SUMÁRIO:
I – De acordo com o TJUE, o direito à dedução previsto nos artigos 167.º e seguintes da Diretiva IVA é parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado - esse direito exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante.
II – Sendo a Requerente que invoca que as operações em causa foram realizadas no contexto da operação de reestruturação, cabe-lhe, assim, em princípio, o ónus da prova.
II – O artigo 75.º da LGT estabelece uma presunção legal a favor do contribuinte estabelecendo que «presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos». Contudo, esta presunção não vale para a prova dos requisitos da dedutibilidade de gastos, por força da parte final desta norma.
III – Esta presunção cessa nos casos previstos no n.º 2 do mesmo artigo 75.º, nomeadamente quando «as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo» e «o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações».
Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Francisco Nicolau Domingos e Nuno Maldonado Sousa, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
-
RELATÓRIO
A..., S.A, pessoa coletiva n.º..., com sede na R. ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, na área de jurisdição do Serviço de Finanças de Lisboa – ... (adiante abreviadamente designada por “Requerente”), notificada, em 23 de agosto de 2023, das Liquidações Adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º..., n.º..., n.º ... e n.º ..., relativas aos quatro trimestres do ano de 2019 (Docs. 1 a 4), e, bem assim, das correspondentes Demonstrações de Liquidação de IVA n.º 2023 ..., n.º 2023 ..., n.º 2023 ... e n.º 2023 ... (Docs. 5 a 8), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 alínea a), 3.º e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, requerer a constituição de Tribunal Arbitral em Matéria Tributária e pedir a Pronúncia Arbitral de declaração de ilegalidade e consequente anulação dos referidos atos de liquidação de IVA, emitidos pela Senhora Diretora de Serviços do IVA e pela Senhora Diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Autoridade Tributária” ou “AT").
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 23 de novembro de 2023.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 16 de janeiro de 2024, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O TAC encontra-se, desde 5 de fevereiro de 2024, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 11 de março de 2024.
Depois da Requerente apresentar Réplica, por despacho de 24 de abril de 2024, foi proferido o seguinte despacho:
“1. Admite-se a ampliação do pedido, sendo que se notifique-se a Requerida para exercer, no prazo de 10 dias, o direito de contraditório quanto ao pedido ampliado.
2. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a prova produzida é meramente documental.
3. Por outro lado, notifica-se as partes para, querendo, produzirem alegações, no prazo de 15 dias, em simultâneo, a começar a contar depois de decorrido o prazo para o direito de contraditório conferido à Requerida, podendo depois o processo prosseguir para a prolação da sentença.
4. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data-limite de apresentação das alegações.
5. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.
Notifiquem-se as partes do presente despacho.”
A Requerida respondeu à ampliação do pedido, sendo que na sequência, ambas as partes apresentaram alegações escritas.
-
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
II.1 Posição da Requerente
A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:
-
A Requerente foi constituída em 2015 com o intuito de ser a sociedade-mãe (a holding) responsável pela gestão de um Grupo do setor da saúde que se encontrava em expansão e que já reunia empresas com atividades operacionais distintas entre si (indústria farmacêutica, imagiologia), mas todas sujeitas a IVA.
-
De acordo com o modelo implementado naquele momento, a Requerente assumiu a função de holding ativa, que intervém direta e decisivamente na gestão das suas participadas.
-
De forma coerente com este intuito, a Requerente foi constituída com um objeto social bastante amplo, típico das holdings que intervêm na gestão das suas participadas: “(i) a prestação de serviços de consultoria de gestão e económica para investimentos na área da saúde, (ii) a prestação de serviços de consultoria à criação, desenvolvimento, expansão e modernização de empresas com atividade na área da saúde, e (iii) a prestação de serviços administrativos, manutenção de sistemas de qualidade, ferramentas de suporte às operações e ao negócio” (cf. p. 26 do Relatório de Inspeção Tributária emitido no âmbito da ação inspetiva a que corresponde a Ordem de Serviço n.º OI2022..., que se junta como Doc. 9).
-
No que importa para o presente pedido de pronúncia arbitral, no início do exercício de 2019, a Requerente detinha as participações sociais das seguintes entidades:
-
A B..., SA, pessoa coletiva n.º ... (adiante, a “B...”);
-
A C..., pessoa coletiva n.º ... (adiante, a “C...”), que por sua vez detinha a D..., SA, pessoa coletiva n.º ... (adiante, a “D...”); e
-
A E... Unipessoal, Lda, pessoa coletiva n.º ... (adiante, a “E...”).
-
De forma esquemática, o Grupo era composto da seguinte forma:
-
Sucede que, no exercício de 2019, a Administração da Requerente compreendeu que a estratégia iniciada nos anos anteriores não estava a gerar os resultados económicos previstos e, por essa razão, reponderou aquela estratégia e a organização do Grupo.
-
Desta reponderação resultou uma operação de reorganização que tem como propósito simplificar a organização do Grupo e voltar a concentrar os meios essenciais na sua atividade core inicial (a indústria farmacêutica, sujeita a IVA).
-
Por razões contratuais, esta reorganização teve de ser dividida em duas fases.
-
Logo em 2019, a Requerente avançou com a primeira fase da reorganização do Grupo que incluiu:
-
A alienação a terceiros da totalidade do capital social da C... (e, indiretamente, da D...) – concretizada em abril de 2019; e
-
A transmissão a totalidade do capital social da E... à B..., concretizada em novembro de 2019 (cf. pp. 20-21 do cit. Doc. 9).
-
Na sequência desta primeira fase, o Grupo assumiu a seguinte forma:
-
A segunda fase consiste na fusão por incorporação da B... na Requerente.
-
Na sequência desta segunda fase, a Requerente (com a B... nela incorporada) passará, em exclusivo, a exercer uma atividade operacional (indústria farmacêutica) e a deter diretamente o capital social da E...:
-
Sucede que, no contrato de venda da participação social da C... a terceiros, a Requerente teve de assumir um conjunto de garantias que se mantêm válidas por na sua esfera pelo período de cinco anos (qualquer operação realizada no decurso deste período consubstanciaria um problema na execução do contrato) – cf. excerto do contrato que se junta como Doc. 10.
-
Por esta razão, a Requerente está impedida de concretizar a segunda fase da reorganização do Grupo nesse período de cinco anos (ou seja, até abril de 2024), findo o qual mantém a firme intenção de incorporar a B... .
-
Para planear e concretizar a operação de reorganização, a Requerente suportou (e vai ainda suportar) gastos relevantes sujeitos a IVA (cf. p. 26 do cit. Doc. 9).
-
Em concreto, e no que importa para o presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente:
-
Pagou uma compensação pela aquisição da posição contratual da D... num contrato de locação financeira, suportando IVA no valor de € 26.654,91 (pago em janeiro de 2019) – cf. anexo 4 do cit. Doc. 9;
-
Adquiriu serviços de consultoria financeira ao Banco F..., pelos quais suportou IVA no montante de € 59.368,75 (pago em abril de 2019) – cf. anexo 3 do cit. Doc. 9; e
-
Suportou valores de serviços relativamente baixos (com IVA nos montantes de € 552,60 e de € 420,57) nos dois últimos trimestres de 2019 (cf. cit. Doc. 9).
-
Tendo em conta que os serviços em causa são essenciais para a reorganização do Grupo (em resultado da qual a Requerente será uma sociedade operacional com toda a sua atividade sujeita e não isenta de IVA)…
-
…a Requerente deduziu todo IVA acima identificado nas suas declarações periódicas relativas ao primeiro trimestre de 2019 (os € 26.654,91 suportados na aquisição da posição contratual) ao segundo trimestre de 2019 (os € 59.368,75 pagos pela consultoria financeira), ao terceiro trimestre de 2019 (os referidos € 552,60) e ao quarto trimestre de 2019 (os mencionados € 420,57) – cf. cit. Doc. 9.
-
Acontece, contudo, que no decurso do presente ano de 2023, a Administração Tributária levou a cabo uma ação inspetiva de âmbito geral relativa ao exercício do ano de 2019 da Requerente (cf. cit. Doc. 9).
-
No âmbito desta ação inspetiva, a Administração Tributária recolheu a documentação e os elementos que solicitou, reconhecendo que todos os deveres acessórios da Requerente foram devidamente cumpridos (entrega de declarações/autoliquidações e organização da contabilidade) – cf. cit. Doc. 9.
-
Por outro lado, a Administração Tributária também não detetou qualquer divergência no que diz respeito ao IRC ou a qualquer outro tributo, com exceção do IVA (cf. cit. Doc. 9).
-
Quanto a este imposto (o IVA), a Administração Tributária entendeu que a atividade desenvolvida pela Requerente no período em causa (2019) se limitou à gestão de participações sociais e que, por isso, o regime previsto nos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA não lhe permitiam deduzir o IVA suportado (cf. cit. Doc. 9).
-
Em concreto, a Administração Tributária sustentou que (cf. p. 28 do cit. Doc. 9):
“(…) o SP só praticou operações que não se inserem no conceito de atividade económica (…). Em 2019, as operações realizadas pelo sujeito passivo concentraram-se na alienação de participações, com vista a reduzir o passivo financeiro do grupo e a concentração na atividade financeira.
Como resulta do disposto nos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA, reforçado pela jurisprudência, a aferição do direito à dedução do IVA deve fazer-se em função da utilização efetiva dos inputs adquiridos. Só existe direito à dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços se estes forem utilizados nas operações económicas a jusante.
No caso em apreço não existem operações económicas a jusante, operações que se revistam da qualificação de atividade económica (…) o que conduz à conclusão de que não é admissível o direito à dedução do imposto suportado a montante, na aquisição de bens e serviços”.
-
Posteriormente, em 23 de agosto de 2023, a Requerente foi notificada das Liquidações Adicionais de IVA n.º ..., n.º ..., n.º ... e n.º ..., relativas aos quatro trimestres do ano de 2019 (cf. cit. Docs. 1 a 4), e, bem assim, das correspondentes Demonstrações de Liquidação de IVA n.º 2023 ..., n.º 2023 ..., n.º 2023... e n.º 2023... (cf. cit. Docs. 5 a 8), que traduzem o entendimento vertido pela Administração Tributária no Relatório de Inspeção e que aqui se impugnam.
-
Sucede, contudo, que como se demonstrará no §2.º, infra, a correção feita pela Administração Tributária e os atos de liquidação que a traduzem na ordem jurídica são ilegais porque, como resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (adiante “TJUE” ou “Tribunal de Justiça”) o IVA suportado (pelas holdings ou por qualquer outra entidade) no âmbito de operações de reorganização (ou outras operações de caráter preparatório) com o intuito de, no fim do processo, praticar operações sujeitas a imposto, é sempre dedutível.
-
Neste contexto, a Requerente vem solicitar a constituição de Tribunal Arbitral em Matéria Tributária e pedir a pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações acima identificadas com todas as consequências previstas no artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária e no artigo 100.º da Lei Geral Tributária, designadamente a reposição na conta corrente da Requerente do IVA deduzido e indevidamente desconsiderado pela Administração Tributária.
Em 19 de janeiro de 2024 veio a apresentar um requerimento de ampliação com o seguinte conteúdo:
-
Em 23 de agosto de 2023, a Requerente foi notificada das Liquidações Adicionais de IVA n.º ..., n.º..., n.º ... e n.º ..., relativas aos quatro trimestres do ano de 2019, e, bem assim, das correspondentes Demonstrações de Liquidação de IVA n.º 2023..., n.º 2023..., n.º 2023... e n.º 2023 ..., que traduzem o entendimento vertido pela Administração Tributária no Relatório de Inspeção e que se impugnou no pedido originalmente formulado no pedido de pronúncia arbitral (cf. Docs. 1 a 9 do pedido de pronúncia arbitral)
-
No pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente Processo, a Requerente pediu a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos referidos no artigo Erro! A origem da referência não foi encontrada., emitidos pela Senhora Diretora de Serviços do IVA e pela Senhora Diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.
-
Entretanto, em 21 de dezembro de 2023, a Requerente foi notificada de um novo ato de liquidação adicional relativo ao primeiro período tributário de 2019: a Liquidação Adicional de IVA n.º ... (cf. cit. Doc. 1 do presente Requerimento).
-
No mesmo momento, a Requerente também foi notificada das Demonstrações de Liquidação de IVA n.º 2023 ..., n.º 2023 ..., n.º 2023 ... e n.º 2023... (cf. cit. Docs. 2 a 5 deste requerimento).
-
Nenhum dos novos atos de liquidação não estão devidamente fundamentados, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais, e, por isso são ilegais.
-
Com efeito, estes novos atos limitam-se a indicar que resultam da mesma inspeção tributária que os atos de liquidação notificados à Requerente em agosto de 2023, sem, no entanto, identificarem nenhuma justificação para que essa inspeção tenha gerado dois lotes de liquidações para períodos tributários idênticos (cf. cit. Docs. 1 a 5 deste requerimento).
-
Sem prejuízo do exposto, a análise quantitativa dos atos tributários permite-nos compreender que os novos atos de dezembro de 2023 substituem/complementam os anteriores atos notificados em agosto de 2023, mantendo todas as correções espelhadas nestes últimos e acrescentando-lhes uma correção adicional de € 4.582,63, correspondente ao IVA que já tinha sido deduzido pela Requerente antes de 2019 e que se mantinha a crédito nas declarações periódicas daquele ano (cf. cit. Docs. 1 a 5 deste requerimento).
-
Assim, enquanto os atos de liquidação notificados à Requerente em agosto de 2023 traduziam a eliminação de todo o imposto deduzido durante o ano de 2019, no valor de € 87.642,98 (cf. cit. Docs. 1 a 8 do pedido de pronúncia arbitral) os novos atos de liquidação notificados à Requerente em dezembro de 2023 mantêm aquela anulação do imposto deduzido em 2019 e acrescentam-lhe a anulação do imposto que já havia sido deduzido pela Requerente antes de 2019, no valor adicional de € 4.582,63 (cf. cit. Docs. 1 a 5 deste Requerimento).
-
Com estes novos atos de liquidação, a Administração Tributária parece ter corrigido a sua própria atuação, re-concretizando as correções vertidas no Relatório de Inspeção Tributária, que previa a anulação do IVA deduzido em 2019 e antes de 2019 (cf. Doc. 9 do pedido de pronúncia arbitral).
-
Nos termos previstos no artigo 13.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, a Requerida devia ter comunicado a decisão de substituir/corrigir os atos impugnados ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) (n.º 1) e devia ter notificado a Requerente, para que esta se pronunciasse sobre o prosseguimento do Processo contra os novos atos (n.º 2).
-
Ainda que tal não tenha acontecido, a Requerente vem, ao abrigo do princípio da cooperação e do princípio da celeridade processual, informar desde já e para os efeitos previstos no referido artigo 13.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, que mantém integralmente o interesse no processo…
-
…o qual deve prosseguir contra todos os atos praticados pela Administração Tributária, ou seja: (a) os atos originários enunciados no artigo 1.º deste requerimento, se não se considerarem integralmente substituídos; e, em qualquer cado, (b) os novos atos enunciados no artigo 3.º deste requerimento.
-
Subsidariamente, a Requerente nota que o artigo 63.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, também permite a ampliação do objeto do processo à impugnação de atos que venham a surgir no âmbito do procedimento em que o ato impugnado se insere.
-
Nestes termos, ainda que não se considerasse aplicável ao presente caso o disposto no artigo 13.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – no que não se concede – o objeto do presente Processo sempre poderia ser alargado para compreender tanto os atos inicialmente impugnados como os atos agora notificados à Requerente, o que aqui também se requer, a título subsidiário.
-
Em face do exposto, a Requerente vem, ao abrigo do disposto no artigo 13.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária e, subsidiariamente, ao abrigo do disposto no artigo 63.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, requerer que o presente Processo prossiga, com todos os fundamentos enunciados no pedido de pronúncia arbitral, contra:
(a) os atos tributários enunciados no artigo Erro! A origem da referência não foi encontrada.deste requerimento, na medida em que não se considerarem integralmente substituídos; e, em qualquer caso,
(b) contra os novos atos tributários enunciados no artigo 3.º deste requerimento.
II.2. Posição da Requerida
Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
-
No que se refere à Requerente, resultam do RIT (cf. «Enquadramento do SP», no subcapítulo «IV.2.2.1. Análise das DPs») os seguintes factos relevantes:
a) É a sociedade holding do seu grupo económico;
b) É quem exerce a gestão de participações sociais (age como uma sociedade gestora de participações sociais – SGPS);
c) É, em tese, um sujeito passivo misto (artigo 23.º do Código do IVA);
d) Desde que iniciou atividade, nunca praticou operações sujeitas a IVA.
-
Segundo a Requerente, para planear e concretizar a operação de reorganização do Grupo (cf. Artigos 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º e 16.º e Doc. 9 da PI), suportou os seguintes gastos sujeitos a IVA:
-
Em janeiro de 2019: pagou uma compensação pela aquisição da posição contratual da D... num contrato de locação financeira (€ 26.654,91 de IVA) (Vide fatura - anexo 4 do Doc. 9 da PI);
-
Em abril de 2019: adquiriu serviços de consultoria financeira ao Banco F... (€ 59.368,75 de IVA) (Vide fatura - anexo 3 do Doc. 9 da PI);
-
Dois últimos trimestres de 2019: suportou valores relativamente baixos (€ 552,60 e € 420,57)
-
Portanto, para a Requerente, nos presentes autos, está em causa o IVA suportado com as operações acima identificadas e realizadas no âmbito da reorganização do Grupo.
-
E, no seu entendimento, a correção feita pela AT e os atos de liquidação ora em causa são ilegais, na medida em que, o IVA suportado com esses gastos é sempre dedutível.
-
Resulta do RIT que, para os SIT, as operações que aqui estão em causa são a aquisição e alienação de partes sociais e que o direito à dedução depende da existência de operações económicas a jusante.
-
Como acima já se disse, parece-nos que a questão a dirimir nos presentes autos é a de saber se o IVA suportado pela Requerente, com os serviços identificados no Artigo 16.º da PI e no âmbito da reorganização do Grupo, pode e deve ser deduzido nos termos gerais e, consequentemente, pode ser pedido o seu reembolso à AT.
-
Não obstante, no presente processo importa clarificar a questão apreciada no RIT.
-
O TJUE tem vindo a apreciar e a veicular a sua posição de que, as simples operações de aquisição, detenção e transmissão das participações sociais não constituem em si mesmas uma atividade económica na aceção do artigo 4.º, n.º 2 da Sexta Diretiva (77/388/CEE) e do artigo 9.º, n.º 1 da Diretiva 2006/112/CE (Diretiva IVA).
-
Com efeito, «(…) é jurisprudência assente que a mera aquisição e simples detenção de participações sociais não devem ser consideradas actividades económicas, na acepção da Sexta Directiva, que confiram ao seu autor a qualidade de sujeito passivo. Com efeito, a simples tomada de participações financeiras noutras empresas não constitui uma exploração de um bem com o fim de auferir receitas com carácter de permanência, porque o eventual dividendo, fruto de tal participação, resulta da simples propriedade do bem e não é a contrapartida de qualquer actividade económica na acepção da mesma directiva (…). Assim, se estas actividades não constituem em si mesmas uma actividade económica na acepção da referida directiva, o mesmo sucede em relação às que consistem em ceder tais participações (…).» (In Acórdão de 29 de abril de 2004, EDM, C-77/01, EU:C:2004:243, n.º 57 e legislação aí referida).
-
«Do mesmo modo, a simples aquisição e venda de outros títulos negociáveis não pode constituir a exploração de um bem com vista à produção de receitas com carácter de permanência, uma vez que a única retribuição destas operações é constituída por um eventual benefício na venda destes títulos.» (In Acórdão de 29 de abril de 2004, EDM, C-77/01, EU:C:2004:243, n.º 58 e legislação aí referida).
-
«Assim, uma empresa que realiza actividades que consistam na simples venda de acções e doutros títulos negociáveis, como participações em fundos de investimento, deve ser considerada, em relação às referidas actividades, como limitando se a gerir uma carteira de investimentos à semelhança de um investidor privado (v. acórdão Wellcome Trust, já referido, n.° 36).» (In Acórdão de 29 de abril de 2004, EDM, C-77/01, EU:C:2004:243, n.º 60).
-
«Assim, há que concluir que actividades de simples venda de acções e de outros títulos negociáveis, como participações em fundos de investimento, não constituem actividades económicas na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Directiva e, portanto, não são abrangidas pelo âmbito de aplicação desta directiva.» (In Acórdão de 29 de abril de 2004, EDM, C-77/01, EU:C:2004:243, n.º 62).
-
Em suma, valendo-nos dos termos do Acórdão proferido no Processo C-77/01, de 29 de abril de 2004 do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), as simples operações de aquisição, detenção e transmissão das participações sociais não constituem em si mesmas uma atividade económica para efeitos de IVA.
-
Nesse pressuposto, entenderam os SIT que não seria, por isso, de admitir a dedução do imposto suportado, nos termos do artigo 20.º do Código do IVA (Vide subcapítulo «V.1.1. Do direito à dedução»).
Quanto ao pedido ampliado a Requerida pronunciou-se sobre o seguinte:
-
A Requerente vem desde logo alegar a falta de fundamentação das liquidações agora também em apreço.
-
No entanto, no mesmo requerimento de ampliação do pedido, salvo melhor opinião, confessa perceber a origem das novas liquidações e a sua relação com o RIT anteriormente notificado e, na base das liquidações impugnadas no pedido inicial. Vejamos,
-
Sobre a falta de fundamentação sempre se dirá que, com o devido respeito por entendimento diverso, não tem qualquer sustentação a tese da Requerente relativamente à falta de fundamentação dos atos impugnados.
-
Tendo presente no que respeita à fundamentação dos atos administrativos que o ato está fundamentado quando, pela motivação aduzida, se mostra apto a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respetiva lesão.
-
Ora, resulta demonstrado que a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do ato,
-
Como resulta do próprio exercício jurídico-argumentativo que fez no requerimento de ampliação do pedido de pronúncia arbitral, no qual conseguiu estabelecer uma plena relação entre as liquidações que ora veio também impugnar e, o RIT e as primeiras liquidações dele resultantes, que determinaram a apresentação do PPA e, sobre cujos fundamentos, não teve dificuldade em pronunciar-se no PPA apresentado.
-
SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, admite-se a cumulação de pedidos e são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
O processo não enferma de nulidades.
-
Fundamentação
IV.1. Matéria de facto
Factos dados como provados
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
-
A Requerente foi constituída em 2015 com o intuito de ser a sociedade-mãe (a holding) responsável pela gestão de um Grupo do setor da saúde que se encontrava em expansão e que já reunia empresas com atividades operacionais distintas entre si (indústria farmacêutica, imagiologia), mas todas sujeitas a IVA.
-
De acordo com o modelo implementado naquele momento, a Requerente assumiu a função de holding ativa, que intervém direta e decisivamente na gestão das suas participadas.
-
De forma coerente com este intuito, a Requerente foi constituída com um objeto social bastante amplo, típico das holdings que intervêm na gestão das suas participadas: “(i) a prestação de serviços de consultoria de gestão e económica para investimentos na área da saúde, (ii) a prestação de serviços de consultoria à criação, desenvolvimento, expansão e modernização de empresas com atividade na área da saúde, e (iii) a prestação de serviços administrativos, manutenção de sistemas de qualidade, ferramentas de suporte às operações e ao negócio” (cf. p. 26 do Relatório de Inspeção Tributária emitido no âmbito da ação inspetiva a que corresponde a Ordem de Serviço n.º OI2022..., que se junta como Doc. 9).
-
No que importa para o presente pedido de pronúncia arbitral, no início do exercício de 2019, a Requerente detinha as participações sociais das seguintes entidades:
-
A B..., SA, pessoa coletiva n.º ... (adiante, a “B...”);
-
A C..., pessoa coletiva n.º ... (adiante, a “C...”), que por sua vez detinha a D..., SA, pessoa coletiva n.º ... (adiante, a “D...”); e
-
A E... Unipessoal, Lda, pessoa coletiva n.º ... (adiante, a “E...”).
-
De forma esquemática, o Grupo era composto da seguinte forma:
-
Sucede que, no exercício de 2019, a Administração da Requerente compreendeu que a estratégia iniciada nos anos anteriores não estava a gerar os resultados económicos previstos e, por essa razão, reponderou aquela estratégia e a organização do Grupo.
-
Desta reponderação resultou uma operação de reorganização que tem como propósito simplificar a organização do Grupo e voltar a concentrar os meios essenciais na sua atividade core inicial (a indústria farmacêutica, sujeita a IVA).
-
Por razões contratuais, esta reorganização teve de ser dividida em duas fases.
-
Logo em 2019, a Requerente avançou com a primeira fase da reorganização do Grupo que incluiu:
-
A alienação a terceiros da totalidade do capital social da C... (e, indiretamente, da D...) – concretizada em abril de 2019; e
-
A transmissão a totalidade do capital social da E... à B..., concretizada em novembro de 2019 (cf. pp. 20-21 do cit. Doc. 9).
-
Na sequência desta primeira fase, o Grupo assumiu a seguinte forma:
-
A segunda fase consiste na fusão por incorporação da B... na Requerente.
-
Na sequência desta segunda fase, a Requerente (com a B... nela incorporada) passará, em exclusivo, a exercer uma atividade operacional (indústria farmacêutica) e a deter diretamente o capital social da E...:
-
Sucede que, no contrato de venda da participação social da C... a terceiros, a Requerente teve de assumir um conjunto de garantias que se mantêm válidas por na sua esfera pelo período de cinco anos (qualquer operação realizada no decurso deste período consubstanciaria um problema na execução do contrato) – cf. excerto do contrato que se junta como Doc. 10.
-
Por esta razão, a Requerente está impedida de concretizar a segunda fase da reorganização do Grupo nesse período de cinco anos (ou seja, até abril de 2024), findo o qual mantém a firme intenção de incorporar a B... .
-
Para planear e concretizar a operação de reorganização, a Requerente suportou (e vai ainda suportar) gastos relevantes sujeitos a IVA (cf. p. 26 do cit. Doc. 9).
-
Em concreto, e no que importa para o presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente:
-
Pagou uma compensação pela aquisição da posição contratual da D... num contrato de locação financeira, suportando IVA no valor de € 26.654,91 (pago em janeiro de 2019) – cf. anexo 4 do cit. Doc. 9;
-
Adquiriu serviços de consultoria financeira ao Banco F..., pelos quais suportou IVA no montante de € 59.368,75 (pago em abril de 2019) – cf. anexo 3 do cit. Doc. 9; e
-
Suportou valores de serviços relativamente baixos (com IVA nos montantes de € 552,60 e de € 420,57) nos dois últimos trimestres de 2019 (cf. cit. Doc. 9).
-
Tendo em conta que os serviços em causa são essenciais para a reorganização do Grupo (em resultado da qual a Requerente será uma sociedade operacional com toda a sua atividade sujeita e não isenta de IVA) a Requerente deduziu todo IVA acima identificado nas suas declarações periódicas relativas ao primeiro trimestre de 2019 (os € 26.654,91 suportados na aquisição da posição contratual) ao segundo trimestre de 2019 (os € 59.368,75 pagos pela consultoria financeira), ao terceiro trimestre de 2019 (os referidos € 552,60) e ao quarto trimestre de 2019 (os mencionados € 420,57) – cf. cit. Doc. 9.
Factos dados como não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
IV. 2. Matéria de Direito
IV.2.A. Dedução do IVA nos gastos suportados na reestruturação
Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada[2], importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões supra. Interessa, em especial, decidir quanto à principal questão a analisar nos presentes autos, a saber: aferir se os gastos suportados e o IVA correspondentemente incorrido que são apresentadas pela Requerente satisfazem os pressupostos legais necessários ao exercício do direito à dedução do imposto nos aludidos períodos atento o contexto material invocado da reestruturação empresarial delineada nas várias fases.
A saber, estão em causa os seguintes gastos relevantes sujeitos a IVA (cf. p. 26 do cit. Doc. 9):
-
Pagamento de uma compensação pela aquisição da posição contratual da D... num contrato de locação financeira, suportando IVA no valor de € 26.654,91 (pago em janeiro de 2019) – cf. anexo 4 do cit. Doc. 9;
-
Aquisição de serviços de consultoria financeira ao Banco F..., pelos quais suportou IVA no montante de € 59.368,75 (pago em abril de 2019) – cf. anexo 3 do cit. Doc. 9; e
-
Suporte de valores de serviços relativamente baixos (com IVA nos montantes de € 552,60 e de € 420,57) nos dois últimos trimestres de 2019 (cf. cit. Doc. 9).
No entender da Requerente, os serviços em causa são essenciais para a reorganização do Grupo (em resultado da qual a Requerente será uma sociedade operacional com toda a sua atividade sujeita e não isenta de IVA) a Requerente deduziu todo IVA acima identificado nas suas declarações periódicas relativas ao primeiro trimestre de 2019 (os € 26.654,91 suportados na aquisição da posição contratual) ao segundo trimestre de 2019 (os € 59.368,75 pagos pela consultoria financeira), ao terceiro trimestre de 2019 (os referidos € 552,60) e ao quarto trimestre de 2019 (os mencionados € 420,57) – cf. cit. Doc. 9.
Já considerando a ampliação do pedido estão em causa os seguintes atos de liquidação:
-
Em 23 de agosto de 2023, a Requerente foi notificada das Liquidações Adicionais de IVA n.º ..., n.º ..., n.º ... e n.º ..., relativas aos quatro trimestres do ano de 2019, e, bem assim, das correspondentes Demonstrações de Liquidação de IVA n.º 2023 ..., n.º 2023 ..., n.º 2023 ... e n.º 2023 ..., que traduzem o entendimento vertido pela Administração Tributária no Relatório de Inspeção e que se impugnou no pedido originalmente formulado no pedido de pronúncia arbitral (cf. Docs. 1 a 9 do pedido de pronúncia arbitral)
-
Em 21 de dezembro de 2023, a Requerente foi notificada de um novo ato de liquidação adicional relativo ao primeiro período tributário de 2019: a Liquidação Adicional de IVA n.º... . No mesmo momento, a Requerente também foi notificada das Demonstrações de Liquidação de IVA n.º 2023 ..., n.º 2023 ..., n.º 2023 ... e n.º 2023 ... .
Esta questão será decisiva para aferirmos se a Requerente tem ou não direito à dedução do imposto suportado relativamente a estas despesas, questão nuclear nestes autos. Vista a matéria de facto, importa ter em consideração em termos de matéria de direito as questões do exercício do direito à dedução nos denominados atos preparatórios, bem como nas operações de aquisição de participações sociais no contexto de reorganização empresarial.
Importa, pois, indagar se as despesas em causa deverão ou não ser dedutíveis para efeitos de IVA, tendo em consideração as regras que regem este imposto de acordo com o Direito da União Europeia, com a respetiva transposição a nível interno e com a interpretação administrativa e judicial que sobre as mesmas tem vindo a ser levada a cabo, especialmente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). Com efeito, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia.
Neste contexto, interessará, essencialmente, ter em consideração a principal jurisprudência do TJUE relativa ao exercício do direito à dedução.
De acordo com o TJUE, o direito à dedução previsto nos artigos 167.º e seguintes da Diretiva IVA é parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Esse direito exerce-se imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante.
No que respeita à aludida configuração do direito à dedução como característica fundamental do sistema comum, garantindo a neutralidade do imposto, conforme se reconhece no Caso Rompelman e no Caso Comissão/França, “[a]s características do imposto sobre o valor acrescentado... permitem inferir que o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA.”
Neste contexto, facilmente se compreende que as exclusões ao direito à dedução sejam de interpretação restrita, conforme se salienta no Caso Metropol. E igualmente se compreende que o Tribunal se preocupe em garantir o carácter total e imediato do direito à dedução, interpretando este aspeto de uma forma ampla.
Assim, no referido Caso Comissão/França, salienta-se que “…na ausência de uma disposição que permita aos Estados-Membros limitarem o direito à dedução conferido aos sujeitos passivos, este direito deve ser exercido imediatamente em relação à totalidade do imposto que onerou as operações efetuadas a montante.”[6]
De acordo com o Tribunal, o conceito de bens e serviços utilizados para os fins das operações tributáveis deverá abranger todas as operações que condicionam o exercício da atividade do sujeito passivo, tais como os atos preparatórios, o marketing, as ações promocionais, etc., que se refletem nos custos e permitem que a empresa se mantenha em posição concorrencial no mercado. Neste contexto, no Caso Intiem o TJUE precisou que o mecanismo da dedução do IVA regulado pela Sexta Diretiva “deve ser aplicado de tal forma que o seu âmbito de aplicação corresponda, na medida do possível, ao âmbito das atividades profissionais do sujeito passivo”.
Veja-se ainda, nomeadamente, o Caso Lennartz, em conformidade com o qual se conclui que a utilização imediata dos bens para os fins das operações tributáveis não é um requisito para a aplicação das regras do direito à dedução e o Caso Rompelman, nos termos do qual se determina que o direito à dedução deve ser concedido relativamente a despesas de investimento realizadas antes de se saber se iriam ser exercidas operações tributáveis (no caso concreto tratava-se de um estudo sobre a rentabilidade).
Com efeito, tal como iremos verificar infra, o TJUE não exige que a actividade tenha já começado para se poder deduzir o IVA, podendo ser deduzido relativamente a actividades preparatórias. Por outro lado, de acordo com o entendimento do TJUE, posição que já foi, aliás, subscrita pela Administração Tributária, o direito à dedução, uma vez adquirido, subsiste mesmo que a atividade económica projetada não dê origem a operações tributáveis ou o sujeito passivo, por motivos alheios à sua vontade, não tenha podido utilizar os bens ou serviços que deram origem à dedução no âmbito de operações tributáveis.
Acresce que, segundo o Acórdão de 8 de Março de 1988, Intiem, o mecanismo da dedução do IVA regulado pela Sexta Diretiva “deve ser aplicado de tal forma que o seu âmbito de aplicação corresponda, na medida do possível, ao âmbito das atividades profissionais do sujeito passivo”.
É ainda jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia que, sendo o direito à dedução um elemento fundamental do regime de IVA, só é possível limitar este direito nos casos expressamente previstos pela Diretiva IVA e, ainda assim, com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade, não se podendo esvaziar o sistema comum do IVA do seu conteúdo.
Cite-se, a este propósito, o Caso Ampafrance, de acordo com o qual “60. Por outro lado, há que recordar que, para que um acto comunitário relativo ao sistema do IVA esteja em conformidade com o princípio da proporcionalidade, as disposições que ele contém devem ser necessárias para a realização do objetivo específico que ele prossegue e afetar o menos possível os objetivos e os princípios da Sexta Diretiva.”
Quanto aos direitos conferidos aos particulares pelas normas do direito à dedução citamos o Caso BP Soupergaz, em conformidade com o qual estas normas “33. … indicam, com precisão, as modalidades de determinação da matéria coletável e, respetivamente, as condições de aquisição e o âmbito do direito à dedução. Não deixam aos Estados-Membros nenhuma margem de apreciação quanto à sua aplicação. Deste modo, preenchem os critérios referidos e conferem, por isso, aos particulares direitos que estes podem invocar perante o juiz nacional para se oporem a uma regulamentação nacional incompatível com elas”.
Note-se que igualmente a jurisprudência nacional se tem pautado pelos mesmos princípios que acabámos de citar quanto ao carácter abrangente do direito à dedução. Neste sentido veja-se, designadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 8 de Julho de 2009 (Isabel Marques da Silva), no qual se salienta que “[o] direito à dedução do imposto suportado a montante, constitui característica fundamental do sistema comum do IVA, essencial para garantia da neutralidade do imposto e "peça-chave" do seu funcionamento.”
Ou seja, resulta claro que o direito à dedução do IVA é um direito fundamental que não pode ser limitado senão nos casos expressamente permitidos pelas normas de Direito da União Europeia ou pelos princípios gerais de direito aceites neste domínio, como o princípio do abuso de direito (tal como o TJUE tem vindo a salientar).
Sendo acto claro que o direito à dedução do IVA deve ser interpretado de forma lata e concedido desde logo, ainda que a atividade projetada não tenha sido iniciada pelo sujeito passivo, relativamente aos designados actos preparatórios, conclui-se, com o TJUE, que as Administrações Tributárias dos Estados membros deverão agir em conformidade com tal interpretação (princípio da conformidade do direito nacional com o direito europeu).
-
O direito à dedução nas atividades preparatórias, incluindo as atividades de consultoria
Particular relevância para o caso em apreço reveste a jurisprudência assente do TJUE no sentido de que, como referimos, não exige que a atividade tenha já começado para se poder deduzir o IVA, podendo ser deduzido relativamente a atividades preparatórias da operação de reorganização projetada – estamos a referir-nos em concreto à aquisição de serviços de consultoria financeira ao Banco F... .
Veja-se, a este propósito, nomeadamente, o Acórdão Rompelman. Em conformidade com o n.° 23 do Acórdão, o TJUE concluiu que o princípio da neutralidade do IVA quanto à carga fiscal suportada pela empresa impõe que as primeiras despesas de investimento efetuadas tendo em vista a formação de uma empresa sejam consideradas atividades económicas, e seria contrário a esse princípio que as referidas atividades só tivessem início no momento em que, naquele caso concreto, um bem imóvel é efetivamente explorado, quer dizer, no momento em que surge o rendimento tributável. Como faz questão de notar, qualquer outra interpretação do artigo 4.° da Diretiva oneraria o operador económico com a despesa do IVA no âmbito da sua atividade económica sem lhe dar a possibilidade de o deduzir, nos termos do artigo 17.°, e faria uma distinção arbitrária entre despesas de investimento efetuadas antes e durante a exploração efetiva de um bem imóvel.
Nos Casos Lennartz, Inzo, e Gabalfrisa suscitaram-se questões análogas às do Caso Rompelman, designadamente o âmbito de aplicação do conceito de atividade económica e a inclusão dos atos preparatórios neste conceito, tendo o Tribunal confirmado esta jurisprudência.
O princípio da neutralidade do IVA, no que se refere à carga fiscal da empresa, exige, pois, que as despesas de investimento efetuadas para as necessidades e para os objetivos de uma empresa sejam consideradas atividades económicas que dão lugar a um direito a dedução imediata do IVA. Nestes termos, um particular que adquire bens para os efeitos de uma atividade económica na aceção do artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, age como sujeito passivo, mesmo que os bens não sejam imediatamente utilizados para essas atividades económicas.
Como o TJUE salientou na Caso Inzo e desenvolveu na sua jurisprudência posterior, na ausência de circunstâncias fraudulentas ou abusivas e sob reserva de eventuais regularizações em conformidade com as condições previstas na Diretiva IVA, o direito à dedução, uma vez constituído, permanece adquirido. Como declarou a este propósito o Tribunal de Justiça, quando o sujeito passivo não tenha podido utilizar os bens ou serviços que deram origem a dedução no âmbito de operações tributáveis, por razões alheias à sua vontade, o direito à dedução mantém‑se, pois, nesse caso, não há nenhum risco de fraude ou de abuso que possa justificar o reembolso posterior dos montantes deduzidos. Em contrapartida, em situações fraudulentas ou abusivas, em que, por exemplo, o interessado simulou desenvolver uma atividade económica especial, mas, na realidade, procurou fazer entrar no seu património privado bens que podem ser objeto de dedução, a Administração Fiscal pode pedir, com efeitos retroativos, a restituição das quantias deduzidas, uma vez que essas deduções foram concedidas com base em falsas declarações.
Como o TJUE faz questão de recordar, a verificação da existência de uma prática abusiva está sujeita a duas condições. Por um lado, as operações em causa, apesar da aplicação formal das condições previstas nas disposições pertinentes da Diretiva IVA e da legislação nacional que a transpõe, devem ter por resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão seja contrária ao objetivo prosseguido por essas disposições. Por outro lado, deve igualmente resultar de um conjunto de elementos objetivos que a finalidade essencial das operações em causa é a obtenção de uma vantagem fiscal. As medidas que os Estados membros têm a faculdade de adotar, ao abrigo do artigo 273.° da Diretiva IVA, para assegurar a cobrança exata do imposto e evitar a fraude, não devem, contudo, ir além do que é necessário para atingir tais objetivos (princípio da proporcionalidade) e não devem pôr em causa a neutralidade do IVA.
Neste contexto, o TJUE concluiu que um sujeito passivo, agindo nessa qualidade, que adquiriu um bem de investimento e o afetou ao património da empresa tem o direito de deduzir o imposto sobre o valor acrescentado que onerou a aquisição desse bem no decurso do exercício fiscal em que o imposto se tornou exigível, independentemente do facto de o referido bem não ser imediatamente utilizado para fins profissionais, cabendo ao tribunal nacional determinar se o sujeito passivo adquiriu o bem de investimento para os efeitos da sua atividade económica e apreciar a eventual existência de uma prática fraudulenta.
-
Do conceito de atividade económica e sua relação com o direito à dedução relativo à aquisição de participações sociais
Neste aspeto seguimos as considerações levadas a cabo no Acórdão relativo ao Processo n.º 18/2013-T, de 9 de Outubro de 2013 de Tribunal Arbitral deste CAAD.
O TJUE tem vindo a classificar as operações desenvolvidas por um sujeito passivo de IVA em atividades não económicas, que deverão ficar à margem da Diretiva IVA, não conferindo direito à dedução, e em atividades económicas. Só as atividades económicas é que estão abrangidas no âmbito da Diretiva, distinguindo-se em atividades não sujeitas, sujeitas e isentas e em atividades sujeitas e não isentas (ou seja, efetivamente tributadas).
Como salienta o Advogado Geral Mengozzi no Caso VNLTO[26], atendendo ao princípio da neutralidade que enforma o sistema comum do IVA, uma pessoa só deve suportar o IVA se este tiver incidido sobre os bens e serviços que utilizou para o consumo privado e não para as suas atividades profissionais tributáveis.
Isto é, não é possível deduzir o IVA suportado a montante caso este respeite à atividade do sujeito passivo que não reveste a natureza de atividade económica na aceção da DIVA.
Para que o IVA possa ser dedutível, exige-se que se verifique uma relação direta e imediata entre as despesas suportadas e o exercício da atividade económica do sujeito passivo.
No que se reporta à amplitude do conceito de “relação direta e imediata” entre os inputs que contêm IVA objeto de dedução e as operações tributadas do sujeito passivo, o TJUE tem vindo a acolher uma interpretação cada vez mais abrangente, nomeadamente, no que se refere à gestão de participações sociais, sendo que o estabelecimento de um nexo causal entre o IVA dedutível e uma determinada operação, individualizada e concretizada, não poderá ser acolhido.
De acordo com a jurisprudência do TJUE, “admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo”. Contudo, importa em particular salientar que é imperativo que exista uma relação com a atividade económica do sujeito passivo, subsistindo a necessidade da sua demonstração inequívoca.
Como se notou no Caso Cibo, “1) A interferência de uma holding na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma atividade económica na aceção do artigo 4.°, n.° 2, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, na medida em que implique a realização de transacções sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado nos termos do artigo 2.° dessa directiva, tais como o fornecimento, pela holding às suas filiais, de serviços administrativos, financeiros, comerciais e técnicos.
2) As despesas efetuadas por uma holding com os vários serviços que adquiriu no âmbito de uma tomada de participação numa filial fazem parte das suas despesas gerais, pelo que têm, em princípio, um nexo direto e imediato com o conjunto da sua atividade económica. Portanto, se a holding efetuar tanto operações com direito a dedução como operações sem direito a dedução, decorre do artigo 17.°, n.°5, primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva 77/388 que pode unicamente deduzir-se a parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.” (cfr. §§ 1 a 3 das conclusões)
Para os efeitos que ora nos ocupam, interessa em particular sublinhar que o TJUE, no Caso Gabalfrisa, recorrendo a uma “linha jurisprudencial consolidada”, defendeu que, em respeito ao princípio da neutralidade do IVA relativamente ao encargo fiscal de uma empresa, as despesas de investimento efetuadas e necessárias à sua criação deverão ser qualificadas como atividade económica, não estando sequer a dedutibilidade do IVA condicionada à exploração efetiva por parte da empresa.
Por outro lado, como se extrai das conclusões do Caso I/S Fini y Skatteministeriet, os pagamentos que uma empresa tenha de efetuar durante o período de liquidação, após o encerramento da sua exploração efetiva, fazem parte do conceito de atividade económica, na medida em que o lapso de tempo seja o estritamente necessário para levar a bom termo a operação de liquidação e se acredite que não existe a intenção de atuar de forma fraudulenta ou abusiva (no caso concreto a operação de liquidação durou cinco anos). Consequentemente, não se poderá efetuar uma distinção arbitrária entre os gastos efetuados por uma empresa antes da sua exploração efetiva e durante esta, e os gastos incorridos para colocar fim à referida exploração.
Como se prevê no artigo 9.º, n.º1, 2.º parágrafo, 2.ª parte, da DIVA, na definição de sujeito passivo de IVA “(…) É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência (…).”
Quanto ao tratamento a conceder à gestão (aquisição, detenção e alienação) de participações sociais para além do caso das holdings, no contexto das participações de uma sociedade-mãe em filiais ou associadas, decorre da jurisprudência do TJUE que as operações relativas às ações ou participações em sociedades são abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA quando efetuadas no quadro de uma atividade comercial de negociação de títulos ou quando constituem o prolongamento direto, permanente e necessário da atividade tributável.
Sendo a aquisição de participações sociais uma operação passiva, para aferirmos da dedutibilidade do IVA relativa às despesas associadas teremos, necessariamente, de analisar em que medida aquela participação é detida e quais são as operações a jusante que decorreram daquelas despesas – serão ou não tais operações atividades económicas sujeitas e não isentas de IVA?
Como refere Rui Bastos, “Assim sendo, a aquisição de participações numa perspetiva pura de investimento, tendo em vista a obtenção de receitas como dividendos, remete a sua detenção para fora do conceito de atividade económica, sendo que a aquisição num contexto de comercialização de títulos remeteria para o exercício de uma atividade sujeita, embora isenta.
O mesmo não deverá suceder num contexto de aquisição de uma participação que represente o prolongamento natural e necessário da atividade comercial ou industrial da sociedade adquirente, num contexto de reestruturação empresarial ou num processo de expansão, optando pela aquisição de uma filial, em detrimento da constituição de um estabelecimento estável, o mesmo não sucedendo num contexto de intervenção na gestão das participadas e, concomitantemente, em atividades tributadas por elas exercidas.”
No Caso SKF, o TJUE, invocando o princípio da igualdade de tratamento e neutralidade fiscal, conclui pela natureza económica das tomadas de participações acompanhadas com a interferência pela sociedade-mãe na gestão das participadas que deve ser estendida às situações de transmissão de participações que põem termo a essa interferência.
No quadro da transmissão de ações, considera o TJUE no Caso SKF que o direito à dedução do IVA pago a montante sobre prestações destinadas a realizar uma transmissão de ações é conferido, por força do artigo 168.° da DIVA, se existir uma relação direta e imediata entre as despesas relacionadas com as prestações a montante e o conjunto das atividades económicas (tributadas) do sujeito passivo, as denominadas “despesas gerais”.
Naquele processo, a transmissão de ações em causa, realizada com vista à reestruturação de um grupo de sociedades pela sociedade-mãe, foi considerada uma operação de obtenção de receitas com carácter permanente de atividades que excedem o quadro da simples venda de ações. Esta operação apresentava um nexo direto com a organização da atividade industrial exercida pelo grupo e constitui assim o prolongamento direto, permanente e necessário da atividade tributável do sujeito passivo, pelo que aquela operação de venda de ações seria abrangida pelo âmbito de aplicação do IVA, suscetível de conferir direito à dedução do IVA dos respetivos inputs.
O TJUE considera que estas prestações têm uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo, permitindo o direito à dedução da totalidade do IVA das referidas prestações.
Debateu-se se os inputs associados à alienação de participações sociais poderão ser suscetíveis de permitir a dedução do IVA, por via da respetiva qualificação como despesas gerais da atividade, no caso daquela alienação não estar sujeita a IVA, situação mais frequente, como vimos, nas holdings, ou então, estar sujeita mas isenta, como acontece com a sociedade‑mãe que gere um grupo de sociedades.
No caso da não sujeição, o Advogado-geral, apoiando-se nas conclusões do Caso Krettztechnik, n.º 36, considera suscetível este tipo de despesas serem qualificadas como despesas gerais, possuindo, portanto, uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo, possibilitando a sua dedução.
Pelo contrário, no caso de a alienação de participações sociais se qualificar como isenta de IVA, tal como aconteceu no Caso SKF, o Advogado-geral, apoiando-se nas conclusões do Caso BLP Group, considerou que o IVA pago a montante das prestações adquiridas possuem uma relação direta e imediata com a operação isenta, interrompendo assim a cadeia do IVA.
Ora o TJUE, no Caso SKF, vem pôr o acento tónico no facto de se saber se a sociedade que é sujeito passivo do IVA está ou não envolvida na gestão das sociedades em que tiver ocorrido a tomada de participação, sociedades estas que desenvolvem atividades tributadas.
Neste sentido, considerou o Tribunal que recusar o direito à dedução de IVA pago a montante por despesas de consultoria ligadas a uma transmissão de ações isenta em razão da envolvência na gestão da sociedade cujas ações são cedidas e admitir este direito à dedução para tais despesas ligadas a uma transmissão que se situa fora do âmbito da aplicação do IVA pelo facto de constituírem despesas gerais do sujeito passivo, levaria a um tratamento fiscal diferente de operações objetivamente semelhantes, em violação do princípio da neutralidade fiscal.
No que toca à dedução do IVA, o TJUE já concluiu no Caso Kretztechnik [36] que numa emissão de ações (apesar de ser, por si só, uma operação que não é abrangida pelo âmbito de aplicação do IVA, dado não se qualificar como transmissão de bens ou prestação de serviços) efetuada num contexto de reforço de capital em proveito da atividade económica geral de uma sociedade, se considera que os custos das prestações adquiridas por uma sociedade fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos seus produtos.
Como decidiu o TJUE neste Caso, “O direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efetuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito à dedução (…).
Porém, admite-se igualmente o direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo.” (cfr. §§ 57 e 58)
“Por fim, importa lembrar que o direito à dedução é conferido relativamente ao IVA pago a montante pelas prestações realizadas no quadro de operações financeiras se o capital adquirido com estas últimas operações tiver sido afetado às atividades económicas do interessado. Por outro lado, as despesas relacionadas com as prestações a montante têm uma ligação direta e imediata com as atividades económicas do sujeito passivo nos casos em que são exclusivamente imputáveis a atividades económicas efetuadas a jusante e, portanto, são parte apenas dos elementos constitutivos do preço das operações abrangidas pelas referidas atividades (v. acórdão Securenta, já referido, n.os 28 e 29).
Decorre do que antecede que deve responder se à terceira questão que o direito à dedução do IVA pago a montante sobre prestações destinadas a realizar uma transmissão de ações é conferido, por força do artigo 17.°, n.os 1 e 2, da Sexta Diretiva, na redação resultante do seu artigo 28.° F, n.° 1, e do artigo 168.° da Diretiva 2006/112, se existir uma relação direta e imediata entre as despesas relacionadas com as prestações a montante e o conjunto das atividades económicas do sujeito passivo.” (cfr. §§ 71 a 73)
Como salienta Rui Bastos (in Direito à dedução do IVA, Cadernos IDEFF, 2020), “Não se deverá ver condicionado o direito à dedução das despesas gerais suscetíveis de ser imputadas à componente tributada da atividade económica do sujeito passivo (serviços de apoio à gestão), como poderá acontecer com assistência jurídica contratada a terceiros, estudos em matéria de internacionalização do grupo, gastos administrativos, etc., desde que se comprove a afetação de recursos, como poderão ser os recursos humanos, à referida atividade tributada, qualificando-se aqueles encargos como gastos gerais da atividade e, como tal, repercutíeis no preço das operações tributadas e, portanto, suscetíveis de conferirem integral dedução do IVA, sendo que não se vislumbra, a este nível, nenhuma razão para um tratamento diferenciado de uma holding mista de uma sociedade operacional”.
Como nota o autor, seja numa holding mista, seja numa sociedade-mãe, seja ao nível da aquisição ou detenção, ou no plano da sua alienação, o tratamento em sede de IVA da dedutibilidade dos inputs deverá ser o mesmo. Tratar de forma diferente a dedutibilidade do IVA de inputs consoante a opção estratégia de organização empresarial ou um plano de negócios de expansão de uma atividade económica, seja pela constituição de uma filial ou a criação de uma mera sucursal, gerir diretamente uma atividade tributada ou, por via indireta, mediante a intermediação de uma participação, conduziria a um tratamento discriminatório de situações objetivamente idênticas.
Por sua vez, como o TJUE notou no Caso Abbey, “fazem parte das despesas gerais do sujeito passivo e, como tais, são elementos constitutivos do preço dos produtos de uma empresa. Com efeito, mesmo no caso de transferência de uma universalidade de bens, quando o sujeito passivo não realiza mais operações após a utilização dos referidos serviços, os custos destes últimos devem ser considerados inerentes ao conjunto da atividade económica da empresa antes da transmissão.” (cfr. § 35)
(…)
“qualquer outra interpretação (…) seria contrária ao princípio que exige que o sistema do IVA seja de uma perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas da empresa, na condição de estas estarem elas próprias sujeitas ao IVA, e poria a cargo do operador económico o custo do IVA no âmbito da sua atividade económica sem lhe dar a possibilidade de o deduzir (ver neste sentido, acórdão Gabalfrisa (…)). Assim, proceder-se-ia a uma distinção arbitrária entre, por um lado as despesas efetuadas para os fins de uma empresa antes da exploração efetiva desta e das efetuadas no decurso da referida exploração e, por outro lado, as despesas efetuadas para pôr termo a esta exploração. Os diversos serviços utilizados (…) para os fins da transferência duma universalidade de bens ou de parte dela mantêm portanto, em princípio, uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica deste sujeito passivo.” (cfr. §§ 35 e 36)
Assim, tem cobertura legal a dedução pela Requerente de todo o IVA suportado com serviços e bens adquiridos que tenham nexo direto e imediato com os serviços prestados às suas participadas com direito a dedução ou que, não tendo nexo direto e imediato com determinados serviços, seja IVA suportado com custos que fazem parte das despesas gerais da Requerente que tenham nexo direto e imediato com o conjunto da sua atividade económica.
-
Da dedução do IVA suportado no contexto de operações de fusão de sociedades
Atenta a realidade em apreço, importará ainda fazer uma alusão, ainda que muito breve, à dedução de IVA em caso de operações de fusão, como aquela que resulta do presente caso - a transmissão a totalidade do capital social da E... à B..., concretizada em novembro de 2019.
As fusões estão abrangidas pela regra de não sujeição constante do n.º 4 do artigo 3.º do CIVA (cuja base jurídica é o artigo 19.º da DIVA), que prescreve que não são consideradas transmissões de bens “as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º” (transfer of business as going concern rule).
Considerando-se que a transmissão do estabelecimento constitui em si mesma uma atividade económica, mantêm-se o direito à dedução do IVA suportado a montante. Com efeito, embora a aquisição ou transmissão da totalidade de um património/fusão configure uma operação não sujeita a IVA nos termos do artigo 19.º da DIVA, considera-se que tal operação mantém uma relação direta e imediata com a atividade económica do sujeito passivo, assistindo-lhe, nomeadamente, o direito de deduzir o IVA incluído nas despesas suportadas para efeitos daquela operação, ainda que não haja lugar a liquidação de imposto ao abrigo daquele normativo.
Assim, desde que as sociedades envolvidas numa fusão não tenham limitações no seu direito à dedução e que a sociedade incorporante não seja um sujeito passivo misto, realizando apenas operações tributadas que conferem direito à dedução o facto de não se liquidar IVA na transmissão não prejudica nem produz qualquer impacto no direito à dedução do IVA suportado a montante para efeitos dessa operação de transmissão de património. Como nota Cidália Lança a este propósito, “A não sujeição da transmissão da universalidade de bens não invalida que as despesas efetuadas pelo transmitente para permitir a realização dessa operação confiram direito à dedução, uma vez que fazem parte das despesas gerais desse sujeito passivo, mantendo uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica por si desenvolvida (cf. acórdão do TJUE de 22 de Fevereiro de 2001, Abbey National, C-408/98, Colect., p. I-1361, n.ºs 35 e 36).”
Do princípio de continuidade subjacente à operação de fusão decorre que a sociedade resultante da fusão assume os direitos e obrigações das sociedades fundidas, incluindo, como reconhecido pela doutrina e acolhido genericamente na jurisprudência, os respeitantes a matérias fiscais. Como vem afirmando o STA em várias decisões, “independentemente da posição que se assuma acerca da natureza jurídica da fusão (…), a extinção da personalidade jurídica própria da sociedade incorporada por fusão não tem por efeito a extinção dos seus direitos e deveres, antes, por expressa disposição legal estes se “transmitem” para a sociedade incorporante, seja porque esta sucede aquela, em conformidade com a teoria da sucessão universal, seja porque as situações jurídicas de que era titular a sociedade incorporada permanecem inalteradas ao longo do processo de fusão para se reunirem numa nova entidade, em conformidade com a teoria do ato modificativo”. Neste sentido, conclui que, “ (…) por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 112.º do CSC, para a sociedade incorporante “se transmitem” ou nela “se reúnem”, como efeito da inscrição da fusão no registo comercial, os direitos e obrigações da sociedade incorporada, não sendo as obrigações fiscais exceção a essa regra (…).”
No que respeita especificamente ao IVA, a assunção pela sociedade resultante da fusão dos direitos e obrigações das sociedades fundidas implica passar a incumbir-lhe dar cumprimento às obrigações impostas pela legislação deste imposto pela atividade que desenvolve, ainda que tais obrigações respeitem a factos tributários ocorridos na esfera das sociedades fundidas antes da fusão, bem como responder pelas dívidas fiscais daquelas.
Como salienta Cidália Lança, “Na mesma ordem de ideias, entende-se que a sociedade resultante da fusão pode, nos termos previstos nos artigos 19.º e seguintes do CIVA, exercer o direito à dedução do imposto suportado para a realização de operações efetuadas pelas sociedades fundidas em data anterior à fusão, desde que tal direito não tenha já sido exercido na esfera destas últimas. Estarão nestas circunstâncias faturas cuja emissão possa ocorrer já após a fusão, mas também faturas com data anterior mas que sejam rececionadas pela sociedade fundida após aquela data. O direito à dedução do IVA inserido em tais faturas deve ser exercido em declaração periódica apresentada pela sociedade resultante da fusão relativa ao período em que ocorreu a sua receção ou a período posterior àquele. Importa referir que a circunstância de a fatura estar emitida em nome de uma sociedade fundida não deve obstar ao exercício do direito à dedução pela sociedade resultante da fusão; tal é uma decorrência de nela terem sido incorporados os direitos das sociedades fundidas, mas também do efeito de neutralidade que está inerente à aplicação da regra de não sujeição a tais tipos de reestruturações empresariais”. Assim, prossegue a Autora, o princípio da intransmissibilidade dos créditos de IVA não pode ter aplicação de forma absoluta no caso de fusão de sociedades, dado esta implicar necessariamente a transmissão dos direitos e obrigações das sociedades fundidas para a sociedade resultante da fusão (cfr. artigos 97.º e 112.º do Código das Sociedades Comerciais/CSC)[45]. Nestes termos, como conclui, “Considera-se, assim, que, na sequência de uma fusão, é transmitido para a sociedade resultante da fusão o direito à dedução do IVA suportado em aquisições de bens e serviços adquiridos ainda pelas sociedades fundidas, relativamente a todas as faturas emitidas em data posterior à do registo da fusão, mas também as emitidas em data anterior cujo imposto não tenha sido deduzido, desde que observados os requisitos dos artigos 19.º e seguintes do Código do IVA e o prazo para o exercício do direito à dedução previsto no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA.”
IV.2.B. Aplicação ao caso concreto
Atendendo ao que vimos referindo, e considerando a matéria dada como provada, importa aferir da legitimidade da pretensão da Requerente para deduzir o IVA suportado nos serviços em causa. Em nosso entendimento, estamos no caso concreto perante uma operação de reestruturação que deve ser vista como um ato de gestão conducente a uma acrescida racionalidade económica, devendo os serviços em apreço e a reorganização ser devidamente analisada neste contexto.
Como vimos, o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA sendo garante de uma correta aplicação do princípio basilar da neutralidade do imposto e não pode, em princípio, ser limitado, de onde decorre que qualquer limitação ao mesmo deve ser interpretada restritivamente.
Por outro lado, é ato claro que se adquire o direito à dedução do IVA suportado nos denominados atos preparatórios.
Regra geral, para serem passíveis de dedução os bens ou serviços adquiridos a montante devem apresentar uma relação direta e imediata com as operações a jusante que conferem direito à dedução, sendo indiferente o objetivo final prosseguido pelo sujeito passivo.
No que toca a financiamentos, incluindo o pagamento de uma compensação pela aquisição da posição contratual da D... num contrato de locação financeira, o direito à dedução é conferido relativamente ao IVA pago a montante pelas prestações realizadas no quadro de operações financeiras se o capital adquirido com estas últimas operações tiver sido afetado às atividades económicas do interessado, o que nos parece evidente. Tal como o TJUE veio considerar no Caso Abbey National, os custos incorridos para efeitos da transmissão de uma universalidade de bens ou parte dela “fazem parte das despesas gerais do sujeito passivo e, como tais, são elementos constitutivos do preço dos produtos de uma empresa. Com efeito, mesmo no caso de transferência de uma universalidade de bens, quando o sujeito passivo não realiza mais operações após a utilização dos referidos serviços, os custos destes últimos devem ser considerados inerentes ao conjunto da atividade económica da empresa antes da transmissão.” Decorre deste Acórdão que, muito embora a aquisição ou transmissão da totalidade das ações representativas de um património configure uma operação não sujeita a IVA nos termos do artigo 19.º da DIVA, tal operação mantém uma relação direta e imediata com a atividade económica do sujeito passivo, assistindo-lhe o direito de deduzir o IVA incluído nas despesas suportadas para efeitos daquela operação. Isto é, no contexto da transferência de uma universalidade de bens ou de parte dela, v.g., uma fusão por incorporação, os serviços utilizados com esse fim mantêm uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do respetivo sujeito passivo, fazendo parte das suas despesas gerais, sendo componente do preço dos seus produtos/serviços pelo que conferem nessa medida direito à dedução.
O mesmo argumento deve ser usado com a consultoria financeira paga a um banco, no decurso destas operações.
Os serviços cuja dedução a AT não aceitou têm uma relação direta e imediata com as operações de financiamento e de reestruturação, encontrando-se diretamente relacionados com a atividade económica prosseguida pela Requerente – uma atividade económica tributada em IVA, pelo que o IVA incidente sobre os mesmos deve ser diretamente deduzido, conforme o explicitado supra, caso se possa devidamente comprovar a existência de um nexo entre as despesas (ainda que gerais) e a atividade económica da Requerente (ainda que no seu conjunto). Nomeadamente, importa verificar se os serviços em apreço foram prestados no contexto da operação de reestruturação e da gestão da atividade da Requerente ou foram por si suportados fazendo parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens e serviços que fornece. Isto é, se existe na situação controvertida um nexo de causalidade entre o imposto suportado e dedutível e a realização, por parte do sujeito passivo, de operações sujeitas a imposto e dele não isentas e se verificam os demais requisitos consagrados nos artigos 19.º e 20.º, n.º 1, do CIVA, para o exercício do direito à dedução do IVA incidente sobre os serviços adquiridos pela Requerente para efeitos da operação de reestruturação.
Em todas as situações em que, depois da produção de prova, se chega a uma situação de incerteza sobre os factos relevantes para a decisão da causa, há que fazer apelo às regras do ónus da prova.
Como é sabido, as regras essenciais em matéria de ónus da prova constam dos artigos 74.º e 75.º, n.º 1, da LGT.
A regra primordial em matéria de ónus da prova é enunciada no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, que estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque». A aplicação desta regra reconduz-se a que a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte que o invoca que é a quem o facto aproveita (artigo 414.º do Código do Processo Civil/CPC).
Sendo a Requerente que invoca que as operações em causa foram realizadas no contexto da operação de reestruturação, cabe-lhe, assim, em princípio, o ónus da prova.
É certo que o artigo 75.º da LGT estabelece uma presunção legal a favor do contribuinte estabelecendo que «presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos». Contudo, esta presunção não vale para a prova dos requisitos da dedutibilidade de gastos, por força da parte final desta norma.
Esta presunção cessa nos casos previstos no n.º 2 do mesmo artigo 75.º, nomeadamente quando «as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo» e «o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações».
É a esta luz que há que apreciar a decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira, o que manifestamente não foi feito, pelo que é nosso entendimento que o pedido deve ter total procedência, incluindo o constante na sua ampliação já admitida.
Por último, considerando a matéria dada como provada e não subsistindo dúvidas sobre a interpretação do Direito da União Europeia implicado nas disposições do CIVA convocáveis para a decisão, conclui-se não se encontrarem preenchidas as condições para a formulação de reenvio interpretativo prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
-
DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se:
-
Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Condenar a Requerida ao pagamento das custas.
-
Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 92.225,61, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
-
Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 2.754,00, a pagar pela Requerida, uma vez que houve total procedência do pedido, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de julho de 2024
Os Árbitros,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
(Francisco Nicolau Domingos)
(Nuno Maldonado Sousa)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.