DECISÃO ARBITRAL
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º 195/2014 – T
Tema: IS – Verba 28 da TGIS – Propriedade vertical
I – RELATÓRIO
1 –“A”, NIF[1] …, residente na Rua …, n.º …, …-…, Lisboa, “B”, NIF …, residente no … nº … …-…, Funchal e “C” NIF…, residente na Rua …, nº …, …-… – Funchal, apresentaram em 27/02/2014 um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a AT[3],com vista à apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação do IS[4], conforme documentos de cobrança melhor identificados na petição e que aqui se dão por reproduzidos, referentes um prédio com andares e divisões com utilização independente sito na Rua … n.ºs … a … e inscrito na matriz predial urbana da freguesia dos Anjos sob o n.º … (actual freguesia de Arroios) e do qual são comproprietários na proporção de 1/3 para cada.
2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[5] e automaticamente notificado à AT em 03/03/2014.
3 – Nos termos e efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.
4 - O tribunal foi constituído em 05/05/2014 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT ,na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012 de 31 de Dezembro .
5 – Com o seu pedido visam, os requerentes, a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação da verba 28 da TGIS[6] que incidiram sobre o valor patrimonial do prédio Urbano já identificado e do qual são comproprietários.
6- Invocam para o efeito, em síntese, o seguinte:
6.1- O prédio em causa tem 2/3 dos fogos devolutos à espera de reabilitação exigida pela Câmara Municipal de Lisboa e a parte arrendada, são rendas antigas, o que motivou a declaração de rendas ao abrigo do artigo 2º da Portaria 358-A/2013 de 12 de Dezembro;
6.2 – A lei propunha-se a tributar “habitações de luxo” de valor patrimonial superior a € 1000 000,00, no caso concreto nem no IMI[7] se teve em conta o VPT[8] real, mas apenas o valor correspondente ao valor das rendas;
6.3 – Considera absurda a interpretação da AT ao tributar em IS o VPT correspondente ao somatório do VPT de cada um dos andares independentes, que oscilam entre € 25 760,00 e € 62 180,00;
6.4 - Adere à Jurisprudência arbitral sobre a ilegalidade e inconstitucionalidade das liquidações em questão uma vez que as partes de prédios que a AT pretende tributar em IS nenhuma tem VPT igual ou superior a €1 000 000,00
6.5 –Da lei decorre que quer os prédios em propriedade vertical e horizontal devem receber o mesmo tratamento fiscal de harmonia com os princípios de Justiça, de igualdade fiscal e de verdade material e que a actuação da AT é violadora da coerência do sistema fiscal
7 – Por sua vez a AT entende, em síntese, o seguinte:
7.1- Que a questão decidenda é determinar, no caso de propriedade vertical, se o valor relevante para efeitos de tributação do IS da verba 28.1 da TGIS é o VPT total do prédio ou antes o valor de cada um dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente;
7.2- Entende a AT que, para efeitos de IS, o VPT relevante é o VPT total do prédio, uma vez que o prédio não está em regime de propriedade horizontal;
7.3 – Que um prédio em propriedade vertical é uno e que as suas partes distintas susceptíveis de utilização independente, não são juridicamente equiparáveis às fracções autónomas dos prédios em propriedade horizontal;
7-4 – Concluindo que os actos tributários aqui postos em crise são legais e deverão ser mantidos, devendo absolver-se a AT do pedido.
II – SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º n.º2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
A AT propôs a dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e que se passasse directamente à decisão da causa, caso a requerente não se opusesse.
Notificada a requerente, em 09/06/2014, desta pretensão, não foi manifestada qualquer oposição, pelo que o tribunal considerou estarem reunidas as condições para a prolação da decisão final.
III – FUNDAMENTAÇÃO
1 – A questão a dirimir com interesse para os autos, é saber:
Se um prédio em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, deverá ser tributado em IS o VPT correspondente ao somatório de cada uma das partes ou divisões independentes com afectação habitacional quando igual ou superior a €1000000,00, ou se apenas o IS deverá incidir sobre o VPT de cada uma das partes ou divisões independentes quando, unitariamente considerado, seja igual ou superior a € 1000000,00;
2 – Matéria de facto
A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:
a) Os requerentes são comproprietários, na proporção de 1/3 para cada um, de um prédio urbano em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana da freguesia dos Anjos sob o artigo … (actual freguesia de Arroios), concelho de Lisboa;
b) As referidas partes ou divisões susceptíveis de utilização independente têm valores patrimoniais que oscilam entre os € 25 760,00 e € 62 180,00, portanto nenhuma delas tem valor igual ou superior a € 1 000 000,00;
c) A maioria das fracções estão devolutas e esperam reabilitação e as arrendadas estão com rendas antigas, o que motivou a declaração de rendas ao abrigo do artigo 2º da Portaria n.º 358-A/2013 de 12 de Dezembro
d) O VPT global das partes ou divisões com afectação habitacional é de € 1 619 350,00;
e) O imposto liquidado a cada um dos comproprietários requerentes encontra-se pago;
f) O VPT de cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente está individualizado matricialmente
g) A AT calculou o IS individualmente a cada um dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente.
3 – Do Direito
a) A questão de direito a resolver é saber se de acordo com o disposto na verba 28.1 da TGIS se deverá ou não considerar o somatório do VPT de cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, uma vez que nenhuma delas tem valor igual ou superior a €1000 000,00;
b) Tendo em conta que o CIS[9] remete para o CIMI[10] a regulação do conceito de prédio e das matérias não reguladas quanto à verba 28 da TGIS (n.º 6 do artigo 1º e n.º2 do artigo 67º ambos do CIS),é no CIMI que teremos de observar os conceitos que nos permitam dirimir a questão;
c) O conceito generalista de prédio consta no artigo 2º do CIMI. No artigo 3º do mesmo diploma o legislador, usando critérios de afectação e localização estabeleceu o conceito de prédios rústicos, vindo depois, numa classificação pela negativa, no seu artigo 4º, estabelecer que prédios urbanos serão todos os que não devam ser classificados como rústicos;
d) O artigo 6º do citado CIMI divide os prédios urbanos em: habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros;
e) No caso concreto estamos em presença de prédio urbano com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional;
f) Cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente que compõem o imóvel em questão preenche o conceito de prédio estabelecido no artigo 2º do CIMI, na medida em que elas são física e economicamente independentes e fazem parte do património de pessoa singular ou colectiva, no caso concreto singular;
g) Nos termos do n.º 4 do artigo 2º do CIMI cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal é havida como constituindo um prédio, mas não existe nada na lei que permita fazer a discriminação entre prédios em propriedade horizontal e vertical relativamente à sua identificação como prédios urbanos habitacionais;
h) A AT ao fazer a tributação em IS fez o seu cálculo sobre o VPT de cada uma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, só que a final considerou o VPT global e verificando ser superior a € 1 000 000,00,somou os valores de IS apurado unitariamente;
i) Mas este procedimento não tem suporte legal, uma vez que, nenhuma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, preenchendo cada uma delas o conceito de prédio enunciado no artigo 2º do CIMI, tem um VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, requisito exigível para haver tributação em IS;
j) Nem se diga que há uma diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, face a um imóvel em propriedade horizontal. Na verdade ela não existe em IMI tal como não poderá existir em IS, uma vez que, a legislação aplicável é a mesma;
k) O critério de tributação tem que ser uniforme, isto é, se uma fracção habitacional de um prédio em propriedade horizontal só é tributada em IS se o seu VPT for igual ou superior a € 1 000 000,00, igualmente um andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente de um prédio em propriedade vertical com afectação habitacional só será tributada em IS se o seu VPT for igual ou superior a € 1 000 000,00;
l) Como já se disse o andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente de um prédio em propriedade vertical reúne o conceito de prédio estabelecido no Código do IMI, tal como as fracções autónomas dos prédios em propriedade horizontal;
m) Nesta perspectiva e considerando que nenhuma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com destino ou afectação habitacional tem VPT igual ou superior a € 1 000 000,00 forçoso é concluir que os actos de liquidação do IS são ilegais por não ter sido observado as condições definidas na verba 28 da TGIS;
n) Acompanhamos a conclusão do Professor Miguel Patrício no processo 132/2013 ao considerar, a interpretação feita pela AT, desconforme com a Lei e a CRP[11], que transcrevemos nessa parte:
“.a interpretação feita pela AT não é conforme à Lei e à Constituição, por violação do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP), bem como do que dispõe o art.104.º, n.º 3, da CRP. Não há dúvida de que uma interpretação mais conforme à Lei e à Constituição, como a que se expôs anteriormente, pode permitir a protecção do mencionado princípio. Mas também é evidente que subsistem, no caso em análise, motivos suficientes para se considerar que a referida verba n.º 28, ainda assim, continuaria a padecer de inconstitucionalidade por violação do citado princípio da igualdade.
Com efeito, como justificar, inclusive à luz de princípios de equidade social e justiça fiscal defendidos pelo legislador – note-se, a este respeito, que o comunicado do Conselho de Ministros de 20/9/2012 referia que a medida, entre outras, era fundamental "para reforçar o princípio da equidade social na austeridade" –, que esta tributação incida apenas sobre o património imobiliário habitacional e não sobre o património imobiliário não habitacional? E como compatibilizar esta discriminação com o que se dispõe no art. 104.º, n.º 3, da CRP?
Atendendo ao acima exposto, conclui-se que a verba n.º 28, ao abrir a possibilidade de se tributar de modo diferenciado a titularidade de património imobiliário de igual valor detido por pessoas diferentes em razão de critérios que podem contender, sem a mínima necessária justificação, com, nomeadamente, o princípio da capacidade contributiva (como seja o caso da "dispersão" ou "concentração" do património imobiliário habitacional de cada um), não pode deixar de ser considerada inconstitucional, dada a violação do princípio da igualdade”.
IV – DISPOSITIVO
Face ao exposto o tribunal decide o seguinte:
a) Declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação dos actos de liquidação do IS aqui impugnados e a devolução aos requerentes das importâncias pagas indevidamente;
b) Valor do processo: € 16 193,40 tendo em vista as disposições contidas no artigo 299º n.º 1 do CPC[12], 97-A do CPPT e artigo 3º, n.º 2 do RCPAT[13];
c) Custas a cargo da requerida, ao abrigo do n.º4 do artigo 22 do RJAT, fixando-se o seu montante em € 1 224,00 de harmonia com a tabela I do RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 28 de Outubro de 2014
O árbitro singular,
Arlindo José Francisco
***
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
[1] Acrónimo de Número de Identificação Fiscal
[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária
[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira
[4] Acrónimo de Imposto do Selo
[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa
[6] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo
[7] Acrónimo de Imposto Municipal sobre Imóveis
[8] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário
[9] Acrónimo de Código do Imposto do Selo
[10] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis
[11] Acrónimo de Constituição da República Portuguesa
[12] Acrónimo de Código de Processo Civil
[13] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária