SUMÁRIO:
1. De acordo com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais estaduais em processo de impugnação judicial. Competência que terá de enquadrar dentro dos limites definidos pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira concretizada pela da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ao abrigo do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT.
2. Conforme o disposto no artigo 4.º, n.º 3 e 4 do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho, uma empresa com sede em Portugal e integrada num grupo internacional pode optar por utilizar na contabilidade interna as normas internacionais de contabilidade adotadas na UE e utilizar o SNC na determinação das contas de exercício para efeitos de IRC, pelo que serão dedutíveis os gastos com as rendas.
3. Um sujeito passivo pode deduzir o valor das rendas pagas em 2018, mas referentes a 2019, cumprindo com o princípio da especialização de exercícios aplicando o SNC e procedendo ao necessário enquadramento contabilístico.
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DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros, Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Dr. Fernando José da Costa Matos e Dra. Adelaide Moura (Adjuntos) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 16-08-2023, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., Unipessoal, Lda., a Requerente, sociedade comercial unipessoal por quotas com sede em Rua ..., n.os ... e ..., ... Linda-a-Velha, Oeiras, com o NIPC ... apresentou pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) pedindo a declaração de ilegalidade da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) plasmada na declaração periódica de rendimentos (“declaração Modelo 22”) n.º..., referente ao exercício de 2019, da qual resultou o montante total de imposto a recuperar de 2.063.769,57 EUR, e, bem assim, da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada no âmbito do procedimento
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Determine a anulação dos referidos atos tributário e decisório, nos termos do artigo 163.º do CPA; e
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Na medida da procedência do pedido anterior, condene a Entidade Requerida na restituição do imposto indevidamente suportado pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, com fundamento em erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, e, bem assim, no pagamento das custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, (AT).
1.1. Do objeto do Processo e valor do processo
O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022..., apresentada contra o ato de autoliquidação de IRC do período de tributação de 2019, em que peticiona:
“a constituição de tribunal arbitral com vista à apreciação da legalidade da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) plasmada na declaração periódica de rendimentos (“declaração Modelo 22”) n.º..., referente ao exercício de 2019, da qual resultou o montante total de imposto a recuperar de 2.063.769,57 EUR, e, bem assim, da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada no âmbito do procedimento identificado em epígrafe.”
A Requerente no presente processo arbitral pede a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa na qual requereu:
“Nestes termos, e atentas as razões supra aduzidas, solicita-se respeitosamente a V. Exa. que se digne conceder provimento à presente Reclamação Graciosa, determinando, em consequência, a entrega de uma declaração anual periódica de rendimentos (Modelo 22) de substituição referente ao exercício de 2019 que contemple a consideração para efeitos de determinação da matéria coletável do valor de 1.871.847,06 euros (um milhão, oitocentos e setenta e um mil e oitocentos e quarente e sete euros e seis cêntimos).”; (cfr. PA).
“A Requerente quantifica o valor do reembolso peticionado, de € 500.974,49, por referência ao “ficheiro contendo o cálculo do imposto”, que junta como Documento n.º 16, - “Q10 – CÁLCULO DO IMPOSTO”.
1.2. Tramitação Processual
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi enviado no dia 05-07-2023 e foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 07-06-2023.
Em 20-06-2023 a AT nomeou os juristas cuja comunicação foi efetuada em 03-07-2023.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 28-07-2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 16-08-2023.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que suscitou a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral para a condenação da Requerida ao reembolso do montante total € 500.974,49, acrescido de juros indemnizatórios, atendendo a que “A Requerente quantifica o valor do reembolso peticionado, de € 500.974,49, por referência ao «ficheiro contendo o cálculo do imposto», que junta como Documento n.º 16, o qual consiste num mero quadro intitulado “Q10 – CÁLCULO DO IMPOSTO”.
Ora, ainda que o pedido de reembolso do montante de € 500.974,49, acrescido de juros indemnizatórios, pudesse eventualmente decorrer da execução de julgados que viesse a ser efetuada em caso de a decisão arbitral ser de procedência - o que se concede a título meramente académico – tal pedido não pode ser conhecido no presente processo, porquanto extravasa a competência do presente Tribunal
Por despacho de 13-09-2023 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com possibilidade de as Requerentes apresentarem alegações escritas e pronunciar-se sobre a exceção deduzida.
A Requerente apresentou alegações e pronunciou-se sobre a exceção deduzida.
2. Da exceção da incompetência do Tribunal Arbitral para a condenação da Requerida ao reembolso do montante total € 500.974,49, acrescido de juros indemnizatórios
Importa apreciar prioritariamente a questão da competência do tribunal arbitral nos termos do artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
2.1. Posição da Requerida
Como alega a Requerida “a Requerente quantifica o valor do reembolso peticionado, de € 500.974,49, por referência ao «ficheiro contendo o cálculo do imposto», que junta como Documento n.º 16, o qual consiste num mero quadro intitulado “Q10 – CÁLCULO DO IMPOSTO”.
Ora, ainda que o pedido de reembolso do montante de € 500.974,49, acrescido de juros indemnizatórios, pudesse eventualmente decorrer da execução de julgados que viesse a ser efetuada em caso de a decisão arbitral ser de procedência - o que se concede a título meramente académico – tal pedido não pode ser conhecido no presente processo, porquanto extravasa a competência do presente Tribunal.
2.2. Posição da Requerente
Nas alegações e em resposta à exceção suscitada a Requerente defende que o Tribunal Arbitral é competente referindo:
“o petitório da Requerente cinge-se à anulação dos atos tributário e decisório objeto dos presentes autos e, na estrita medida da sua procedência, à restituição do imposto indevidamente suportado acrescido de juros indemnizatórios (vencidos e vincendos).
Resulta, assim, manifesto e inequívoco serem os tribunais arbitrais tributários materialmente competentes para apreciar pedidos de declaração de (i)legalidade de atos tributários, de anulação e consequente restituição do imposto indevidamente suportado , tudo em conformidade com o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
Neste sentido, a restituição do imposto indevidamente suportado é a consequência legal “natural” e lógica da anulação de um ato tributário com fundamento na sua legalidade.
Por isso, a apreciação de tal pedido, na estrita dependência da procedência do pedido de anulação do ato tributário ilegal, encontra-se igualmente abrangida pela competência material dos tribunais arbitrais tributários consagrada no artigo 2.º do RJAT.
Quanto ao facto de ter calculado um valor de IRC a reembolsar a Requerente alega que “teve de calcular o montante de imposto em excesso por si suportado porquanto tal montante corresponde ao valor da causa”.
A indicação do valor da causa é um dos elementos essenciais de qualquer petição inicial e, como tal, tem de ser obrigatória e expressamente indicado, sob pena de rejeição liminar daquele articulado (cfr. artigo 558.º, n.º 1, alínea e), do CPC).
E a arbitragem tributária não é exceção: o valor da causa tem necessariamente de constar do pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT.
Em contencioso tributário, o apuramento do valor da causa é efetuado nos termos do artigo 97.º- A do CPPT, cuja alínea a) do n.º 1 estatui que, nos casos em que seja impugnada a liquidação, o valor da causa corresponde à «importância cuja anulação se pretende».
E foi precisamente isso que fez a Requerente: procedeu ao cálculo do imposto indevidamente suportado para efeitos de indicação do valor da causa por ser esse o seu dever e não, naturalmente, para se substituir à Autoridade Tributária no cumprimento das obrigações legais que lhe são impostas por força do artigo 24.º do RJAT.
Não é, assim, verdade que a pretensão anulatória da Requerente consubstancie uma pretensão típica da ação para reconhecimento de um direito ou, sequer, da ação de execução de julgados.
E também não é verdade que a Entidade Requerida não disponha dos necessários elementos destinados ao apuramento do montante de imposto indevidamente suportado porquanto os mesmos foram juntos pela Requerente aos presentes autos como Documentos n.os 7, 11 e 16”.
Vejamos:
A Requerente apresentou reclamação graciosa n.º ...2022..., em que pediu a anulação do ato de autoliquidação de IRC do período de tributação de 2019 e a restituição do imposto indevidamente suportado pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos.
No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente esclarece que a sua pretensão tem por objeto o ato de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2019, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra esse ato.
A Requerente faz um pedido de natureza anulatória, uma vez que o pedido de pronúncia arbitral foi deduzido para que fosse apreciada a (i)legalidade do ato tributário materializado na autoliquidação de IRC e do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada para apreciação da legalidade da autoliquidação.
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
Nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da “ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, (...) actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria coletável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.
Os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, dispõem que a Direção Geral dos Impostos se encontra vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no Centro de Arbitragem Administrativa, nomeadamente nos processos que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos.
A competência dos Tribunais Arbitrais em matéria tributária compreende as pretensões que envolvam a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de fixação da matéria coletável e de fixação de valores patrimoniais, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 a) e b) do RJAT, constituindo um efeito da decisão arbitral de procedência que a AT deva praticar o ato tributário legalmente devido de substituição do ato impugnado e restabelecer a situação que existiria se esse ato não tivesse sido praticado (cfr. artigo 24.º, n.º 1, do RJAT).
De mencionar a decisão arbitral 10 de janeiro de 2022, proferida no Processo n.º 448/2021-T, quando refere:
“A arbitragem tributária foi criada pelo Governo através do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa que lhe foi concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.
No n.º 4 desse artigo 124.º estabeleceu-se que o âmbito da autorização prevista no presente artigo compreende, nomeadamente, as seguintes matérias:
a) A delimitação do objecto do processo arbitral tributário, nele podendo incluir-se os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária;
A autorização legislativa era indispensável para o Governo legislar validamente sobre esta matéria, uma vez que se está perante matéria atinente às garantias dos contribuintes, inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, e, por isso, o Governo não tem competência legislativa própria, como decorre dos artigos 198.º, n.º 1, alíneas a) e b), da CRP.
Utilizando essa autorização legislativa, o Governo estabeleceu no artigo 2.º, n.º 1, alínea A), do RJAT que “a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.
É, assim, inequívoco que o Governo, no exercício dos poderes legislativos que lhe foram concedidos pela autorização legislativa, atribuiu aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, sem qualquer restrição.
A questão da competência dos tribunais arbitrais para apreciar pedidos de reembolso foi apreciada, entre outras, na Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 333/2017-T, porque com ela concordarmos transcrevemos com a devida vénia:
“Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objeto atos em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.
Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões da legalidade de atos de liquidação ou de atos de fixação da matéria tributável e atos de segundo grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, atos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
O legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais as questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais estaduais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ao abrigo do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT.
Embora o processo de impugnação judicial tenha por objeto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de atos dos tipos referidos, tem-se entendido pacificamente que nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária e Aduaneira a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.
Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no CPPT, que estabeleceu no n.º 1 do artigo 24.º que “haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços”, a seguir na LGT, em cujo n.º 1 do artigo 43.º, se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e, finalmente, no CPPT, em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.
Por outro lado, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, a competência para executar os julgados proferidos pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD cabe, em primeira linha, à própria Autoridade Tributária e Aduaneira, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta...”.
Esta separação constitui característica de um contencioso meramente anulatório como é o do CPPT e, no caso dos processos arbitrais, encontra especial fundamento no facto de os tribunais arbitrais não terem qualquer competência para apreciar litígios que ocorram na fase de execução de julgados (o que acontece, aliás, em relação aos tribunais arbitrais em geral).
Assim, a haver discordância entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e os sujeitos passivos sobre a forma de execução de julgados, são os tribunais tributários os competentes para a sua apreciação, já que não são atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências em processos de execução de julgados e os tribunais arbitrais dissolvem-se na sequência da decisão arbitral, como decorre do artigo 23.º do RJAT.
Isto posto, dentro dos limites fixados, os tribunais arbitrais têm competência para apreciar pedidos de reembolso de imposto indevidamente pago.
Em suma, constitui jurisprudência pacífica que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar pedidos de juros indemnizatórios. Ora, essa apreciação não pode deixar de envolver o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, atendendo à indissociabilidade dos mesmos: o direito a juros, a existir, incide sobre a quantia a reembolsar.
Assim sendo, quando o montante a reembolsar resulta claramente identificado na sequência da anulação do ato tributário, não podemos deixar de admitir a competência do tribunal para o pedido de reembolso, por o mesmo ainda se compreender nos poderes de anulação.
Diferentemente se passam as coisas nos casos em que haja divergência quanto ao montante a reembolsar, devendo então a concretização do mesmo ser relegada para a fase de execução de sentença, por esta pertencer de facto à esfera da AT.
Também não se inclui na competência dos tribunais arbitrais os litígios que incidam sobre a existência ou não de direito ao reembolso, por se tratar claramente num pedido de reconhecimento de direitos.
No caso dos autos, a Requerente indicou em concreto o montante da liquidação que reputa de ilegal e a Requerida não o contestou, limitando-se a arguir a incompetência do Tribunal para apreciação do pedido de restituição do imposto indevido.
Neste contexto, afigura-se legítimo que a Requerente reclame o reembolso da quantia peticionada na sequência da anulação dos atos de autoliquidação. O que não impede que, sobrevindo eventual dúvida sobre o montante peticionado, o mesmo possa ser dirimido em sede de execução de sentença”.
No mesmo sentido se pronunciou a decisão arbitral proferida no Processo n.º 436/2019-T:
“De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, "restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito", o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que "a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão".
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão "declaração de ilegalidade" para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que "o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária".
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação e declaração de nulidade ou inexistência de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido" e do art. 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que "se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea".
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que "é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário", deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de um montante a reembolsar, que é a sua base de cálculo, tem de se concluir que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange a condenação no pagamento de quantias indevidamente pagas na sequência de anulação dos actos de liquidação ou de autoliquidação que foram fundamento do pagamento.
Por isso, insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD proferir decisões condenatórias. (... )
Pelo exposto improcede a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral.
3. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
4. Matéria de facto
4.1. Factos provados
O Tribunal Arbitral, com base nos documentos juntos pelas partes e não impugnados, considera provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
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A Requerente é uma sociedade comercial unipessoal por quotas de Direito português, inserida no grupo multinacional B... (“B...”); (cfr. doc. 3 junto com o PPA).
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A título direto, a Requerente é integralmente detida pela sociedade de Direito espanhol C..., S.A., com sede em ..., ... -..., Espanha; (cfr. doc. 3 junto com o PPA).
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A título indireto, a Requerente é integralmente detida pela sociedade de Direito suíço D..., S.A., com sede em ..., ... Suíça, a qual constitui a «ultimate parent company» do GRUPO B...; (cfr. doc. 4 junto com o PPA).
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Entidade que é sociedade cotada na Bolsa de Valores de Zurique; (cfr. doc. 5 junto com o PPA).
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No exercício de 2019, o GRUPO B... apresentou as suas contas consolidadas em conformidade com as normas internacionais de contabilidade; (cfr. doc. 4 junto com o PPA).
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Afirma a Requerente que a partir do exercício de 2018, o GRUPO B... decidiu introduzir a nível mundial a Norma Internacional de Relato Financeiro n.º 16 (“IFRS 16”); (cfr. doc. 6 junto com o PPA).
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E, que por via dessa decisão, o GRUPO B... implementou, igualmente a nível mundial, um sistema contabilístico mediante o qual passou a ser efetuado um lançamento do registo a crédito (da conta #2076110 – Accrual dos pagamentos) e a débito (da conta #2100010 – Redução do passivo); (cfr. PA).
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Não obstante a decisão tomada pelo GRUPO B..., a Requerente aplicou as normas de contabilidade nacionais e o Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”), conforme disposto no Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, na redação do Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho; (cfr. doc. 3 junto com o PPA).
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No ano de 2019, a Requerente aplicou, para efeitos contabilísticos puramente internos, a IFRS 16, (cfr. doc. 3 junto com o PPA).
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A principal atividade comercial da Requerente consiste na produção e comercialização de produtos alimentares, entre os quais se incluem os produtos E...; (cfr. doc. 3 junto com o PPA).
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Um dos canais de venda dos produtos E... são os estabelecimentos comerciais – i.e., as lojas físicas – localizados em diversos pontos do território nacional, os quais são objeto de contratos de locação por parte da Requerente, na qualidade de locatária; (cfr. doc. 14 junto com o PPA e PA).
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No ano de 2019, as despesas relacionadas com a locação (e.g., o pagamento das rendas) suportadas pela Requerente para a comercialização de produtos E... ascenderam ao montante total de 1.871.847,06 EUR; (cfr. doc. 14 junto com o PPA e PA);
-
No que respeita ao negócio subjacente à comercialização dos produtos E..., a Requerente afirma que utiliza um programa informático de gestão e contabilidade próprio – o software de faturação NESSOFT, certificado em Portugal sob o n.º .../AT –, o qual regista toda a faturação, bem como todos os pagamentos efetuados e arquiva todos os documentos contabilisticamente relevantes; (cfr. doc.8 junto com o PPA);
-
Por referência ao exercício de 2019, a Requerente apurou IRC a recuperar no montante total de 2.063.769,57 EUR; (cfr. doc. 1 junto com o PPA).
-
Não obstante a relevação contabilística do referido gasto no exercício em que foi detetado (2021), a Requerente não procedeu à sua relevação fiscal (i.e., à sua dedução) nesse mesmo exercício; (facto não controvertido)
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E, na declaração Modelo 22 do exercício de 2021, a Requerente acresceu-o, juntamente com outros valores, na linha 752 do quadro 07; (cfr. Documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
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Afirma a Requerente que com essa operação, procurou assegurar, em estrito cumprimento do princípio da especialização dos exercícios, que o gasto suportado em 2019 não contribuiria para o apuramento da matéria coletável de IRC do exercício de 2021, na medida em que, pese embora tenha afetado o resultado líquido desse período – em virtude da sua relevação contabilística nesse exercício, diminuindo o resultado líquido em 1.871.847,06 EUR –, tal gasto foi neutralizado mediante um acréscimo de igual montante, tendo anulado, assim, qualquer impacto fiscal; (facto não controvertido).
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A Requerente rececionou a demonstração de liquidação de IRC n.º 2021 ..., de 14 de julho de 2021; (cfr. doc. 10 junto com o PPA).
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Em 06-07-2022 a Requerente apresentou reclamação graciosa; (cfr. PA).
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Por notificação de 30-12-2023 a AT projetou o indeferimento da reclamação graciosa com fundamento:
(i) na pretensa obrigatoriedade de aplicação pela Requerente das normas internacionais de contabilidade – designadamente, a IFRS 16 –, à semelhança do GRUPO B...;
(ii) na alegada preterição do princípio da especialização dos exercícios previsto no artigo 18.º do CIRC; (cfr. doc. 14 junto com o PPA).
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Notificada do projeto de decisão, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia; (cfr. PA).
-
A 6 de março de 2023, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa; (cfr. doc. 2 junto com o PPA).
4.2. Factos não provados
Não há outros factos não provados com relevância para a decisão.
4.3. Fundamentação da matéria de facto
O Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria de facto alegada, mas antes selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada, conforme artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT.
Tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.
Assim, e tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, como prevê o artigo 110.ºdo CPPT, relativa à prova documental produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.
5.Matéria de direito
Thema decidendum: A questão principal a dirimir tem a ver com a obrigação ou a possibilidade da Requerente utilizar as Normas Internacionais de Contabilidade (atualmente designadas International Financial Reporting Standards-IFRS) e em concreto a análise específica da IFRS 16, relativa às locações das lojas E... e o princípio da especialização dos exercícios.
5.1. Posição da Requerida
No artº. 56º até ao artº. 59º da Resposta vem mencionado:
Da norma transcrita resulta que, uma entidade abrangida pelo SNC pode optar pela elaboração das contas consolidadas segundo as normas internacionais, desde que se verifique o cumprimento de dois requisitos:
-
as suas demonstrações financeiras sejam sujeitas a certificação legal de contas;
-
a opção se mantenha por um período mínimo de três exercícios.
Acresce que, a opção é global, não permitindo o n.º 6 do artigo 4.º, o alegado procedimento contabilístico que a Requerente diz aplicar, que consistirá em não aplicar as normas internacionais de contabilidade no apuramento do seu resultado estatutário, mas sim o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), circunscrevendo-se a aplicação da IFRS16 para efeitos contabilísticos puramente internos.
Pelo que, não existe fundamento legal no normativo contabilístico que justifique, nas palavras da decisão controvertida, "a aplicação de dois regimes díspares, do designado “ponto de vista estatutário” o SNC e para “efeitos de contabilidade interna” a IFRS16.».
Assim, não tendo a Requerente logrado provar o cumprimento dos requisitos constantes do artigo 4.º do D.L. 158/2009, é forçoso concluir que a sociedade estava obrigada a aplicar as normas internacionais de contabilidade, designadamente, a IFRS16, como bem demostra a decisão controvertida.
5.2. Posição da Requerente
Nas alegações a Requerente quanto à referência feita no PPA na nota ao parágrafo 41 faz a seguinte menção:
“No pedido de pronúncia arbitral, onde se lê «artigo 4.º, n.os 3 e 5, do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho» deve ler-se “artigo 4.º, n.os 2 e 4, do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho”. Assim é porquanto a menção aos n.os 3 e 5 do artigo 4.º resulta de um mero lapso de escrita, conforme se infere da argumentação desenvolvida nos artigos 52.º a 59.º do pedido de pronúncia arbitral, em sede dos quais é feita alusão aos corretos – i.e., aos n.os 2 e 4 do artigo 4.º”.
A Requerente entende que a aplicação das Normas Internacionais de Contabilidade é uma mera faculdade sua e não uma obrigação.
Afirma a Requerente que da interpretação conjugada dos n.os 2 e 4 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho resulta que empresas subsidiárias, cuja empresa-mãe tenha elaborado as suas contas consolidadas em conformidade com as normas internacionais de contabilidade, podem elaborar as respetivas demonstrações financeiras individuais em consonância com as normas internacionais de contabilidade.
Diz ainda que sendo certo que as opções de gestão e organização internas das empresas não podem ser sindicadas por entidades externas – como a Autoridade Tributária – muito menos para efeitos de liquidação de imposto (em excesso).
Deste modo, considera que, e contrariamente à posição perfilhada pela Autoridade Tributária, a Requerente que não estava vinculada a aplicar as normas internacionais de contabilidade, não tendo agido em desconformidade com a lei quando procedeu à aplicação do SNC no exercício de 2019.
5. 3. Apreciação da questão de direito
5.3.1. Da legalidade da decisão da reclamação graciosa controvertida e da autoliquidação de IRC
1. A Requerente é uma sociedade comercial unipessoal por quotas de Direito português, inserida no grupo multinacional B... (“Grupo B...”).
A título direto, a Requerente é integralmente detida pela sociedade de Direito espanhol C..., S.A., com sede em Espanha.
A título indireto, a Requerente é integralmente detida pela sociedade de Direito suíço D..., S.A., com sede na Suíça, a qual constitui a «ultimate parent company» do Grupo B... .Esta é uma sociedade cotada na Bolsa de Valores de Zurique.
No Parágrafo 42 do PPA informa-se que A sociedade C..., S.A. – empresa-mãe da Requerente – elaborou as suas contas consolidadas em conformidade com as normas internacionais de contabilidade (cfr. n.º 2 do mencionado artigo), pelo que a aplicação destas – como a IFRS 16 – às demonstrações financeiras individuais da Requerente consiste numa mera faculdade na aceção do referido n.º 4, sendo a opção (ou não) pela sujeição das suas demonstrações financeiras ao crivo de tais normas dirimida por critérios de gestão e organização internos.
No exercício de 2019, o Grupo B... apresentou as suas contas consolidadas em conformidade com as normas internacionais de contabilidade.
A partir do exercício de 2018, o Grupo B... decidiu introduzir a nível mundial a Norma Internacional de Relato Financeiro n.º 16 (“IFRS 16”).
O Grupo B... implementou, igualmente a nível mundial, um sistema contabilístico mediante o qual passou a ser efetuado um lançamento do registo a crédito (da conta #2076110 – Accrual dos pagamentos) e a débito (da conta #2100010 – Redução do passivo).
Posteriormente, a conta #2100010 passou a ser saldada pelos movimentos de receção da fatura – Good Receipt – e, desta forma, os pagamentos que entraram a débito da conta #2100010 passaram a ser reclassificados manualmente para «Alugueres operacionais».
Como a Requerente continuou a aplicar o SNC, a introdução da IFRS 16 no seio do Grupo B... obrigou-a a salvaguardar que, no final de cada exercício, todas as suas contas de ativo e passivo, depreciações do exercício e acumuladas, referentes a contratos de locação, seriam reclassificadas para «Alugueres operacionais» para efeitos do SNC.
Nota: A AT não faz referência à possibilidade de inadvertidamente a Requerente ter registado algum montante relativo às depreciações do “ativo sob direito de uso” em sede da adoção da IFRS 16.
2. Veja-se infra, apresentado em esquema, um normal registo contabilístico de alugueres face ao registo efetuado quanto à categoria E...:
Ao não ter sido efetuada a compensação na conta #2076110, referente aos alugueres da categoria E..., no momento da integração dos saldos credores e devedores provenientes do sistema contabilístico próprio daquela categoria, os pagamentos efetuados (no âmbito daquela categoria) foram integrados na conta de fornecedores (a débito) do balancete geral da Requerente.
Em face deste lapso, decorrente da implementação do novo sistema contabilístico, as despesas com a locação de estabelecimentos comerciais, no montante de 1.871.847,06 EUR, não foram tidas em conta no apuramento do resultado líquido do exercício de 2019, que contém algumas faturas com data de 2018 (cfr. doc. n.º 9 junto com o PPA). De facto, há algumas faturas que têm data de 2018 (normalmente dezembro), mas são relativas às rendas de meses do ano de 2019 (normalmente janeiro). Essas faturas referem expressamente o mês do uso dos estabelecimentos comerciais a que diz respeito o montante das rendas (coincidência com o mês em que as rendas foram economicamente suportadas).
3. A Legislação da IFRS 16
A IFRS 16 – Locações, entrou em vigor na União Europeia em 1 de janeiro de 2019, mas não deixam de continuar a existir desafios de interpretação e aplicação da norma, de que é exemplo a recente publicação do dia 3 de março de 2024, pela Direção de Serviços do IRC, da Circular 3/2024 que visou esclarecer algumas dúvidas sobre as implicações fiscais, em sede de IRC, da IFRS 16, esclarecendo o entendimento a ter pela Autoridade Tributária e Aduaneira-AT quanto às taxas de amortização a aplicar aos ativos sob direito de uso, através da correção do ponto 9 da Circular n.º 7/2020.
“O anterior entendimento da AT quanto a esta matéria referia que, para efeitos do cálculo das amortizações aceites fiscalmente, deviam ser utilizadas as taxas de amortização previstas nas tabelas I e II do regime das depreciações e amortizações (Decreto Regulamentar n.º 25/2009) para os ativos subjacentes ao direito de uso.
Tendo vindo a levantar-se dúvidas sobre este entendimento e tendo em conta que o mesmo criava divergências relevantes entre a contabilidade e a fiscalidade, designadamente nas situações em que a amortização aceite para efeitos fiscais dos ativos subjacentes era inferior à amortização que resultava do prazo da locação, foi sancionada uma alteração no referido entendimento administrativo quando a locação não transfira a propriedade do ativo subjacente para o locatário no fim do prazo da locação, nem exista possibilidade de exercer uma opção de compra.
Este novo entendimento possibilita a coincidência do tratamento fiscal com o tratamento contabilístico previsto na IFRS 16, pelo que as empresas não terão de acrescer ao seu lucro tributável amortizações resultantes da aplicação da IFRS 16 que excedam as taxas previstas no regime das depreciações e amortizações para os ativos subjacentes.
Na sequência desta alteração, as empresas poderão recuperar o IRC pago em excesso no passado resultante do acréscimo das referidas amortizações através de uma extensão do prazo dos meios de reação disponíveis, concedida pela Circular n.º 3/2024.” (Newsletter da Cuatrecasas, de 26 de março de 2024)
4. Locações em IFRS
Um dos aspetos mais notáveis da IFRS 16 foi a introdução de um único modelo de contabilização das locações pelos locatários, eliminando-se a distinção entre locação financeira e operacional e levando a que no início de um contrato de locação seja reconhecido no balanço um direito de uso e o correspondente passivo de locação.
Para os locatários deixaram de existir locações “off-balance sheet”, e assistiu-se a um aumento do passivo e do ativo. Na demonstração de resultados, em vez do anterior gasto operacional, reconhecido ao abrigo da anterior IAS 17 para as locações operacionais, passou-se a registar a amortização do direito de uso (numa base linear) e os juros implícitos no passivo de locação (que serão decrescentes ao longo do contrato de locação).
5. Identificação de uma locação (em termos da IFRS 16)
A IFRS 16 define um contrato de locação como sendo um contrato, ou parte de um contrato, que transmite o direito de uso ou controlo de um ativo, por um período, em troca de obrigações. Dado que o ativo deve ser um ativo identificável, o que significa que este deve estar explicitamente identificado no contrato, ou então de forma implícita, situação em que o controlo deve ser interpretado como sendo o direito de obter todos os benefícios económicos, durante todo o período de uso. No início de um contrato, a entidade deve avaliar se o contrato é ou contém uma locação. Um contrato é, ou contém, uma locação se comportar o direito de controlar o uso de um ativo identificado por um período em troca de uma retribuição (§IFRS 16.9).
As IFRS são normas emitidas pelo International Accounting Standards Board (IASB). Este organismo, criado em 1973, começou por emitir International Accounting Standards (IAS) e, após ter passado por uma reestruturação, passou a designar as novas normas por International Financial Reporting Standards (IFRS). Em dezembro de 2001, ocorreu a alteração da denominação do Standing Interpretations Committee (SIC), para o International Financial Reporting Interpretations Committee (IFRIC). O conjunto de normas emitidas até à data pelo IASB inclui 41 IAS e 17 IFRS. Apesar do IASB já ter emitido um total de 58 normas, algumas destas já não estão em vigor, na medida em que algumas normas mais antigas foram sendo substituídas por normas mais recentes. As normas do IASB atualmente em vigor contemplam um total de 24 IAS e 17 IFRS.
Em resumo, o atual normativo IASB compreende normas e interpretações com diferentes nomes, consoante tenham sido emitidas antes ou após o ano de 2001, conforme abaixo:
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Até 2001
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Após 2001
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Normas
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IAS
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IFRS
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Interpretações
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SIC
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IFRIC
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Fonte: Sistema de Normalização Contabilística SNC Explicado, de João Rodrigues – 9.ª edição – Porto Editora
6. Entidades Normalizadoras em Portugal
- Setor Bancário – Banco de Portugal (BdP)
- Setor Segurador – Autoridade de Seguros e Fundos de Pensões (ASF)
- Setor empresarial, setor não lucrativo e setor público – Comissão de Normalização
Contabilística (CNC)
- Empresas cotadas, fundos de investimento – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM)
No ano de 2009 foi publicado o DL n.º 158/2009, de 13-07 em que foi aprovado o Sistema de Normalização Contabilística (SNC).
A principal alteração ao SNC foi a publicação do DL nº 98/2015 de 02 junho (com a transposição da Diretiva 2013/34/UE), bem como por atualização dos Regulamentos publicados, desde o Reg. n.º 1606/2002 até Reg. nº 475/2012, de 5 de junho.
7. O Sistema de Normalização Contabilística (SNC)
De acordo com o artigo 3.º do DL nº 158/2009, o âmbito do SNC é o seguinte:
1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 4.º e 5.º, o SNC é obrigatoriamente aplicável às seguintes entidades:
a) Entidades abrangidas pelo Código das Sociedades Comerciais;
b) Empresas individuais reguladas pelo Código Comercial;
c) Estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada;
d) Empresas públicas que não se encontrem abrangidos pelo Sistema de Normalização Contabilística para as Administrações Públicas;
e) Cooperativas, exceto aquelas cujo ramo específico não permita sob qualquer forma, direta ou indireta, a distribuição de excedentes, designadamente as cooperativas de solidariedade social, previstas na alínea m) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 51/96, de 7 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis nºs 343/98, de 6 de novembro, 131/99, de 21 de abril, 108/2001, de 6 de abril, 204/2004, de 19 de agosto, e 76-A/2006, de 29 de março, equiparadas a instituições particulares de solidariedade social e, nessa qualidade, registadas na Direção-Geral da Segurança Social, relativamente às quais a aplicação do SNC opera nos termos da alínea g);
f) Agrupamentos complementares de empresas e agrupamentos europeus de interesse económico;
g) Entidades do setor não lucrativo (ESNL), entendendo-se como tal as entidades que prossigam a título principal uma atividade sem fins lucrativos e que não possam distribuir aos seus membros ou contribuintes qualquer ganho económico ou financeiro direto, designadamente associações, fundações e pessoas coletivas públicas de tipo associativo, devendo a aplicação do SNC a estas entidades sofrer as adaptações decorrentes da sua especificidade.
O SNC (Regime Geral) compreende 28 NCRF (Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro) que foram preparadas pela Comissão de Normalização Contabilística (CNC) e publicadas através do Aviso nº 8256/2015, de 29 de julho. Estas 28 NCRF constituem uma adaptação das IFRS, adotadas na UE, tendo em conta o universo empresarial português. Uma versão inicial destas 28 NCRF tinha sido publicada em 2009, mas a CNC procedeu posteriormente a alguns ajustamentos a estas normas (maioritariamente para atender às disposições previstas na Diretiva nº 2013/34/EU, os quais foram incorporados na versão publicada em 2015).
A IFRS 16 e a NCRF 9 apresentam uma diferença significativa no que diz respeito à contabilização das locações operacionais nas demonstrações financeiras do locatário (posição da Requerente).
8. Locações em SNC – NCRF 9
A NCRF 9 exige que as locações classificadas como operacionais, ie, aquelas em que o locador não transfere para o locatário substancialmente todos os riscos e vantagens inerentes ao ativo, sejam contabilizadas da seguinte forma nas demonstrações financeiras do locatário:
Reconhecer os pagamentos da locação como um gasto numa base linear durante o prazo da locação, salvo se uma outra base sistemática for mais representativa do modelo temporal do benefício do utente.
Glossário da CNC:
Locação é um acordo pelo qual o locador transmite ao locatário, em troca de um pagamento ou série de pagamentos, o direito de usar um ativo por um período de tempo acordado.
Locação é, de acordo com o artigo 1022.º do Código Civil, “o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição”. É possível afirmar que a locação apresenta os seguintes traços característicos:
1) Contrato;
2) Obrigação de proporcionar o gozo de uma coisa;
3) Caráter temporário (duração não pode ser superior a trinta anos, nos termos do artigo 1025.º do Código Civil); e
4) Retribuição (contrapartida pecuniária).
O contrato de locação, se incidir sobre bens móveis chama-se aluguer, se incidir sobre bens imóveis chama-se arrendamento (artigo 1023.º do Código Civil).
A IFRS 16 estabelece que todas as locações, incluindo as operacionais, devem ter o mesmo tratamento contabilístico nas demonstrações financeiras do locatário, o qual consiste no reconhecimento, na data de entrada em vigor da locação:
• De um ativo sob direito de uso; e
• De um passivo da locação
Em esquema:
Formação da OCC
9. Análise ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 158/2009
Dispõe a norma legal do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 158/2009:
«1 - As entidades, de entre as referidas no artigo anterior, cujos valores mobiliários estejam admitidos à negociação num mercado regulamentado devem, nos termos do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho de 2002, elaborar as suas demonstrações financeiras consolidadas em conformidade com as normas internacionais de contabilidade adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho de 2002.
2 - As entidades, de entre as referidas no artigo anterior, que não sejam abrangidas pelo disposto no número anterior, podem optar por elaborar as respetivas demonstrações financeiras consolidadas em conformidade com as normas internacionais de contabilidade adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho de 2002, desde que as suas demonstrações financeiras sejam objeto de certificação legal das demonstrações financeiras.
3 - As entidades, de entre as referidas no artigo anterior, que estejam incluídas no âmbito da consolidação de entidades abrangidas pelo disposto no n.º 1 podem elaborar as respetivas demonstrações financeiras individuais em conformidade com as normas internacionais de contabilidade adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho de 2002, ficando as suas demonstrações financeiras sujeitas a certificação legal das demonstrações financeiras.
4 - As entidades, de entre as referidas no artigo anterior, mas que estejam incluídas no âmbito da consolidação de entidades abrangidas pelo n.º 2, podem optar por elaborar as respetivas demonstrações financeiras individuais em conformidade com as normas internacionais de contabilidade adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho de 2002, ficando as suas demonstrações financeiras sujeitas a certificação legal das demonstrações financeiras.
5 - A possibilidade referida no n.º 3 é extensível às entidades subsidiárias de uma empresa-mãe regida pela legislação de um Estado membro da União Europeia cujas demonstrações financeiras sejam consolidadas nos termos dos artigos 4.º e 5.º do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho de 2002.
6 - As opções referidas nos n.os 2 a 5 devem ser globais, mantendo-se por um mínimo de três exercícios.
7 - O período referido no número anterior não se aplica às entidades que, tendo optado pela aplicação de normas internacionais de contabilidade, passem a estar incluídas no âmbito da consolidação de entidades que não as adotem.
8 - A aplicação das normas internacionais de contabilidade a que se refere o presente artigo não prejudica que, para além das informações e divulgações inerentes a estas normas, as entidades abrangidas sejam obrigadas a divulgar outras informações previstas na legislação nacional.» (negrito da Requerida).
5.3.2. Uso da IAS/IFRS
De acordo com uma apresentação da CNC aquando da publicação do Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho que alterou, para além de outras disposições, o Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho (SNC):
Utilização das IAS/IFRS
DF-Demonstrações Financeiras; CLC-Certificação Legal de Contas
Nota: o articulado que consta no quadro não está correto, porque os artigos do DL nº. 98/2015 corrigiram outros diplomas:
-Art.º 2º: Alteração ao DL nº 158/2009 (alterando os art.º 2º a 12º e 14º);
-Art.º 3º: Aditamento ao DL nº 158/2009;
-Art.º 4º: Alteração ao anexo ao DL nº 158/2009;
-Art.º 5º: Alteração ao Código das Sociedades Comerciais;
(…)
-Art.º 14º: Republicação do DL nº 158/2009
A CNC tem um grupo de FAQ’s NORMATIVO APLICÁVEL AOS PERÍODOS QUE SE INICIEM A PARTIR DE 01/01/2016
Com vista a contribuir para a melhor aplicação do Sistema de Normalização Contabilística, a CNC entendeu divulgar um conjunto de questões que lhe têm sido recorrentemente apresentadas e que, pela sua importância, considera que são merecedoras de divulgação. Naturalmente que as respostas originais foram emitidas em relação a questões concretas descritas nos pedidos endereçados à CNC. Porém, e para divulgação nesta página, tais respostas foram objeto de adaptação a fim de garantir a necessária proteção de dados ou informações que, aliás, em nada acrescentariam à compreensão técnica das matérias.
Por último, anote-se que as respostas a consultas aqui divulgadas, devem ser apreciadas tendo em conta a data em que foram produzidas e que as mesmas têm um carácter meramente informativo, não constituindo, em caso algum, um ato administrativo.
Pergunta 5: Num grupo empresarial de direito português, uma empresa-mãe prepara demonstrações financeiras consolidadas de acordo com as normas internacionais de contabilidade adotadas na UE (por obrigação ou por opção) e pretende que as empresas do grupo utilizem a opção pelas normas internacionais de contabilidade adotadas na UE. Isso implica que todas as entidades incluídas na consolidação tenham de preparar contas individuais em IFRS?
Resposta: Não. Conforme números 3 e 4 do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho, trata-se de uma opção a exercer por cada uma das empresas do grupo sedeadas em Portugal, pelo que umas poderão utilizar as normas internacionais de contabilidade adotadas na UE e outras o SNC. Nos termos do n.º 5 do mesmo diploma, uma vez exercida a opção pelas normas internacionais de contabilidade adotadas na UE, este conjunto normativo deverá ser aplicado na sua íntegra.
De acordo com o previsto n.º 6 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho, as opções pela aplicação das normas internacionais de contabilidade devem ser mantidas por um período mínimo de três exercícios. Para as empresas que adotam as normas nacionais, apesar de não estar explicito na lei a definição de um período mínimo de permanência, atendendo à necessidade de existirem demonstrações financeiras comparáveis, será recomendável também existir um período mínimo de permanência de três exercícios.
(Revista pelo CNCE em 15 de fevereiro de 2017)
Consultando o site da CNC encontramos a seguinte informação:
A CNC atualizou junto da Comissão Europeia o quadro síntese "Overview of the use of options provided in the IAS Regulation", o qual está disponível no site.
Duas notas finais:
1)A Declaração de IRC modelo 22 não tem qualquer quadro para que as empresas coloquem a informação de como a contabilidade se encontra organizada, apenas tem no quadro 3-A a qualificação da empresa como Micro empresa, PME ou Não PME, conforme abaixo:
A informação sobre a forma como a contabilidade da empresa se organiza apenas é declarada no Anexo A da IES-Informação Empresarial Simplificada:
NIC (Normas Internacionais de Contabilidade);
NCRF (Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro);
NCRF-PE (Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro Para Pequenas Entidades);
NC-ME (Norma Contabilística para Microentidades)
De acordo com as instruções do preenchimento do Anexo A da IES/Declaração anual:
2)A NCRF nº 4-Políticas contabilísticas, alterações nas estimativas contabilísticas e erros deveria ter sido aplicada nas correções de erros de períodos anteriores.
“Trata-se dos erros descobertos no exercício relativamente às demonstrações financeiras de um ou mais exercícios anteriores e que sejam de tal magnitude que coloquem em causa a fiabilidade das demonstrações financeiras do(s) exercício(s) anterior(es).” (Pág. 481 obra acima citada)
Na contabilidade da entidade, o erro (de grande magnitude) deveria ter sido corrigido através de lançamento na conta 56-Resultados Transitados.
A Requerente não estava vinculada a aplicar as normas internacionais de contabilidade, não tendo agido em desconformidade com a lei quando procedeu à aplicação do SNC no exercício de 2019.
5.3.3. Do princípio da especialização dos exercícios
O princípio da periodização do lucro tributável - artigo 18.º do CIRC
Em consequência da aplicação do SNC no apuramento do lucro tributável, a Requerente pretende deduzir no exercício de 2019 o valor de rendas pagas em 2018, e que as faturas referem expressamente o mês do uso dos estabelecimentos comerciais a que diz respeito o montante das rendas (coincidência com o mês em que as rendas foram economicamente suportadas), ou seja, em 2019.
Sobre esta matéria pronunciou-se a Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 504/2022-T:
“V.5 Gastos dedutíveis e especialização de exercícios
Por erro, em 2018, a Requerente contabilizou (e deduziu ao IRC) certas despesas que dizem respeito ao exercício de 2017 (com os fornecedores I..., Lda. e N..., Lda). Trata-se, pois, da inscrição, em 2018, de gastos relativos a 2017, por serviços prestados nesse ano (2017); acresce que a Requerente teve prejuízos fiscais em 2017 e 2018; e esses serviços foram essencialmente prestados em dezembro de 2017. O Tribunal decide esta questão na senda da jurisprudência dos tribunais superiores, concluindo pela anulação da liquidação, nesse segmento, por prevalência dos princípios materiais (justiça) sobre princípios técnicos ou formais (especialização dos exercícios)”.
Este entendimento consta de várias decisões judiciais: Acórdão STA de 25/6/2008, proc. 0291/08; Ac. TCA Sul de 25/11/2021, proc. 410/04.4BELSB; Sentença do CAAD, nos processos 874/2019-T; 327/2019-T; 588/2015-T e 431/2020-T.
Dada a relevância, transcreve-se parte da Sentença do CAAD no Proc. 334/2018-T:
“O princípio da periodização económica ou da especialização dos exercícios está positivado no n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC e traduz-se na regra de que devem ser considerados como ganhos ou perdas de determinado exercício os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, que a esse exercício digam respeito, sendo irrelevante o exercício em que elas se materializam. No n.º 2 daquele mesmo artigo 18.º prevê-se uma exceção para as componentes positivas ou negativas do lucro tributável que, na data do encerramento das contas de determinado exercício, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas. O princípio da especialização dos exercícios deriva da periodização dos resultados que é imposta por necessidades de gestão e de informação, sendo «caracterizado pela cisão da vida da empresa em intervalos temporais e pela imputação dada a um deles das componentes, positivas e negativas, que tornem possível determinar o resultado que lhe corresponde», impondo essa especialização «a realização de inventário de fim de exercício, dela decorrendo a necessidade de imputar a cada exercício todos os proveitos e custos que lhe são inerentes e só esses» ; desta forma, «a periodização anual do imposto implica que tanto os rendimentos como os gastos (e as variações patrimoniais fiscalmente relevantes) sejam imputados a cada período de tributação. Esta imputação resulta essencialmente da aplicação das normas contabilísticas, justamente porque o nosso legislador entendeu que as regras de periodização aí previstas oferecem um sistema coerente, fiável e eficaz também para efeitos fiscais.» (…) A importância e razão de ser do princípio da periodização económica resultam evidentes se se tiver presente que «a especialização temporal das componentes do lucro é ainda mais importante para efeitos fiscais do que contabilísticos, dados os condicionalismos em que decorre a determinação do imposto a pagar, de modo a evitar desvios de resultados entre exercícios diferentes com propósitos de minimização da carga fiscal, (…). Com efeito, essa imputação temporal pode ser instrumento de uma manipulação de resultados, de modo a, designadamente: a) Diferir no tempo os lucros; b) Fracionar os lucros, distribuindo-os por exercícios diferentes, com o objetivo de evitar, num imposto de taxas progressivas, a tributação por taxas mais elevadas; c) Concentrar o lucro em exercício onde se podem efetivar deduções mais avultadas (v. g. por reporte de prejuízos ou por incentivos fiscais).» Efetivamente, existem, «em abstrato, dois tipos de erros fiscais ligados à imputação temporal das componentes positivas e negativas do rédito ao exercício competente: a omissão ou esquecimento (erro voluntário ou involuntário): conhece-se a regra, que é indisputável, mas por algum motivo (ilegítimo ou justificado) não se regista o proveito ou o custo no ano devido; a álea ou abertura interpretativa: errónea inscrição temporal dum proveito ou um custo, efetuada, todavia, com base numa interpretação plausível da regra fiscal (geral ou específica) da especialização dos exercícios, regra essa que possui um conteúdo aplicativo equívoco (ou não concludente) diante do caso concreto.» É, pois, vedado aos contribuintes definirem como bem entenderem ou segundo critérios de oportunidade ou, ainda, em conformidade com a sua estratégia comercial ou de gestão, o timing para declararem os proveitos e os custos decorrentes da sua atividade comercial ou industrial, porquanto lhes são legalmente impostos limites e regras para o efeito, designadamente no sentido de os obrigar a imputar esses proveitos e custos ao exercício a que digam respeito. Assim, todos os custos e proveitos que sejam reconhecidos em determinada data devem ser registados no exercício a que correspondem de modo a que se produza uma imagem fidedigna da posição da empresa para esse período; ou seja, devem ser imputados «ao exercício os encargos que emergem de operações nele realizadas, ainda que nele não suportadas, do mesmo modo que se devem imputar a um exercício os proveitos resultantes de operações nele feitas mesmo que arrecadados noutro» (acórdão do STA, proferido em 02/04/2008, no processo n.º 0807/07, disponível em www.dgsi.pt)”.
(...)
Na jurisprudência tributária do CAAD, também constatamos o mesmo sentido decisório, entre outros, nos acórdãos proferidos em 24/11/2014, no processo n.º 367/2014-T, em 22/01/2016, no processo n.º 262/2015-T, em 29/04/2016, no processo n.º 588/2015-T, em 15/12/2017, no processo n.º 244/2017-T e em 24/10/2017, no processo n.º 233/2017-T (disponíveis em www.caad.org.pt/tributário/decisões), respigando-se aqui o seguinte segmento deste último aresto: «(…) Questão da prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da especialização dos exercícios. O princípio da justiça (…) é imposto à globalidade da actividade da Administração Tributária pelos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT. Da observância concomitante dos princípios da legalidade e da justiça conclui-se que o dever de a Administração Tributária aplicar o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente regulam determinadas situações, abrangendo também o dever de a Administração Tributária ter em conta as consequências da sua actividade e abster-se da aplicação estrita de normas quando delas decorra um resultado manifestamente injusto. A aplicação do princípio da justiça será de sobrepor ao princípio da especialização dos exercícios nos casos em que do incumprimento não tenha resultado prejuízo para o erário público e aquele não tenha sido concretizado intencionalmente com o objectivo de obter vantagens fiscais. O Supremo Tribunal Administrativo tem adoptado este entendimento, tendo decidido, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, que «esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), (…), desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios». A própria Administração Tributária há muito reconheceu a necessidade de flexibilidade na aplicação do princípio da especialização dos exercícios, no Ofício-circular n.º C-1/84, de 8- 6-84, publicado, com o respectivo parecer, em Ciência e Técnica Fiscal, n.ºs 307-309, páginas 781-791, em que se adoptou o seguinte entendimento, a propósito da questão paralela que se colocava no domínio da Contribuição Industrial: “Sempre que em determinado exercício existam custos e proveitos de exercícios anteriores, o tratamento fiscal correspondente deverá obedecer às seguintes regras: a) Não aceitação dos custos e dos proveitos resultantes de omissões voluntárias ou intencionais no exercício em que são contabilizados, considerando-se, em princípio, como tais as que forem praticados com intenções fiscais, designadamente, quando: está para expirar ou para se iniciar um prazo de isenção; o contribuinte tem interesse em reduzir os prejuízos em determinado exercício para retirar maior benefício do reporte dos prejuízos previsto no artigo 43.º do Código; o contribuinte pretende reduzir o montante dos lucros tributáveis para aliviar a sua carga fiscal. b) Nos restantes casos, não deverão corrigir-se os custos e proveitos de exercícios anteriores.” (…) Nos casos em que o Supremo Tribunal Administrativo tem admitido que deva prevalecer o princípio da justiça sobre a legalidade estrita relativa ao princípio da especialização dos exercícios são situações em que da não observância desse princípio não advém qualquer prejuízo para o erário público, nomeadamente situações em que o sujeito passivo não obteve vantagens ou até foi prejudicado pelo erro que praticou na aplicação do princípio da especialização dos exercícios. Em situações desse tipo, não se pode justificar que seja infligida ao contribuinte uma maior oneração fiscal, em nome de um respeito fetichista e acrítico pela observância da legalidade e à margem de qualquer perspectiva de prossecução do interesse público, que é o dever primacial a observar pela Administração Pública, como decorre do n.º 1 do artigo 266.º da CRP.»”
No caso do Processo n.º 504/2022-T é dito: “Temos erros de final de ano – serviços prestado em dezembro de 2017 e faturado em 2018, com essa indicação; em ambos os exercícios se registaram elevados prejuízos fiscais. E com a ação inspetiva (2022), o contribuinte toma consciência da violação da especialização – passou-lhe o tema à época; não há complexidade na interpretação e aplicação da regra da especialização; além disso, atualmente já se esgotaram os meios graciosos de reposição da especialização (retirar o custo de 2018 e colocá-lo em 2017); e não há qualquer transferência de resultados entre exercícios, já que em ambos houve prejuízos fiscais – e por isso não há qualquer poupança ou vantagem fiscal (tirando a vantagem acessória, que não se valoriza, de ganho de um ano no reporte dos prejuízos). Por estes motivos, anula-se a liquidação adicional de IRC, neste segmento, com a aceitação da violação formal da especialização de exercícios, por primazia e em obediência aos princípios da justiça e da capacidade contributiva”.
Entende este Tribunal Arbitral que a Requerente pode deduzir o valor das rendas pagas em 2018, mas referentes a 2019, cumprindo com o princípio da especialização de exercícios aplicando o SNC nos termos suprarreferidos.
Fica assim prejudicado o conhecimento das demais questões.
Pelo exposto, a requerente não era obrigada a aplicar as IFRS, pelo que os montantes das rendas são dedutíveis para a determinação do lucro tributável, de acordo com o artigo 23º. n.º 2, d) do CIRC, pelo que este Tribunal Arbitral decide que PPA é procedente anulando-se parcialmente a declaração de IRC e o despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022... . Nos termos do artigo 24.º, n.º 1 do RJAT, constitui um efeito da decisão arbitral de procedência que a AT deva praticar o ato tributário legalmente devido de substituição do ato impugnado e restabelecer a situação que existiria se esse ato não tivesse sido praticado.
6. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente pede ainda o reembolso do IRC indevidamente suportado acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, com fundamento em erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária.
6.1. Pedido de restituição de quantias pagas
Considerando que o valor do IRC liquidado e pago pela Requerente relativamente ao ano de 2019 não teve em conta a dedução à coleta do valor suprarreferida, deverá o pedido de restituição do IRC ser julgado procedente quanto ao valor que vier a ser liquidado em execução da presente decisão arbitral, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, e), do RJAT.
6.2. Juros indemnizatórios
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
O processo de impugnação judicial, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que determina:
“Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.”
A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.
No entanto, o erro que afeta a autoliquidação é originariamente imputável à Requerente, por ser esta que a efetuou, pelo que não ocorreu erro imputável aos serviços.
Consequentemente, a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento de IRC.
No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente e este erro é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a ação que a reporia deve ser equiparada à ação.
Nos presentes autos, a reclamação graciosa foi apresentada em 06-07-2022 e foi indeferida em 06-03-2023 sendo que em 07-11-2022 se formou o indeferimento silente da reclamação graciosa, (CC, art. 279.º., als. b) e c), ex vi LGT, art. 57.º, n.ºs 1 e 3), data do termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios peticionados. Neste sentido o Acórdão do STA de 29-11-2023, proferido no Processo n.º 011/19.2BELRS: “I - Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T., sendo que o indeferimento tácito de reclamação graciosa deduzida opera ao fim de quatro meses, prazo esse que é contínuo e se deve contar nos termos do artº.279, do C. Civil (cfr.artº.57, nºs.1 e 3, da L.G.T.; artºs.20, nº.1, e 106, do C.P.P.T.).. II – In casu, tendo a reclamação graciosa dado entrada nos serviços da autoridade reclamada no dia 07.05.2015, nos termos da doutrina emanada daquele aresto do Pleno, temos que o indeferimento silente dessa pretensão se formou em 08.09.2015 (CC, art. 279.º., als. b) e c), ex vi LGT, art. 57.º, n.ºs 1 e 3). III - Tal indeferimento silente, portanto, é anterior ao indeferimento expresso da pretensão de devolução à Reclamante das quantias pagas, acrescidas dos juros indemnizatórios devidos, o qual ocorreu por decisão proferida em 26.09.2018. IV – Assim, relevando esse “indeferimento presumido” como termo inicial (dies a quo) da obrigação de contagem de juros indemnizatórios, quando ligada à existência do procedimento de reclamação graciosa, o dia a considerar para tal efeito é, precisamente, 08.09.2015, e não já o dia em que foi proferido o despacho de indeferimento, ou seja, 26.09.2018, como se julgou na sentença recorrida”.
Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, contados desde 07-11-2022 até à data do processamento da respetiva nota de crédito a calcular pela AT em execução de sentença.
Assim, como consequência da procedência do PPA, há lugar a reembolso das quantias indevidamente pagas, e dos juros indemnizatórios nos termos supramencionados.
7. Decisão:
De harmonia com o exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:
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Julgar improcedente a exceção dilatória invocada pela Requerida;
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar a ilegalidade parcial da autoliquidação do IRC impugnada, referente ao exercício de 2019, considerando a não dedução à coleta do valor das rendas nos termos peticionados;
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Julgar procedente o pedido de restituição de quantias pagas no valor que for determinado em execução da presente decisão arbitral e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a fazer o respetivo pagamento à Requerente;
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Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, a calcular pela Requerida nos termos referidos no ponto 6.2. desta decisão arbitral.
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
8. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 500.974,49 nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por remissão expressa do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, em consonância com os artigos 296.º, n.º 1 do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
9. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.956,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo Requerida.
Notifique-se
Lisboa, 19 de julho de 2024
Os Árbitros
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(Regina de Almeida Monteiro - Presidente)
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(Fernando José da Costa Matos – Adjunto)
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(Adelaide Moura – Adjunta)