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SUMÁRIO
I – O artigo 63.º do TFUE, que consagra a livre circulação de capitais, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os rendimentos e os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo não residente são objeto de retenção na fonte, enquanto que os dividendos distribuídos a um organismo de investimento coletivo residente estão isentos dessa retenção.
II – O artigo 22.º do EBF, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos organismos de investimento coletivo constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os organismos de investimento coletivo constituídos segundo a legislação de outros Estados-Membros da União Europeia é incompatível com o artigo 63.º do TFUE.
DECISÃO ARBITRAL
A árbitra presidente Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, o árbitro auxiliar Dr. Marcolino Pisão Pedreiro e a árbitra auxiliar relatora Dra. Adelaide Moura, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral coletivo, acordam o seguinte:
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Relatório
A..., Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”) constituído e a operar no Reino da Bélgica, sob supervisão da Autorité des Services et Marchés Financiers, contribuinte fiscal belga n.º ... e contribuinte fiscal português n.º..., com sede em Rue ...-..., Bélgica, representado pela sua entidade gestora B..., com sede em Rue ... -..., Bruxelas, Bélgica (“Requerente”), no seguimento das liquidações de IRC por retenção na fonte e da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º ...2023... submetido em 09-05-2023, veio, em 07-12-2023, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra os atos tributários impugnados, peticionando a respetiva anulação e a restituição dos valores indevidamente retidos, no valor total de 93.835,62 €, acrescidos de juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida”, “Autoridade Tributária” ou “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 11-12-2023 e notificado à AT em 15-12-2023.
O Requerente não procedeu expressamente à nomeação de árbitro.
Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT foram designados os árbitros do presente Tribunal Arbitral, que comunicaram ao Conselho Deontológico do CAAD a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.
As partes foram notificadas da nomeação, não tendo qualquer delas manifestado vontade de a recusar, tendo o Tribunal sido constituído em 20-02-2024, por despacho do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em harmonia com as disposições contidas no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
Notificada em 23-02-2024, a AT apresentou a sua Resposta em 05-04-2024, defendendo-se por exceção e impugnação. Não foi junto processo administrativo.
Por despacho de 09-04-2024, o Tribunal Arbitral notificou o Requerente para, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, responder à matéria de exceção invocada. O Requerente não se pronunciou.
Em 17-05-2024, não havendo lugar a produção de prova constituenda e tendo sido dada oportunidade de ser exercido contraditório em matéria de exceção, o Tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como as alegações finais.
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Posições das Partes
II.1. Requerente
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O Requerente é um OIC, com sede e direção efetiva no Reino da Bélgica, constituído e a operar ao abrigo da Loi du 3 août 2012 relative à certaines formes de gestion collective de portefeuilles d’investissement e, bem assim, do Arrêté royal du 7 décembre 2007 relatif aux organismes de placement collectif à nombre variable de parts institutionnels, que transpõem para a ordem jurídica belga a Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OIC.
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Tendo sido constituído e operando ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, o Requerente cumpre no seu Estado de residência e constituição exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a atividade dos OIC, como seja a Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, também em transposição da referida Diretiva.
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O Requerente é administrado pela sociedade B..., entidade igualmente com residência no Reino da Bélgica, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e o Reino da Bélgica.
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Em 2019, o Requerente auferiu rendimentos de capitais de fonte portuguesa, correspondentes a juros e dividendos, no montante total de 375.342,46 €, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:
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As retenções na fonte de IRC, no montante de 93.835,62 €, foram efetuadas e entregues aos cofres da AT, através das guias de retenção na fonte n.ºs..., de 20-05-2019, ..., de 21-06-2019, ..., de 22-07-2019, ..., de 20-10-2019, ..., de 20-11-2019, e..., de 20-02-2020, pelo C..., na qualidade de registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7 do CIRC.
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O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objeto do pedido de revisão oficiosa, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Bélgica, seja ao abrigo da lei interna do Reino da Bélgica.
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Não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os rendimentos de capitais de fonte portuguesa por si auferidos, correspondentes a juros e dividendos, em 09-05-2023, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC acima identificadas, referentes ao ano de 2019, ao abrigo do disposto nos artigos 78.º, n.º 1 da LGT e 137.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CIRC.
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Em síntese, o Requerente sustentou no pedido de revisão oficiosa que os rendimentos de capitais de fonte portuguesa por si auferidos não devem ser tributados em sede de IRC, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF, sob pena de tal consubstanciar discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes, contrária ao princípio da livre circulação de capitais do artigo 63.º do TFUE e ao princípio do primado do Direito da UE consagrado no artigo 8.º, n.º 4 da CRP.
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Na presente data, o referido procedimento de revisão oficiosa encontra-se pendente junto da AT, correndo os seus termos sob o n.º ...2023... .
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Volvidos mais de 4 (quatro) meses sobre a data de apresentação do referido pedido de revisão oficiosa, o Requerente não foi ainda notificado pela AT de decisão final em sede do correspondente procedimento, verificando-se assim uma situação de indeferimento tácito, pelo que apresenta o respetivo pedido de pronúncia arbitral.
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A título preliminar, a AT encontra-se obrigada a proceder à revisão peticionada pelo Requerente, na medida em que o pedido de revisão oficiosa apresentado é legítimo, tempestivo e procedimentalmente adequado.
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A revisão dos atos tributários com fundamento em erro imputável aos serviços, conforme artigo 78.º, n.º 1 da LGT, pode ser efetuada por iniciativa tanto da AT, como dos próprios contribuintes.
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À luz dos artigos 65.º da LGT e 9.º, n.º 1 do CPPT, é inequívoco que o Requerente tinha legitimidade para solicitar a revisão oficiosa das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas.
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O pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente tem fundamento em erro imputável aos serviços da AT.
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Tendo o Requerente solicitado a revisão oficiosa das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas, com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, in fine da LGT, o prazo de que dispunha para esse efeito era de 4 (quatro) anos contado da data das referidas liquidações.
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O termo inicial do referido prazo de 4 (quatro) anos verificou-se em 30-04-2019, que corresponde à data da mais antiga liquidação de IRC por retenção na fonte cuja revisão foi solicitada pelo Requerente.
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Neste contexto, e tendo em conta igualmente a suspensão de prazos procedimentais determinada pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e o regime disposto no artigo 4.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, aplicável aos prazos administrativos, constata-se que, tendo o Requerente apresentado o pedido de revisão oficiosa que antecedeu os presentes autos em 09-05-2023, tal pedido foi formulado dentro do prazo legal e, como tal, não pode deixar de se concluir pela sua tempestividade.
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Considerando que o pedido de revisão oficiosa das liquidações acima identificadas é legítimo, tempestivo e procedimentalmente adequado, impendia sobre a AT o dever de proceder a essa revisão, nos termos dos artigos 56.º e 78.º, n.º 1, in fine da LGT.
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Tendo o Requerente apresentado o pedido de revisão oficiosa em referência no 09-05-2023, a AT deveria ter proferido a sua decisão até ao dia 09-09-2023.
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Não obstante, até à presente data, o Requerente não foi notificado por parte da AT da decisão final do pedido de revisão oficiosa por si apresentado.
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Impendendo sobre a AT o dever de emitir pronúncia sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado no prazo de 4 (quatro) meses desde a apresentação, o incumprimento do prazo faz presumir, para efeitos de impugnação, o indeferimento do pedido, em conformidade com o disposto no artigo 57.º, n.º 5 da LGT.
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Em consequência, necessariamente se conclui que a referida omissão consubstancia uma clara violação do princípio da decisão e dos direitos e interesses legalmente protegidos do Requerente, dispondo este do prazo de 90 (noventa) dias a contar da formação, ainda que presumida, do referido ato de indeferimento para apresentar requerimento de constituição de Tribunal Arbitral para apreciação da legalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas, em conformidade com o disposto nos artigos 95.º, n.º 2, alínea d) da LGT, 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT e 10.º, n.ºs 1, alínea a) e 2 do RJAT.
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Assim, perante a presunção de indeferimento tácito verificada no âmbito do pedido de revisão oficiosa apresentado, encontram-se verificados os pressupostos para o Requerente apresentar o presente requerimento de constituição de Tribunal Arbitral e pedido de pronúncia arbitral.
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A questão a decidir reconduz-se à apreciação da legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa em referência e, nessa medida, da legalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas, que incidiram sobre os rendimentos de capitais de fonte portuguesa auferidos pelo Requerente em 2019.
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O Requerente considera ilegal a tributação em sede de IRC por si suportada, efetuada por retenção na fonte liberatória sobre os juros e dividendos de fonte portuguesa acima referidos, auferidos pelo Requerente em 2019.
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O Requerente sustenta o seu entendimento no facto de apenas ter suportado a referida tributação em sede de IRC por se tratar de um OIC não residente em Portugal, não obstante ter sido constituído e operar no Reino da Bélgica em condições equivalentes aos OIC residentes em Portugal, cumprindo as exigências da Diretiva.
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Os OIC não residentes são objeto de uma discriminação contrária ao TFUE, na medida em que o regime previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF é aplicável apenas aos OIC residentes em Portugal que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, não permitindo o Estado português que os OIC não residentes, constituídos e a operar noutro Estado-Membro ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, acedam a tal regime, ainda que demonstrem que cumprem no seu Estado de residência exigências equivalentes às contidas na lei portuguesa.
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Face ao teor literal do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, o regime em referência não é aplicável aos juros e dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC não residentes em Portugal, ainda que constituídos e a operar noutro Estado-Membro de acordo com a Diretiva 2009/65/CE, ou seja, em condições equivalentes às aplicáveis aos OIC residentes em Portugal.
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Apenas os OIC constituídos e a operar ao abrigo da lei portuguesa são elegíveis para os benefícios fiscais previstos no artigo 22.º do EBF, não obstante os OIC constituídos e a operar noutros Estados-Membros da UE cumprirem condições equivalentes às previstas na lei nacional, ao abrigo do regime da Diretiva 2009/65/CE.
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Neste contexto, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b) e 5, e 87.º, n.º 4 do CIRC, os juros e dividendos de fonte portuguesa pagos a OIC estabelecidos noutros Estados-Membros são tributados em sede de IRC mediante retenção na fonte liberatória, a qual poderá ser reduzida ao abrigo de convenções para evitar a dupla tributação celebradas pelo Estado português.
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Constata-se existir uma diferença de tratamento dos OIC, constituídos e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, residentes em Portugal, por comparação com os OIC não residentes em Portugal, constituídos e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, na medida em que os juros e os dividendos de fonte portuguesa pagos aos primeiros não são sujeitos a retenção na fonte nem tributados em sede de IRC, ao passo que os juros e dividendos de fonte portuguesa pagos a OIC não residentes são tributados em sede de IRC mediante retenção na fonte liberatória.
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No que respeita aos presentes autos, os juros e os dividendos auferidos pelo Requerente em Portugal em 2019 foram sujeitos a tributação em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b) e 5, e 87.º, n.º 4 do CIRC.
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Por outro lado, estando isento de imposto belga sobre os rendimentos das pessoas coletivas, não foi possível ao Requerente neutralizar a tributação dos referidos juros e dividendos em Portugal através do crédito de imposto previsto no artigo 24.º, n.º 2, da CEDT Portugal/Bélgica.
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No entanto, sendo um OIC constituído e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, nenhuma dúvida restará que bastaria ao Requerente ter a sua residência fiscal em Portugal para que os referidos juros e dividendos não tivessem sido sujeitos a retenção na fonte nem tão-pouco a tributação em sede de IRC, nos termos do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF.
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Constata-se que o regime estabelecido no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF, ao restringir a dispensa de retenção na fonte e a exclusão de tributação em sede de IRC aos juros e dividendos auferidos por OIC residentes em Portugal, discrimina os OIC não residentes, residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, não obstante tais entidades não residentes serem constituídas e operarem em condições equivalentes às previstas na legislação portuguesa, ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE.
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Ainda que revestindo características equivalentes aos OIC residentes em Portugal, em cumprimento das condições previstas na Diretiva 2009/65/CE, os OIC não residentes são colocados numa situação de desvantagem comparativamente aos OIC residentes, tão-só em consequência de não terem a sua residência em Portugal.
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Como tal, o tratamento discriminatório operado pelos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b) e 5, 87.º, n.º 4 do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF, encontra-se em violação do TFUE, ao constituir uma restrição às liberdades fundamentais e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, por violação do primado do Direito comunitário sobre o Direito interno, facto que deverá determinar anulação das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas e a consequente restituição do imposto indevidamente liquidado ao ora Requerente.
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O Requerente entende que as liberdades fundamentais previstas no TFUE se opõem à aplicação do regime resultante dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b) e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF.
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De acordo com o artigo 8.º, n.º 4 da CRP, o Direito comunitário é aplicável na ordem interna nos termos do Direito da União, isto é, por força do primado da legislação comunitária sobre o Direito interno, conforme se infere igualmente do disposto no artigo 8.º, n.º 2 da CRP e do artigo 1.º, n.º 1 da LGT.
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Em suma, o efeito prático do princípio do primado será a não aplicação de Direito interno que seja contrário ao Direito da União Europeia.
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Tendo presente o primado das normas de Direito da União Europeia, caberá analisar a admissibilidade da aplicação exclusiva do regime de isenção de tributação em sede de IRC previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF, aos juros auferidos por OIC residentes em Portugal, constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, cumprindo para o efeito verificar.
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A este respeito cumpre referir que a situação pela qual um residente de um Estado-Membro recebe juros e dividendos com fonte noutro Estado-Membro constitui uma operação intracomunitária que se encontra abrangida pelo TFUE, conforme foi já por diversas vezes afirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.
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Relativamente à livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, esta inclui todas as formas de investimento direto.
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Estando em causa o pagamento de juros e de dividendos de fonte portuguesa decorrentes de obrigações, a legislação portuguesa em análise será potencialmente violadora da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º, n.º 1 do TFUE.
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No contexto do Direito da União Europeia, a discriminação implica um efetivo tratamento distinto por um Estado-Membro de uma operação ou situação intracomunitária (transnacional), por comparação com uma situação interna (nacional) que partilhe com aquela uma identidade quanto aos seus aspetos essenciais.
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Para além da simples existência de um tratamento distinto, o princípio da não discriminação comporta ainda uma ideia de tratamento desigual negativo, desvantajoso para os respetivos beneficiários nacionais de outros Estados-Membros.
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Concretamente no que respeita aos presentes autos, numa situação puramente doméstica, na qual são pagos juros ou dividendos de fonte portuguesa a um OIC residente, não haverá qualquer retenção na fonte, nem qualquer tipo de tributação direta pelo Estado português, nos termos dos artigos 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF.
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Diversamente, numa situação intracomunitária, esses rendimentos encontram-se sujeitos a tributação em Portugal mediante retenção na fonte liberatória, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b) e 5, e 87.º, n.º 4 do CIRC.
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Esta diferença no tratamento fiscal de uma situação puramente doméstica e de outra intracomunitária colocou o Requerente, enquanto OIC credor e acionista residente noutro Estado-Membro, numa situação claramente desfavorável em face dos OIC residentes em Portugal.
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Ora, se de facto o TFUE reconhece, em geral, os elementos de conexão do Direito tributário internacional – residência e fonte –, ou seja, aceita um tratamento diferenciado entre residentes e não residentes, a admissibilidade de tal diferenciação restringe-se aos casos em que ambos não se encontrem em situações objetivamente comparáveis.
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De acordo com uma interpretação de substância sobre a forma, um OIC não residente e um OIC residente no mesmo Estado-Membro da entidade devedora dos juros ou da entidade distribuidora dos dividendos estarão numa situação comparável, se apresentarem uma conexão comum com o sistema fiscal desse Estado-Membro.
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Neste contexto, a situação na qual são pagos juros e dividendos de fonte portuguesa a um OIC residente em Portugal é comparável à situação que se encontra na origem da presente revisão oficiosa, em que juros e dividendos foram pagos ao Requerente, na sua qualidade de OIC credor de juros pagos por entidades residentes em Portugal e OIC acionista de sociedades residentes em Portugal, constituído e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, residente no Reino da Bélgica.
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Efetivamente, em ambos os casos, os juros e dividendos pagos de fonte portuguesa podem ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia por mero efeito do exercício da competência tributária do Estado português.
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Na medida em que o artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF faz depender a dispensa de retenção na fonte e tributação em sede de IRC de juros e dividendos de fonte portuguesa auferidos por um OIC da respetiva residência em território português, os OIC não residentes constituídos e a operar em condições equivalentes, ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, encontram-se numa situação objetivamente comparável à dos OIC residentes em território português, podendo os juros e dividendos de fonte portuguesa ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia.
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Neste contexto, constata-se que as liquidações de IRC objeto dos presentes autos assentam numa situação de discriminação que viola o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE.
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De acordo com as regras e princípios de Direito da UE que prevalecem sobre a legislação nacional, impende sobre o Estado português a obrigação de, no âmbito do exercício da sua soberania tributária sobre os juros e dividendos auferidos pelo Requerente, tratar os mesmos de modo equiparável aos juros e dividendos auferidos por um OIC credor e acionista residente em situação análoga.
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Essa obrigação de não discriminar implica, necessariamente, que também os benefícios ou vantagens de natureza fiscal atribuídos a residentes devam ser concedidos, nas mesmas condições, a não residentes.
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Aplicando os princípios afirmados pela jurisprudência do TJUE à matéria de facto em apreço, a situação do Requerente constitui um exemplo claro de discriminação por parte do Estado Português entre OIC portugueses e OIC belgas.
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Neste contexto, conclui-se que a aplicação do regime previsto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b) e 5, 87.º, n.º 4 do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF, se traduziu numa restrição à livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE, na medida em que implicou uma tributação por retenção na fonte sobre os juros e sobre os dividendos pagos ao Requerente, a qual não ocorreria caso os mesmos tivessem sido pagos a um OIC residente em Portugal.
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Não se argumente no sentido de a referida restrição poder eventualmente ser neutralizada pelo Estado da residência do Requerente, através do mecanismo de crédito de imposto previsto no artigo 24.º, n.º 2 da CEDT Portugal/Bélgica.
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Estando o Requerente isento de tributação em sede de imposto belga sobre os rendimentos das pessoas coletivas, não poderá reclamar tal crédito de imposto no Estado da sua residência.
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Estando demonstrada a comparabilidade objetiva entre a situação do Requerente e a situação de um hipotético OIC residente em Portugal, constituído e a operar em condições equivalentes ao Requerente, ao abrigo do regime decorrente da Diretiva 2009/65/CE, credor de juros de fonte portuguesa e acionista de sociedades residentes em Portugal, cumpre salientar que a discriminação sub judice não poderá ser justificada com fundamento numa razão imperiosa de interesse geral.
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Desde logo, uma justificação para a retenção na fonte sobre os juros e dividendos pagos a OIC não residentes tendo por base a necessidade de manutenção da coerência do sistema fiscal português não será admissível no presente caso.
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Inexistindo um nexo direto entre a vantagem fiscal consagrada no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF, e a compensação dessa vantagem pela liquidação de um determinado imposto sobre os OIC residentes, não poderá a discriminação sub judice ser justificada com a necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal português.
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Nem poderá ser invocada como justificação a necessidade de garantir a preservação da repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros.
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A partir do momento em que o Estado português optou por não tributar, em sede de IRC, os juros e os dividendos pagos a OIC residentes em Portugal, não poderá justificar a discriminação sub judice com fundamento na salvaguarda da repartição equilibrada do poder de tributação entre Estados-Membros.
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Nem poderá a discriminação decorrente do regime consagrado no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF ser justificada com referência à necessidade de evitar a diminuição de receitas fiscais.
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Por fim, nem poderá a discriminação em referência ser justificada através da necessidade de garantir a eficácia de controlos administrativos.
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O Estado português não pode justificar a discriminação em referência com a necessidade de garantir a eficácia de controlos administrativos na medida em que nem sequer concede aos OIC não residentes a possibilidade de comprovarem que cumprem, no seu Estado-Membro de residência, exigências equivalentes às previstas na legislação portuguesa.
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O Estado português não pode justificar a discriminação em referência com a necessidade de evitar a fraude e a evasão fiscal ou de garantir a eficácia de controlos administrativos na medida em que tal resultaria numa presunção inilidível, e como tal contrária ao princípio da proporcionalidade, do carácter artificioso das operações em causa e do incumprimento por parte do Requerente, no seu Estado de residência, de exigências equivalentes às previstas na legislação portuguesa.
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Em face de todo o exposto, inexistindo quaisquer argumentos que possam justificar o tratamento discriminatório decorrente da retenção na fonte que incidiu sobre os juros e os dividendos de fonte portuguesa auferidos pelo Requerente no período de 2019, conclui-se que os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b) e 5, 87.º, n.º 4 do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF, consubstanciam uma restrição discriminatória à livre circulação de capitais, contrária ao artigo 63.º do TFUE e, bem assim, ao artigo 8.º, n.º 4 da CRP.
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Tudo ponderado, as liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas enfermam de vício de violação de lei consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, na violação do princípio do primado do Direito da União Europeia ínsito no artigo 8.º, n.º 4 da CRP, o qual deverá, nos termos do artigo 163.º do CPA, determinar a respetiva anulação, com a consequente restituição do imposto indevidamente retido na fonte, no montante total de 93.835,62 €, ao abrigo do artigo 100.º da LGT.
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Padecendo os atos de retenção na fonte dos anos de 2019 objeto do pedido de revisão oficiosa n.º ...2023..., que antecedeu os presentes autos, do vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, na violação do princípio do primado do Direito da União Europeia ínsito nos artigos 4.º § 3 do TUE e 8.º, n.º 4, da CRP, como amplamente demonstrado, nenhuma dúvida restará que assiste ao Requerente, ao abrigo dos artigos 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, o direito ao ressarcimento do prejuízo resultante da indisponibilidade do montante pago, no valor de 93.835,62 €, sob pena de violação do princípio da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas previsto no artigo 22.º da CRP.
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Assim, tendo o Requerente efetuado o pagamento das liquidações de IRC em crise referentes aos anos de 2019 através do mecanismo da retenção na fonte, terá direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, na medida em que a revisão dos atos tributários em referência se efetue mais de um ano após o pedido do Requerente.
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Em face do exposto, o Requerente peticiona ao Tribunal Arbitral que:
i) declare a ilegalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte em referência, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, em conformidade com o artigo 163.º do CPA;
ii) Ao abrigo do artigo 100.º da LGT, ordene a restituição das importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRC, no montante total de 93.835,62 €;
iii) Com a anulação dos atos tributários em crise, determine o pagamento ao Requerente de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, na medida em que a revisão dos atos se efetuar mais de 1 (um) ano após o pedido do Requerente, a computar sobre o montante de 93.835,62 €, até efetivo e integral pagamento; e,
iv) Na medida da procedência dos pedidos anteriores, condene a Administração Tributária nas custas do processo arbitral, com as demais consequências legais.
II.2. Requerida
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O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país.
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Nos termos do disposto no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, com exceção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT.
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Constata-se que o Requerente, na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT.
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Situação esta que está fora da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
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Ainda para mais quando o Requerente não recorreu, em tempo, à reclamação graciosa prevista no referido artigo 132.º do CPPT, deixando, desse modo, precludir o prazo de 2 (dois) anos aí previsto.
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O procedimento administrativo de revisão oficiosa não pode substituir a reclamação graciosa prevista no artigo 132.º do CPPT, menos ainda quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 (dois) anos previsto no n.º 1 de tal artigo.
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Não tendo o pedido de anulação das retenções na fonte sido precedido, em prazo, de reclamação graciosa necessária, o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar sobre a (i)legalidade das mesmas, ainda que o Requerente tenha apresentado um pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 (quatro) anos.
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Tal situação impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2 da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.
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Ainda que assim não se entenda, sem concede, mantém-se a impossibilidade, por incompetência material, do Tribunal Arbitral para o conhecimento da (i)legalidade das retenções na fonte.
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Efetivamente, as retenções na fonte não foram efetuadas pela AT, que nunca se pronunciou sobre a (i)legalidade de tais retenções.
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Estando-se perante indeferimento tácito, sobre o qual a AT não tomou posição sobre a existência de erro imputável aos serviços, compulsado o pedido de revisão apresentado não se retira do mesmo que o Requerente tenha invocado erro de direito imputável à AT, ou que, tendo-o invocado, o comprove invocando, designadamente, que as retenções na fonte se deveram a orientações ou instruções da AT.
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O que se retira do pedido apresentado é que as retenções na fonte terão sido feitas conformes à lei e que o cumprimento desta importa, no entender do Requerente, uma restrição discriminatória ao princípio da livre circulação de capitais, contrária ao artigo 63.º do TFUE.
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Por outro lado, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova constantes do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos de direitos cabe a quem os invocar.
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Revogado que foi o artigo 78.º, n.º 2 da LGT, que estabelecia a presunção de que se considerava “imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”, e dispondo a lei nova para o futuro, o pedido de revisão oficiosa com fundamento em “erro imputável aos serviços”, incluído no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, passou a exigir, também no caso de autoliquidação, ao contribuinte a prova da imputabilidade aos serviços do erro que invoca.
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No que aos prazos respeita, no caso da revisão dos atos tributários ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, o pedido terá que ser apresentado no prazo da reclamação administrativa, sendo de 4 (quatro) anos quando a iniciativa cabe à AT, servindo apenas para os casos de erro imputável aos serviços.
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E quando, como é manifestamente o caso dos autos, não tenha havido erro imputável aos serviços na liquidação, preclude, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do ato de liquidação.
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A decisão proferida em sede de procedimento de revisão pode, ou não, comportar a apreciação da legalidade do ato de liquidação.
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No caso concreto, o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é um ato silente, na medida em que foi apenas por efeito da passagem do tempo que se ficcionou a existência de um indeferimento tácito, para efeitos de impugnação arbitral.
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Ora, tal indeferimento pode consubstanciar e, no caso teria obrigatoriamente que se reportar a um indeferimento por extemporaneidade.
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O Tribunal Arbitral deverá analisar dos pressupostos de aplicação do mecanismo da revisão oficiosa, uma vez que inexiste, não prova o Requerente, a existência de qualquer erro de direito, imputável à AT que justificasse a revisão da liquidação.
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Tendo em conta que o pedido de pronúncia arbitral não é interposto para a apreciação direta e nem indireta de uma liquidação adicional, mas apenas para a apreciação de um indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, é evidente que o Tribunal vai ter que decidir se o Requerente ainda estava em tempo de apresentar pedido de revisão, tendo em conta a existência de erro imputável aos serviços do AT.
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O Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o artigo 78.º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT.
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Verifica-se assim a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do Tribunal Arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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Sem prejuízo, sendo o Requerente um organismo de investimento coletivo e um sujeito passivo não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável, deverá o peticionado ser julgado improcedente.
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O direito internacional admite que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal.
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Importa referir que a situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável e que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas.
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Atendendo a que é o Estado de residência que dispõe de toda a informação necessária para aferir um correto enquadramento contributivo e da sua capacidade contributiva global, a situação de um residente é, com certeza, distinta da de um não residente.
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Deste modo, tem o TJUE entendido que o facto de determinado Estado-Membro não conceder a não residentes certos benefícios fiscais que concede a residentes, apenas pode ser discriminativo, na medida em que residentes e não residentes não se encontram numa situação comparável.
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Resulta da jurisprudência do TJUE que determinada norma ou prática pode ser discriminatória, entrando em conflito com o Direito comunitário, se não for objetivamente justificada.
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As alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português.
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Deste modo, e como se referiu, o Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme prevê o n.º 3 do artigo 22.º do EBF a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, conforme n.º 6 da mencionada norma legal.
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Contudo, paralela a esta opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC.
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Ou seja, optou-se por uma tributação na esfera do Imposto do Selo tendo sido aditada, à TGIS, a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos.
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Esta reforma na tributação veio apenas a incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.
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Por outro lado, está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
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Por isso, no presente caso, não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelo Requerente.
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E ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores.
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Ou seja, a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, não pode levar a concluir por uma menor carga fiscal dos OIC residentes, pois como se viu embora o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos, seja por tributação autónoma (IRC), seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimento constituídos e estabelecidos noutros Estados Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.
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Não sendo as situações comparáveis, parece difícil de aceitar o argumento do Requerente de que o artigo 22.º do EBF está em desconformidade e contrariaria o disposto no TFUE, nomeadamente quanto à liberdade de circulação de capitais, tendo em apreço a proibição geral de discriminação face a uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento do artigo 63.º do TFUE.
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Não compete à AT avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, não podendo aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação de compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.
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A AT não pode deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada.
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A AT, como qualquer órgão da Administração Pública, encontra-se estritamente vinculada ao cumprimento da lei, de acordo com o artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável subsidiariamente às relações jurídico-tributárias ex vi do artigo 2.º alínea c) da LGT.
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No entanto, para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos.
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Além do mais, o imposto retido ao Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera do Requerente, bem como na esfera dos investidores.
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O que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas a que não corresponde uma discriminação em substância.
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Acresce que, em face da matéria de facto e dos documentos juntos aos autos entende-se que o Requerente não fez prova da alegada discriminação proibida.
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Assim, pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC, que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, está em conformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE.
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A retenção na fonte efetuada sobre os dividendos pagos ao Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação, devendo ser mantida na ordem jurídica.
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Refira-se ainda que mesmo que o Tribunal Arbitral decida em sentido favorável ao Requerente, a AT entende que não haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, conforme tem sido a posição doutrinal uniforme e constante do STA.
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Saneamento
O Tribunal Arbitral é materialmente competente, encontra-se regularmente constituído, e o pedido é tempestivo, tudo nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2 e 10.º do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Contudo, a Requerida invocou exceções e outras questões prévias que cumprem conhecer e que podem obstar à apreciação do mérito da causa. Vejamos.
Sinteticamente, alega a Requerida que verifica-se exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do Tribunal Arbitral, por falta de reclamação graciosa e inaplicabilidade do pedido de revisão oficiosa, o que obsta ao conhecimento do pedido, determinando a absolvição da Requerida, conforme artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Em primeiro lugar, a competência dos tribunais arbitrais encontra-se limitada às matérias enunciadas no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, englobando a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, não estando excluída a apreciação da legalidade de atos de segundo ou de terceiro graus.
Sem prejuízo, a competência dos tribunais arbitrais é também limitada pelos termos em que Administração Tributária foi vinculada à jurisdição do CAAD pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, conforme artigo 4.º do RJAT.
Por força da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, excluem-se do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Ora, entende o presente Tribunal Arbitral que a referência expressa ao “recurso à via administrativa” deve ser interpretada, desde logo, como reportando-se apenas aos casos em que tal seja obrigatório, através de reclamação graciosa, nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Acresce que, contendo a alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma expressão abrangente, como “recurso à via administrativa”, não obstará a que, interpretando, se considere, também, a revisão do ato tributário, a que se equipara.
Permitindo a lei expressamente que os contribuintes apresentem reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa de atos de autoliquidação e retenção na fonte, e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo respetivo, não haverá qualquer razão para impedir o acesso à via arbitral quando tenha sido apresentado pedido de revisão oficiosa ao invés de reclamação graciosa.
Atente-se ao acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11-07-2019, acessível em www.dgsi.pt, o qual dispõe que “Tendo previamente ao pedido de pronúncia arbitral recorrido à via administrativa para corrigir a autoliquidação, por via da interposição de revisão do ato tributário, a questão não é inarbitrável podendo/devendo o Tribunal Arbitral dela conhecer. (…) a ratio do recurso à via administrativa tem subjacente a submissão ao crivo da Administração Tributária de todos os atos relativamente aos quais esta entidade não se pronunciou ou não foi chamada a intervir, pelo que não é exigível que tenha de ser apresentada uma reclamação graciosa nos termos contemplados no citado artigo 131.º do CPPT, servindo o propósito desse prévio filtro administrativo o pedido de revisão do ato tributário. Ademais, excluir a jurisdição arbitral apenas e só porque o meio utilizado não se compadeceu com a reclamação graciosa acarretaria uma violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, tal como se encontra consagrada no artigo 20.º da CRP. De relevar, neste particular, que tal admissibilidade vale tanto para o pedido de revisão oficiosa apresentado fora do prazo contemplado no citado normativo, a saber 2 anos a contar da data da entrega da Declaração, como para aqueles em que o pedido é realizado quando ainda era possível apresentar reclamação graciosa. De relevar, in fine, que a tal não obsta a circunstância de nos encontrarmos perante um indeferimento tácito.”
No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 244/2018, de 11-05-2018, acessível em www.tribunalconstitucional.pt, que decidiu “não julgar inconstitucional a norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD”.
Em matéria de apreciação da exceção invocada, refira-se ainda que o presente Tribunal Arbitral adere e concorda com a fundamentação constante nas decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.º 638/2023-T, 854/2023-T, 855/2023-T e 924/2023-T, que se evocam para os devidos efeitos.
Conclui-se assim que o artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, interpretado com base no RJAT e nos critérios previstos no artigo 9.º do Código Civil aplicáveis às normas tributárias, por força do artigo 11.º, n.º 1 da LGT, viabiliza pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos de retenção na fonte que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.
Em segundo lugar, evoca-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14-03-2012, acessível em www.dgsi.pt, segundo o qual “a revisão do acto tributário por «iniciativa da administração tributária» pode ser efectuada «a pedido do contribuinte», como resulta do artigo 78.º, n.º 7 da LGT e do artigo 86.º, n.º 4, alínea a) do CPPT, bem como dos princípios da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade - artigo 266.º, n.º 2 da CRP. E o «erro imputável aos serviços» constante do artigo 78.º, n.º 1, in fine, da LGT compreende o erro de direito e não apenas o lapso, erro material ou erro de facto”.
Destaca-se, também, o disposto no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-11-2022, acessível em www.dgsi.pt, de que “o indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em que não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa mas dentro dos limites temporais em que a Administração tributária pode rever o acto com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte”, que “a formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte” e que “assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias (…), o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é susceptível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária.”
Assume-se assim que os erros praticados no ato de retenção por elementos indicados pelo sujeito passivo, que atuou por imposição legal, sejam imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
Sendo que é o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que dita a competência deste Tribunal Arbitral para apreciar o mérito do pedido, comportando a apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte.
Como decorre da lei e jurisprudência constante, o indeferimento tácito, enquanto ficção de ato tributário, com caráter lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, é suscetível de impugnação judicial.
O legislador admite expressamente que o pedido de pronúncia arbitral seja apresentado após a formação da presunção de indeferimento tácito, conforme artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e artigo 102.º, n.º 1 do CPPT.
Tendo o Requerente impugnado o ato de liquidação, bem como a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa deduzido, afigura-se que os atos tributários são impugnáveis, nos termos legais, sendo o Tribunal Arbitral competente.
O ato ficcionado, quando ocorre indeferimento tácito de revisão oficiosa, é um ato que comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação reclamado. Ora, pretendendo o Requerente a apreciação arbitral da legalidade das liquidações em causa, o meio de tutela adequado é efetivamente a impugnação, de onde resulta a competência, em razão da matéria, deste Tribunal Arbitral.
É assim de concluir pela admissibilidade do pedido de revisão oficiosa das liquidações por retenção na fonte, dentro do prazo e com os fundamentos previstos no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, independentemente de tal pedido ter sido tacitamente indeferido, bem como pela admissibilidade da apreciação arbitral da pretensão do Requerente.
Com efeito, não se julga verificada a matéria de exceção invocada pela Requerida.
Não há assim qualquer obstáculo à apreciação da causa. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
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Matéria de facto
IV.1. Factos Provados
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O Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo constituído em 25-09-2006, a operar no Reino da Bélgica, sob supervisão da Autorité des Services et Marchés Financiers, contribuinte fiscal belga n.º ... e contribuinte fiscal português n.º ..., com sede em Rue..., ... Bruxelas, Bélgica.
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O Requerente é gerido pela entidade gestora B..., com sede em Rue..., ..., Bruxelas, Bélgica.
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O Requerente recebeu, em 2019, juros e dividendos, suportando em Portugal imposto por retenção na fonte em sede de IRC:
Tipo de rendimento
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Entidade
|
Código do valor mobiliário
|
Data do pagamento
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Valor bruto do rendimento (Modelo 30)
|
Valor do imposto retido (Modelo 30)
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N.º de guia de entrega do imposto retido
|
Data de pagamento da guia
|
Juros
|
D...
|
PT...
|
30-04-2019
|
4.434,40
|
1.108,60
|
|
20-05-2019
|
Juros
|
E...
|
PT...
|
15-04-2019
|
25.533,75
|
6.383,44
|
|
20-05-2019
|
Juros
|
E...
|
PT...
|
15-04-2019
|
9.840,00
|
2.460,00
|
|
20-05-2019
|
Dividendos
|
I...
|
PT...
|
09-05-2019
|
48.768,53
|
12.192,13
|
|
21-06-2019
|
Dividendos
|
F...
|
PT...
|
09-05-2019
|
53.598,90
|
13.399,73
|
|
21-06-2019
|
Juros
|
E...
|
PT...
|
14-06-2019
|
132.050,00
|
33.012,50
|
|
22-07-2019
|
Juros
|
G...
|
PT...
|
28-06-2019
|
5.750,00
|
1.437,50
|
|
22-07-2019
|
Dividendos
|
F...
|
PT...
|
10-09-2019
|
48.201,88
|
12.050,47
|
|
20-10-2019
|
Juros
|
E...
|
PT...
|
15-10-2019
|
42.665,00
|
10.666,25
|
|
20-11-2019
|
Juros
|
H...
|
PT...
|
09-12-2019
|
4.500,00
|
1.125,00
|
...
|
20-02-2020
|
Total
|
|
|
|
375.342,46 €
|
93.835,62 €
|
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Os rendimentos foram pagos ao Requerente, em 2019, pela sociedade C..., contribuinte fiscal português n.º ... .
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Em 09-05-2023, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa dos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2019.
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Não foi ainda emitida expressa decisão pela Requerida no âmbito do procedimento de revisão oficiosa n.º ...2023... .
IV.2. Factos Não Provados
Não se verificaram outros factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido considerados provados.
IV.3. Fundamentação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada, nos termos do artigo 123.º, n.º 2 do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência e conhecimento, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC e regras gerais do CC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra estabelecida na lei é que o princípio da livre apreciação não domina na apreciação das provas produzidas.
Em concreto, a convicção do Tribunal fundou-se na prova produzida nos autos, incluindo os documentos juntos pelas partes.
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Matéria de Direito
V.1. Objeto e âmbito do processo
Face às posições assumidas pelas partes, vertidas nos respetivos articulados, cabe ao Tribunal Arbitral apreciar e decidir sobre a ilegalidade (e anulação) dos atos tributários impugnados, atendendo à alegada tributação discriminatória de OIC não residente em sede de IRC, por retenção na fonte, nos termos do artigo 22.º do EBF, em eventual violação do TFUE e da livre circulação de capitais na União Europeia.
V.2. Apreciação do Tribunal Arbitral
Para efeitos de enquadramento jurídico e fiscal, apresentamos de seguida as disposições legais mais relevantes para a boa decisão da causa.
Nos termos da legislação nacional e, em particular, ao abrigo do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril, os organismos de investimento coletivo “são instituições, dotadas ou não de personalidade jurídica, que têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores de acordo com uma política de investimento previamente estabelecida”.
O referido Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril, transpõe para a ordem jurídica interna, nomeadamente, a Diretiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários, na sua redação atual.
Fiscalmente, nos termos do artigo 4.º, n.º 2 do CIRC, as pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos.
Conforme artigo 94.º, n.º 1, alínea c) do CIRC, o IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos rendimentos de aplicação de capitais obtidos em território português.
Este tipo de retenções na fonte tem carácter definitivo, ao abrigo do disposto no artigo 94.º, n.º 3, alínea b) do CIRC. Às retenções na fonte de IRC com carácter definitivo são aplicáveis as correspondentes taxas previstas no artigo 87.º do CIRC.
Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%, exceto relativamente a alguns rendimentos, nos termos do artigo 87.º, n.º 4 do CIRC.
Contudo, o artigo 22.º do EBF dispõe sobre os benefícios fiscais aplicáveis aos organismos de investimento coletivo.
Nos termos do artigo 22.º, n.º 1 do EBF, são tributados em IRC, nos termos previstos, os fundos de investimento mobiliário, os fundos de investimento imobiliário, as sociedades de investimento mobiliário e as sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no artigo 22.º, n.º 1 do EBF corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis.
Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1 do artigo 22.º do EBF.
Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, aplica-se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC, isentando-se de derrama municipal e derrama estadual.
Com maior relevo no âmbito do presente processo arbitral, e ao abrigo do artigo 22.º, n.º 10 do EBF, “não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos” pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1 daquela disposição legal.
De onde resulta um tratamento diferenciado entre os organismos de investimento coletivo residentes em território nacional e outros não residentes, o que convoca, naturalmente, ao nível da União Europeia, o regime jurídico decorrente dos Tratados e das demais fontes de Direito eurocomunitário que a conformam.
Em particular, o artigo 63.º do TFUE dispõe que “são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros” e que “são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, a que corresponde a consabida livre circulação de capitais e pagamentos.
O artigo 65.º do TFUE admite, todavia, o direito de os Estados-Membros “aplicarem as disposições pertinentes do seu direitos fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação” e “tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal”, sendo que essas medidas em procedimentos “não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais”.
Ao abrigo do artigo 8.º da CRP, as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português. Em concreto, o n.º 4 do artigo 8.º da CRP determina que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.”
Ora, o Requerente considera que o artigo 22.º do EBF é incompatível com o artigo 63.º do TFUE, devendo ser inaplicado.
Em sentido oposto, a AT defende que o regime do artigo 22.º, n.º 1 do EBF não é incompatível com o Direito da União Europeia.
Considerando a factualidade invocada pelas partes e dada como provada no âmbito do presente processo arbitral, bem como o enquadramento jurídico-fiscal aplicável a um organismo de investimento coletivo não residente em território nacional, mas residente noutro Estado-Membro da União Europeia, constituído e sujeito às mesmas condições legais decorrentes da Diretiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, caberá considerar o teor do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 17-03-2022, proferido no processo n.º C‑545/19, acessível em www.curia.europa.eu, de onde resulta o seguinte:
“Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar‑se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais”.
“Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1 do TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados”.
“No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção. (…)
Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º do TFUE”.
“Não obstante, segundo o artigo 65.º, n.º 1, alínea a) do TFUE, o disposto no artigo 63.º do TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. (…)
Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do TFUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por razão imperiosa de interesse geral”.
“a legislação nacional em causa (…) não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes”.
“no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.º do TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias”.
“Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes”.
“Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal”.
“A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode (…) ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa”.
“a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida”.
“Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:
O artigo 63.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”
Não colhe, por conseguinte, a argumentação veiculada pela Requerida no respetivo articulado, a qual é afastada pela jurisprudência do TJUE, conforme transcrito.
No mesmo sentido do TJUE, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-09-2023, proferido no processo n.º 93/19.7BALSB, acessível em www.dgsi.pt, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:
“O artigo 63.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a OIC residente estão isentos dessa retenção.”
“A interpretação do artigo 63.º do TFUE acabada de mencionar é incompatível com o artigo 22.º do EBF, (…) na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados-Membros da União Europeia.”
Aderindo plenamente à jurisprudência do TJUE e do STA acima transcrita, bem como à jurisprudência arbitral constante nesta temática, como, por exemplo, a que decorre do processo n.º 854/2023-T, e com a qual se concorda, há que considerar que procede o vício alegado pelo Requerente, por incompatibilidade do artigo 22.º EBF, com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, na parte em que limita os benefícios do regime a entidades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo outras entidades constituídas em Estados-Membros da União Europeia.
Com efeito, as retenções na fonte definitivas em IRC e o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa padecem de vício de violação de lei, atento o artigo 63.º do TFUE, bem como o artigo 4.º do TUE e o artigo 8.º, n.º 4 da CRP, o que fundamenta a anulação dos atos tributários impugnados, de acordo com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º da LGT, do artigo 2.º do CPPT e do artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.
Tendo o Requerente efetuado o pagamento das liquidações de IRC em crise referentes aos anos de 2019 através do mecanismo da retenção na fonte, entende que terá direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT, a computar sobre o montante de 93.835,62 €, na medida em que a revisão dos atos tributários em referência se efetue mais de 1 (um) ano após o respetivo pedido.
Ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve “erro imputável aos serviços” de onde tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
São também devidos juros indemnizatórios, “quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT, cuja disposição foi expressamente invocada pelo Requerente.
A Requerida entende que, inexistindo qualquer ilegalidade sobre os atos impugnados, não haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios. Ora, concluindo-se pela ilegalidade dos atos em causa, conforme acima explanado, a AT realça que a alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT determina que apenas são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração fiscal.
Entendemos que os deveres decorrentes do primado do Direito da União Europeia, incluindo a jurisprudência do TJUE, vinculam os tribunais nacionais, mas também todas as entidades da administração pública, sendo que a consequência da desconformidade entre o Direito da União Europeia e o Direito nacional é a desaplicação deste enquanto se mantiver a situação de desconformidade.
Conforme consta no acórdão do TJUE de 04-12-2018, proferido no processo n.º C-378/17, acessível em www.curia.europa.eu:
“Como diversas vezes afirmou o Tribunal de Justiça, a referida obrigação de não aplicar uma legislação nacional contrária ao direito da União incumbe não só aos órgãos jurisdicionais nacionais mas também a todos os órgãos do Estado, incluindo as autoridades administrativas, encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, o direito da União (…). Daqui resulta que o princípio do primado do direito da União impõe não só aos órgãos jurisdicionais mas a todas as instâncias do Estado-Membro que confiram plena eficácia às normas da União.”
Atente-se ainda ao disposto no acórdão do TJUE de 14-09-2017, proferido no processo n.º C‑628/15, acessível em www.curia.europa.eu:
“há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tanto as autoridades administrativas como os órgãos jurisdicionais nacionais encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, as disposições do direito da União têm a obrigação de garantir a plena eficácia dessas disposições e de não aplicar, se necessário pela sua própria autoridade, qualquer disposição nacional contrária, sem pedir nem aguardar pela eliminação prévia dessa disposição nacional por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional”.
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 07-05-2020, proferido no processo n.º 19/10.3BELRS, acessível em www.dgsi.pt:
“A Administração Tributária deve reconstituir a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivesse sido praticado o acto tributário anulado (artigo 100.º da LGT), o que inclui, necessariamente, quer a restituição da quantia indevidamente exigida ao contribuinte e por este paga, quer o pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos no artigo 43.º da LGT. No caso em presença, a ilegalidade determinante da procedência da impugnação, imputável a erro dos serviços, decorreu da violação de normas comunitárias que prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo, como se sabe, os Estados-Membros aplicar qualquer regra de direito interno que colida com as regras do direito da UE.”
Estando a Requerida obrigada a cumprir com o bloco de legalidade aplicável, incluindo o Direito da UE, a não observância do dever resultante do primado daquele consubstancia erro imputável aos serviços, para efeitos do artigo 43.º da LGT.
Como mencionado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-07-2006, proferido no processo n.º 402/06, acessível em www.dgsi.pt, “nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3 da LGT”.
Foi ainda uniformizada jurisprudência no acórdão do STA de 30-09-2020, proferido no processo n.º 040/19.6BALSB, acessível em www.dgsi.pt, concluindo que “só são devidos juros indemnizatórios decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa e até à data da emissão das respetivas notas de crédito”.
Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 09-05-2023, pelo que já decorreu o prazo de 1 (um) ano acima referido.
Face ao vício assacado aos atos tributários, haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT e 61.º do CPPT, calculados por referência às quantias que o Requerente suportou indevidamente, à taxa legal, conforme disposto no artigo 43.º, n.º 4 da LGT.
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Decisão
Face ao exposto, decide este Tribunal Arbitral:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
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Valor
Fixa-se o valor do processo em 93.835,62 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VIII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.754,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5 do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 28 de julho de 2024
A Árbitra Presidente
Fernanda Maçãs
O Árbitro Auxiliar
Dr. Marcolino Pisão Pedreiro
A Árbitra Auxiliar (Relatora)
Dra. Adelaide Moura
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