Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 349/2023-T
Data da decisão: 2024-07-22  IRC  
Valor do pedido: € 99.676,17
Tema: IRC – RETGS) - RFAI - Artigos 70º, 90º-2/c) e 6, do CIRC e 23º e 38º, do CFI -
Versão em PDF

 Sumário:

I O cálculo de benefícios fiscais (RFAI e SIFIDE)  a deduzir à coleta de IRC, em sede de tributação pelo RETGS, é  aferido em relação à coleta do grupo e não à de cada uma das sociedades que o integram ou integravam no momento da tributação II – O acórdão uniformizador de jurisprudência proferido pelo STA em 21-3-2024 (Proc nº 021/22.2.BALSB) não contraria a conclusão anterior. III – A cumulação de pedidos não é admissível no caso de diferentes competências funcionais dos Tribunais respetivos e deve ser pedida no processo instaurado em primeiro lugar. – IV – Não está prevista nem é admissível a formulação de pedido de custar de parte em processo arbitral.

Acordam em Tribunal Arbitral

 

I. Relatório

1. A..., SGPS, SA, titular do número único de pessoa coletiva ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Seixal sob o mesmo número, com sede na..., ..., ..., ...-... ..., com o capital social de Euro € 7.649.670,00 (sete milhões, seiscentos e quarenta e nove mil e seiscentos e setenta mil euros), tendo sido notificada da demonstração da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas de 2020 (“IRC”) n.º 2023..., de 16/03/2023, (conforme documento n.º 1 que se junta), da demonstração de acerto de contas de 2020 IRC n.º 2023..., de 20/03/2023, (conforme doc. n.º 2 que se junta) e da demonstração da liquidação de acerto de contas de juros de IRC 2020 n.º 2023..., de 20/03/2023, (conforme doc. n.º 3 que se junta), veio, segundo invoca, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 e 2 do artigo 95.º e da alínea a) do artigo 101.º da Lei Geral Tributária (LGT), do artigo 137.º, do CIRC e da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º e das alíneas a), c) e d) do artigo 99.º e da alínea a) do n.º 1 do art.º 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), impugnar, pela presente via arbitral, o ato tributário de liquidação adicional à liquidação de 2020 acima identificada, no valor total de Euro € 99.676,17 (noventa e nove mil seiscentos e setenta e seis euros e dezassete cêntimos), incluindo juros de €5.918,30.

 

2. A Requerente formula os seguintes pedidos:

  1. De cumulação do presente pedido com a impugnação de 2018 e 2019;
  2. De anulação da liquidação de Imposto de IRC em crise, supra identificada;
  3. De anulação da liquidação de juros, supra identificada e
  4. De custas de parte.

 

3. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, AT ou Requerida).

 

4. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT.

 

5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, al. a) e do artigo 11.º, n.º 1, al. a), ambos do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral necessariamente, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo devido.

 

6. Foram as partes notificadas dessa designação e, não tendo manifestado, no prazo respetivo, vontade de a recusar [cfr. artigo 11.º, n.º 1, al. b) e c) do RJAT], em conjugação com o disposto nos artigos 6 e 7 do Código Deontológico do CAAD) e ao abrigo da al. c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 25-7-2023.

 

7. Foi proferido então despacho a notificar a Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo e solicitar, querendo, a produção de prova adicional (cfr. artigo 17.º do RJAT).

 

8. A Requerida veio apresentar resposta, tempestiva, e remeteu o Processo Administrativo instrutor (PA) após o que o Tribunal Arbitral proferiu despacho, a dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, por não haver exceções ou outras questões a debater nesse âmbito, e conferindo às partes o prazo de 20 dias para a apresentação de alegações finais escritas.

 

9. Ulteriormente foram as partes instadas a apresentar alegações complementares ou se pronunciarem, considerando que o Tribunal foi confrontado com a publicação do acórdão uniformizador de jurisprudência de 21-3-2024, proferido pelo STA no Proc. n.º 021/22.2BALSB, eventualmente aplicável à situação objeto destes autos – Cfr. despacho de 19-5-2024.

 

9.A Ambas as partes apresentaram alegações sustentando ou mesmo quase reproduzindo o que haviam alegado nos articulados, tendo apenas a Requerente se pronunciado relativamente à aplicabilidade da doutrina do acórdão uniformizador de jurisprudência anteriormente referido, defendendo, em síntese, a inocuidade desse aresto para a decisão a proferir – Cfr. alegações apresentadas em 25-10-2023, 31-10-2023 e 22-5-2024.

 

9.B Os incidentes na tramitação do processo e razões de saúde do árbitro presidente, conduziram à necessidade, justificada, de prorrogação do prazo previsto no artigo 21.º, do RJAT – Cfr. despachos de 18-1-2024, 18-3-2024 e 19-5-2024.

 

 

A posição e os fundamentos da Requerente

 

10. Os fundamentos invocados pela Requerente são, essencialmente, os seguintes:

  1. A impugnante foi notificada pela Autoridade Tributária [doravante apenas AT] das liquidações adicionais referidas de 2018 e 2019, baseadas nos processos de inspeção suportados pelos ofícios OI2022... (2018), OI2022... (2019) e OI2022... (2020) dos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Setúbal, com os fundamentos constantes dos RITs (Relatórios de Inspeção Tributária).;
  2. As inspeções com o âmbito de IRC dos ano de 2018 e 2019 tiveram início a 27/7/2022, enquanto a de 2020 teve início a 16/12/2022.
  3. Os PRIT (Projectos de Relatórios de Inspeção Tributária) de 2018 e 2019 foram enviados a 27/9/2022., enquanto o PRIT do ano fiscal de 2020 só foi enviado a 20/1/2023.
  4. A impugante não utilizou o seu direito de audição prévia por ser num prazo demasiado curto e porque o é materialmente desconsiderado pela AT, limitando-se a um exercício de mera formalidade.
  5. O RIT (relatório final) de 2020 foi enviado a 23/02/2023, enquanto que os RITs de 2018 e 2019 foram enviados em conjunto no dia 15/3/2023, a 8 dias do fim de prazo de 3 meses para apresentar a impugnação do ano de 2019, como se explicará adiante.
  6. As liquidações de 2018 foram enviadas à impugnante com prazo de pagamento voluntário até 24/1/2023, pelo que o prazo de impugnação terminou a 24/4/2023.
  7. Relativamente ao ano fiscal de 2019 não existiu inicialmente valor a liquidar pela impugnante, mas antes reembolso, liquidado pela AT dia 23/12/2022, o que obrigou o contribuinte a impugnar até dia 23/3/2023, nos termos do art. 102.º/1 b) do CPPT, por se tratar de notificação de ato tributário que não deu origem a qualquer tributação.
  8. A par do RIT do ano de 2020 que só foi enviado a 23/02/2023, as liquidações deste ano de 2020 só foram enviadas dia 27/3/2023.
  9. A impugnante pagou as liquidações de 2018 e 2019 e impugnou ambas por serem ilegais e terem consequência manifestamente gravosa para o ano fiscal de 2020.
  10. Como foi rececionada a liquidação do ano de 2020 em 27/3/2023 com prazo de pagamento voluntário até 8/5/2023, esta não pôde ser impugnada com as anteriores.
  11. Em suma, quer seja por incompetência funcional por falta de recursos humanos, quer seja estratégia processual, os procedimentos foram absolutamente confusos.
  12. Resumem-se no quadro seguinte todo o os atos do procedimento de inspeção, especificando datas, montantes e tipo de imposto, prazos e meios de defesa:
       

 

LIQUIDAÇÕES

DEFESA

 

 

ANO

Inspeção

PRIT

AP

RIT

IRC

Prazo

Juros

Prazo

MEIO

PRAZO

 

 

2018

27/07/2022

27/09.22

Não houve

15/03.23

386,47

24/01.23

 

24/01.23

IMP

24/04.23

 

 

 

 

70,38

 

 

2019

28/07/2022

27/09.22

Não houve

15/03.23

84,79

12/04.23

 

12/07/2023

IMP

12/07.23

 

 
   

2020

17/12/2022

20/01.23

Não houve

23/02.23

93.757,87

08/05/2023

5918,3

08/05/2023

IMP

08/08/2023

   
   

 

I – DA PRETERIÇÃO DE OUTRAS FORMALIDADES LEGAIS

  1. Precisamente na data preparada para o envio da impugnação cumulativa de 2018 e 2019, dia 15/3/2023, a 8 dias do fim de prazo de 3 meses para apresentar a impugnação de 2019 (pois o fim do prazo de 3 meses da primeira liquidação de 2019 foi a 23/12/2022), o sujeito passivo foi notificado do Relatório de Inspeção (RIT) dos anos de 2018 e 2019, o que constitui uma nulidade insanável nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 98 do Código de Procedimento e de Processo Tributário [doravante apenas CPPT].
  2. Nos termos do disposto no art.º 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária [doravante apenas RCPIT], para conclusão do procedimento de comprovação e verificação é elaborado um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detetados e sua qualificação jurídico-tributária. 
  3. No prazo de 10 dias após a notificação da nota de diligência, o relatório referido no número anterior deve ser notificado ao contribuinte por carta registada, ou por transmissão eletrónica de dados, através do serviço público de notificações associado à morada digital única, da caixa postal eletrónica ou na respetiva área reservada do Portal das Finanças, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação do relatório.
  4. A falta de envio do RIT de 2018 e 2019 é uma nulidade insanável.
  5. De facto, são nulidades insanáveis em processo judicial tributário a falta de informações oficiais referentes a questões de conhecimento oficioso no processo;
  6. Estas nulidades podem ser oficiosamente conhecidas ou deduzidas a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final.
  7. As nulidades dos atos têm por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, devendo sempre aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos.
  8. Quanto à questão das nulidades insanáveis (artigo 98.° do C.P.P.T.), os elementos constantes dos alegados "Relatórios de Inspeção" têm, dentro do processo de Impugnação judicial, a natureza de prova e, por virtude do princípio do contraditório, para serem considerados como prova bastante no caso sub judice, tinham de ser integralmente notificados à impugnante, o que não aconteceu tempestivamente, na mais completa violação dos artigos 98° da Lei Geral Tributária e 13° e 20° da Constituição da República Portuguesa, dando origem ao incumprimento da Lei do nosso país em matéria tributária, nos termos do artigo 103° da Constituição da República Portuguesa.
  9. A junção do(s) RITs 2018 e 2019 após as liquidações e a 8 dias do fim do prazo de impugnação de 2019, condiciona a impugnante no limite temporal ao seu livre exercício de defesa, em particular sobre a decisão a tomar para impugnar a eventual futura liquidação do ano de 2020.
  10. Apesar da junção tardia dos RITS 2018 e 2019 não ser equivalente à sua não junção, em termos práticos, atendendo às conclusões da inspeção, condiciona o contribuinte de forma mais gravosa, gerando incerteza e insegurança.
  11. De facto, o contribuinte sofre inspeções tributárias aos anos fiscais de 2018, 2019 e 2020 (a qual se sustentam na análise aos anos de 2016 e 2017), e recebe os PRITS dos anos de 2018 e 2019 e posteriormente as respetivas liquidações, sem existirem RITs
  12. E quanto a 2020, recebe o PRIT e o RIT mas não recebe as liquidações que derivam justamente dos anos fiscais de 2018 e 2019.
  13. Sendo o ano fiscal de 2020 o único que verdadeiramente tem relevância fiscal tributária para a impugnante, pois propõe liquidar adicionalmente o montante de €93.757,87, como pode o contribuinte analisar e decidir impugnar, se a fundamentação se baseia em erros de dedução de beneficios fiscais de 2018 e 2019, cujos RITs das inspeções não são enviados tempestivamente?

 

DA AUSÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO LEGALMENTE EXIGIDA

  1. Condicionados pela falta de envio atempado dos RITs dos anos de 2018 e 2019, mas perante a existência prévia de liquidações, desde logo inexiste a fundamentação destas, porquanto é no RIT que se expressa a decisão final que fundamentam as posteriores liquidações adicionais.
  2. Pelo que a receção das liquidações de 2018 e 2019 foi feita com ausência de fundamentação, pois que estas influenciam a decisão do contribuinte para o seu meio de defesa a apresentar ao ano fiscal de 2020.

 

DO VÍCIO DA FUNDAMENTAÇÃO LEGALMENTE EXIGIDA

CADUCIDADE DOS ANOS FISCAIS DE 2016 E 2017.

  1. Referem os PRITs e os RITs dos anos de 2018, 2019 e 2020 nos seus pontos III.1. Enquadramento legal e descrição da atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, o seguinte:

“A sociedade A..., SGPS, SA, adiante designada abreviadamente por A..., foi constituída em março de 1995, tendo por objeto, de acordo com o respetivo contrato de sociedade, a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”.

A atividade da A... está abrangida, desde 2016/12/01, pelo código “70100 – Atividades das sedes sociais” da classificação portuguesa das atividades económicas (CAE).

Em termos fiscais a A... está enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável em sede de IRC e no regime normal de periodicidade trimestral em sede de Imposto sobre o Valor

Acrescentado (IVA). O início da atividade, para efeitos de IVA, reporta a fevereiro de 1995.

Nos períodos temporais abrangidos pelo procedimento de inspeção, a A... era a sociedade dominante, com tributação nos termos do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º a 71.º do CIRC1, de um grupo composto por mais quatro sociedades:

 C... SA, NIF... .

D... SA, NIF ... .

E... LDA, NIF... .

F..., UNIPESSOAL, LDA, NIF... .”

  1. Refere o RIT de 2020 no seu ponto IV. Descrição da análise efetuada:

 

 

  1. Adiante refere o RIT no seu ponto V. “descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades”, o seguinte:

 

 

 

...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. Ou seja, o PRIT e os RIT retiram as suas conclusões relativas aos anos fiscais de 2018, 2019 e 2020 com base na análise aos resultados dos anos fiscais de 2016 e 2017 os quais, salvo melhor opinião, já não podiam ser considerados como fundamentação dos anos seguintes, por estar já caducado o direito à liquidação destes anos.
  2. De facto, tendo a inspeção como objeto os anos fiscais de 2018, 2019 e 2020, só concluiu sobre a utilizaçao dos beneficios fiscais dos anos de 2018, 2019 e 2020 com base nas declarações dos anos fiscais de 2016 e 2017.
  3. Pelo que se requer que se constate o vício da fundamentação legalmente exigida por caducidade dos anos fiscais de 2016 e 2017.

DA ERRÓNEA QUALIFICAÇÃO E QUANTIFICAÇÃO DOS RENDIMENTOS, LUCROS, VALORES PATRIMONIAIS, E OUTROS FACTOS TRIBUTÁRIOS

  1. Sem conceder nos vícios já identificados, o mais grave vício das conclusões dos PRITs e RITs é mesmo a errónea qualificação dos rendimentos que, como se demonstrará, incorrem em erro grosseiro de análise.
  2. O erro é, em suma, fazer o cálculo dos beneficios fiscais à sociedade dominante com base na coleta total do grupo para chegar a 50% desse montante, esquecendo-se que o resultado tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.
  3. Tratando-se de um erro base nos pressupostos de facto e de direito atribuíveis apenas à Inspeção Tributária e repetidamente sancionados pela chefe de divisão.
  4. Para explicação do erro seguimos aqui o raciocínio dedutivo da inspeção para explicar onde é evidente o lapso.
  5. Consideramos provado por acordo a seguinte matéria de facto referida na inspeção:
  6. Que a A... foi constituída em março de 1995 e tem por objeto a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas e está abrangida, desde 2016/12/01, pelo CAE 70100.
  7. Que em termos fiscais está enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável em sede de IRC e no regime normal de periodicidade trimestral em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). O início da atividade, para efeitos de IVA, reporta a fevereiro de 1995.
  8. Que nos períodos temporais da inspeção a A..., com tributação nos termos do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), dominava um grupo composto por mais quatro sociedades:  C... SA, NIF ...; D... SA, NIF...; E... LDA, NIF ... e F..., UNIPESSOAL, LDA, NIF..., em todas detendo 100% de participação e direitos de voto.
  9. Que estando perante uma sociedade sujeita à aplicação do RETGS, determina o n.º 1 do artigo 70.º do CIRC, que o resultado tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.
  10. Que da análise às declarações de rendimentos do grupo, verifica-se que nos anos de 2016 a 2020, inclusive, a A... deduziu à coleta os seguintes benefícios fiscais, pertencentes à sociedade dominada C... SA:

 

  1. Por último, consideramos não provado, por ser falso, que “(...) o montante dos benefícios fiscais deduzidos pela A... em 2020, € 115.525,24, deverá ser expurgado da totalidade do benefício RFAI indevidamente deduzido (€ 8.958,68), por corresponder a um benefício esgotado em 2017, e da parte do benefício SIFIDE indevidamente deduzido, por já ter sido deduzido ou perdido, a título definitivo, em resultado das correções efetuadas no procedimento de inspeção que incidiu sobre os anos de 2018 e 2019.

Em termos de SIFIDE a correção proposta é a seguinte:”

 

 

 

  1. Consideramos igualmente não provado, por ser falso, que em 2016 e 2017, a dedução do benefício RFAI foi inferior ao possível, correspondente a 50% da coleta do grupo.
  2. A falta de prova dos números antecedentes decorre de, sendo a A...a sociedade dominante, deduziu na totalidade os benefícios fiscais “deduzidos” pelas suas sociedades dominadas e que, no caso foi apenas a sociedade C... SA, como aliás demonstra a inspeção.
  3.  Ou seja, a inspeção parte da coleta total do grupo para chegar a 50% desse montante, esquecendo-se que o resultado tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.
  4. Se a sociedade dominada C... SA, única participada que deduziu benefícios fiscais, deduziu o montante máximo que tinha a deduzir, ou seja 50% da sua coleta, a sua sociedade dominante e ora impugnante não podia deduzir mais e cumpriu assim, na íntegra, a dedução a que está obrigada até ao máximo de 50% da coleta do grupo.
  5. Sem prejuízo do exposto em sede de inspeção, juntam-se os modelos 22 com os respetivos anexos D relativos aos benefícios fiscais de 2016 a 2020, declarados pela sociedade participada C... SA, conforme documentos 4 a 8.
  6. Para que duvidas não subsistam, e se apresente cabal e total esclarecimento, junta-se, como documento 9, um quadro resumo da única sociedade participada da impugnante que deduziu benefícios fiscais (a sociedade C...), onde se demonstra as deduções feitas por esta sociedade desde 2016 e que estão no limite do que lhe é possível deduzir.
  7. A seguir como boas as conclusões da inspeção, teríamos a sociedade dominada C... a deduzir o valor máximo que esta sociedade pode deduzir e, simultaneamente, a sociedade dominante, ora impugnante, a deduzir um valor ainda maior, desde que equivalente com 50% da coleta de todo o grupo, sem qualquer conciliação contabilística, fiscal e financeira com a realidade que se observa nas sociedades participadas.
  8. Trata-se  de um erro grosseiro, apenas imputável aos serviços de inspeção, que se junta aos anteriores erros grosseiros em sede de procedimento inspetivo.

 

Resposta da AT

 

  1. Na Resposta veio a Requerida alegar, no essencial:
    1. A Requerente foi notificada das liquidações adicionais de 2018, 2019 (sindicadas neste centro de arbitragem no processo n.º 300/2023 – T CAAD, que ainda corre termos) e 2020 que resultaram de processos de inspeção efetuadas ao abrigo das ordens de serviço OI2022... (2018) e OI2022... (2019) e OI2022... (2020) dos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da DF de Setúbal;
    2. As inspeções com o âmbito do IRC dos anos de 2018 e 2019 tiveram início a 27.07.2022, enquanto a de 2020 teve início a 16.12.2022.
    3. Os Projetos de Relatórios de Inspeção Tributária (PRIT) foram enviados a 27.09.2022, enquanto o de 2020 foi enviado a 20.01.2023, não tendo sido exercido o direito de audição.
    4. O RIT de 2020 foi enviado a 23.02.2023, enquanto os de 2018 e 2019 foram enviados em conjunto no dia 15.03.2023, a 8 dias do fim do prazo de 3 meses para apresentar a impugnação referente ao ano de 2019.
    5. As liquidações do período de tributação de 2018 foram enviadas à Requerente com prazo para pagamento voluntário até 24.01.2023, pelo que o prazo de impugnação termina a 24.04.2023.
    6.  Relativamente ao período de tributação de 2019, não existiu inicialmente um valor a liquidar pela Requerente, mas antes a receber por reembolso, o qual foi liquidado pela AT no dia 23.12.2022, pelo que o prazo para impugnação acabava em 23.03.2023, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na medida em que não deu origem a qualquer tributação.
    7.  A liquidação do período de tributação de 2020 foi enviada à Requerente em 27.03.2023.
    8.  Conforme ante aludido, a Requerente impugnou as liquidações referentes a 2018 e 2019 que correm termos neste centro de arbitragem com o n.º de processo 300/2023 – T CAAD, cuja contestação da AT ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
    9.  O princípio do ónus da prova consubstancia-se no princípio de que quem alega um determinado facto constitutivo de um direito, tem a necessidade de prová-lo. (cf. art.º 342.º do Código Civil – CC e n.º 1 do art.º 74.º da LGT).
    10. O procedimento interno de inspeção que deu origem à liquidação contestada neste ppa, foi efetuado ao abrigo da ordem de serviço OI2022... e teve em vista a promoção de correções ao montante dos benefícios fiscais deduzidos pela A... na declaração de rendimentos do Grupo, do qual é sociedade dominante, referente ao período de tributação de 2020, cuja fundamentação, quer em matéria de facto quer em matéria de direito, constante do RIT elaborado pelos SIT lhe foi devidamente notificada em 23.02.2023.
    11. A liquidação aqui em dissídio tem origem nos procedimentos de inspeção externa (OI2021... e OI2021...) e interna (OI2022..., OI2022... e OI2022...) da DF de Setúbal.
    12. Os procedimentos inspetivos externos realizados ao abrigo das ordens de serviço externas n.º OI2021... (2018) OI2021... (2019) à sociedade à A..., enquanto sociedade dominada, teve em vista a análise da situação fiscal a nível individual, relativamente aos anos de 2018 e 2019, em resultado dos quais, se concluiu existirem fundamentos para a realização de correções em sede de IVA e IRC, que foram, voluntariamente, regularizadas pela Requerente.
    13. Os procedimentos inspetivos internos, atendendo que o sujeito passivo era a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas nos termos do RETGS, e ao facto de a Requerente não ter regularizado em sede de grupo as correções regularizadas voluntariamente a nível individual, os SIT da Requerida procederam à transposição das correções efetuadas à A... [1], a nível individual, para a declaração de rendimentos do grupo, uma vez que, de acordo com o n.º 1 do art.º 70.º do CIRC, “o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo”,..
    14. ... pelo que a regularização das situações detetadas em sede de IRC exige que a declaração de rendimentos do grupo seja também corrigida, em conformidade com as correções efetuadas nas declarações de rendimentos, individuais, da Requerente.
    15. Ademais, e tal como consta do RIT de 2020, é relevante relembrar que a DF de Setúbal tendo analisado as declarações de rendimentos do grupo dos anos de 2016 a 2020, constatou que a A... deduziu à coleta benefícios fiscais, pertencentes à sociedade dominada C..., S.A., que, todavia, não esgotaram a totalidade do montante da coleta disponível, a nível do grupo, como decorre do n.º 6 do art.º 90.º do CIRC.
    16. Com efeito, em 2016 e 2017, a dedução de RFAI foi inferior ao possível, correspondente a 50% da coleta do grupo, sendo que, em 2018, 2019 e 2020 a dedução dos benefícios fiscais (RFAI e SIFIDE) foi sempre inferior à coleta total do grupo, razão pela qual tais deduções não estão em conformidade com as disposições legais aplicáveis, constantes nos art.ºs 90.º do CIRC e 23.º e 38.º do Código Fiscal do Investimento (CFI).
    17. Efetuadas as correções aos montantes de benefícios fiscais a deduzir, concluiu-se, e bem, que [2], a dedução do benefício RFAI seria concluída em 2017,
    18. Ou seja, verificar-se-ia o esgotamento da dotação total nesse período, o que significa que nos anos 2018 e 2019, os abrangidos pelo procedimento de inspeção atrás mencionado, ocorreria apenas a dedução do SIFIDE.
    19. Destarte, não tendo efeituado a dedução dos benefícios fiscais RFAI e SIFIDE, de acordo, respetivamente, com a alínea b) do n.º 2 e n.º 3 do art.º 23.º, e n.ºs 1 e 4 do art.º 38.º, todos do CFI, a Requerente perdeu, a título definitivo, os montantes não deduzidos até à concorrência do limite da coleta aplicável.
    20. Ora, o apuramento dos montantes de benefícios fiscais perdidos pela A... em 2016, 2017, 2018 e 2019, em todos os casos por não dedução dos benefícios quando para tal existia coleta disponível, conjugado com as correções nos montantes deduzidos em 2018 e 2019 em resultado do procedimento de inspeção que incidiu sobre estes períodos, teve repercussões em 2020, ano em que, na declaração de rendimentos submetida pela A... foram deduzidos indevidamente montantes de RFAI gerado em 2016 e parte do SIFIDE atribuído em 2018 e 2019.
    21. Repise-se que, relativamente às extensas alegações produzidas pela Requerente nos presentes autos mas relativas às liquidações adicionais de IRC referentes dos períodos de tributação de 2018 e 2019 (processo 300/2023 – T CAAD), todas elas foram devidamente analisadas pela AT no âmbito daquele ppa.
    22. Não corresponde à verdade a alegação da Requerente de que o RIT referente a 2019 foi enviado no dia 15.03.2023, a 8 dias do fim do prazo de 3 meses para apresentar a impugnação referente à liquidação adicional de IRC de 2019...
    23. ... porquanto, a liquidação de IRC de 2019 que teve origem no procedimento inspetivo credenciado pela ordem de serviço n.º OI2022... (Liquidação n.º 2023..., emitida em 20.02.2023, objeto do ppa n.º 300/2023 – T CAAD, deu origem à respetiva demonstração de acerto de contas nº 2023...) da qual resultou imposto a pagar no montante de €84,79, com data-limite de pagamento de 2023-04-12, e não reembolso como vem referindo a Requerente.
    24. Com referência à liquidação de IRC ora controvertida (2020) e conforme fundamentação ínsita no RIT de 2020, ao montante de 115.525,24 € dos benefícios fiscais deduzidos pela A... em 2020, deverá ser expurgado o benefício RFAI indevidamente deduzido (8.958,68 €), por corresponder a um benefício esgotado em 2017, e parte do benefício SIFIDE indevidamente deduzido, por já ter sido deduzido ou perdido, a título definitivo, em resultado das correções efetuadas no procedimento de inspeção que incidiu sobre os anos de 2018 e 2019, no montante de 84.799,19 €.
    25. Pelo que, seguidamente, e conforme exposto no RIT de 2020, voltamos, insistindo e repristinando, a apresentar, em resumo, os principais fundamentos subjacentes às correcções promovidas em 2018 e 2019, cujo impacto se fez refletir em 2020.
    26. Relativamente ao alegado pela Requerente quanto refere que a desconsideração em 2018 e 2019 do benefício fiscal RFAI, dedutível à colecta, sustentado na perda deste benefício em 2016 e 2017 por esgotamento da dotação total em 2017, enfermar de vício de fundamentação legalmente exigida por caducidade dos anos fiscais de 2016 e 2017, importa referir que, tendo a dedução do benefício fiscal RFAI em 2016 e 2017, sido inferior ao possível, correspondente a 50% da colecta do grupo, a A... perdeu, a título definitivo, os montantes não deduzidos naqueles exercícios, o que significa, como se disse atrás, que a dedução deste benefício se tivesse ocorrido como determina a alínea b) do n.º 2 do art.º 23.º do CFI seria concluída em 2017.
    27. Com efeito, de acordo com o n.º 1, alínea b) do n.º 2 e n.º 3 do art.º 23.º do CFI (aplicável ao RFAI), quando a dedução do benefício fiscal não possa ser efetuada integralmente por insuficiência de coleta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo nas liquidações dos 10 períodos de tributação seguintes até à concorrência de 50 % da coleta do IRC apurada em cada período de tributação e nas liquidações dos 8 períodos seguintes, nos termos do n.º 4 do art.º 38.º (aplicável ao SIFIDE).
    28. Do exposto podemos concluir, e de outra forma não seria possível, que a dedução em períodos de tributação seguintes dos montantes não deduzidos num determinado período, só é possível em casos de insuficiência de coleta,
    29. Assim, no caso sub juditio, existindo coleta disponível para a dedução dos referidos benefícios fiscais, ela deveria ter sido utilizada na totalidade.
    30. Não tendo assim sucedido, verificou-se a perda, a título definitivo, dos montantes passíveis de dedução, que não foram utilizados, não transitando qualquer RFAI para dedução nos períodos de tributação seguintes (2018 e 2019).
    31. O que vale por dizer que, em 2018, a Requerente apenas tinha para deduzir o benefício fiscal SIFIDE, o qual poderia ser deduzido até à concorrência da coleta, de acordo com o n.º 1 do art.º 38.º do CFI.
    32. Importa assinalar que o n.º 3 do art.º 45.º da LGT determina que, caso tenha sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito, ou seja, o prazo de caducidade da dedução é o previsto na lei que permitir o respetivo crédito, neste caso, a lei que tiver criado o benefício fiscal, o CFI.
    33. Pelo que, havendo coleta, o prazo de caducidade do RFAI era o do exercício daquele direito, ou seja 2016 e 2017, pelo que o RFAI deduzido pela Requerente em 2018 e 2019 era indevido, não havendo qualquer vício da fundamentação legalmente exigida por caducidade dos anos fiscais de 2016 e 2017.
    34. Em relação ao alegado erro de cálculo da dedução dos benefícios fiscais na declaração de rendimentos do Grupo, a questão que se impõe elucidar é se o valor dos benefícios fiscais a deduzir à coleta de IRC, na declaração de rendimentos do Grupo, é aferido em relação à coleta do grupo ou se é o relativo a cada uma das sociedades individuais aferido de forma individual por cada uma das sociedades.
    35. Não consta no CFI, quer no que diz respeito ao RFAI quer no diz respeito ao SIFIDE, uma norma a regular esta dedução no âmbito do RETGS, sendo que, apesar de ser um benefício concedido individualmente, a sua dedução no âmbito do grupo, deverá atender aos pressupostos existentes à data em que nasce o direito ao benefício fiscal (RFAI e SIFIDE), benefício este que opera por dedução à coleta.
    36. Ora, a A... deduziu à colecta os benefícios fiscais pertencentes à sociedade dominada C..., S.A., a qual integrou o perímetro do grupo sujeito ao RETGS a 01.01.2007, pelo que, nos períodos de tributação de 2018 e 2019, já há muito fazia parte do grupo.
    37. Nestas situações, em que o direito ao benefício nasce quando a empresa já estava integrada num grupo sujeito ao RETGS, a dedução é efetuada à coleta do grupo e até ao limite da mesma.
    38. Efectivamente, no RETGS, não obstante o lucro tributável do grupo ser calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, corrigido, sendo caso disso, do efeito da aplicação da opção prevista no n.º 5 do art.º 67.º, à dedução de benefícios fiscais apurados pela sociedade promotora do RFAI e SIFIDE (neste caso, a sociedade. C..., S.A.), no âmbito do grupo, deverá aplicar-se a regra geral prevista no n.º 6 do art.º 90.º do CIRC, segundo a qual, "quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1."
    39. No mesmo sentido já se pronunciou a AT na Ficha Doutrinária 1203/2020, PIV n.º 17265, com despacho de 24.03.2019, da Subdirectora-Geral do IR, que refere basicamente que, apesar de ser um benefício concedido individualmente (naquele caso, tratava-se do benefício fiscal SIFIDE), a sua dedução no âmbito do grupo, deverá atender aos pressupostos existentes à data em que nasce o direito ao benefício, o qual opera por dedução à coleta.
    40. “Assim: • Se o direito ao benefício SIFIDE II nascer antes da entrada da sociedade para um grupo sujeito ao RETGS, a dedução à coleta do grupo tem, como limite máximo, a coleta individual que essa sociedade apuraria se não tivesse sido integrada no grupo, pelo que não pode ser aproveitado o benefício para além da coleta apurada pela empresa promotora do investimento;• Já se o direito ao benefício SIFIDE II nascer quando a empresa promotora do investimento estiver integrada num grupo sujeito ao RETGS, aplica-se a regra geral prevista no nº 6 do art. 90º do CIRC, segundo a qual, "Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no nº 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do nº 1." Nestas situações, o benefício é dedutível à coleta do grupo e até ao limite da mesma.”
    41. No caso, estamos perante uma sociedade com direito a deduzir benefícios fiscais que faz parte de um grupo tributado pelo RETGS, pelo que as deduções de RFAI e SIFIDE relativas à sociedade C..., S.A. são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1, até à concorrência de 50% da coleta (RFAI) e até ao limite da mesma (SIFIDE).
    42. Face ao predito, não subsistem dúvidas, que as liquidações não padecem de qualquer vicio, devendo, por conseguinte, manter-se incólumes na ordem jurídica.

 

II – Saneamento

 

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, a) e 5 do RJAT).
  2. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT.
  3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de março, na redação da Portaria n.º 287/2019, de 3 de setembro).
  4. O processo não enferma de nulidades que o invalidem.
  5. Cumpre, pois, apreciar e decidir.

 

III – Fundamentação

 

Matéria de facto

 

§1. Factos provados

  1. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
    1. A Requerente foi constituída em março de 1995 e tem por objeto a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta de exercício de atividade económica, estando abrangida pelo CAE 70100 ...
    2. ...encontra-se enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de determinação do lucro tributável ...
    3. ...ao tempo da inspeção tributária a que aludem os autos, estava sujeita ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) e...
    4. ... dominava um grupo composto por mais quatro sociedades: C... SA, NIF...; D... SA, NIF...; E... LDA, NIF ... e F..., UNIPESSOAL, LDA, NIF..., em todas detendo 100% de participação e direitos de voto (acordo das partes);
    5. Da análise às declarações de rendimentos do grupo, verifica-se que nos anos de 2016 a 2020, inclusive, a Requerente deduziu à coleta os seguintes benefícios fiscais, pertencentes à sociedade dominada C... SA:

 

  1. A impugnante foi notificada pela Autoridade Tributária [doravante apenas AT] das liquidações adicionais referidas de 2018 e 2019, baseadas nos processos de inspeção suportados pelos ofícios OI2022... (2018), OI2022... (2019) e OI2022... (2020) dos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Setúbal, com os fundamentos constantes dos respetivos RITs (Relatórios de Inspeção Tributária) – Cfr. PA, junto pela AT.
  2. A inspeção com o âmbito de IRC do ano de 2020 teve início a 16/12/2022;
  3. Os PRIT (Projectos de Relatórios de Inspeção Tributária) de 2018 e 2019 foram enviados a 27/9/2022, enquanto o PRIT do ano fiscal de 2020 foi enviado a 20/1/2023;
  4. O RIT (relatório final) de 2020 foi enviado a 23/02/2023;
  5. O RIT do ano de 2020 que foi enviado à Requerente em 23/02/2023 e...
  6. ...a consequente liquidação adicional (ora objeto de impugnação) foi enviada à Requerente em 27-3-2023 (cfr. doc. junto com o pedido);
  7. A requerente apresentou no CAAD, anteriormente à apresentação do ora formulado nestes autos, pedido de pronúncia arbitral...
  8. ... tendo por objeto sindicar a legalidade das liquidações adicionais de IRC relativas aos anos de 2018 e 2019...
  9.  ... e cujo processo, que teve n.º 300/2023-T, foi objeto de decisão, transitada em julgado, proferida em 11-12-2023, em que se determinou a anulação dos atos de liquidação de IRC respeitantes aos períodos de 2018 e 2019, por erro nos pressupostos de facto e de direito (cfr. site do CAAD, www.org.caad.pt e acordo das partes quanto a essa matéria);
  10. No quadro seguinte sintetizam-se os atos do procedimento de inspeção (anos de 2018, 2019 e 2020), especificando datas, montantes e tipo de imposto, prazos e meios de defesa:

 

       

 

LIQUIDAÇÕES

DEFESA

 

 

ANO

Inspeção

PRIT

AP

RIT

IRC

Prazo

Juros

Prazo

MEIO

PRAZO

 

 

2018

27/07/2022

27/09.22

Não houve

15/03.23

386,47

24/01.23

 

24/01.23

IMP

24/04.23

 

 

 

 

70,38

 

 

2019

28/07/2022

27/09.22

Não houve

15/03.23

84,79

12/04.23

 

12/07/2023

IMP

12/07.23

 

 
   

2020

17/12/2022

20/01.23

Não houve

23/02.23

93.757,87

08/05/2023

5918,3

08/05/2023

IMP

08/08/2023

   
   

 

  1. Consta dos PRITs e dos RITs dos anos de 2018, 2019 e 2020 (pontos III.1 e IV):

 

“A sociedade A..., SGPS, SA, adiante designada abreviadamente por A..., foi constituída em março de 1995, tendo por objeto, de acordo com o respetivo contrato de sociedade, a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”.

A atividade da A...  está abrangida, desde 2016/12/01, pelo código “70100 – Atividades das sedes sociais” da classificação portuguesa das atividades económicas (CAE).

Em termos fiscais a A... está enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável em sede de IRC e no regime normal de periodicidade trimestral em sede de Imposto sobre o Valor

Acrescentado (IVA). O início da atividade, para efeitos de IVA, reporta a fevereiro de 1995.

Nos períodos temporais abrangidos pelo procedimento de inspeção, a A... era a sociedade dominante, com tributação nos termos do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º a 71.º do CIRC1, de um grupo composto por mais quatro sociedades:

C... SA, NIF ... .

D... SA, NIF... .

E... LDA, NIF... .

F..., UNIPESSOAL, LDA, NIF ... .”

 

  1. E, no ponto V do sobredito relatório (“descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades), consta o seguinte:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. A citada inspeção tributária ao exercício de 2020, âmbito de IRC, iniciou-se em 16-12-2022...
  2. ... e o respetivo relatório em projeto (PRIT), enviado à Requerente em 20-1-2023;
  3. Não tendo sido exercido o direito de audição, o relatório da inspeção foi enviado em 23-2-2023;
  4. A sociedade comercial C..., SA, integra, desde 1-1-2007, o perímetro do Grupo de sociedades encabeçado pela Requerente;
  5. O pedido arbitral que deu origem a estes autos foi apresentado no CAAD em 11-5-2023.

 

§2. Factos não provados

 

  1. Não se surpreendem outros factos essenciais para o objeto do litígio, provados e/ou não provados.

 

§3. Fundamentação da matéria de facto

 

  1. Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que considera provada e declarar a que, se for o caso, se considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes nem sobre os argumentos ou razões e/ou conclusões destas – Cfr., designadamente, os artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT e da jurisprudência há muito consolidada sobre esta matéria [cf, v. g.,  Acórdão do STA de 14-3-2018, no Proc. N.º 0716/13/2ª Secção, assim sumariado: é entendimento pacífico e corrente que o Tribunal não tem de apreciar ou conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes tenham produzido. Isto porque uma coisa são as questões submetidas ao tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa. Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando assim o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes)
  2.  Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são os que se deixaram assinalados e foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre da aplicação conjugada do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, e), do RJAT.
  3. Teve o Tribunal em conta para formar a sua convicção, as posições assumidas pelas partes no processo e a prova documental junta aos autos, em especial os elementos constantes do processo administrativo e os relatórios de inspeção tributária (RITs) citados e a sua força probatória assinalada, v. g,  no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13: “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (..) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas" e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 12-01-2017, processo n.º 00250/15.3 BEPRT que atribui força probatória plena ao relatório que, citando o sumário do relator, “(...)nos termos do art.º 76º/1 da LGT, as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei.
  4. Teve ainda o Tribunal em consta o facto superveniente não controvertido traduzido na prolação, trânsito em julgado e publicação no site do CAAD da decisão arbitral no processo n.º 300/2023-T, tendo como objeto o pedido de anulação das liquidações adicionais de IRC da ora Requerente, relativas aos períodos de 2018 e 2019.

 

III - Fundamentação (cont.)

 

O Direito

  1.  Em causa nos autos a (i)legalidade da liquidação adicional de IRC relativa ao período de 2020, no valor de €99.676,17, formulando a Requerente os seguintes pedidos: (i) de cumulação do pedido de anulação da sobredita liquidação adicional relativa ao período de 2020 [2023 ... (Doc 1, com o PPA)], com o pedido arbitral formulado no processo do CAAD n.º 300/2023-T, relativo aos períodos de 2018 e 2019; (ii) de anulação da liquidação adicional de IRC objeto dos autos; (iii) de anulação da liquidação de juros n.º 2023 ... (Doc. 3 com o PPA) e (iv) de custas de parte.

 

Vejamos cada uma das situações de per si.

 

  1. A cumulação do pedido de anulação da sobredita liquidação adicional relativa ao período de 2020 [2023 ... (Doc. 1, com o PPA)], com o pedido arbitral formulado no processo do CAAD n.º 300/2023-T, relativo aos períodos de 2018 e 2019

 

  1. Convocando o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, dir-se-á que “a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”. 
  2. Por outro lado, não pode deixar de convocar-se também o disposto no artigo 104.º do CPPT quando afasta a cumulação em caso de incompetência do Tribunal para a decisão dos pedidos cumulados.
  3. Acontece, desde logo, que, preenchidos objetivamente os necessários requisitos básicos para a peticionada cumulação, esta nunca poderia ser admissível, atenta a diferente competência funcional dos Tribunais: no caso destes autos, um Tribunal Coletivo; no caso do processo n.º 300/2023-T, um tribunal singular.
  4. Esta diferente competência seria fundamento imediato para afastar a possibilidade de cumulação de um pedido da competência de Tribunal Coletivo com o formulado num processo da competência de Tribunal singular.
  5. Há, depois, outra razão de natureza sobretudo processual impeditiva da cumulação: é que, ainda que fosse admissível a cumulação ou se reunissem as condições para esse efeito, o pedido de apensação teria de ser formulado no processo instaurado em primeiro lugar – Cfr. artigo 105.º, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, do RJAT.
  6. No caso, tal como resulta evidente da numeração, é inquestionável que o processo instaurado no CAAD em primeiro lugar foi o n.º 300/2023-T.
  7. Finalmente e sempre estando já decidido o pedido formulado no processo n.º 300/2023-T, a apensação seria ato obviamente impossível.
  8. Em conclusão: será a final indeferido o pedido de apensação formulado.

 

ii) O pedido de anulação da liquidação adicional de IRC objeto dos autos, por ausência de fundamentação ou vício de fundamentação

 

  1. Alega a Requerente que a falta de envio dos RITs dos anos de 2018 e 2019 e a prévia existência das liquidações revela-se inexistente a fundamentação porquanto seria no RIT que se expressa a decisão final que fundamenta as posteriores liquidações adicionais.
  2. Pois bem, ficou demonstrado que o RIT de 2020 foi enviado em 23-2-2023 e os RITs de 2018 e 2019 foram enviados, em conjunto, no dia 15-3-2023, com as correções adequadamente fundamentadas (independentemente da bondade dessa fundamentação. O que constitui questão diferente).
  3. Não se surpreende, deste modo, a inobservância dos necessários requisitos de fundamentação, designadamente os previstos no artigo 77.º-1 e 2, da LGT, dos atos tributários sub juditio ou qualquer vício nessa fundamentação.
  4. Por outro lado, sendo a Requerente a sociedade dominante de um Grupo de sociedades tributadas nos termos do RETGS e comprovado que a Requerente não regularizou em sede de Grupo as correções operadas voluntária e individualmente, a AT procedeu à transposição das correções efetuadas à Requerente a nível individual, para a declaração de rendimentos do Grupo.
  5. Este procedimento harmoniza-se com o disposto no n.º 1, do artigo 70.º, do CIRC quando dispõe que “o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo”.
  6. Acresce que, em 2018, 2019 e 2020, a dedução dos benefícios fiscais foi inferior ao possível, correspondente a 50% da coleta total do Grupo e, como tal, não está (essa dedução) de harmonia com o disposto nos artigo 90.º, do CIRC e 23.º e 38.º, do CFI (Código Fiscal do Investimento).
  7. Na verdade, foi verificado pela Inspeção Tributária, analisando as declarações de rendimentos do Grupo dos anos de 2016 a 2020, que a Requerente deduziu à coleta benefícios fiscais pertencentes à sociedade C..., S.A[3]., que integra e integrava então o Grupo, benefícios que não esgotaram a totalidade do montante da coleta disponível a nível de Grupo, como decorre do n.º 6, do artigo 90.º, do CIRC: “(...) quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no nº 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do nº 1 (...)”.
  8. Em relação ao alegado erro de cálculo da dedução dos benefícios fiscais na declaração de rendimentos do Grupo, a questão que se impõe esclarecer é se o valor dos benefícios fiscais a deduzir à colecta de IRC, na declaração de rendimentos do Grupo, é aferido em relação à coleta do grupo ou se é o relativo a cada uma das sociedades individuais aferido de forma individual por cada uma das sociedades.
  9. Não consta no CFI, quer no que diz respeito ao RFAI quer no que diz respeito ao SIFIDE, uma norma a regular esta dedução no âmbito do RETGS, sendo que, apesar de ser um benefício concedido individualmente, a sua dedução no âmbito do grupo, deverá atender aos pressupostos existentes à data em que nasce o direito ao benefício fiscal (RFAI e SIFIDE), benefício este que opera por dedução à colecta.
  10. Ora a Requerente deduziu à coleta, como ficou demonstrado, os benefícios fiscais pertencentes à sociedade dominada C..., S.A., a qual integra e integra o perímetro do grupo sujeito ao RETGS desde 01.01.2007, pelo que, nos períodos de tributação de 2018 e 2019, já há muito fazia parte do grupo.
  11. Nestas situações, em que o direito ao benefício nasce quando a empresa já estava integrada num grupo sujeito ao RETGS, a dedução é efetuada à coleta do grupo e até ao limite da mesma.
  12. Efetivamente, no RETGS, não obstante o lucro tributável do grupo ser calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, corrigido, sendo caso disso, do efeito da aplicação da opção prevista no n.º 5 do art.º 67.º, à dedução de benefícios fiscais apurados pela sociedade promotora do RFAI e SIFIDE (neste caso, a sociedade C..., S.A.), no âmbito do grupo, deverá aplicar-se a regra geral prevista no atrás citado e transcrito n.º 6 do art.º 90.º do CIRC, segundo a qual, "quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1."
  13. Ou seja e sintetizando: numa sociedade comercial com direito, como é o caso, a deduzir benefícios fiscais e que faz parte de um grupo tributado pelo RETGS, as deduções de RFAI e SIFIDE relativas a essa sociedade são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, até à concorrência de 50% da coleta (RFAI) e até ao limite da mesma (SIFIDE), perdendo autonomia, nesta perspetiva e medida, o procedimento de liquidação, digamos, individual da sociedade integrante do grupo, sendo este, nesta perspetiva de unicidade, o sujeito passivo.
  14. E por isso é que, quando no artigo 23.º-2/b) ou no artigo 38.º-1, do CFI se faz referência ao limite da dedução à coleta [“(...) nos restantes casos, até à concorrência de 50% da coleta do IRC apurada em cada período de tributação (...)”] ou ao montante da coleta de IRC, respetivamente, a coleta em causa é a coleta do grupo de sociedades.
  15. Assim é que, no caso sub juditio, a razão está do lado da AT, sendo totalmente improcedente o pedido.

 

O acórdão uniformizador de jurisprudência de 21-3-2024 – Proc. n.º 021/22.2.BALSB

 

  1. Uma vez que o Tribunal ponderou ser eventualmente aplicável, no caso, a doutrina uniformizadora do citado aresto, importa tecer umas breves considerações a esse respeito.
  2. Pois bem e como se lê nesse acórdão, a questão abordada em ambas as decisões em confronto, causais da uniformização jurisprudencial, é a mesma, citando: “(...) saber se o direito aos benefícios fiscais de que usufrui uma sociedade antes da sua entrada num grupo de sociedades sujeito ao RETGS fica condicionado, na sua utilização – leia-se, na sua dedução à coleta -, apenas pelo valor da coleta do grupo ou se tem, ao invés, como limite máximo aa coleta individual que essa sociedade apuraria acaso não tivesse sido integrada no grupo (...) É certo que a decisão arbitral recorrida faz considerações acerca da natureza do benefício fiscal concreto usufruído pela sociedade visada na decisão arbitral fundamento – a saber, o regime das SCR – e até parece tomar como determinante para o seu sentido decisório o enquadramento jurídico daí decorrente: “no caso dos benefícios fiscais às SCR, emergente da conjugação das normas vindas de referir, o regime da relevação em IRC dos benefícios fiscais anteriormente existentes, releváveis no seio do grupo, não padece de nenhuma incompletude... o legislador não sentiu aqui a necessidade de criar regras específicas em vista à sua relevação no quadro do grupo de sociedades, porquanto a disciplina desta questão já se encontra totalmente regulada, conforme supra exposto, não carecendo, como se vê, de regras adicionais em vista ao estabelecimento dos limites à sua relevação. Porque estas sociedades apenas trazem consigo, para dentro do perímetro, as posições jurídicas que individualmente detinham. E, no caso, a posição que a SCR detinha era e é a que resulta da aplicação individual do regime do art.º 32.º-A do EBF.”. Todavia, esta divergência de pressupostos é meramente aparente e logo desmentida pela leitura autónoma (diríamos, independente) que a mesma decisão arbitral recorrida faz do artigo 90.º, n.ºs 2 e 6 do Código do IRC, quando se pode ler que: “se cada sociedade integrada no RETGS está obrigada ao apuramento individual da sua coleta, do montante dos seus próprios benefícios fiscais (dedutíveis à sua coleta) e o seu IRC individual, conforme exigido pelo preceito (n.º 6 do art.º 120.º), bem se vê que o montante do benefício fiscal susceptível de apuramento pela Requerente não pode ser outro que não o que resultar do procedimento individual de apuramento do seu próprio imposto, no respeito pela aplicação conjugada do artigo 32.º-A do EBF com o n.º 6 do artigo 120.º do CIRC. Montante esse que deve ser relevado no grupo nos termos do artigo 90.º, n.º 6, do CIRC, deduzindo-se os montantes “relativos a cada uma das sociedades”. ”, e, logo de seguida, que: “A tese da Requerente segundo a qual, no RETGS, não há colectas individuais, mas tão só a do grupo, além de não ter suporte legal no IRC, como demonstrado, é, ainda, desmentida pelo regime estabelecido para outros benefícios fiscais.” Mais acrescenta a própria decisão arbitral recorrida – e para que dúvidas não possam sobrar acerca da identidade da questão sob escrutínio – que: “A questão decidenda não é pacífica, tendo as duas posições em confronto suscitado entendimentos divergentes na jurisprudência arbitral. Com efeito, a decisão do processo n.º 648/2015-T, de 15 de julho de 2016, acolhe a posição da Requerida (Apesar de estar aí sob apreciação um benefício fiscal distinto (do artigo 32.º-A do EBF) a questão que se suscita é idêntica), sem prejuízo de um voto de vencido, enquanto no processo n.º 482/2019, com decisão datada de 26 de março de 2020, se adotam os fundamentos invocados pela Requerente. Adere-se ao primeiro aresto (cuja fundamentação, apesar da referência a uma Sociedade de Capital de Risco, é plenamente aplicável à hipótese sub iudice), por concordância com os seus fundamentos…” (sublinhados nossos) (...) VI. Temos, assim, por seguro que a discussão realizada em ambas as decisões aqui vertidas se faz em termos genéricos e, por isso, sem consideração da (eventual) especial natureza dos benefícios fiscais em causa, apenas incidindo sobre o artigo 90.º, n.º 2, alínea c) do Código do IRC e o n.º 6 desse mesmo artigo (...)”
  3. A conclusão e decisão do STA foram, no entanto, as seguintes (citando):

“(...)No quadro de aplicação do RETGS, o artigo 90.º, n.º 2, alínea c) do Código do IRC deve ser interpretado no sentido de que a dedução dos benefícios fiscais SIFIDE não fica, pela natureza daquele regime, limitada à coleta individual de cada sujeito passivo que integra o grupo.

DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em tomar conhecimento do mérito do presente Recurso, conceder provimento ao mesmo, uniformizando jurisprudência no sentido de que no quadro de aplicação do RETGS, a dedução dos benefícios fiscais SIFIDE não fica limitada à coleta individual de cada sujeito passivo que integra o grupo e, em consequência, anular a decisão arbitral recorrida, e anular a liquidação de IRC relativa ao ano de 2015, na correspondente medida (...)”

  1.  A divergência jurisprudencial causal da prolação do citado acórdão uniformizador foi reconhecida no confronto entre as decisões arbitrais[4] proferidas nos processos do CAAD n.ºs 482/2019-T e 489/2020-T, sendo esta última a anulada pelo STA[5].
  2. Pois bem, a uniformização jurisprudencial nos termos referidos, não tem relevância ou aplicação ao caso sub juditio.
  3. Em primeiro lugar, reporta-se ao SIFIDE e não ao RFAI e, sobretudo, resulta de situações relativas à constituição ou alteração do grupo de sociedades, com benefícios fiscais anteriores a esses atos.
  4. E estabelece doutrina em termos amplos, sem distinguir o que parece que o deve ser, ou seja, a situação da constituição do benefício fiscal anterior à constituição ou alteração do grupo (a questão da portabilidade dos benefícios) e a situação, como a dos autos, da constituição desse benefício ou direito respetivo, na vigência plena da aplicação do RETGS.
  5. Saliente-se ainda, concordando, o que consta do citado acórdão uniformizador:”(...) a leitura vertida na sentença recorrida – segundo a qual a mecânica do RETGS conduz à limitação da dedução de quaisquer benefícios fiscais ao limite da coleta individual de cada sujeito passivo que integra o grupo – não logra manter-se uma vez que, a assim ser, ficaria desprovido de efeito útil a criação pelo legislador de limites específicos à dedução de certos benefícios fiscais, num contexto de RETGS posto que já resultariam (mecanicamente) do artigo 90º, nº 6. Do Código do IRC (...)”  
  6.  Daí que, tal como defende a Requerente nas suas alegações complementares, “a decisão do acórdão uniformizador de jurisprudência (...) não nos parece trazer qualquer alteração às alegações apresentadas (...)”.
  7. Poderemos afirmar mesmo, lendo e interpretando o citado acórdão uniformizador, que este aponta para a posição que defendemos, ou seja, que a matéria coletável sobre a qual deverá incidir a taxa de IRC deve corresponder ao lucro tributável agregado do grupo, deduzidos os prejuízos fiscais.
  8. O que significa, em conclusão, que a coleta a considerar como limite para o apuramento do benefício fiscal passível de dedução só pode ser a coleta do grupo e não a coleta da sociedade que realizou o investimento, que assim perde a sua autonomia no procedimento de liquidação.
  9. Ou dito doutro modo: quando no artigo 23.º-2/b) ou no artigo 38.º-1, do CFI se faz referência ao limite da dedução à coleta [“(...) nos restantes casos, até à concorrência de 50% da coleta do IRC, apurada em cada período de tributação (...)”] ou ao montante da coleta de IRC, respetivamente, a coleta em causa é a coleta do grupo de sociedades.

 

As liquidações adicionais de IRC dos anos de 2018 e 2019

 

  1.  A requerente invoca, na fundamentação do pedido formulado nestes autos, vários vícios ou irregularidades relativas, designadamente, às liquidações adicionais de IRC dos períodos de 2018 e 2019, com reflexos na liquidação adicional do ano de 2020 ora sob impugnação.
  2. Ora sobre tal matéria não deve nem pode este Tribunal debruçar-se porquanto tal foi o objeto do pedido formulado no processo do CAAD n.º 300/2023-T, atrás citado e da decisão nele proferida e transitada em julgado.
  3. Em consequência à administração tributária compete, decorrente dessa decisão arbitral favorável à também ora requerente, proceder à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade reconhecida pelo Tribunal, compreendendo-se nessa reconstituição o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na Lei – Cfr. artigo 100.º-1, da LGT.
  4. A este Tribunal compete tão só e apenas sindicar a (i)legalidade da liquidação adicional relativa ao ano de 2020, conhecendo tão só e apenas o pedido que vem formulado de anulação da liquidação adicional relativa a esse período e de anulação da liquidação de juros inerente.

 

As liquidações de IRC nos exercícios de 2016 e 2017 – A caducidade do direito

 

  1. Sendo referidas estas liquidações na fundamentação do pedido importa assinalar, por um lado, que não são essas liquidações que são postas em causa nestes autos.
  2. E, por outro, não se alega expressamente nem está demonstrado que a AT tenha procedido a quaisquer correções da coleta relativamente a esses exercícios, nem tal faria qualquer sentido na medida em que a dedução à coletiva é um direito potestativo do contribuinte e que este, consequentemente, pode exercer ou não.
  3. Coloca a Requerente a questão da caducidade do direito de liquidação da AT relativa e concretamente, ao exercício de 2020, na medida em que, segundo alega e sintetizando, a liquidação adicional ora sob impugnação funda-se em correções relativas aos exercícios de 2016 e 2017, sendo que, alegadamente, o direito a liquidar IRC de 2020 teria caducado.
  4. Ou seja: tendo como objeto as liquidações adicionais de 2018, 2019 e 2020, a AT só formulou as suas conclusões sobre a utilização dos benefícios fiscais com base nas declarações dos anos fiscais de 2016 e 2017.
  5. Pois bem, tendo a dedução do benefício fiscal RFAI em 2016 e 2017 sido inferior ao possível, correspondente a 50% da coleta do grupo, a Requerente perdeu, a título definitivo, os montantes não deduzidos naqueles exercícios, o que significa que a dedução deste benefício se tivesse ocorrido como determina a alínea b) do n.º 2 do art.º 23.º do CFI seria concluída em 2017.
  6. Com efeito, de acordo com o n.º 1, alínea b) do n.º 2 e n.º 3 do art.º 23.º do CFI (aplicável ao RFAI), quando a dedução do benefício fiscal não possa ser efetuada integralmente por insuficiência de coleta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo nas liquidações dos 10 períodos de tributação seguintes até à concorrência de 50 % da coleta do IRC apurada em cada período de tributação e nas liquidações dos 8 períodos seguintes, nos termos do n.º 4 do art.º 38.º, do CFI (aplicável ao SIFIDE).
  7. No caso concreto, existindo coleta disponível para a dedução dos referidos benefícios fiscais, ela deveria ter sido utilizada na totalidade não podendo transitar qualquer RFAI para dedução nos períodos de tributação seguintes, designadamente para o ano de 2020;
  8. Por outro lado, o n.º 3 do art.º 45.º da LGT prescreve que, caso tenha sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito, ou seja, o prazo de caducidade da dedução é o previsto na lei que permitir o respetivo crédito, ou seja, a Lei que tiver criado o benefício fiscal, o CFI.
  9. Assim é que, havendo coleta, o prazo de caducidade do RFAI era o do exercício daquele direito, ou seja 2016 e 2017, pelo que o RFAI deduzido pela Requerente em 2018, 2019 e 2020 seria indevido.
  10. Daí a ausência de fundamento válido para a invocação de vícios da liquidação ancorados em pretensa mas inexistente caducidade dos anos fiscais de 2016 e 2017.

 

  1. Pedido de anulação da liquidação de juros n.º 2023 ... (Doc. 3 com o PPA)

 

  1. A decisão que se irá proferir será de não procedência do pedido de anulação da liquidação adicional em causa.
  2. Consequente e obviamente falece fundamento para a anulação do pedido de anulação da liquidação de juros referida.

 

  1. Pedido de custas de parte

 

  1. Em sede de arbitragem tributária o pedido de custas de parte não é admissível porquanto tal situação não está prevista, como resulta, designadamente, do disposto no artigo 29.º do RJAT e do artigo 2.º, de Regime de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária pelo que será indeferido.

 

IV Decisão

 

Pelo exposto, decide este Tribunal:

  1. Indeferir o pedido de apensação formulado;
  2. Julgar totalmente improcedentes os demais pedidos formulados e, em consequência, manter na ordem jurídica (i) a liquidação adicional de IRC n.º 2023 ... de 16-3-2023, (ii) a demonstração de acerto de contas de 2020 n.º 2023 ..., de 20-3-2023 e a demonstração da liquidação de acerto de contas de juros n.º 2023 ..., de 20-3-2023;
  3. Indeferir o pedido de pagamento de custas de parte e
  4. Condenar a Requerente nas custas do processo na importância indicada infra.

 

 

V – Valor do processo

Em conformidade com o disposto no artigo 306, n.º 2 do CPC, no artigo 97-A, n.º 1, al. a) do CPPT [« 1- Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende (...)]», e no artigo 3, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária [«O valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário»], fixa-se o valor do processo em € 99.676,17,  indicado pela Requerente sem contestação pela Autoridade Tributária.

 

VI – Custas

Nos termos do disposto nos artigos 12º, n.º 2 e 22, n.º 4 do RJAT, no artigo 4, n.º 4 e na Tabela I (anexa) do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante de custas é fixado em € 2.754,00, a cargo da Requerente conforme decidido supra.

 

  • Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de julho de 2024

 

José Poças Falcão

(Presidente do Tribunal Arbitral e Relator)

 

Marta Vicente

(Árbitra Adjunta)

 

Ana Teixeira de Sousa

(Árbitra Adjunta)

 



[1] No contexto do procedimento inspetivo suportado pelas Ordens de Serviço n.ºs OI2021... e OI2021... .

[2] Vide ponto “V.2 Benefícios fiscais” do RIT do procedimento inspectivo efectuado ao abrigo da OI2021... e OI2021... e ponto “V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades” do RIT do procedimento inspectivo efectuado ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2022... .

[3] De acordo com o Despacho de Retificação de 2024-08-23.

[4] Publicadas no site do CAAD, www.caad.org.pt.

[5] Cfr. ambas as decisões no mencionado site do CAAD.