRC (em vigor desde 2002, tendo sido introduzida pelo artigo 32.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro), viu na expressão IRC, aí então (1996) exclusivamente utilizada, algo que não abrangia as tributações autónomas.

 

F. Donde a conclusão segura de que a alteração legislativa de 2014 consubstanciada na redacção dada à alínea a) do n.º 1 do novo artigo 23.º-A do CIRC (anterior artigo 45.º) tem carácter inovatório e, consequentemente, só pode aplicar-se daí em diante. Donde ainda a necessária conclusão de que padece de inconstitucionalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição (proibição de retroactividade da lei fiscal), e por violação do princípio da protecção da confiança ínsito no princípio do Estado de direito (cfr. artigo 2.º da Constituição),

 

G. a interpretação da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC,

introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, no sentido de que a equiparação aí efectuada das tributações autónomas ao IRC, se aplicaria a exercícios fiscais anteriores a 2014, por ter, alegadamente, natureza materialmente interpretativa da norma anterior que substituiu (a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, e anteriormente a 2010, artigo 42.º) e que não fazia tal equiparação.

 

SOBRE A DECISÃO ARBITRAL PROFERIDA NO PROCESSO N.º 246/2013-T, E OUTRAS QUE ADOPTARAM A MESMÍSSIMA FUNDAMENTAÇÃO

 

H. Ao contrário do pretendido pelo intrincado argumentário da decisão arbitral em causa, conceptualmente, ou de jure condendo, se se quiser, o conferir às tributações autónomas para efeitos da referida alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, o mesmo tratamento aí dado ao IRC e à derrama, é no máximo uma pura opção de política legislativa, por oposição a uma qualquer consequência natural da lógica ou finalidade associada às tributações autónomas esmagadoramente aqui em causa, como se tentará mostrar a seguir.

 

O argumento da (in)dispensabilidade do custo consubstanciado na despesas ou encargo sobre que incide a tributação autónoma (equívoco relativo à função das TA esmagadoramente aqui em causa)

 

I. É desde logo uma contradição nos termos invocar-se o requisito da indispensabilidade quando a própria despesa ou encargo sobre que incide a TA é ela mesma dedutível/preenche esse requisito – se o principal, a despesa, é dedutível, o acessório, as TA, também o deverão ser.

 

J. E efectivamente, a indispensabilidade não é o problema, quer em sede de ajudas de custo (negociadas em muitas instâncias, aliás, com os sindicatos), quer em sede de despesas de representação (em que incorre também, segundo notícia recente dos jornais, o Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira), quer ainda em sede de frotas automóveis das empresas (que autorizam que as viaturas sejam levadas para casa pelos seus colaboradores de todas as hierarquias – por oposição a ficarem parqueadas na empresa para as deslocações ao serviço do dia seguinte –, evitando com isso, na maioria dos casos, a desnecessária existência de uma segunda viatura, adquirida agora pelo colaborador).

 

K. Se as ajudas de custo ou as despesas de representação forem pagas objectivamente em excesso relativamente ao que seria estritamente necessário, ou se o colaborador das mais diversas hierarquias pode (porque assim acordou com a empresa) usar a viatura para além da sua utilização ao serviço da empresa, nem por isso a indispensabilidade daqueles encargos desparece, total ou parcialmente (aliás, se realmente fosse esse o problema, a solução imediata, lógica e natural estaria no afastamento da sua dedução total ou parcial, que não na instituição das TA aqui em causa),

 

L. então, objectivamente também, nesse excesso são parte da remuneração que sob essa

forma a empresa acordou, ou vai acordando pagar, para ter aquele colaborador naquelas funções.

 

M. Razão nenhuma, pois, para dizer que este custo não tem causação empresarial. Tem

tanta quanto se no salário monetário desse trabalhador se incluísse montante adicional, em substituição da extinta (ou diminuída) ajuda de custo, despesa de representação ou viatura.

 

N. O problema, comum, a todas estas situações não é, pois, o da causação empresarial do gasto, mas, antes, o da tributação desta parte do salário na esfera de quem aufere estas ajudas de custo porventura em excesso, incorre em despesas de representação em excesso ou beneficia de viatura ao serviço da empresa na sua vida pessoal também: como provar em concreto que de facto em parte há aqui uma componente de salário para o trabalhador? E sobretudo como medir em concreto monetariamente esta eventual parte do salário do trabalhador para efeitos de tributação em IRS? Como substituto desta tributação em IRS, criaram-se as tributações autónomas.

 

O. E isto não é nenhuma novidade. É a raison d'être das tributações autónomas como as esmagadoramente aqui em causa, desde sempre conhecida da AT: MARIA DOS PRAZERES LOUSA (economista-investigadora do Centro de Estudos Fiscais, e ex directora do CEF) apontou justamente para a dedutibilidade dos encargos fiscais com tributações (como a nossa autónoma) com essa função substitutiva do IRS, como se viu desenvolvidamente no pedido de constituição de Tribunal Arbitral, num estudo pioneiro e o único estudo de fundo até à data produzido em Portugal. Este estudo, realizado por um alto quadro (de sempre) da Administração tributária é, por isso mesmo (e pela distância temporal que dista do presente litígio), particularmente insuspeito (cfr., em especial, a p 26, e a p 60, ponto 7, do referido estudo, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 374, 1994).

 

P. Com efeito, se em vez de ter o carácter técnico de tributação sobre despesas, tivesse o carácter técnico de tributação especial em sede de IRS a taxas liberatórias, em que a entidade patronal (empresa) funcionaria como substituto tributário, o efeito último seria o mesmo e ninguém duvidaria, também, que a parte bruta do salário (i.e.,incluindo o imposto também) constituído por esta parte do rendimento do trabalhador entregue ao Estado a título de IRS, seria fiscalmente dedutível, a par de todos os restantes montantes (partes componentes do salário bruto) cobrados ao trabalhador por retenção na fonte e entregues igualmente ao Estado (a entidade patronal deduz em IRC o salário bruto, incluindo, portanto, a componente entregue ao Estado a título de retenção na fonte em IRS ou em Segurança Social).

 

Q. É de acrescentar ainda que o paralelo perfeito em termos de mecânica de funcionamento é com a contribuição (dedutível em IRC) para a segurança social a cargo da entidade patronal (23,75%, que acrescem à remuneração bruta acordada com o trabalhador), ou a nova contribuição de 5% a cargo de empresas que contratem os serviços de trabalhadores independentes, a partir de 80% de concentração da actividade dos mesmos ao serviço da empresa (cfr. artigos 140.º e 168.º, n.º 7, do Código Contributivo): também a tributação autónoma acresce (no caso com a função de substituir o IRS, numa lógica simplificadora) à remuneração em espécie (potencial utilidade pessoal retirada pelo trabalhador das despesas em causa) suportada pela entidade patronal, i.e., acresce ao custo bruto que esta (presumida) remuneração em espécie do trabalhador tem para a entidade patronal, do mesmo modo que a parte da segurança social cujo encargo é (não obstante a utilidade da segurança social ser para o trabalhador) da entidade patronal ou da empresa contratadora dos serviços, acresce ao custo com a remuneração bruta do trabalhador ou dos serviços.

 

R. Ora, a decisão arbitral ora em análise (e as mesmas que seguem ipsis verbis a sua fundamentação) comete a este propósito o erro, “auxiliar” do seu argumento principal, de achar que o que estaria em causa seria a indispensabilidade do custo e consequente legitimidade da sua dedução em IRC (por oposição a substituir a difícil tributação em IRS de parte do pacote remuneratório do trabalhador), donde que as tributações seriam então, nesta tese, uma ferramenta que, em alternativa à solução de impedir essa dedução, teria sido engendrada (com taxas mais altas que o IRC e tudo! Mas nada disto travou o argumentário da decisão arbitral), donde ainda, na ideia desta decisão arbitral, tudo ter que ver com o IRC de quem suporta as tributações autónomas (e não com o IRS ou, mais latamente, com a tributação de outra pessoa) – cfr. p 21 da decisão arbitral em análise.

 

O argumento principal em que se apoia a (e erro maior da) decisão arbitral ora em análise

 

S. A decisão arbitral ora em análise (processo n.º 246/2013-T) pega, como argumento

conceptual decisivo para chegar à sua conclusão de que as TA seriam IRC, na ideia de que as tributações autónomas e o IRC seriam indissociáveis, por sua vez sustentada pela afirmação de que o contribuinte estaria perante a alternativa de (cfr. p 14 e, na sua versão definitiva e completa, p 22 da decisão arbitral):

a) afastar a dedução do encargo ou despesa em sede de IRC e, nesse caso, afastar também a tributação autónoma; ou

b) manter a dedução do encargo ou despesa em sede de IRC e, neste outro caso ver ser-lhe aplicada a tributação autónoma sobre tal encargo ou despesa.

 

T. Com base na tese acima descrita, a decisão arbitral sente-se autorizada a concluir que se está perante dois lados da mesma moeda: como se (nesta tese arbitral) a empresa optar por não deduzir a despesa ou encargo terá como contrapartida o afastamento da tributação autónoma, então a causa das tributações autónomas como as aqui esmagadoramente em causa (sobre encargos com viaturas, ajudas de custo e similares e despesas de representação) radicaria ainda no IRC.

 

U. Esquematicamente, na sua forma final diz-se e decreta-se na decisão arbitral ora em

análise (e nisto consiste o seu argumento principal) que:

- contribuinte caso opte por não deduzir a despesa ou encargo fica livre das tributações autónomas;

- logo dedução das despesas versus tributações autónomas estão umbilicalmente ligadas;

- logo tributações autónomas ainda são uma manifestação do IRC, ainda têm por função tributar o lucro da empresa que suporta as despesas sujeitas a tributação autónoma.

 

V. Esta tese em que repousa o argumento fulcral da decisão arbitral não tem qualquer apoio legal. Basta ler a lei (artigo 88.º do CIRC) para se perceber imediatamente que as tributações autónomas não são optativas: independentemente daquilo que o contribuinte fez com as despesas e encargos em causa no âmbito da operação de apuramento do seu lucro tributável em IRC, existindo tais despesas e encargos existirão as tributações autónomas. Mais ainda, para certas despesas o contribuinte nem sequer pode deduzi-las no apuramento do seu lucro tributável em IRC – é o caso das despesas não documentadas e das despesas de que beneficiem entidades off-shore –, e é precisamente nesses casos que a tributação autónoma se faz sentir com mais força (cfr. artigo 88.º, n.ºs 1, 2 e 8, do CIRC).

 

X. E seria absurdo se tal opção realmente existisse (uma verdadeira anomalia sistémica).Os contribuintes com despesas sujeitas a tributação autónoma a taxas superiores à do IRC, que é actualmente de 23% (ou taxa agregada mais elevada a que estejam sujeitos em razão da adição das derramas), optariam então, sistematicamente, por não deduzir o gasto, uma vez que embora isso provoque um acréscimo do lucro tributável no montante desse gasto, tributável à taxa de 23% em IRC, com isso evitariam sempre a taxa mais elevada da tributação autónoma sobre esse gasto (cfr. artigo 88.º do CIRC, e as TA aí previstas incidentes sobre remunerações variáveis ou sobre indemnizações, com taxa de 35%, e a tributação autónoma sobre encargos com viaturas que tem hoje dois escalões que chegam aos 27,5% e aos 35%).

 

Contradição flagrante no processo de raciocínio da decisão arbitral

 

Z. Diz a decisão arbitral em análise no segundo parágrafo da sua p 18, em pleno desenvolvimento do seu discurso argumentativo, que “contribuinte que não tenha, nem conte vir a ter, lucro tributável em IRC [o contribuinte que tem prejuízos], não será afectado pelas tributações autónomas em causa nos autos” bastando-lhe para tanto “simplesmente não deduzir aos seus ganhos as despesas que despoletam aquelas.”

 

AA. Donde a conclusão da decisão arbitral de que tais tributações autónomas seriam ainda um modo de tributar o rendimento (nesta tese arbitral, quem não tiver rendimento/tiver prejuízos, facilmente evitaria a TA, bastando para tanto simplesmente optar por não deduzir a despesa que constitui a base de incidência da TA): “Tais tributações serão, sob este ponto de vista, uma forma (enrevesada, é certo) de indirectamente e através da despesa, tributar, ainda, o rendimento (efectivo ou potencial/futuro) das pessoas colectivas.” (cfr. 4.º parágrafo da p 18 da decisão arbitral em análise).

 

BB. Mas depois, na parte final da decisão arbitral, no fim da sua p 22 e início da p 23, diz-se antes isto: “(…) podia o legislador actuar a dois níveis (separada ou simultaneamente): não aceitar a dedutibilidade de alguns gastos na totalidade ou parcialmente e/ou tributá-los autonomamente. Perante a constatação histórica de um elevado número de sujeitos passivos de IRC com prejuízos fiscais, a opção pela generalização das tributações autónomas acabou por se impor”.

 

CC. Fica-se com tudo isto bastante baralhado: não faz parte da coluna vertebral do discurso argumentativo da decisão arbitral a tese de que as tributações autónomas não se impõem se o contribuinte, designadamente o contribuinte com prejuízos fiscais, optar pela não relevação fiscal dos encargos sujeitos a tais tributações autónomas? Vale tudo, uma coisa e o seu contrário?

 

SOBRE A DECISÃO ARBITRAL PROFERIDA NO PROCESSO N.º 255/2013-T

 

DD. Para além do mesmo equívoco relativo à causação empresarial do custo, a que aqui não se voltará, a propósito desta segunda estirpe de tese relativa à qualificação das TA como IRC, constante da decisão arbitral proferida no processo n.º 255/2013-T, importa ainda lembrar que, contrariamente ao aí afirmado, as tributações autónomas são devidas a título de tributações autónomas, com o uso deste mesmo nome e inscritas em campo da modelo 22 com este mesmo nome, distinto de um outro campo da modelo 22 reservado exclusivamente ao IRC, estando estas duas tributações distintas previstas no mesmo diploma por puras razões de simplificação administrativa que se materializam ao nível dos timings e modelo declarativo conjunto, como já foi reconhecido pela própria Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

EE. Quanto ao dizer-se que ao tributar-se despesas que reduzem o lucro tributável “se

consegue vislumbrar aí uma forma de tributação desse mesmo lucro tributável” (p 53 da decisão arbitral no processo n.º 255/2013-T), vai-se pura e simplesmente longe de mais. Toda a tributação indirecta, sobre consumos e despesas que reduzem o lucro tributável, poderá com esta malha conceptual larguíssima ser então vista como IRC, como uma forma de tributação do lucro tributável.

 

FF. O erro de análise aliás começa mais a montante: despesas que reduzem o lucro tributável (como se este fosse uma realidade logicamente prévia às despesas)? Ou despesas que entram e devem entrar no processo de apuramento que revela o lucro tributável? Isto não é uma mera questão de semântica e diz muito do espírito que anima esta segunda decisão arbitral agora em análise.

 

GG. Nem NCRF’s nem os princípios e a estrutura conceptual do Sistema de Normalização Contabilística apontam ao de leve que seja para uma assimilação entre IRC e tributações autónomas, nem esta última decisão arbitral consegue consubstanciar a afirmação contrária que a este propósito faz.

 

HH. A este último propósito é de referir ainda que o princípio contabilístico da prevalência da substância sobre a forma aponta exactamente na direcção contrária: sendo as tributações autónomas uma substância tributária distinta do IRC (e com função ou objectivo distinto daquele, que é o do IRC, de tributar o rendimento do respectivosujeito passivo) não deve ser metida no saco especificamente pensado para os impostos sobre o rendimento do respectivo sujeito passivo (e nem em termos formais sequer, chegam a ser IRC – são, têm, o distinto nome de “tributações autónomas”).

 

II. Finalmente, como bem se viu na parte final da declaração de voto de vencido da decisão arbitral ora em análise (processo n.º 255/2013-T), “(…) caberá acrescentar, quanto ao enquadramento contabilístico, que a contabilidade tem uma função funcional ou instrumental fundamental para os seus utilizadores: proporciona informação sobre a posição e desempenho financeiro das entidades ou empresas, informação que é útil para a tomada de decisões económicas ou de gestão dos diferentes utilizadores. Ora, o reconhecimento dos factos com relevância contabilística é feito atendendo à natureza desses factos. Comprovado que as tributações autónomas têm uma natureza distinta do IRC, caberá à contabilidade expressar essa diferença nos seus lançamentos e demonstrações financeiras.”.

 

11. A posição da Requerida, expressa na resposta  e nas alegações, pode ser sintetizada nas conclusões, que transcrevemos de seguida:

 

A. À data atual, existem doze decisões arbitrais que concluem no sentido de que as tributações autónomas que incidem sobre os encargos dedutíveis em IRC integram o dito regime, sendo, por isso, devidas a título deste  imposto, encontrando-se abrangidas pelo disposto no artigo 45.º, n. 1, al. a) do CIRC, redação introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, não constituindo encargos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, “devendo, em consequência, improceder a presente ação arbitral”.

B. À fundamentação que consta nas mencionadas decisões arbitrais acresce que o valor resultante da aplicação das tributações autónomas, constantes no artigo 88.º do CIRC, não é, nem nunca foi, passível de ser deduzido para efeitos de apuramento do lucro tributável das pessoas coletivas.

 

C. Na mesma medida em que não são dedutíveis ao lucro tributável outros tributos suportados pelos sujeitos passivos, também não são dedutíveis impostos que incidem sobre as despesas em relação às quais o legislador e, acima de tudo, a lei excluiu da dedutibilidade.

 

D. Na realidade, formalmente, as tributações autónomas são IRC, apresentando-se como uma sua componente, um seu complemento.

 

E. Paralelamente, da leitura dos Acórdãos 617/2012 e 85/2013, lavrados em sede de Constitucional, não se retira que as tributações autónomas sejam, efetivamente, um imposto distinto do IRC, o que, desde logo, justifica a sua não dedutibilidade no apuramento do lucro tributável, nos termos disposto no artigo 45.º/1, a) do CIRC.

 

F. Tanto o legislador como a lei, no artigo 12.º do CIRC, consideram as tributações autónomas componente do IRC.

 

G. Neste sentido, as tributações autónomas deverão ser pagas pelos contribuintes nos termos e prazos previstos respetivamente nos artigos 89.º e seguintes e 104.º e seguintes do CIRC, os quais, de resto, se referem, de modo indiferenciado, quer a IRC sobre o lucro, quer às tributações autónomas em sede de IRC.

 

H. A nova redação do artigo 23.º-A/1 al. a), introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, tem um manifesto alcance esclarecedor para o futuro quanto ao seguinte facto: as tributações autónomas são uma componente incluída nos encargos suportados a título de IRC.

I. Aliás, esse alcance clarificador segue a linha (1) da única interpretação possível do pretérito artigo 45.º, n.º 1, al. a) do CIRC que, já antes da introdução daquela nova redação, existia, bem como segue a linha (2) de pensamento (e de vontade) do legislador que até então se vinha desenvolvendo, designadamente que os encargos das tributações autónomas não são dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável das empresas.

 

J. O que o legislador pretendeu foi apenas afastar dúvidas que sabem podem vir a ocorrer no futuro, pelo que é destituído de sentido afirmar-se que se trata de uma lei inovatória, pois que, ao contrário do que pugna a Requerente, tal introdução normativa segue a linha de raciocínio do pretérito artigo 45.º, n. 1, al. a) do CIRC.

 

K. Não padece de inconstitucionalidade a interpretação da norma constante no artigo 23.º-A, n. 1, al. a) do CIRC, redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, dado não terem sido violados os artigos 2.º e 103.º, n. 3 da CRP.

 

L. Tanto numa perspetiva teleológica, sistemática como funcional, as tributações autónomas são um autêntico adicional do IRC, e isto porque, pela natureza das coisas, um imposto não pode ser dedutível a si mesmo.

 

M. Desde sempre, a intenção manifestada pelo legislador foi a da indedutibilidade das tributações autónomas, até porque o seu objetivo foi o de evitar um certo efeito de círculo vicioso, ou seja, a permissão de que o imposto se permitisse deduzir a si próprio, desta forma evitando o esvaziamento do âmago do artigo 88.º do CIRC.

 

N. As tributações autónomas estão funcionalmente imbricadas no IRC, sendo que, e paralelamente, existe uma norma (88.º/14 do CIRC) que faz depender a alíquota da tributação autónoma da circunstância do sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal.

 

O. Com efeito, permitir o concurso para o apuramento do lucro tributável da Requerente conduziria que a própria liquidação de tributações autónomas reduzisse, por conseguinte, a liquidação do IRC a pagar, em confronto direto com a sua finalidade imediata, designadamente o desincentivo à utilização de certos bens e serviços de uso misto.

 

P. As tributações assumem uma clara natureza antiabuso, uma vez que com elas se pretende prevenir uma utilização abusiva de determinadas despesas e distribuição de dividendos e em fraude às normas que visam atingir o rendimento real dos sujeitos passivos, prosseguindo, por esta via, o objetivo de atingir a capacidade contributiva revelada pelo rendimento real.

 

II – SANEAMENTO

 

12. O tribunal arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., n.º 2, e 6.º n.º 1 do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março.

O processo não enferma de quaisquer vícios que o invalidem.

Nestes termos, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III – MATÉRIA DE FACTO

 

13. Factos provados

 

13.1. Com base no processo administrativo tributário e na prova documental junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A) O Requerente é uma sociedade comercial com sede em território nacional, que exerce atividade  de outras atividades auxiliares de serviços financeiros, exceto seguros e pensões (CAE Principal  …), encontra-se registado junto do … (…) Serviço de Finanças de Lisboa, sendo considerado "contribuinte de elevada relevância económica e fiscal", na aceção prevista no artigo 68.º n.º 8 da Lei Geral Tributária, e está sujeito a imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas por força do preceituado na norma constante da alínea c) no n.º 1 do artigo 2.º do CIRC, conjugado com o disposto nos artigos 3.º a 5.º do mesmo diploma legal, sendo sociedade dominante de um grupo fiscal tributado de acordo com as normas do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS).      

 

B) O Requerente, em 31 de maio de 2011, procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 respeitante ao exercício de 2010.

 

C) Na referida autoliquidação de IRC do exercício de 2010, o Requerente procedeu também à autoliquidação de tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC, num total, em termos finais, de €125.563,75.

 

D) O valor total das tributações autónomas, identificado na alínea anterior (€125.563,75), corresponde a:

i) tributação autónoma sobre encargos com viaturas, no montante de €112.053,36;

ii)tributação autónoma sobre despesas de representação,  no montante de   €3.640,20;

iii)tributação autónoma sobre ajudas de custo (€9.450,98) e uso de viatura própria (€326,57), no montante total de €9.777,55

iv) tributação autónomas sobre despesas não documentadas, no montante de €92,64.

 

E) O encargo suportado com as referidas tributações autónomas não foi considerado fiscalmente dedutível em sede de IRC e, por isso, está em causa o IRC (no valor de € 31.390,94) e as derramas consequentes (derrama municipal no valor de €1.536,92 e derrama estadual no valor de €1.902,95) num total de €34.830,81.

 

F) As tributações autónomas do exercício de 2010 à semelhança do IRC também autoliquidado encontram-se totalmente pagas.

 

G) Em 30 de maio de 2013, o ora Requerente apresentou ao Diretor de Finanças de Lisboa reclamação graciosa contra a referida autoliquidação de IRC de derrama municipal e de derrama estadual respeitante ao exercício de 2010.

 

H) O Requerente foi notificado pela AT, através do ofício n.º …, de 19 de novembro de 2013, do projeto de decisão da reclamação graciosa e respetiva fundamentação, constante da Informação n.º …/2013. O ora Requerente não exerceu o seu direito de audição.

 

I) No dia 4 de dezembro de 2013, o ora Requerente foi notificado, por intermédio do ofício n.º …, de 2 de dezembro de 2013, do despacho proferido, em 26 de novembro de 2013, pelo Exmo. Senhor Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes que indeferiu a reclamação graciosa.

 

13.2. Os factos enunciados no n.º anterior integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

 

14. Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

 

IV – MATÉRIA DE DIREITO

 

15. Em face do exposto, nos números anteriores, as questões apreciar nos presentes autos são:

i) O mérito do pedido, ou seja, saber se as quantias pagas no âmbito das tributações autónomas por um sujeito passivo de IRC devem ser consideradas um encargo dedutível para efeito do apuramento do lucro tributável sobre o qual incide aquele imposto;

ii) O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios peticionado pelo Requerente.

 

16. A matéria de facto está fixada (vd., supra n.º 13) e vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes de acordo com as questões já enunciadas (vd., supra n.º 15).

 

17. Nos presentes autos foram indicadas pelas partes doze decisões arbitrais que se pronunciaram sobre esta questão de mérito. Tratam-se das decisões arbitrais n.ºs  187/2013-T, 209/2013-T, 210-2013-T, 246/2013-T, 255/2013-T, 260/2013-T, 282/2013-T, 298/2013-T, 6/2014-T, 59/2014-T, 37/2014-T e 163/2014-T. Todas as decisões arbitrais atrás citadas, apesar de naturais diferenças na sistematização e na argumentação apresentada, julgaram improcedentes os pedidos e recusaram a dedutibilidade fiscal dos encargos suportados com tributações autónomas para efeitos de apuramento do lucro tributável das pessoas coletivas.

 

18. O árbitro do presente processo integrou o tribunal coletivo que proferiu a decisão arbitral no processo n.º 187/2013-T referido no n.º anterior.

 

19. No processo n.º 36/2014-T o árbitro do presente processo proferiu uma decisão em tribunal arbitral singular sobre questão idêntica à apresentada nos presentes autos tendo também julgado improcedente o pedido e recusado a dedutibilidade fiscal dos encargos suportados com tributações autónomas para efeitos de apuramento do lucro tributável das pessoas coletivas.

 

20. A sujeição da mesma questão de mérito num novo processo pode sempre originar a modificação da posição anteriormente adotada, porque do novo contraditório pode resultar um aprofundamento da análise e uma reponderação da matéria de direito.

 

21. Dos presentes autos, apesar do respeito que o esforço argumentativo evidenciado pelo Requerente merece, não resultam elementos que justifiquem a alteração da posição que subscrevi nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 187/2013-T e 36/2014-T.

 

22. A questão de mérito colocada nos presentes autos consiste em saber se as quantias pagas no âmbito das tributações autónomas por um sujeito passivo de IRC devem ser consideradas um encargo dedutível para efeito do apuramento do lucro tributável sobre o qual incide aquele imposto.

 

23. As tributações autónomas abrangem um conjunto diversificado de situações que podem ser reconduzidas a três tipos: (i) Tributação autónoma de determinados rendimentos (ii)Tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (iii) Tributação autónoma de despesas não dedutíveis. 

Nos presentes autos está em causa a tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (vd., alínea D) do n.º 13.1)

Importa referir que o artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do CIRC dispunha:

“Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação;

a)      O IRC e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros;”

Perante o princípio geral da dedutibilidade dos encargos e devido à inexistência de referência expressa às tributações autónomas na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRS surge a dúvida de saber se as tributações autónomas estão ou não incluídas na exceção de não dedutibilidade prevista na citada norma.

A alteração ao Código do IRC, operada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, revogou o artigo 45.º do CIRC e estabelece agora no artigo 23.º-A do CIRC o seguinte:

 “Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros”.

 

24. Continuamos a defender a imbricação existente entre as tributações autónomas e o IRC, nos seguintes termos constantes da decisão arbitral proferida no processo n.º 187/2013-T:

Entende-se, assim, em suma, que uma coisa é o tipo de facto tributário que está na base de determinada imposição. Outra coisa é o título a que tal imposição é devida, no fundo a causa da obrigação de imposto. E no caso das tributações autónomas em sede de IRC, essa causa, o título a que o imposto é exigido, será, ainda, o IRC.

Neste sentido, dever-se-á atentar, para além de tudo o mais, que o regime legal das tributações autónomas em questão apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas, por completo, de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC.

De fato as tributações autónomas ora em análise, pertencem, sistematicamente ao IRC, e não ao IVA (como se viu), ao IS, ou a um qualquer novo imposto. É que, embora se possa aceitar que o facto tributário impositivo será cada uma das singulares despesas legalmente tipificadas, o certo é que não são estas, qua tale, o objeto final da tributação, a realidade que se pretende gravar com o imposto. Se assim fosse, seriam, obviamente taxadas, todas as despesas realizadas por todos os sujeitos, e não apenas por alguns deles. Ou seja, as tributações autónomas do género que ora nos ocupam estão fortemente ligadas aos sujeitos do imposto sobre o rendimento respetivo, e, mais especificamente, à atividade económica por eles levada a cabo.

Este aspeto torna-se ainda mais evidente, se se atentar num outro dado fundamental: a circunstância de as tributações autónomas que ora nos ocupam apenas incidirem sobre despesas dedutíveis!

Esta circunstância, crê-se, é elucidativa da imbricação existente entre aquelas e o IRC (no caso), e justificativa não só da sua inclusão no CIRC, mas, igualmente, da sua integração, de pleno direito, como parte do regime jurídico do IRC.

De fato, não só apenas as despesas realizadas por sujeitos passivos de IRC é que estão sujeitas à imposição de tributação autónoma em tal quadro, como tais despesas apenas o estarão se aqueles sujeitos as elegerem como despesas dedutíveis no apuramento da matéria tributável de tal imposto.

O quadro deste modo traçado é, considera-se, substancialmente distinto do que seria um imposto que incidisse sobre determinadas despesas, objetivamente consideradas, afigurando-se que a qualidade e a opção do sujeito passivo têm aqui uma relevância, senão maior, pelo menos idêntica à despesa que despoleta a imposição tributária.

De resto, sempre se poderá dizer que se o sujeito passivo de IRC optar por não deduzir ao lucro tributável para efeitos daquele imposto os encargos correspondentes às despesas sujeitas a tributação autónoma, não terá de suportar esta, o que será demonstrativo do que acima se apontou, ou seja, de que a causa das tributações autónomas radica, ainda e em última análise, no regime do IRC.[1].

 

25. Acresce o fato do artigo 45.º do CIRC situar-se num contexto de ampla discricionariedade legislativa de acordo com o exposto na decisão arbitral proferida no processo n.ºs 187/2013-T:

 “... na definição do que sejam encargos dedutíveis ou não dedutíveis para efeitos fiscais, o legislador fiscal goza de uma ampla liberdade concretizadora. Daí que, não se possa dizer que esteja vedado ao legislador, pela “natureza” das tributações autónomas, excluí-la dos encargos dedutíveis para efeitos fiscais.

Entende-se, deste modo, que será legítimo ao legislador incluir ou excluir as tributações autónomas que nos ocupam daquela categoria dos encargos dedutíveis para efeitos fiscais, independentemente da “natureza” que a doutrina ou a jurisprudência lhes surpreenda. A questão, devidamente situada, será então a de determinar qual a intenção do legislador, expressa no texto legislativo, compreendido no seu todo. E sob este prisma, a conjugação do teor do artigo 12.º do CIRC com o artigo 45.º/1/a) do mesmo, não deixará grandes dúvidas, quanto ao entendimento legislativo de que as tributações autónomas, se não constituem IRC stricto sensu, integrarão seguramente o regime daquele imposto, e serão devidas a esse título.

Acresce ainda que nenhum óbice de princípio existe a que o legislador isole determinados tipo de rendimentos e os grave taxas específicas, ou diferenciadas, como ocorre, por exemplo, nos casos previstos no n.º 4 do atual CIRC.

De igual modo, nenhum óbice de princípio existe a que o imposto em questão seja devido, liquidado e pago, não em função de um período (mais ou menos longo) de tributação, mas por força da ocorrência de factos instantâneos, como ocorre já, por exemplo, nos casos de retenção na fonte com caráter definitivo (cfr. artigo 94.º/3 do CIRC).

De resto, nem o resultado, aparentemente tão contraintuitivo e impressionante, de poder ser devido o pagamento de imposto por via das tributações autónomas que ora nos ocupam, mesmo em caso de inexistência de um rendimento (positivo) no final do período de tributação, não é avis rara no regime do IRC.”[2].

 

26. Além disso, as tributações autónomas constituem uma forma de obstar a determinadas atuações abusivas, que de acordo com a decisão arbitral proferida no processo n.º 187/2013-T é a seguinte:

“ Este caráter antiabuso das tributações autónomas, será não só coerente com a sua natureza “anti-sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que o cita.

Neste prisma, as tributações autónomas em análise, terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da supra-apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá mesmo na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular).

Confrontado com esta dificuldade, o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da empresarialidade das despesas em questão (impondo, por exemplo, a demonstração de que “não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.”, como faz no artigo 65.º/1 do CIRC), optou por consagrar o regime atualmente vigente, que, não obstante, tem precisamente o mesmo fundamento, a mesma finalidade, e o mesmo tipo de resultado, que outras formas utilizadas noutras situações típicas do regime (no caso) do IRC.

Esta presunção de “empresarialidade parcial”, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de elisão decorrente do art.º 73.º da LGT, quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária.

O que se afigura, de resto, conforme a uma proporcional e adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas de empresarialidade à partida não evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto.

Por seu lado, a própria Administração Tributária, caso o entenda e considere que o caso justifica o inerente dispêndio de meios, poderá sempre demonstrar que, relativamente às despesas em questão, e ainda que sobre elas tenha incidido tributação autónoma, não se verifica o requisito geral do artigo 23.º/1 do CIRC, designadamente a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Assim, e em suma, as tributações autónomas cujo encargo pretendem as Requerentes ver subtraídas ao seu lucro tributável, poderão ser encaradas como uma espécie de norma antiabuso consensual, em que o legislador propõe ao contribuinte uma de três alternativas, a saber:

a) não deduzir a despesa;

b) deduzir mas pagar a tributação autónoma, dispensando-se, quer a si quer à Administração Tributária de discutir a questão da empresarialidade da despesa;

c) provar a empresarialidade integral da despesa, e deduzi-la integralmente, não suportando a tributação autónoma.

De resto, o reconhecimento desta natureza presuntiva, será, para além de tudo o mais, uma salvaguarda da sua constitucionalidade, na medida em que estará garantida a possibilidade da respetiva dedução integral pelo contribuinte, ou a sua não dedução, consoante o lado para o qual a presunção que lhes está subjacente seja, em cada caso, infirmada.”[3]

 

27. O artigo 23.º-A do CIRC, introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro,  estabelece expressamente a não dedutibilidade das tributações autónomas em sede de IRC, mas isso não significa que do regime jurídico anterior (artigo 45.º do CIRC) não resultasse a mesma conclusão e, por isso, aplicável a situações jurídicas constituídas ao abrigo da lei antiga.

Em suma, o legislador entendia, e agora, de forma expressa, continua a entender que as tributações autónomas integram o IRC, senão enquanto imposto stricto sensu, pelo menos em termos de fazerem parte do mesmo regime fiscal unitário.

 

28. Nestes termos, o tribunal arbitral entende que as tributações autónomas constantes dos autos estavam abrangidas pelo disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC na redação em vigor até 31de dezembro de 2013 e que, em consequência, os montantes pagos com referência a essas tributações autónomas não constituem encargos dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável, devendo improceder o pedido de declaração de ilegalidade parcial do ato de autoliquidação do IRC quanto ao exercício de 2010.

 

29. O Requerente faz também o pedido de juros indemnizatórios. De acordo com o disposto no artigo 43, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. O n.º 2 do mesmo artigo considera também existir erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento as orientações genéricas da administração tributária.

O artigo 24.º, n.º 5, do RJAT estatui que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”

No presente caso não se verifica a ilegalidade parcial do ato de autoliquidação, pelo que não procede o pedido do Requerente de juros indemnizatórios.

 

 

V – DECISÃO

De harmonia com o exposto, decide-se:

a)      Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)      Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios formulado pelo Requerente.

 

Fixa-se o valor do processo em € 34.830,81 (trinta e quatro mil oitocentos e trinta euros e oitenta e um cêntimos), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se a taxa de arbitragem em €1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a pagar integralmente pelo Requerente, nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT

 

Notifique-se.

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 29 de outubro de 2014

 

O árbitro

 

Olívio Mota Amador  

 

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 



[1] Vd., Decisão arbitral 187/2013-T, pp. 22, publicada na internet no sítio do CAAD in                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     https://caad.org.pt

 

[2] Vd., Decisão arbitral 187/2013-T, pp. 24, publicada na internet no sítio do CAAD in                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       https://caad.org.pt

 

[3] Vd., Decisão arbitral 187/2013-T, pp. 28, publicada na internet no sítio do CAAD in                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              https://caad.org.pt