Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 781/2023-T
Data da decisão: 2024-07-10  IRS  
Valor do pedido: € 60.132,64
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias: doação; imóvel onerado com hipoteca.
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DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos (presidente), Dr. António Pragal Colaço e Dra. Sofia Quental (relatora), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 16 de janeiro de 2024, acordam no seguinte:

  • RELATÓRIO
  1. No dia 30 de outubro de 2023, os contribuintes A..., titular do NIF ... e B..., titular do NIF ... (doravante, abreviadamente identificados por “Requerentes”), em coligação de Autores, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, requereram a constituição do Tribunal Arbitral Coletivo em matéria tributária, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, abreviadamente identificada por “Autoridade Requerida”, “Administração Tributária” ou simplesmente por “AT”), com vista a:
  1. ser decretada a ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), consubstanciados na liquidação de IRS n.º 2022 ..., de 02.12.2022, no montante de €24.787,01 e na liquidação de IRS n.º 2023..., de 06.01.2023, retificada em 10.01.2023, no montante de €34.633,27, ambas relativas ao exercício de 2021 e ser a Autoridade Requerida condenada ao pagamento dos juros vencidos e vincendos à taxa legal;
  2. Requerem ainda, subsidiariamente, a dedução ao valor apurado como “mais-valia”, do valor correspondente às despesas pagas com o produto da venda do imóvel no âmbito do processo de execução, no montante de €36.166,16;
  3. Bem como a avaliação do imóvel à data de maio de 2009, e em consequência, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária (LGT), a Revisão da Matéria Tributável.
  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 02 de novembro de 2023, tendo ambas as partes sido notificadas no mesmo dia.
  2. O Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a respetiva aceitação no prazo aplicável.
  3. As partes foram devidamente notificadas dessa designação no dia 26 de dezembro de 2023, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  4. O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 16 de janeiro de 2024 para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, em conformidade com o estipulado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
  5. Os Requerentes sustentaram, em síntese, o seu pedido da seguinte forma:
  1. O imóvel vendido e que determinou a liquidação por parte da AT, passou para a titularidade dos Requerentes, - 50% da nua propriedade para cada um - em maio de 2009, por doação de C... e D..., com reserva de direito de uso e habitação para o referido C... .
  2. Os Requerentes eram menores à data da doação, pelo que foram representados no ato pelos seus pais, não intervindo no mesmo, e consequentemente sem possibilidade de o aceitar ou recusar.
  3. À data da doação, já o imóvel se encontrava onerado com uma hipoteca voluntária constituída pelos então doadores, em 9 de outubro de 2008, para garantia de um contrato de mútuo concedido pela Caixa Geral de Depósitos (abreviadamente designada por “CGD”) aos anteriores proprietários do prédio, C... e D..., no valor de €1.000.000,00 (um milhão de euros).
  4. Os Requerentes desconheciam quer a doação, quer a situação em que o prédio se encontrava com o ónus que o acompanhava (hipoteca).
  5. Por incumprimento do contrato de mútuo por parte dos mutuários/doadores, o mesmo venceu-se, e a CGD terá cedido o seu crédito sobre o mutuário C... à sociedade "E...", com o NIF ... e sede em Dublin, Irlanda.
  6. Esta sociedade intentou contra o mutuário/devedor e contra os Requerentes (na qualidade de titulares inscritos da raiz do imóvel que garantia o mútuo), um processo de execução que correu termos com o nº.../14...TBCBR-Juízo de Execução de Soure-Juiz 1.
  7. No âmbito do mencionado processo executivo, o direito que os Requerentes possuíam no imóvel foi vendido pelo valor de €535.500,00, tendo o produto da venda, depois de pagas as despesas relacionadas com o processo de execução, sido entregue ao Exequente – credor hipotecário - para pagamento da dívida do devedor C... .
  8. Referem os Requerentes que não usufruíram do imóvel nem beneficiaram do produto da venda do mesmo pelo que é ilegal estarem a ser sujeitos passivos de um imposto assente num “ganho” que objetiva e manifestamente não obtiveram.
  9. O artigo 1.º do CIRS estabelece que o IRS incide sobre o valor anual dos rendimentos das diversas categorias, incluindo os incrementos patrimoniais (Categoria G), mesmo que provenientes de atos ilícitos, após deduções e abatimentos.
  10. Os Requerentes alegam que o conceito de rendimento se refere a um acréscimo patrimonial, que deve ser tributado de acordo com a capacidade contributiva do sujeito passivo, conforme o artigo 103.º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
  11. Este artigo estipula que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados conforme a Constituição, tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança não sejam efetuadas nos termos da lei.
  12. Além disso, referem os Requerentes, o artigo 104.º, nº 1, da CRP, estabelece que o imposto sobre o rendimento pessoal visa reduzir as desigualdades e será único e progressivo, considerando as necessidades e rendimentos do agregado familiar, contribuindo para a igualdade entre os cidadãos.
  13. A CRP consagra o princípio da tributação do rendimento real, que estabelece limites à tributação de pessoas singulares e empresas.
  14. O rendimento a tributar deve ser aquele efetivamente obtido, considerando apenas o rendimento líquido, disponível e real, para respeitar os princípios de justiça, igualdade e capacidade contributiva.
  15. Segundo o artigo 10.º do CIRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que não sejam considerados rendimentos profissionais, de capitais ou prediais, resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
  16. Alegam os Requerentes que as mais-valias são incrementos patrimoniais obtidos aquando da transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis, aumentando o património do contribuinte, quer pelo aumento do ativo, quer pela diminuição do passivo.
  17. E que este ganho deve manifestar-se concretamente no património do sujeito passivo para ser tributado, em conformidade com o princípio da justiça tributária.
  18. Os Requerentes invocam jurisprudência do CAAD, em especial a constante da Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.º 49/2022-T, que concluiu que a tributação de rendimentos pessoais deve basear-se em rendimentos reais comprovadamente obtidos pelo contribuinte. Liquidações sobre rendimentos não comprovadamente obtidos violam o princípio da capacidade contributiva e não podem subsistir na ordem jurídica.
  19. Argumentam os Requerentes que o verdadeiro beneficiário com o “ganho” da venda foi o executado C... , que viu o seu passivo diminuído.
  20. Imputar mais-valias aos Requerentes é ilegal e viola os princípios constitucionais, nomeadamente o princípio da capacidade contributiva, que expressa o princípio da igualdade fiscal, invocando neste sentido o Acórdão do STA proferido no Processo 01646/13.BELRA de 21/11/2019.
  21. Os Requerentes não obtiveram qualquer acréscimo patrimonial com a venda do imóvel, pois o produto da venda foi integralmente destinado ao credor hipotecário. Portanto, as liquidações são ilegais e injustas, devendo ser anuladas.
  22. Os Requerentes peticionam a devolução por parte da AT dos valores pagos a título de impostos e juros, acrescidos dos juros legais desde o pagamento até ao efetivo reembolso.
  23. Para além disso, e sem prescindir, alegam os Requerentes que as despesas associadas à venda do imóvel, no total de €36.166,17, não foram consideradas nas liquidações, devendo ser incluídas no cálculo dos valores a reembolsar aos Requerentes.
  24. Sem prejuízo da alegação da ilegalidade das liquidações, os Requerentes invocam também, subsidiariamente, a ilegalidade do apuramento da matéria coletável.
  25. A este propósito os Requerentes alegam que o valor real do imóvel doado era muito superior ao seu valor patrimonial, facto que determinou uma enorme inflação no valor de realização aquando da venda do prédio. Consequentemente, o valor do tributo apurado foi manifestamente injusto, exagerado e desproporcionado à realidade e à situação patrimonial dos Requerentes.
  26. Os Requerentes requerem ainda a anulação da liquidação de IRS n.º 2023 ... de 6 de janeiro de 2023, retificada em 10 de janeiro de 2023, no montante de €34.633,27, referente ao ano de 2021, em que figura como sujeito passivo B..., na medida em que a AT procedeu ao cálculo do imposto nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, e 72.º, n.º 1, do Código do IRS, aplicando ao Requerente a taxa de 28% sobre a totalidade da mais-valia, discriminando negativamente os não residentes em território português, restringindo a liberdade de circulação de capitais, e violando, assim, os artigos 18.º, 63.º, 64.º e 65.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
  1. Por despacho de 18 de janeiro de 2024, foi a Autoridade Requerida devidamente notificada para apresentar resposta ao pedido de pronuncia arbitral.
  2. Por requerimento de 31 de janeiro de 2024, a Autoridade Requerida veio juntar aos autos despacho de revogação parcial do ato impugnado, de 24 de janeiro de 2024, com o número 13/2024, determinando a manutenção da liquidação de IRS n.º 2022..., e a alteração da liquidação de IRS n.º 2023..., apenas no que concerne ao regime de tributação das mais-valias imobiliárias auferidas por não residentes.
  3. A 15 de fevereiro de 2024, os Requerentes responderam, no que concerne à parte das liquidações de IRS impugnadas que não foram objeto de revogação por parte da AT, reiterando os fundamentos invocados no pedido de pronuncia arbitral.
  4. A 20 de fevereiro de 2024, a Autoridade Requerida apresentou a sua Resposta, cingindo-se à matéria não objeto de revogação, nos termos da qual se defendeu por impugnação, invocando, em síntese, o seguinte:
  1. Os donatários receberam as doações ainda menores, mas após a maioridade poderiam ter requerido a anulação da doação, o que não fizeram.
  2. Não tendo aquele ato de doação sido anulado, é válido para os devidos e legais efeitos.
  3. Os Requerentes eram proprietários da nua propriedade do bem, figura a que é atribuído um valor, quer para efeitos de aquisição, quer de alienação.
  4. No caso dos presentes autos, a aquisição, por doação escriturada em maio de 2009, foi gratuita.
  5. Refere a Autoridade Requerida que, nos termos do artigo 45.º do Código do IRS, considera-se como valor de aquisição de bens ou direitos adquiridos a título gratuito o valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto de selo, ou, no caso de doação isenta de imposto de selo, o valor patrimonial tributário.
  6. Aquando da aquisição por doação, foi considerado o valor patrimonial inscrito na matriz de €247.330,00 (que era o mesmo desde 2008, data da inscrição do imóvel na matriz), perfazendo, para cada um dos Requerentes, o valor de €123.665,00.
  7. Assim, as liquidações consideraram, para efeitos de fixação do valor de aquisição, a data da doação e o valor que serviu de base à liquidação do imposto de selo, fixado em €123.665,00.
  8. No presente caso, estamos perante uma transmissão onerosa de um imóvel pertencente aos Requerentes, o que, para efeitos fiscais, configura uma transmissão onerosa de imóvel, pelo que não podem restar dúvidas de que os ganhos obtidos com a venda do imóvel em questão constituem uma mais-valia, nos termos dos artigos 9.º e 10.º do Código do IRS.
  9. Não tendo os Requerentes obtido qualquer acréscimo patrimonial "efetivo" com a alienação do imóvel, uma vez que este estava onerado com uma hipoteca e havia sido doado com reserva de uso e habitação a favor dos doadores, e vindo a ser alienado no âmbito do processo executivo instaurado por incumprimento do crédito garantido por aquela hipoteca, de que eram titulares os doadores, devem os Requerentes reclamar dos doadores, devedores à CGD, o montante retido no âmbito da execução, sendo a AT alheia a tal situação.
  10. No caso em apreço, o valor da realização é superior ao da aquisição, pelo que se verifica uma mais-valia que tem de ser tributada nos termos legalmente previstos.
  11. Alega a Autoridade Requerida que o facto de o produto da venda ter sido consumido no processo executivo, não interfere de forma alguma com a previsão legal de tributação da mais-valia.
  12. Alega ainda a Autoridade Requerida que as despesas inerentes ao processo executivo (honorários, despesas de execução, imposto de selo e custas de parte, no total de €36.166,17) não são despesas necessárias e inerentes à alienação, mas antes despesas decorrentes do processo executivo para cobrança coerciva da dívida dos doadores.
  13. Quanto aos juros indemnizatórios, relativamente ao segundo Requerente, que efetuou o pagamento de algumas prestações do valor constante na liquidação de IRS n.º 2023..., e em relação ao qual a AT reviu o seu entendimento, revogando parcialmente o ato tributário, reconhece-se um erro dos serviços na liquidação do imposto.
  14.  Sendo o pagamento do imposto que venha a ser anulado um dos pressupostos para o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, e não estando integralmente paga a liquidação objeto do presente pedido arbitral, os juros indemnizatórios devem incidir apenas sobre o montante efetivamente pago e não sobre as prestações vincendas que, à data da concretização da revogação, ainda não tenham sido pagas.
  15. Quanto ao primeiro Requerente, mostrando-se o ato de liquidação de IRS n.º 2022..., válido, porquanto inexiste erro imputável aos serviços, decai a pretensão do Requerente no tocante à atribuição de juros indemnizatórios.
  16.  Por último, alega ainda a Autoridade Requerida quanto ao pedido formulado em C do petitório - nomeadamente que seja efetuada a avaliação do imóvel à data de maio de 2009, e em consequência, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária (LGT), a Revisão da Matéria Tributável - só pode resultar de um lapso dado que o Tribunal Arbitral não tem competência para avaliar um imóvel e, porque o pedido de revisão previsto no artigo 78.º da LGT é dirigido à Administração e, nunca, ao Tribunal.
  1. Por despacho de 24 de fevereiro de 2024 foi dispensada a realização da reunião arbitral, por inexistirem qualquer uma das situações previstas no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT, tendo sido as partes notificadas para a realização de alegações.
  2. Os Requerentes e a Autoridade Requerida apresentaram as suas alegações a 13 e 20 de março de 2024, respetivamente.

 

  • SANEADOR
  1. O Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído, nos termos dos artigos 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
  2. Os Requerentes apresentam o presente pedido de pronúncia arbitral em coligação de autores, o que, nos termos do artigo 3.º do RJAT, é admissível quando a procedência do pedido dependa (i) essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto; e (ii) da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, o que se verifica no presente caso, entendendo o Tribunal Arbitral Coletivo estarem reunidas as condições para que seja admitida a coligação de autores.
  3. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de março.

 

  1. Da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, em razão da matéria

No pedido de pronúncia arbitral apresentado, os Requerentes peticionam:

  1. A determinação da legalidade e consequente anulação do ato tributário de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), consubstanciado na liquidação de IRS n.º 2022..., de 02.12.2022, no montante de €24.787,01 e na liquidação de IRS n.º 2023..., de 06.01.2023, no montante de €34.633,27, ambas relativas ao exercício de 2021.
  2. A condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT, nos termos legais, e das custas de arbitragem.
  3. A realização da avaliação do imóvel à data de maio de 2009, e em consequência, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 4 da LGT, da Revisão da Matéria Tributável.

O Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) procedeu à introdução no ordenamento jurídico português da arbitragem em matéria tributária, como forma de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, através do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril.

Com efeito, retira-se do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que a arbitragem em matéria tributária fixa “com rigor quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral. Assim, encontram-se abrangidas pela competência dos tribunais arbitrais a apreciação da declaração de ilegalidade de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e os de pagamento por conta, a declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais e, bem assim, a apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão anteriormente referida”.

A competência dos tribunais arbitrais está prevista no artigo 2.º do referido diploma legal, que refere que:

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;

c) (Revogada.)

2 - Os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade.”

O âmbito da jurisdição arbitral tributária, como refere a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 669/2015-T, “ficou, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (alínea a)).”.

Significa isto que o Tribunal Arbitral Coletivo apenas tem competência, ao abrigo do RJAT, para apreciar a declaração de ilegalidade de: a) liquidação de tributos; b) autoliquidação; c) retenção na fonte; d) pagamento por conta; e) de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo; f) de atos de determinação da matéria coletável e g) de atos de fixação de valores patrimoniais.

Através da Portaria n.º 112-A/2011, de 20 de abril, ficaram vinculados os serviços da Direção Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo que a estes serviços corresponde, presentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro, que aprova a estrutura orgânica desta Autoridade.

Na referida portaria estabelecem-se condições adicionais e limites de vinculação tendo em conta a especificidade das matérias e o valor em causa.

Ora, o pedido formulado pelos Requerentes no ponto C) do pedido de pronúncia arbitral prende-se com a realização da avaliação do imóvel à data de maio de 2009 e, em consequência, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 4 da LGT, a Revisão da Matéria Tributável, uma vez que o (…) tributo apurado e imputado aos Requerentes é manifestamente injusto, exagerado e desproporcionado à realidade e à situação patrimonial dos mesmos, sendo certo que os mesmos em nada contribuíram para este desfecho manifestamente injusto”.

O pedido em causa não cabe no âmbito da declaração de ilegalidade de um qualquer ato tributário previsto no artigo 2.º do RJAT. Ademais, o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para a condenação da Administração Tributária na prática de qualquer ato.

Face ao exposto, conclui-se que o pedido apresentado pelos Requerentes no ponto C) do pedido de pronuncia arbitral não cabe na competência dos tribunais arbitrais.

Em conclusão, é este Tribunal Arbitral Coletivo materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido sub judice objeto do litígio, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, o que consubstancia uma exceção dilatória relativa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da AT, relativamente a este pedido, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT.

  1. O Tribunal Arbitral Coletivo é materialmente competente relativamente aos pedidos identificados em A) e B) supra.
  2. Da revogação parcial do ato e consequente inutilidade superveniente parcial da lide

Em 24 de janeiro de 2024 foi proferido pela Exma. Senhora Subdiretora Geral da Direção de Serviços dos Impostos sobre Rendimento Singular despacho de revogação parcial do ato impugnado, exarado na informação n.º 13/2024, conforme comunicado ao Tribunal Arbitral a 30 de janeiro de 2024, da qual consta:

“16. Por último, quanto à tributação do Requerente NIF ..., não residente em território nacional, de acordo com os normativos legais aplicáveis à data (2021), o saldo apurado entre as mais-valias e menos valias imobiliárias, quando auferido por não residentes em território português, era tributado, na sua totalidade, à taxa autónoma de 28%, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS, sem prejuízo dos residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu (com intercâmbio de informação em matéria fiscal) poderem optar pelo englobamento dos rendimentos, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes, considerando-se para efeitos de determinação da taxa todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território.

17. No entanto, a AT reconhece que a jurisprudência tinha vindo a considerar que o quadro legal em vigor não era conforme com os artigos 63.º e 65.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia ("TFUE") por constituir uma discriminação negativa suscetível de restringir a circulação de capitais na União, com destaque para o Acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Administrativo ("STA") de 09.12.2020, proferido no âmbito do Processo n.º 75/20.6BALSB, bem como para a Decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia ("TJUE") de 18.03.2021, proferida no âmbito do Processo C-388/19 (Caso MK).

18. Assim, enquanto não se verificou a alteração legislativa nesta matéria que só veio a ocorrer com a entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2023, a AT entendeu que, nos procedimentos administrativos e processos judiciais pendentes, no quadro normativo em vigor antes da alteração legislativa da Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro, se deveria aplicar o regime do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS aos sujeitos passivos não residentes, mantendo-se a tributação autónoma à taxa especial de 28%.

19. Pelo que se entende que deve ser aplicado à liquidação de IRS do ano 2021 do Requerente B..., NIF ..., o n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, (repete-se, na redação anterior à Lei n.º 24-D/2022), mantendo-se a tributação autónoma à taxa especial de 28%.

No que concerne aos juros indemnizatórios, continua a referida informação:

“20. Tendo o Requerente B... efetuado o pagamento do valor constante do ato tributário de liquidação do IRS DO ANO 2021, objeto do presente pedido arbitral, deve analisar-se o direito a juros indemnizatórios.

21. Ora, dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) que são “devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

22. Nos termos do n.º 5 do artigo 13.º do RJAT, são atribuídos à apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral os efeitos da apresentação de impugnação judicial, pelo que são igualmente devidos juros indemnizatórios quando se determine, em processo arbitral, que houve erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

23. Na situação em apreço, alterando a AT o seu entendimento nesta matéria, reconhece-se erro dos serviços na liquidação do imposto.

24. Contudo, o Requerente suportado apenas algumas das prestações de pagamento daquela dívida tributária.

25. Sendo o pagamento do imposto que venha a ser anulado um dos pressupostos do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, não se mostrando integralmente paga a liquidação objeto do presente pedido arbitral, entende-se que os juros indemnizatórios incidirão apenas quanto ao montante efetivamente pago e não quanto às prestações vincendas que, à data da concretização da presente revisão da liquidação, ainda não tenham sido pagas.

Notificados os Requerentes, os mesmos pronunciaram-se requerendo “o prosseguimento do processo em virtude da reincidência da A.T. nos vícios e nas ilegalidades apontadas no Requerimento inicial, bem como para apreciação da obrigação de devolução de juros aos sujeitos passivos.” (conforme requerimento de 15 de fevereiro de 2024).

Cabe então apreciar desde já a legalidade da revogação parcial e, em caso de resposta afirmativa, os efeitos de tal revogação parcial.

Conforme mencionado na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 539/2023-T, “Quer os Tribunais de natureza tributária, quer a lei, (cfr. artigos 79.º, n.º 1 e 100.º da Lei Geral Tributária; artigo 112.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário), têm preconizado a possibilidade de anulação parcial dos actos tributários.

A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários.

Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 1991, pág.1396; Acórdão do STA-Pleno da 1ª.Secção, 18/07/1985, rec.15294, A. Dout., n.º 300, pág.1533 e seg.), os Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmaram que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis, uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, em virtude de que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto. Assim já não acontece no caso de acto tributário que assente na fixação da matéria colectável por métodos indirectos (v.g. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/1999, rec.24101; ac.S.T.A.- 2ª.Secção, 16/5/2001, rec.25532; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/9/2005, rec.287/05; ac.T.C.A.Sul2ª.Secção, 3/7/2012, proc.4397/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7660/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/12/2015, proc.7421/14) – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 08/06/2017, processo n.º 06112/12, o que não é o caso dos autos.

Igualmente a doutrina fiscal admite a característica da divisibilidade no acto tributário (cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 4ª. edição, 2006, pág.415; J.L. Saldanha Sanches, O contencioso tributário como contencioso de plena jurisdição, Fiscalidade, n.º 7/8, Julho/Outubro de 2001, pág.63 e seg.; André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2008, pág.75).”

De onde se retira que o ato de liquidação de IRS referente ao Requerente B... foi validamente revogado (parcialmente), pelo que se verifica uma inutilidade superveniente parcial da lide em relação ao segmento anulado pela AT, em conformidade com o disposto no artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, que determina que a instância se extingue com “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide têm lugar quando, nomeadamente, desaparece o objeto do processo, se extingue um dos interesses em conflito em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante pretende fazer valer no processo, ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.

In casu, em relação ao valor da liquidação que foi anulado, está preenchida a condição prevista para a extinção da instância por inutilidade superveniente.

No que concerne aos juros indemnizatórios, e conforme supra descrito, o despacho de revogação parcial do ato menciona expressamente que o Requerente tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios sobre os montantes de imposto já pago, encontrando-se verificados os pressupostos que determinam o respetivo pagamento, de acordo com o disposto no n.º 1, do artigo 43.º da LGT.

Em consequência, declara-se extinta a instância processual, parcialmente, por já ter sido alcançado, de outra forma, um dos fins visado com a ação, nos moldes do disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT, ficando, nessa medida, prejudicado o seu conhecimento, por este Tribunal.

  1. Não se verificam nulidades e outras questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que cumpre decidir.
  • matéria de facto
    1. Factos provados

Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Os Requerentes receberam, a 5 de maio de 2009, por doação dos seus pais, C... e D..., a nua propriedade do prédio urbano sito em ..., ..., n.º ..., freguesia de ..., concelho de Coimbra, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Coimbra, sob o n.º ..., freguesia de ..., inscrito na matriz sob o artigo P... (cf. documento n.º 3 do pedido de pronúncia arbitral).
  2. A reserva de uso e habitação ficou para C... (cf. documento n.º 3 do pedido de pronúncia arbitral).
  3. À data da doação, os Requerentes eram menores de idade, tendo sido representados no ato pelos seus pais. (cf. escritura de doação junta com o PAI).
  4. O prédio estava onerado com uma hipoteca, para garantia do bom e integral cumprimento das obrigações emergentes do contrato de empréstimo celebrado entre o doador  C... e a Caixa Geral de Depósitos, S.A., a 9 de outubro de 2008 (cf. documentos n.º 3 e n.º 10 do pedido de pronúncia arbitral).  
  5. A 6 de junho de 2014 a nua propriedade do prédio foi penhorada, a favor da Caixa Geral de Depósitos (cf. documento n.º 11 do pedido de pronúncia arbitral).
  6. A 14 de maio de 2019, o crédito foi transmitido a favor da E..., com o NIPC ... (cf. documento n.º 11 do pedido de pronúncia arbitral).
  7. O prédio foi vendido por €535.500,00 no âmbito do processo de Execução Sumária (hipotecária) n.º .../14...TBCBR, que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo de Execução de Soure, Juíz 1, em que interveio como Exequente a E... e como Executados C..., B..., A... e D... (cf. documento n.º 11 do pedido de pronúncia arbitral).
  8. O prédio foi vendido livre de ónus ou encargos, tendo sido cancelada a hipoteca e o direito de uso e habitação a favor do Executado C...  (cf. documento n.º 11 do pedido de pronúncia arbitral).
  9. Ambos os Requerentes declararam no campo 4001 do quadro 4 do anexo G das Declarações de Rendimentos apresentadas em 28 de dezembro de 2022, despesas associadas à mais-valia, no montante total de €7.960,69 para cada um, decorrente da soma das seguintes verbas: valor do imposto de selo da doação da sua responsabilidade - €741,99; metade do custo do registo do prédio na conservatória - €250,00; metade do valor dos honorários do agente de execução - €3.937,40 (cf. PAI).
  10. A Agente de Execução no âmbito da execução melhor identificada na alínea g), emitiu a Fatura Recibo n.º FR 1/2055, no valor total de 13.937,40€, em nome do executado C..., (cfr. PAT);
  11. No âmbito do procedimento de divergências do Requerente A... resultou que apenas o montante de €619,66 (€125,00 de registos + €494,66 de imposto do selo) foi aceite como despesas para efeitos do artigo 51.º do Código do IRS (cf. PAI).
  12. O Requerente A... foi notificado da Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2022..., de 02.12.2022, no montante de €24.787,01 (cf. documento n.º 1 do pedido de pronúncia arbitral).
  13. A 18 de janeiro de 2023, o Requerente A... procedeu ao pagamento do montante apurado na Demonstração de Liquidação de IRS (cf. documentos n.º 6 e n.º 7 do pedido de pronúncia arbitral).
  14. O Requerente B... foi notificado da Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2023..., de 06.01.2023, no montante de €34.633,27 (cf. documento n.º 2 do pedido de pronúncia arbitral).
  15. O Requerente B... acordou um plano de pagamento prestacional, composto por 12 prestações mensais, a começar em março de 2023, no valor total de €35.784,47, que engloba o valor do imposto e dos juros de mora, o qual foi integralmente cumprido (cf. documento n.º 8 do pedido de pronúncia arbitral e documentos n.º 2 a n.º 16 das alegações).
  16. A 30 de março de 2023, o Requerente A... apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRS n.º 2022..., de 2 de dezembro de 2022, no montante de €24.787,01 (cf. reclamação graciosa junta ao PAI).
  17. A 4 de maio de 2023, o Requerente B... apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRS n.º 2023..., de 6 de janeiro de 2023 e retificada a 10 de janeiro de 2023, no montante de €34.633,27 (cf. reclamação graciosa junta ao PAI).
  18. A 30 de outubro de 2023, os Requerentes apresentaram o presente pedido de pronúncia arbitral.
  19. A 22 de janeiro de 2024, foi emitido despacho de revogação parcial do ato, o qual teve por objeto a liquidação de IRS do Requerente B..., no que concerne ao regime de tributação das mais-valias imobiliárias auferidas por não residentes (cf. despacho de revogação parcial do ato, junto aos autos pela Requerida a 30 de janeiro de 2024).
  1. Factos não provados

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.

  1. Fundamentação da matéria de facto

A matéria de facto fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo assenta nas posições assumidas pelas Partes e na prova documental apresentada e produzida nos autos, nos documentos juntos aos autos e não impugnados por nenhuma das Partes e nos factos admitidos por acordo das Partes, sendo de observar que dos articulados apresentados não emerge discordância das Partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se a divergência à matéria de direito.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelos Requerentes e considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito [cf. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cf. artigos 13.º do CPPT, artigo 99.º da LGT, 90.º do CPTA e artigos 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação aos factos alegados pelas Partes, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme artigo 16.º, alínea e) do RJAT e n.º 4 do artigo 607.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei [e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil (CC) e havendo documentos, a prova testemunhal (ou, subalternamente, as declarações de parte) cingir-se-á à interpretação do contexto desses documentos, não podendo incidir nos factos que esses documentos provam, conforme artigo 393.º do CC], é que não domina o princípio da livre apreciação da prova (cf. artigo 607.º, n.º 5 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

  • DO DIREITO
  1. Delimitação do objeto

Atenta as posições das partes assumidas nos argumentos apresentados, bem como a exceção de incompetência relativa do Tribunal Arbitral Coletivo já identificada no despacho saneador, constitui questão central dirimida, a qual cumpre, pois, apreciar e decidir:

  1. A determinação da legalidade e consequente anulação do ato tributário de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), consubstanciado na liquidação de IRS n.º 2022..., de 02.12.2022, e na liquidação de IRS n.º 2023..., de 06.01.2023, na parte não revogada, ambas relativas ao exercício de 2021.
  2. Da condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT, nos termos legais, e das custas de arbitragem.

Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões a decidir.

  1. Do mérito da causa

Em síntese, a pretensão dos Requerentes dirige-se à declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IRS n.º 2022..., de 02.12.2022, no montante de €24.787,01 e n.º 2023..., de 06.01.2023, no montante de €34.633,27, na parte não revogada, ambas relativas ao exercício de 2021, por violação do princípio da capacidade contributiva, na medida em que, no referido exercício, os Requerentes não auferiram qualquer mais-valia.

Os Requerentes assentam o seu entendimento na circunstância das referidas declarações adicionais de IRS terem sido emitidas na sequência da venda do prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho de Coimbra (doravante, o “prédio”), cuja nua propriedade lhes foi doada pelos Pais, enquanto ainda eram menores, onerada com uma hipoteca voluntária constituída pelo pai dos Requerentes previamente à doação, para garantia de um empréstimo bancário.

Ora, uma vez que o valor apurado com a venda do prédio foi entregue, na sua totalidade, e no âmbito do processo de execução voluntária da hipoteca previamente constituída, que correu termos com o n.º .../14...TBCBR, Juízo de Execução de Soure, Juiz 1, ao credor hipotecário do pai dos Requerentes, estes não obtiveram qualquer rendimento ou incremento patrimonial por força dessa venda, nem por via de aumento de ativo, nem por via de diminuição do passivo, suscetível de gerar uma mais-valia sujeita a IRS, para efeitos do artigo 10.º do Código do IRS.

Efetivamente, consideram os Requerentes que quem beneficiou com a venda e com o “ganho” resultante da venda foi o executado, que viu diminuído o seu passivo perante o seu credor. Por esse motivo, entendem que imputar-lhes mais-valias viola os mais elementares princípios constitucionais, designadamente o princípio da capacidade contributiva, concretizador do princípio da igualdade.

Ademais, peticionam os Requerentes a restituição do imposto indevidamente pago, com o consequente pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até à emissão da respetiva nota de crédito, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 e 100.º, n.º 1 da LGT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

Perante o exposto, cabe ao Tribunal Arbitral Coletivo decidir, com base na matéria de facto e de direito, se os Requerentes efetivamente auferiram, ou não, uma mais-valia suscetível de tributação em sede de IRS, e, em consequência, apurar a legalidade das liquidações de IRS impugnadas e o direito à restituição do indevido e ao pagamento de juros indemnizatórios.

Na nossa magra opinião, cabe desde logo sintetizar que a questão é perfeitamente entendida pelos Requerentes do prisma jurídico-fiscal e mesmo do prisma prático, pois quando demandaram ao Tribunal a “… realização da avaliação do imóvel à data de maio de 2009”, sabem que a alteração do valor de aquisição é a “chave” do eventual problema. Isso levaria obrigatoriamente à disposição do art.º 45.º, do CIRS e da avaliação dos prédios urbanos prevista no art.º 37.º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). Tal seria logo suficiente para considerarmos improcedentes os pedidos aqui vertidos, mas dilucidemos ainda algumas questões.

Atente-se ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRS, de onde se retira que constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as mais-valias, tal como definidas no artigo 10.º do mesmo código, que dispõe no n.º 1, que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”.

Estabelece o n.º 3 do referido artigo 10.º do Código do IRS que os ganhos se consideram obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1, ou seja, no caso que aqui nos importa, no momento da alienação (venda judicial).

O ganho sujeito a IRS, como esclarece a alínea a) do n.º 4 do artigo que vimos citando, é, em regra, constituído “pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso (…)”.

Acontece que os Requerentes entendem que não existiu, na sua esfera jurídica, qualquer incremento patrimonial suscetível de tributação em sede de Categoria G de IRS, na medida em que o prédio vendido estava onerado com uma hipoteca constituída previamente à aquisição gratuita do mesmo pelos Requerentes, por doação, e que o resultado da venda foi atribuído a um terceiro, para pagamento de uma dívida que também não era sua.

No entanto, este entendimento não merece acolhimento por este tribunal.

Desde já, importa referir que, na data de 5 de maio de 2009, quando os Requerentes adquiriram, por doação dos seus pais, a respetiva metade indivisa da nua propriedade do prédio objeto dos autos (ainda que com reserva do direito de uso e habitação para o pai), essa nua propriedade já se encontrava onerada com uma hipoteca.

Ora, conforme resulta do n.º 1 do artigo 1484.º do Código Civil: “o direito de uso consiste na faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família”. [1]Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, “quando este direito se refere a casas de morada, chama-se direito de habitação”.

E conforme o artigo 1488.º do Código Civil “O usuário e o morador usuário não podem trespassar ou locar o seu direito, nem onerá-lo por qualquer modo”.

Sobre este impedimento pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) no Acordão de 21 de junho de 2022, proferido no âmbito do processo n.º 856/11.1TYVNG-U.P1.S1: “Trata-se de uma norma que limita a actuação negocial voluntária do titular do direito de uso e habitação, não de uma norma que limite os efeitos jurídicos que decorram de outra fonte que não a vontade daquele titular, designadamente fonte legal. A proibição da possibilidade de transmissão ou oneração do direito de uso e habitação a favor de terceiros justifica-se por este direito ser constituído intuitu personae, ter como destino essencialmente a satisfação das necessidades do usuário ou morador, em atenção à sua específica condição social e, por inerência, as das pessoas da sua família que consigo vivam (cf. Carvalho Fernandes, in Lições de Direitos Reais, 3.ª edição actualizada, pág. 405). Trata-se de um direito real limitado, em que os poderes de uso ou de fruição são reconhecidos ao titular segundo um critério finalista e não em termos absolutos.”

Também de acordo com o entendido pelo Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão de 16 de maio de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 3028/14.0TBSTB-D.E1, “nos termos e para os efeitos do disposto no art.º1488.º do Código Civil, o direito de uso e habitação não pode ser onerado por qualquer modo, sendo inalienável e impenhorável. (…) “Deste modo, forçoso é concluir que o direito de uso e habitação é um direito mais limitado que o usufruto e com características próprias, estando limitado quanto à fruição à satisfação de necessidades pessoais e familiares (artigo 1484.º, n.º 1, do Código Civil), é intransmissível e inalienável, não podendo ser onerado (artigo 1488.º), sendo, por isso, um direito pessoalíssimo – cfr., nesse sentido, Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, pág. 395.

E, por ser um direito inalienável, o direito de uso e habitação tem, como consequência, ser também um direito impenhorável – cfr., nesse sentido, o Ac. da R.L. de 2/11/1989, BMJ 391, pág.681, o Ac. da R.L. de 22/6/!989 e ainda o Ac. desta Relação de 7/12/2017 (no qual o aqui relator interveio como 1º Adjunto), estes dois últimos disponíveis in www.dgsi.pt.

No mesmo sentido, afirma Menezes Leitão que os direitos de uso e habitação não atribuem um direito de gozo pleno sobre a coisa, atentas as limitações estabelecidas ao uso e fruição, sendo o seu uso funcionalizado e limitado pelas necessidades do seu titular e da sua família – cfr. Direitos Reais, pág. 371.

Seguindo tal entendimento, pode ver-se, entre outros, o Ac. da R.P. de 27/2/2007, disponível in www.dgsi.pt, onde se afirmou o seguinte:

- O direito de uso (art.º 1484.º, n.º 1, do CC) é um direito real limitado em que os poderes de uso ou de fruição são reconhecidos apenas ao seu titular segundo um critério finalista e não em termos absolutos: a sua medida é a das necessidades do seu titular e respectiva família – sublinhado nosso.”

Nestes termos é forçoso concluir que, no caso sub iudice a hipoteca foi constituída sobre o prédio na sua totalidade, isto é, sobre a propriedade plena, direito atribuído aos Requerentes aquando da doação, e não sobre o direito de uso e habitação reservado ao pai dos Requerentes.

Se por um lado é verdade que a hipoteca acompanha o bem, por outro não deixa de ser verdade que a hipoteca não foi onerar o direito de uso e habitação.[2]

Veja-se ainda o artigo 963.º do Código Civil que prevê expressamente que “as doações podem ser oneradas com encargos”, o que significa que na doação, tal como noutros negócios jurídicos que constituem liberalidades, as partes podem apor um encargo.

Igualmente relevante para a análise do presente caso, atente-se ao preceituado no artigo 951.º do Código Civil: “As pessoas que não têm capacidade para contratar não podem aceitar doações com encargos senão por intermédio dos seus representantes legais.”.

In casu, temos que os Requerentes adquiriram, por doação, e validamente representados pelos seus pais, o direito de propriedade de um prédio (nua propriedade), onerado com um ónus real, o que, per se, não é contrário ao direito nem foi alvo de impugnação em sede própria, permanecendo a doação totalmente válida na ordem jurídica, para todos os efeitos.

Ademais, foi este direito de nua propriedade (e não o direito de uso) que foi objeto do processo de Execução Sumária (Hipotecária), no qual os Requerentes figuraram igualmente como Executados. Reitere-se, o bem vendido em sede judicial foi a propriedade do prédio, livre de ónus ou encargos.

Esta venda teve como contrapartida o pagamento de um preço, o qual foi utilizado para pagamento do ónus que impendia sobre a propriedade do bem dos Requerentes, o qual configurava, por esse motivo, e contrariamente ao defendido pelos Requerentes, um passivo. E tal conclusão radica na singela razão do valor que é relevante para efeitos do cálculo do valor de aquisição – o VPT.[3]

Dúvidas não subsistem de que a venda (voluntária ou judicial) tem como efeito essencial, nos termos do artigo 879.º do Código Civil, a transmissão do direito de propriedade, e que a transmissão do direito de propriedade de um bem imóvel cai no âmbito de incidência do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

É igualmente evidente que, sendo o bem vendido por um valor superior ao valor de aquisição, como foi o caso dos autos, na escrupulosa aplicação das normas que o determinam, essa diferença computa um ganho sujeito a IRS, nos termos do artigo 10.º, n.º 4, alínea a) do Código do IRS, sendo irrelevante o destino do preço.

Conforme resulta da Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.º 455/2021-T, a 27.03.2022, “se o Requerente tivesse vendido voluntariamente o bem que lhe fora doado para afectar integralmente o produto da venda à satisfação dos interesses do credor dos doadores, nenhuma dúvida haveria de que a eventual mais-valia seria tributável. Isto ainda que o donatário não viesse a beneficiar do produto da venda. Ora, a única diferença que separa esta situação da que nos é trazida pelos autos é ser essa venda coerciva e ter sido determinado pelo tribunal que o produto da venda deveria ser entregue a um terceiro. Não se ignoram estas diferenças, mas do ponto de vista jurídico-tributário elas são meros acidentes, não afectam a essência do facto tributário: a existência de uma alienação onerosa na esfera patrimonial do sujeito passivo, havendo uma diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição do imóvel, que tem de ser tributada como incremento patrimonial. Repita-se: o destino ou afectação do produto da venda (e, portanto, também do incremento patrimonial) é, para efeitos de tributação, irrelevante.”

Não obstante, sempre se diga que não pode prevalecer o entendimento dos Requerentes de que o valor da venda não lhes aproveitou na medida em que, como visto, com o produto da venda foi pago um crédito que incidia precisamente sobre o bem vendido, do qual eram proprietários pelo que, por esse motivo, o pagamento do crédito era igualmente da responsabilidade dos Requerentes.

E tanto assim é que, não fosse o processo executivo, a nua propriedade do prédio continuaria onerada com uma hipoteca, a qual sempre teria de ser paga – no limite, pelos Requerentes –, para que o seu direito ficasse livre de quaisquer ónus. Aliás, se o empréstimo contraído para a aquisição do imóvel pelos doadores foi no valor aproximado de 1 milhão de euros e se a venda “forçada” o foi quase por metade, não será certamente tal facto resultante de qualquer “facto” imputável à Requerida.

Termos em que, tendo o prédio sido alienado em sede executiva por um valor superior ao valor de aquisição, a venda despoletou efetivamente um ganho (por redução de passivo), na esfera jurídica dos Requerentes, o qual configura uma mais-valia tributável nos termos do artigo 10.º do Código do IRS.

Por todo o exposto, a pretensão dos Requerentes quanto à violação do principio da capacidade contributiva é manifestamente improcedente.

No que concerne ao pedido subsidiário, conexo com a dedução das despesas suportadas em sede do processo executivo, no montante total de €36.166,16, importa atentar ao disposto no n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRS, na redação a data, do qual decorre que “para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição apenas acrescem: b) as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação”.

Donde decorre que as despesas inerentes ao processo executivo (honorários, despesas de execução, imposto de selo e custas de parte, no total de €36.166,17) não são despesas necessárias e inerentes à alienação, mas antes despesas decorrentes do processo executivo para cobrança coerciva da dívida.

Não se olvide que aquelas despesas são inerentes ao processo executivo, quer se efetive, ou não, a venda de imóveis. Mas mesmo que assim não fosse, que não é, de acordo com a alínea j) do probatório, a fatura encontra-se em nome de terceiro – “in casu” o executado C…, (cfr. PAT);

Atento o exposto, julga-se igualmente improcedente o pedido subsidiário apresentado pelos Requerentes no pedido de pronúncia arbitral.

  • DECISÃO

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral Coletivo julga parcialmente procedente o pedido de pronuncia arbitral, e, em consequência:

  1. Julgar procedente a exceção de incompetência material quanto ao pedido de realização da avaliação do imóvel à data de maio de 2009, e pedido da Revisão da Matéria Tributável com a consequente absolvição da Requerida;
  2.  Julgar a inutilidade superveniente parcial da lide quanto ao montante objeto do despacho de revogação parcial do ato, exarado na informação n.º 13/2024, conforme comunicado ao Tribunal Arbitral a 30 de janeiro de 2024, o qual teve por objeto a liquidação de IRS do Requerente B..., no que concerne ao regime de tributação das mais-valias imobiliárias auferidas por não residentes, com a consequente extinção da instância nessa parte;
  3. Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações oficiosas de IRS referentes ao exercício de 2021 na parte restante, ora impugnadas;
  4. Condenar a Autoridade Requerida a restituir ao Requerente A... o montante de imposto pago em excesso, na sequência da revogação parcial da Liquidação de IRS n.º 2023... de 06.01.2023.
  5. Condenar a Autoridade Requerida no pagamento de juros indemnizatórios contados desde o pagamento do imposto em excesso pelo Requerente A..., até ao seu integral pagamento, à taxa legal em vigor;
  6. Condenar os Requerentes e a Autoridade Requerida no pagamento das custas do presente processo, na proporção do respetivo decaimento.

 

 

  • VALOR DO PROCESSO
  1. Fixa-se o valor da ação em €60.132,64[4] nos termos do disposto no artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  • CUSTAS
  1. Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.448,00,[5] nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, cujo pagamento fica a cargo dos Requerentes e da Requerida, na proporção do respetivo decaimento.
  2. A matéria das custas processuais encontra a sua regulamentação no Código de Processo Civil, dispondo, sob a epígrafe “Repartição das Custas”, o n.º 3, do artigo 536.º, do CPC, aplicável ex vi alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT que nos “(...) casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.”
  3. Prevendo o n.º 4 do mesmo preceito legal, no que aqui interessa, “Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas.
  4. No caso dos autos, tal como supra demonstrado, a anulação do ato de liquidação de IRS na parte impugnada, proveio de um ato revogatório, praticado na pendência da presente instância – após a apresentação e aceitação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral –, o qual determinou a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido principal, ainda que parcial, sendo, assim, a responsabilidade das custas processuais imputadas à Requerida, quanto a esta parte.
  5. Deste modo, a responsabilidade pelas custas ficará a cargo da Requerida em 30% e a cargo dos Requerentes, em 70%.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de julho de 2024

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

Fernanda  Maças

(presidente)

 

 

António Pragal Colaço

 

 

Sofia Quental

 (relatora)

 



[1] Ou seja, dos próprios requerentes, que além de terem adquirido um direito, adquiriram o direito a perceber frutos, mesmo em termos de critério finalista;

[2] Curiosamente existem mesmo situações onde a garantia real não garante o bem, como são aqueles exemplificativamente exarados no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa Processo 1161/21.0T8BRR-B.L1, NUNO TEIXEIRA de 07-06-2022

Sumário:             I – A venda em processo de insolvência do direito à herança ilíquida e indivisa onde se integre um imóvel onerado com hipoteca não determina a caducidade dessa garantia e não confere ao credor hipotecário qualquer preferência de pagamento relativamente ao produto da venda daquele direito.

II – Relativamente ao produto dessa venda, tal credor terá de ser classificado e graduado como credor comum.

III – Mas, se a venda incidir diretamente sobre o imóvel hipotecado – por decisão do administrador da insolvência –, o produto da venda desse imóvel que, na sequência da repartição a efetuar, venha a reverter para os presentes autos, substitui-se ao direito apreendido; nessa situação, a graduação de créditos terá que ser feita com referência ao produto da venda do imóvel e, portanto, com respeito pela preferência concedida pela hipoteca que sobre ele incidia e que, por efeito da caducidade da hipoteca, se transfere para o produto da respetiva venda.In.www.dgsi.pt;

[3] A utilização do VPT para efeitos tributários é mais clara na redação do art.º 64.º do CIRC. O art.º 139.º do mesmo diploma dá uma “válvula de escape”, limitada a uma série de obrigações, nomeadamente o levantamento do sigilo bancário, mas são casos em que o valor real de transação foi inferior ao do VPT. É fácil de ver que o caso dos autos é no âmbito de uma doação;

[4] De acordo com o Despacho de Retificação de 2024-08-09

[5] De acordo com o Despacho de Retificação de 2024-08-09