DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A..., NIF..., com domicílio fiscal na Rua ..., n.º ... - ..., ...-... Lisboa, B..., NIF..., com domicílio fiscal na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, C... NIF..., com domicílio fiscal na Rua ..., n.º ..., ...-... Paço de Arcos, D..., NIF..., com domicílio fiscal na ..., n.º..., ..., ...-... Castro Marim, E..., NIF..., com domicílio fiscal na...– ..., ...-... Lisboa, F..., NIF..., com domicílio fiscal na..., n.º ... –..., ...-... Lisboa, G..., NIF..., com domicílio fiscal na ..., n.º ... – ..., ...-... Lisboa, H..., NIF..., com domicílio fiscal na Rua ..., n.º ... –...,...-...Lisboa, doravante em conjunto designados “Requerentes”, “Sujeitos Passivos” ou simplesmente “SPs”, vieram, em coligação, e ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a), 3.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1 al. a), e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
Peticionam, assim, a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, mais concretamente de IRS, reportado ao ano de 2018.
As liquidações em crise (doravante também “as Liquidações”) foram emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sequência dos Relatórios finais (RITs) notificados aos Requerentes no âmbito de procedimento de inspeção tributária que visou a verificação dos valores de retenções na fonte inscritos pela sociedade I..., SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, RL, nipc ... (doravante também “a Sociedade”) - de que os Requerentes são sócios - no Anexo G da Informação Empresarial Simplificada (IES - campo G03) para efeitos de dedução à colecta em Portugal por dupla tributação internacional.
Apresentaram pedidos de Reclamação Graciosa contra as Liquidações, que viriam a ser expressamente indeferidos.
Os Requerentes não se conformam com as Liquidações nem, bem assim, com os actos de indeferimento das Reclamações Graciosas. Pois que, em seu entender, é ilegal a desconsideração pela Requerida dos valores ali declarados pela Sociedade a título de retenção na fonte, imputando na esfera dos sócios ora Requerentes os valores corrigidos de imposto.
Sendo sócios da Sociedade, sujeita ao regime de transparência fiscal, as correcções em questão foram reflectidas na sua esfera jurídica.
A Sociedade foi alvo de procedimento de inspecção tributária para comprovação dos valores inscritos na IES, referentes a deduções à colecta por dupla tributação internacional. Estão em causa retenções na fonte de imposto sobre o rendimento feitas por clientes estrangeiros da Sociedade, sobre pagamentos a esta realizados por prestações de serviços jurídicos.
A Requerida entendeu, referem, que o montante inscrito pela Sociedade, cfr supra, estava incorrecto, e corrigiu-o. E a correcção foi reflectida nas Declarações de rendimentos dos respectivos sócios para efeitos de IRS. Pois que a dedução daquelas retenções havia sido feita por cada um dos sócios na proporção da sua quota (Declaração Modelo 3, Quadro 4, Anexo D).
Após o que a Requerida emitiu as (oito) Liquidações ora em crise, que os Requerentes pagaram, não obstante com as mesmas não se conformarem.
Reputam as Liquidações de ilegais. Em suma, por, em seu entender, a documentação exibida dever ser aceite como suficiente para prova das retenções. Pelo que vêm agora peticionar: (i) a anulação dos despachos de indeferimento das RGs, (ii) a anulação das Liquidações, (iii) a devolução das quantias pagas, e (iv) juros indemnizatórios.
As posições das Partes são divergentes, desde logo, quanto à suficiência da prova carreada nos autos (e, antes, no procedimento administrativo) no que se refere a retenções na fonte e imposto pago/suportado no estrangeiro. Melhor, quanto ao que entendem ter resultado provado e sua suficiência para efeitos de reconhecimento do direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD, e notificado à AT a 28.04.2023.
Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.
A 14.06.2023 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 03.07.2023.
Por despacho de 04.07.2023 o Tribunal decidiu, pelas razões aí expostas, não tomar conhecimento do requerimento de apensação do Pedido de Pronúncia Arbitral, constante do proémio deste, a outro Pedido, e de tanto notificou as Partes. Bem como notificou a Requerida para apresentar Resposta e juntar o PA.
A Requerida apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante “PPA”), e pela consequente manutenção das liquidações em crise na Ordem Jurídica.
Esclarece que os Requerentes foram alvo de procedimentos de inspecção para avaliação da situação tributária, com vista à validação dos valores declarados no Anexo D das Declarações Modelo 3 de IRS (Mod. 3) relativas a 2017 e a 2018. E foi detectada divergência relacionada com rendimentos obtidos no estrangeiro imputados pela Sociedade. Uma vez que, em procedimento inspectivo a esta última, para comprovação dos valores inscritos no anexo G da IES ref. a deduções à colecta por dupla tributação internacional (DTI), se constatou o montante inscrito ser superior aos valores apurados pela Requerida.
A entidade imputadora não comprovou valores relativos a imposto pago no estrangeiro, refere. Remete para o constante dos RITs.
A correcção originou as liquidações oficiosas, relativamente às quais os Requerentes interpuseram Reclamações Graciosas (RGs).
Nota, sem prescindir, que não deixou de apreciar os documentos apresentados pelos Requerentes, não obstante não serem válidos nos termos do Ofício Circulado n.º 20030 de 18 de Dezembro de 2000 para fazer prova para efeitos de crédito de imposto por DTI. Foram sempre solicitados documentos comprovativos do pagamento do imposto no estrangeiro e não foi afastada a apreciação de qualquer meio de prova trazido pelos Requerentes, mesmo que documentos não emitidos por Autoridades Fiscais.
As alegadas retenções não ficaram demonstradas pelos documentos exibidos, que não permitem estabelecer uma relação entre os valores facturados e aquelas. A apresentação de comprovativos de pagamento do imposto emitidos pelas Autoridades Fiscais afastaria qualquer dúvida para efeitos da dedução à colecta por DTI.
Não procedem os argumentos dos Requerentes. Não são devidos juros indemnizatórios, as Liquidações são legais e devem manter-se na Ordem Jurídica, conclui.
Por despacho de 18.10.2023, o Tribunal notificou as Partes para a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, atento o requerimento dos Requerentes de produção de prova testemunhal.
A reunião teve lugar a 09.11.2023. Na reunião, o Tribunal decidiu indeferir o requerimento da Requerida de aproveitamento de prova produzida no processo n.º 340/2023-T, pelas razões que aí foram exaradas em acta após ouvido o Ilustre Mandatário dos Requerentes, e prestou depoimento a testemunha arrolada pelos mesmos. O Tribunal concedeu prazo aos Requerentes para a junção de três documentos protestados juntar, e à Requerida para a junção, pendente, do PA. Foi concedido prazo de vistas e as Partes foram ainda notificadas para apresentar alegações escritas facultativas.
Por requerimento do mesmo dia, 09.11.2023, os Requerentes vieram juntar dois documentos. E por despacho de 12.11.2023, o Tribunal notificou as Partes da admissão da correcção de lapso no intróito do PPA, na sequência do clarificado na reunião de 09.11.2023.
Por requerimentos, ambos, de 20.11.2023, as Partes vieram juntar aos autos a documentação então pendente de junção por cada uma.
Em prazo, Requerentes e Requerida apresentaram alegações, reiterando as suas posições anteriores. Os Requerentes, nas suas, vieram ainda fazer referência a duas Decisões Arbitrais que “se debruçam sobre questões de facto e de direito idênticas às que estão em causa no presente processo” e “poderão, por esse motivo, constituir jurisprudência relevante que poderá ser pesada”[1]. Mais, quanto à prova testemunhal produzida entendem a mesma ter corroborado o que consideram havia já resultado provado dos documentos juntos. A saber, que o valor cobrado pela Sociedade pelos seus serviços “foi objeto de uma dedução, justificada em virtude da obrigação de retenção na fonte de imposto”, que é a prova que ao contribuinte compete fazer, a de que as retenções foram efectuadas pelos seus clientes. “[O]u seja, prova de que o montante foi deduzido pelo cliente a título de imposto (cfr. n.º 1 do Art.º 128.º do Código do IRS)”.
A Requerida, de seu lado, igualmente veio reiterar o antes exposto, para aí remetendo. E concluindo, em suma, que os documentos apresentados não comprovam sem margem para dúvidas retenções efectuadas no estrangeiro, não permitindo estabelecer uma relação entre os valores facturados e retenções efectuadas com os pagamentos. Mais entende que do depoimento testemunhal não resultam factos novos face aos já por si antes apreciados.
*
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas, e estão reunidos os pressupostos para a coligação de autores, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2, e art.º 3.º, n.º 1, todos do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O Processo não enferma de nulidades, não existe matéria de excepção, e o PPA é tempestivo, apresentado que foi dentro do prazo legal de 90 dias - cfr. últimas duas al.s dos factos provados, infra, e ao abrigo do art.º 10.º, n.º 1 al. a), primeira parte, do RJAT (v. art.º 102.º, n.º 1, al. b) do CPPT).
Por despacho de 28.12.2023 o Tribunal determinou, nos termos do n.º 2 do art.º 21.º do RJAT, a prorrogação por dois meses do prazo para prolação da Decisão. E assim novamente por despachos de 01.03.2024 e de 02.05.2024.
Cumpre apreciar e decidir.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os factos que seguem:
a) No ano de 2018 os Requerentes estavam registados para o exercício de actividade com o Código da Tabela de Actividades – CIRS 6010 – Advogados, e eram sócios da sociedade de advogados “I..., Sociedade de Advogados, SP, RL” (“a Sociedade”);
b) A Sociedade está abrangida pelo regime de transparência fiscal previsto no Código do IRC;
c) Com referência aos anos de 2017 e 2018, a Sociedade foi alvo de procedimentos inspectivos para comprovação dos valores inscritos nos Anexos G da IES, referentes a deduções à colecta por dupla tributação internacional (DTI), e a Requerida concluiu aqueles valores serem superiores aos valores por si apurados;
d) Na sequência, os Requerentes foram alvo de procedimentos de inspecção tributária destinados ao controlo da sua situação tributária em sede de IRS, reportados a 2017 e 2018, para validação dos valores declarados no Anexo D das sua Declarações de rendimentos Modelo 3 (Mod.s 3);
e) Os Requerentes apresentaram as suas Declarações Mod.s 3 referentes ao ano de 2018 na qualidade de residentes fiscais em Portugal, tendo aí declarado, entre o mais, rendimentos auferidos no estrangeiro, e incluído, no que aos autos releva, o “Anexo D – Transparência fiscal - Imputação de rendimentos”;
f) No Anexo D às suas Mod.s 3 os Requerentes preencheram no “Quadro 4 – Imputação de rendimentos e retenções”, em “A - Discriminação dos rendimentos obtidos no estrangeiro”, os campos “Identificação do país”, “Montante do rendimento”, e “Imposto pago no estrangeiro - Valor”; (cfr PA)
g) Os rendimentos que os Requerentes declararam auferidos no estrangeiro relativamente aos quais a Requerida operou correcções quanto aos valores de imposto pago no estrangeiro resultam da imputação na sua esfera jurídica, em proporção das suas quotas na Sociedade, dos rendimentos desta;
h) De um total de 611 (seiscentas e onze) facturas emitidas pela Sociedade em 2018 a Clientes estrangeiros, a Requerida corrigiu o montante inscrito no Anexo G da IES pela Sociedade a título de imposto pago no estrangeiro relativamente a 55 (cinquenta e cinco) facturas; (cfr. doc. Excel junto pelos Requerentes a 09.11.2023 e Doc. 3 junto pelos Requerentes com o PPA)
i) Os SIT fundamentaram as correcções propostas essencialmente no facto de, nesses casos, não ser possível, com base nos documentos existentes, estabelecer relação direta entre o pagamento feito pelos Clientes e a fatura em causa, e por não se poder dessa forma aferir se os valores das alegadas retenções foram efetivamente retidos; (Doc 3 junto pelos Requerentes – RIT, e PA)
j) O país da fonte (EF) dos rendimentos cujo montante inscrito a título de imposto pago no estrangeiro foi corrigido - desconsiderado (cfr al.s anteriores) é maioritariamente Angola (44 facturas), e em alguns casos São Tomé e Príncipe (9 facturas), e relativamente a rendimentos da República Democrática do Congo (2 facturas) a Requerida veio a rectificar a correcção inicial e aceitar o valor inscrito; (cfr. Doc. 3, parte 1, junto pelos Req.tes, pág 14 e Anexo 4)
k) Os Requerentes foram notificados dos Projectos de Relatórios de Inspecção e em relação aos mesmos exerceram direito de audição;
l) A Requerida após apreciar o direito de audição dos Requerentes procedeu a algumas rectificações para menos em algumas correcções, e manteve, no mais, as correcções inicialmente propostas;
m) Nos Relatórios de Inspecção Tributária (RITs), todos essencialmente idênticos entre si, lê-se, entre o mais (tudo se dando por reproduzido):
“PARECER (...) No âmbito da ação inspetiva realizada à sociedade I... (...) da qual o sujeito passivo é sócio, para comprovação dos valores inscritos no anexo G da IES referentes a deduções à coleta por dupla tributação internacional, verificou-se que o montante inscrito nesse campo não estava correto. Considerando que a referida sociedade se encontra abrangida pelo regime de transparência fiscal, conforme determina o art.º 6.º do Código do IRC, essa correção é refletida nas declarações de rendimentos dos seus sócios. Assim, verifica-se que o sujeito passivo em análise declarou no anexo D da declaração de rendimentos Modelo 3, a que se refere o art.º 57.º do Código do IRS, relativas ao ano de 2017 e 2018, retenções na fonte de valor superior aos valores apurados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), nos montantes de € (...) e € (...), respetivamente.
(...) exerceu o seu direito de audição (...) propõe-se que se tornem definitivas as correções (...).”
“II Objetivos, âmbito e extensão da ação inspetiva
(...) Na sequência da análise efetuada às declarações de rendimentos Mod. 3 entregues pelo sujeito passivo referentes aos anos de 2017 e 2018, resultaram divergências (...)
No âmbito dos procedimentos inspetivos realizados ao sujeito passivo I... (...) para comprovação dos valores inscritos no anexo G da IES dos anos de 2017 e 2018, referentes às deduções à coleta por dupla tributação internacional verificou-se que os montantes inscritos nesse campo são superiores aos valores apurados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). (...) de acordo com o âmbito de aplicação do regime de transparência fiscal encontra-se definido no n.º 1 do art.º 6.º do CIRC que “é imputado aos sócios, integrando-se, (...), no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, (...)”. / O n.º 3 do art.º 6.º do CIRC determina que “(...)”. / Assim, as correções efetuadas na sociedade deverão ser refletidas nas declarações de rendimentos dos seus sócios, nomeadamente no Anexo D das declarações de rendimentos Mod. 3, a que se refere o art.º 57.º do Código do IRS, relativas aos anos de 2017 e 2018, corrigindo os valores relativos a imposto pago no estrangeiro (dupla tributação internacional). / (...)
III Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável
Da análise efetuada no âmbito dos procedimentos de inspeção (...) foram detetadas as situações irregulares que neste capítulo se descrevem e fundamentam e das quais resultam as correções que devidamente se quantificam.
(...)
-
Ano de 2018
Quanto ao ano de 2018, o sujeito passivo declarou no anexo D da declaração de rendimentos, imposto pago no estrangeiro (relativo à imputação correspondente à sua participação na sociedade I... ..., anexo 3), conforme quadro infra.
[quadro]
Contudo, a I... declarou, no anexo G da IES, imposto pago no estrangeiro em valor superior ao que foi apurado pela AT, conforme anexo 4.
Considerando que a referida sociedade se encontra sujeita ao regime de transparência fiscal, prevista no art.º 6.º do CIRC, os valores a corrigir na sociedade, serão refletidos nos valores declarados pelos sócios devendo ser corrigidos de acordo com a respetiva participação.
Desta forma, propõe-se as correções na dedução à coleta do sujeito passivo, de acordo com o quadro seguinte:
[quadro]
-
Conclusão
Considerando o referido supra, os valores declarados pelo sujeito passivo nos anexos D das declarações de rendimentos Mod. 3 dos anos de 2017 e 2018, referentes aos montantes de imposto pago no estrangeiro deverão ser corrigidos nos seguintes montantes:
Imposto pago no estrangeiro
Ano Valor declarado Correção Valor corrigido
(...)
Em face do exposto, propõem-se as correções mencionadas no presente capítulo (...).
(...)
IX Direito de Audição – Fundamentação
(...) o sujeito passivo, em 2021-09-15, exerceu o seu direito de audição (...).
Em suma, alega o sujeito passivo que a lei não impõe um regime de prova vinculado, bastando que o sujeito passivo apresente os documentos comprovativos dos rendimentos e das deduções, não cabendo à sociedade exigir um comprovativo dos impostos pagos pelos clientes da mesma perante as autoridades tributárias dos diversos países.
Prossegue o sujeito passivo referindo que não cabe à I... “(...) “inspeccionar” se o montante deduzido a título de retenção foi efetivamente entregue (...)”
Refere também que não faz sentido impor a um contribuinte português a obtenção de uma declaração produzida por uma autoridade tributária de um país onde não tem presença física, sendo que estão em causa países onde a maioria da informação não se encontra informatizada, sendo praticamente impossível a obtenção de uma declaração das autoridades fiscais.
De acordo com o alegado pelo sujeito passivo, basta que o sujeito passivo demonstre que as retenções foram efetuadas pelos clientes da sociedade, tendo indicado o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, datado de 2005-04-20, o qual refere que: “(...) é bastante para a dedução a apresentação da declaração da entidade patronal, onde constem as retenções efetuadas, bem como das guias de pagamento (...).”
Finaliza o sujeito passivo que estamos perante um regime de prova livre, e que a AT já aceitou a demonstração do imposto pago no estrangeiro através de documentos do mesmo tipo dos apresentados no presente direito de audição, nomeadamente através de cópias das faturas, dos recibos e detalhes das transferências bancárias.
Da análise ao alegado pelo sujeito passivo, e conforme refere o sujeito passivo, efetivamente a lei não estabelece um regime de prova vinculado, no entanto, os documentos comprovativos das retenções efetuadas devem permitir estabelecer uma relação entre os valores faturados e as retenções efetuadas com os pagamentos.
Veja-se que no acórdão mencionado pelo sujeito passivo, o qual se debruça sobre uma relação laboral (...) a prova apresentada necessitou das guias de pagamento.
Ora, com base nos documentos agora apresentados, designadamente cópia das faturas, dos recibos e dos detalhes das transferências, apenas em alguns documentos, é possível estabelecer uma relação direta entre ambos, ou seja, apenas nos documentos mencionados nos quadros infra, é possível verificar nos detalhes das transferências bancárias quais as faturas que estão a ser pagas sendo que o valor corresponde aos valores dos recibos e das faturas deduzidos dos valores de retenção.
2017
[quadro]
2018
[quadro]
De referir que todos os restantes documentos apresentados não permitem aferir com segurança quais as faturas que estão a ser pagas pelos clientes, não podendo dessa forma a IT aferir se os valores das alegadas retenções foram efetivamente retidos.
Desta forma, e considerando os documentos apresentados, os valores das correções mencionadas no capítulo III do presente relatório deverão ser alterados de acordo com os quadros seguintes.
2017
[quadro]
2018
[quadro]
Em resultado da prova produzida em sede de direito de audição, deverão ser efetuadas as correções mencionadas nos quadros infra.
2017
[quadro]
2018
[quadro]
(...)
Assim, atendendo ao exposto supra alteram-se os valores inicialmente propostos a corrigir de:
Imposto pago no estrageiro
[quadro]
Para as correções mencionadas no quadro infra:
Imposto pago no estrageiro
[quadro]
(...)”
n) Na sequência, foram emitidas pela Requerida as liquidações adicionais de IRS 2018 aos Requerentes (as Liquidações), no total de oito, todas com data de 19.11.2021, num valor total a pagar, consideradas no seu conjunto, imposto e juros compensatórios incluídos, de € 3.314,56, assim:
LIQUIDAÇÃO DE IRS N.º 2021 ..., valor a pagar € 515,31
LIQUIDAÇÃO DE IRS N.º 2021 ..., valor a pagar € 333,18
LIQUIDAÇÃO DE IRS N.º 2021..., valor a pagar € 239,31
LIQUIDAÇÃO DE IRS N.º 2021..., valor a pagar € 356,14
LIQUIDAÇÃO DE IRS N.º 2021 ..., valor a pagar € 514,52
LIQUIDAÇÃO DE IRS N.º 2021..., valor a pagar € 515,30
LIQUIDAÇÃO DE IRS N.º 2021..., valor a pagar € 325,49
LIQUIDAÇÃO DE IRS N.º 2021..., valor a pagar € 515,31;
(cfr Doc 2 junto pelos Requerentes, e PA)
o) Notificados das Liquidações, os Requerentes apresentaram Reclamações Graciosas (RGs), todas essencialmente nos mesmos termos, as quais, após exercício de direito de audição dos Requerentes, foram indeferidas, e que tramitaram sob os números (pela ordem das Liquidações cfr al. anterior):
PROCESSO DE RECLAMAÇÃO N.º ...2022...
PROCESSO DE RECLAMAÇÃO N.º ...2022...
PROCESSO DE RECLAMAÇÃO N.º ...2022...
PROCESSO DE RECLAMAÇÃO N.º ...2022...
PROCESSO DE RECLAMAÇÃO N.º ...2022...
PROCESSO DE RECLAMAÇÃO N.º ...2022...
PROCESSO DE RECLAMAÇÃO N.º ...2022...
PROCESSO DE RECLAMAÇÃO N.º ...2022...
p) Na fundamentação dos despachos de indeferimento das RGs lê-se, entre o mais (tudo se dando por reproduzido):
“(...) Alegações do Reclamante (...) o contribuinte não tem que fazer prova de que o imposto retido entrou nos cofres das Autoridades Fiscais estrangeiras – facto, aliás, de prova impossível – mas sim, de que a retenção na fonte ocorreu, ou seja, de que o montante foi deduzido pelo cliente a título de imposto (cf. ... DA); (...) solicita assim a revogação do projeto de decisão (...). / III – Análise e Parecer (...) o reclamante reitera os fundamentos invocados na petição inicial (...) o facto é que persiste a falta de prova em como o imposto foi efetivamente entregue vs pago nos cofres da Tesouraria da Fazenda Pública de cada um dos Estados (...). / Relembra-se que a mera apresentação da faturas, recibos, troca de correspondência entre as sociedades I... e as suas clientes, não prova em como o imposto, RF-IRS, foi efetivamente entregue e pago na Tesouraria da Fazenda Pública do Estado da fonte. / Muito pelo contrário, o Recibo, apenas serve para confirmar, em como o cliente procedeu ao pagamento da fatura ao seu fornecedor (Sociedade I...), e não para comprovar o pagamento da RF nos cofres do Estado Angolano. (...).”
q) Os Requerentes pagaram as Liquidações; (cfr. Doc. 4 junto pelos Requerentes)
r) Em comunicações por email entre a Sociedade e Clientes seus lêem-se, entre outras, as seguintes solicitações, em geral de datas coincidentes com o decurso dos procedimentos inspectivos em questão: “o envio do vosso extrato devidamente certificado pelo Ministério das Finanças Angolano, evidenciando a liquidação do imposto retido (...) no ano de 2018”; “agradecemos que nos enviem com urgência os extratos devidamente certificados pela AGT relativos à liquidação do imposto retido no pagamento das faturas abaixo listadas”; “agradecemos que nos envie com urgência os certificados de retenção evidenciando a liquidação do imposto retido (...) nos seguintes pagamentos (...)”; “Would you be so kind as to provide us with the WHT certificates requested below”; (em resposta de Cliente): “The last invoices of yours that I remenber seeing were those for 2017, please confirm if DAC related invoices were sent in 2018. And if so, please send references so I can find out from Fuat if they have been paid with deductions”; [tradução livre das duas últimas transcrições: “Por favor envie-nos os certificados de retenção solicitados abaixo”, “As últimas facturas vossas de que me recordo são as de 2017, por favor confirme se as faturas relacionadas DAC foram enviadas em 2018. E se sim por favor envie referências para que eu possa confirmar através de Fuat se foram pagas com deduções.”] (Doc 6 junto pelos Requerente, e PA);
s) Os recibos da Requerente contêm os seguintes items referentes a valores [os valores são de um recibo, tomado como exemplo]:
“Valor Documento”, € 393,30
“Valor Atribuído”, € 367,64
“Valor Desconto”, € 0,00
“Valor Retenção”, € 0,00
“Valor Pendente”, € 25,56
(cfr Doc 5 junto pelos Requerentes, e PA)
t) Das facturas da Requerente não consta qualquer referência a retenção na fonte; (cfr Doc 5 junto pelos Requerentes, e PA)
u) No RIT à Sociedade reportado ao ano de 2016 lê-se, entre o mais, “Foi também solicitado (...) cópia dos documentos justificativos dos lançamentos de valor mais elevado (...). Considerando o surto de COVID-19, não foram realizados atos presenciais de inspeção na sociedade, tendo-se solicitado apenas cópias dos documentos que apresentam valores de retenção mais elevados (uma vez que não seria viável solicitar todos (...). / (...) e considerando que no caso concreto é possível estabelecer relação direta entre o pagamento e a fatura em causa (uma vez que o número da fatura consta do documento emitido pela entidade bancária através da qual foi efetuado o pagamento, conforme anexo 2) serão de aceitar os valores (...)”; e o referido anexo 2 consiste numa cópia de uma factura da Sociedade a Cliente de Luanda cujo n.º de documento é o mesmo que também consta do documento da instituição bancária ordenante da transferência cuja cópia está junta; (cfr Doc 7 junto pelos Requerentes, e PA)
v) Os Requerentes foram notificados dos despachos de indeferimento das RGs a 23.01.2023;
x) A 21.04.2023 os Requerentes deram entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Resultou não provado que, com referência às facturas da Sociedade na origem das correcções, tenham sido efectuadas retenções na fonte e/ou tenha sido pago imposto no Estado da Fonte.
Com relevo para a decisão da causa, não existem outros factos que devam considerar-se não provados.
2.3. Fundamentação da matéria de facto
Os factos dados como provados e/ou não provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos pelos Requerentes e no Processo Administrativo (“PA”) - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, com base na prova testemunhal, e factos não controvertidos em face das posições manifestadas pelas Partes nos articulados. Tudo devidamente concatenado e criticamente apreciado.
Relativamente à prova documental refira-se que as fotocópias de documentos referentes a transferências bancárias ordenadas à e/ou recebidas pela Sociedade não contêm, nos casos não aceites/corrigidos pela Requerida, a indicação das facturas a cujo pagamento se destinam, e contêm em geral um averbamento a manuscrito no campo superior direto com referências a facturas. Contudo a este Tribunal tal não se afigura suficiente para formar a convicção do julgador no sentido de que as transferências em questão corresponderam a determinadas facturas e de que consequentemente foram feitas retenções na fonte na origem para entrega de imposto sobre o rendimento ao Estado da Fonte. Com efeito não cremos que tenha sido essa a exigência na mente do legislador – a garantia/segurança visada pelo legislador - ao estabelecer os pressupostos do direito ao crédito de imposto – cfr art.ºs 91.º do CIRC / 81.º do CIRS.
De notar, também e entre o mais, que em alguns dos documentos juntos de transferências recebidas nos quais tal averbamento manuscrito no campo superior direito consta lê-se, nalguns casos, nos dados impresso do documento/print de documento de transferência bancária a referência a a Conta beneficiária da transferência ser Conta “DO – Despesas de clientes” (v Doc 3 junto pelos Req.tes, parte 1). O que, parece-nos, poderia suscitar também a questão de saber se seria, no caso, de um pagamento de honorários e/ou provisão por conta de honorários o que estava em causa nessas situações ou, diferentemente, de uma transferência para despesas em nome e por conta de Clientes (cfr. Estatuto da OA a respeito).
O acervo documental carreado nos autos para prova dos factos controvertidos consiste nas facturas, em recibos e em prints/documentos de transferências bancárias de Clientes à Sociedade, e ainda em comunicações entre a Sociedade e/os Requerentes e os Clientes a solicitar documentação. Os recibos invariavelmente sendo como supra al. s) factos provados, sem qualquer preenchimento no campo “Valor Retenção”, os documentos ref. a transferências sem incluírem - eles mesmos - a referência da factura a que respeitam. Nas comunicações por vezes se revelando que havia situações de transferências dos Clientes feitas em excesso, ou mesmo em duplicado, montantes esses que depois os Clientes informavam a Sociedade deverem ficar em Conta da Sociedade para pagamentos de futuras facturas - o que dificilmente também será conciliável com retenções na fonte devidas ou efectivamente efectuadas nesses casos.
De tudo, conciliado e criticamente apreciado, na livre apreciação do julgador não se forma convicção no sentido de ser feita a prova pretendida fazer a respeito das facturas na origem das liquidações em questão, a saber, de que as mesmas, nos casos origem das Liquidações, foram pagas tendo os Clientes retido na fonte um valor a título de imposto para pagamento ao Estado. Resultando não provado o facto acima elencado como tal.
Ainda relativamente à prova documental, deve também referir-se, sem prejuízo da consideração da demais documentação existente nos autos, devidamente apreciada pelo Tribunal para aferir, no seu livre e prudente juízo, quanto à prova pretendida fazer pelos Requerentes, deve referir-se, dizíamos (e ainda que tanto não venha a revelar-se determinante para o nosso caso, como se verá) que também não nos é dado acompanhar que à Sociedade fosse impossível obter documentação da Autoridade Fiscal do Estado da Fonte, menos ainda que não tivesse legitimidade para tal. Se do que se fala é de retenções na fonte de imposto devido por rendimentos da Sociedade, então em alguma medida a Sociedade tem relação com o Estado da Fonte, nessa relação, na qual o Cliente será um mero substituto. Sendo a Sociedade a substituída e, afinal, a contribuinte nesse Estado. Ademais, em nenhuma das comunicações se vê seja qualquer tentativa por parte da Sociedade de obter documentação junto da Autoridade Fiscal do(s) Estado(s) da Fonte, seja qualquer referência dos Clientes a que não conseguissem obter a documentação junto de tal Autoridade Fiscal.
Quanto à prova testemunhal, prestou depoimento o Director Financeiro da Sociedade, J..., tendo-o feito com aparente isenção e objectividade, não obstante a relação profissional que mantém com a Sociedade onde exerce estas funções desde 2006. Não foi, porém, totalmente convincente quanto a nós a testemunha ao responder ao Ilustre Mandatário dos Requerentes com o singelo não verbalizado quanto à possibilidade, que lhe foi questionada, de a Sociedade diligenciar de alguma maneira junto de tais Autoridades Fiscais. No seu depoimento foi relevante, entre o mais, também a descrição que fez quanto a ser já de há muito, desde 2008, referiu, constante esta questão da prova das retenções, como referiu. Bem como referiu ser maioritariamente este o núcleo de Clientes da Sociedade de há muito, e coisa que se mantinha no ano de 2018 aqui em questão. E que o problema normalmente acabava sempre por se colocar em relação a apenas cerca de 10% das facturas. O que também não deixou de ser relevante para a convicção do Tribunal no sentido de que à Sociedade e aos Requerentes era já conhecido o modo de proceder necessário à obtenção da documentação comprovativa em questão, além de que, que os contactos nesses países vinham de há muito sendo presentes/constantes, o que permitiria pelo menos ultrapassar já dificuldades que pudessem ter sido vivenciadas a respeito num momento mais inicial dessa presença nesses países.
Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa, perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[2]), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC[3]).
Não se deram como provadas ou não provadas alegações das Partes apresentadas como factos mas consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja validade será de aferir em face da matéria de facto considerada assente.
3. Matéria de Direito
3.1. Questões a decidir
A questão a decidir nos presentes autos poderá enunciar-se assim:
Os Requerentes lograram provar o exigido por lei para efeitos de direito a crédito de imposto por DTI e, assim, para lhes ser dado deduzir as quantias em questão nos autos (desconsideradas pela Requerida nas correcções) como deduções à colecta a esse título?
Consoante o que se vier a responder à questão acima, assim deverá responder-se à questão de saber se se encontram feridas de vício de violação de lei as liquidações adicionais de IRS (as Liquidações) que desconsideraram valores inscritos pelos Requerentes a título de imposto pago no estrangeiro (em reflexo das correcções operadas na Sociedade imputadora dos rendimentos) e que o fizeram fundamentando-se na insuficiência de prova para o efeito.
Não há questões de constitucionalidade a apreciar, pois que não foi suscitada de modo processualmente adequado qualquer questão de constitucionalidade que se pudesse pretender ver apreciada (cfr. art.º 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional). Não obstante os Requerentes fazerem a certo passo referência à violação dos Princípios Proporcionalidade e Proibição da Indefesa e aí referirem os art.ºs 18.º e 20.º da CRP (66 do PPA). Do que se tratará ao tratar infra em concreto do vício a esse respeito invocado. Também o mesmo se diga quanto a final do ponto D) das suas Alegações alegarem os Requerentes a não admissão da prova pela Requeria ser ilegal “quiçá mesmo inconstitucional” sem qualquer referência normativa.
Por fim, haverá que decidir quanto a reembolso de quantias pagas e, decidindo-se pelo reembolso, juros indemnizatórios.
Como segue.
Começando por recapitular e enquadrar brevemente.
Está em questão a tributação de rendimentos obtidos por residentes fiscais portugueses no estrangeiro - cfr. art.º 15.º, n.º 1 do Código do IRS (CIRS)[4], que determina que “sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território”. E, desde logo, o mecanismo de eliminação de dupla tributação jurídica internacional (na presente Decisão também “DTI”) previsto pelo nosso legislador (no que a sujeitos passivos de IRS se refere) no art.º 81.º do CIRS. Disposição que se reveste do maior relevo nos casos em que não exista em vigor entre os Estados em questão uma CDT (e que, a haver, se conciliará com a mesma). Norma que permite, afinal, deduzir o imposto suportado no estrangeiro, tomando-o, tratando-o, como uma dedução. Como se de uma dedução à colecta se tratasse, portanto.
A situação de dupla tributação poderá surgir por razão de os mesmos rendimentos, referentes ao mesmo período, obtidos pelo mesmo sujeito passivo, poderem estar sujeitos a impostos com a mesma natureza também no Estado da Fonte (EF). Como sucederia no nosso caso. Com as especificidades já percorridas (v Relatório e, ainda, em especial al.s a) a g) factos provados) pelo facto de a Sociedade beneficiária dos rendimentos, sendo sociedade de profissionais – sociedade de Advogados, estar sujeita ao regime de transparência fiscal previsto no nosso CIRC (v. arts. 6.º, n.ºs 1 e 3 do CIRC). Donde que os rendimentos da Sociedade auferidos no estrangeiro são imputados, para efeitos de tributação, na esfera jurídica dos sócios – no caso dos autos, os sócios ora Requerentes - na proporção das suas quotas/participações sociais. Tudo assim sucedendo no nosso caso sem que quaisquer factos a este respeito venham contraditados. Assim foi feito o preenchimento pelos Requerentes no Anexo D das suas Declarações Mod. 3, em conformidade com o antes inscrito pela Sociedade no Anexo G da sua IES a respeito. Assim no ano de 2018, aqui em questão.
Convém referir que, no ano em questão nos autos, a Requerida – cfr. factos provados, supra, limitou-se a não aceitar uma parte (55 em 611) das facturas. Melhor, não aceitar a dedução a título de crédito de imposto por DTI relativamente ao alegadamente retido/pago imposto relativamente a essas (55) facturas. Aceitou porém, deixe-se claro, o valor inscrito a título de imposto pago no estrangeiro nos demais casos, i. e., sempre que conseguiu identificar a relação entre a transferência/pagamento feito pelo Cliente e a factura, relacionar/conciliar e, assim, aceitar o montante inscrito nas Mod.3, a título de imposto pago no estrangeiro, pelos Requerentes. Diferentemente aceitando-o tal como reflectido na contabilidade da Sociedade e depois na IES desta e, por fim, nas inscrições nas Declarações de rendimentos dos Requerentes naqueles outros casos (os casos que não foram alvo de correcções, portanto, que não os que deram origem às liquidações em crise).
Estão, pois, em questão, tão só, as correcções na origem das liquidações aqui em crise (as Liquidações) e que são aquelas em que a Requerida corrigiu para menos os montantes inscritos pelos Requerentes a título de imposto pago no estrangeiro. E fê-lo por motivos de não conseguir, disse-se já, com base na documentação exibida pelos Requerentes e, antes, pela Sociedade, fazer a relação, a conciliação, entre os valores transferidos para pagamento de facturas à Sociedade e as concretas facturas a que os Requerentes alegam os pagamentos se reportar, relação directa que, a alcança-se, permitiria aferir da efectividade das retenção na fonte que vem alegado terem ocorrido.
Os Requerentes entendem que estão reunidos os pressupostos legais para que lhes deva ser reconhecido o direito à dedução por crédito de imposto por DTI pelo montante correspondente ao total do valor que a esse título inscreveram nas suas Declarações Modelo 3, Anexo D, Quadro 4-A. (cfr factos provados)
Em seu entender, é suficiente para o efeito a prova que entendem ter logrado fazer. Entendem que lograram fazer prova da efectividade das retenções na fonte que alegam. Entendem que essa prova também se encontra feita no caso das facturas que deram origem às correcções na origem das Liquidações. Prova essa que entendem ter ficado assente com base na documentação carreada nos autos – a saber (cfr supra decisão e fundamentação da matéria de facto): facturas, recibos, documento referentes a transferências e comunicações com os clientes a solicitar documentação.
Sendo que, e retornando a partir daqui exclusivamente para as Liquidações em crise:
Vimos já (cfr supra, mais uma vez, decisão da matéria de facto) que o facto em questão, i.e., o facto que os Requerentes se propuseram provar e que entendem ter logrado provar - a efectiva retenção na fonte - resultou não provado.
E é desde logo esse facto facto constitutivo do direito invocado pelos Requerentes. Contra os quais operarão as regras da distribuição do ónus da prova quando o mesmo não resulte provado. Como é o caso, e cfr art.º 74.º, n.º 1 da LGT. Estando, como está, em causa um invocado direito dos Requerentes, a uma dedução à colecta.
*
Avancemos, então, passando a responder por pontos aos indicados pelos Requerentes no seu PPA, pela mesma ordem, e que são os fundamentos que invocam para imputar às Liquidação o vício de violação de lei.
A)DA INEXISTÊNCIA DE PROVA VINCULADA PARA EFEITOS DE COMPROVAÇÃO DAS RETENÇÕES NA FONTES EFETUADAS NO ESTRANGEIRO
Defendem os Requerente não existir base legal para a Requerida não aceitar a documentação carreada como prova para o efeito do reconhecimento do crédito de imposto. Melhor, da dedução a título de crédito de imposto por DTI. Porém não lhes assiste razão, uma vez que, como já se viu, a Requerida apreciou a documentação junta e valorou-a, aceitando-a, e apenas não deu a mesma como suficiente para prova do facto pretendido provar nos casos em que a já referida relação directa entre facturas e pagamentos não estava ao alcance de ser feita a partir da documentação existente/exibida. Que são aqueles casos em que as correcções foram mantidas. Insista-se. Nos demais casos, i.e., naqueles casos em que mesmo não existindo outra documentação que não essa mas em que, ainda assim, era possível ser feita a já referida conciliação (verificar a tal relação directa) a Requerida não deixou de aceitar esses documentos como prova suficiente e manter/aceitar os montantes inscritos, sem os corrigir.
O que se constata desde logo nos RITs - cfr supra factos provados.
A Requerida, na sua defesa nos autos, de seu lado, expõe assim ter sucedido. Não obstante fazer referência - (como aliás também assim nos RIT sucede, como mera referência, sem que daí tenham sido retiradas as consequências que daí decorreriam) - a que em Ofício Circulado mais do que isso se exige (Ofício N 20030, de 18.12.2000), sem prescindir expõe que foi aceite o acervo documental junto sem se ter seguido, afinal, a exigência de prova a que no dito Ofício se faz referência (a saber, cfr Ofício, prova com base em documentos originariamente emitidos pelas Autoridades Fiscais do Estado onde o imposto tenha sido pago ou, alternativamente, fotocópias autenticadas por essas mesmas entidades). Como expõe na sua Resposta: não obstante os documentos apresentados não serem válidos para fazerem prova “para efeito de crédito por dupla tributação internacional, conforme o entendimento preconizado no referido ofício circulado, a AT não deixou de apreciar os documentos apresentados, no sentido de comprovar se os mesmos seriam passíveis de comprovar a retenção do imposto, conforme alegado”.
Não procede, pois, logo por aqui, o argumento dos Requerentes no sentido de que as Liquidações estão viciadas por vício de violação de lei porque não podia a Requerida ter procedido como procedeu, desconsiderando os montantes inscritos a título de imposto pago no estrangeiro arvorando-se, para tanto, numa exigência de prova que não tem base legal. Argumentando, assim, os Requerentes, que o legislador não consagrou um regime de prova vinculada para estes efeitos, e, por isso, que a Requerida teria que ter aceite como prova suficiente os documentos juntos. Quando, na verdade, afinal, assim sucedeu: a Requerida aceitou-o. Nos casos de conciliação possível, vimos. Não aplicou as exigências constantes do falado Ofício.
Sem prejuízo de ser certo, em qualquer caso, como alegado pelos Requerentes (e aceite pela Requerida) não se estar em sede de regime de prova vinculada.
Ainda assim, e sempre se diga, precisamente num regime que não de prova vinculada, como bem se compreende, vigora o princípio da livre apreciação da prova. Desde logo o julgador apreciará as provas livremente consoante a sua prudente convicção (v. entre o mais art.º 376.º do CC).
E como quer que seja, sempre se acrescente, a valoração feita pela Requerida dos elementos de prova nos casos em que manteve as correcções, portanto nas Liquidações, não deixou de ser correcta, além de contida no permitido pelo legislador. Não foi exigida prova legal e a Requerida não exigiu, como condição necessária, documentos emitidos por certas e determinadas Autoridade Fiscais ou por elas certificados.
E não foi violado o art.º 128.º do CIRS, em nenhum dos seus dispositivos. Desde logo não o foi o n.º 1. Com efeito, ao tratar a “Obrigação de comprovar os elementos das declarações” o que o dispositivo determina é claro:
“1 - As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija.”
Nem, bem assim, seja o n.º 4 do mesmo artigo, que os Requerentes convocam, seja qualquer outro dispositivo legal. Não resultou demonstrado, já se viu, por qualquer meio de prova, e pelo conjunto dos elementos carreados nos autos para o efeito, o facto constitutivo do direito dos Requerentes, também constante da Declaração Mod. 3, Anexo D: “Imposto pago no estrangeiro”. Sequer resultou provada, vimos, a retenção na fonte nos casos em questão, por tudo o percorrido. A prova, ainda que não vinculada, ainda que não prova legal, e portanto, assim sujeita ao princípio da livre apreciação do julgador, teria que ser de molde a comprovar o facto. O que não sucedeu.
Não se verifica, por aqui, qualquer vício de violação de lei.
B)DA IMPOSSIBILIDADE PRÁTICA DE APRESENTAÇÃO EXIGIDA PELA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA – VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA PROIBIÇÃO DA INDEFESA
Como já se viu no ponto anterior, a Requerida não corrigiu com fundamento em não lhe ter sido apresentada prova documental proveniente ou certificada de/por Autoridades Fiscais. E cfr factos provados, em especial als i) e m) supra.
Improcede, assim, logo por aqui o que vem alegado pelos Requerentes neste ponto para fundamentar o invocado vício de ilegalidade. Não houve, desde logo por esta razão, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, uma imposição/exigência por parte da Requerida do que os Requerentes apelidam de “prova praticamente impossível” e “manifestamente desproporcional”. Nem a dita exigência, a ter existido, que não existiu, vimos, se nos afigura de concretização impossível (v. a este respeito o que já referimos na fundamentação da matéria de facto). Ademais, sabendo-se, como se sabe, que foi nesse mesmo ano de 2018 que a mesma Autoridade Fiscal (Angolana) estava em condições que permitiam ao Estado Angolano se vincular por via de uma CDT (a CDT entre PT e Angola é assinada ainda no ano de 2018, embora só entrado em vigor após os factos nos presentes autos). Nem, antes de mais, houve uma alegada “recusa da Autoridade Tributária em apreciar qualquer outro meio de prova que não seja um certificado emitido pela autoridade fiscal do Estado da fonte”. V., sem necessidade de maiores desenvolvimentos, e a par do mais percorrido acima, a fundamentação do acto – cfr RIT, supra factos provados, al. m). A Requerida aceitou outros meios de prova.
Não se verifica, desde logo por tudo o antedito, a alegada violação do princípio da proporcionalidade nem, assim, dos art.ºs 18.º da CRP e/ou do art.º 55.º da LGT. Nem também pelas mesmas razões anteditas ocorre a alegada violação do princípio da proibição da indefesa, ou do art.º 20.º da CRP. A Requerida aceitou outros meios de prova. E o art.º 81.º foi, também ele, respeitado.
Não se verifica, também por aqui, vício de violação de lei.
C) DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Desde logo, e em face também de tudo o antes percorrido, não se vê como, no necessário e devido equilíbrio entre deveres de colaboração e cooperação, por um lado, e o princípio do inquisitório, por outro, se pudesse entender, no caso, violado o último.
Refira-se, ainda outra vez, não estava ainda em vigor CDT entre Portugal e Angola. Que os Requerentes vêm convocar alegando que deveria a Requerida ter recorrido aos respectivos instrumentos para troca de informação. Ainda que o estivesse, como se sabe, não seria esse o primeiro caminho a dever ser seguido. EM qualquer. Caso, não estava e, por outro lado, a Sociedade, como também abordámos supra, reconhecidamente tinha presença em matéria de prestação de serviços naquele país havia já muitos anos. A cooperação da sua parte e colaboração para obtenção de documentação comprovativa não poderia deixar de ser a primeira a ser exigida. Estando, como está, em contacto directo regular desde logo com os seus Clientes daquele país. Nem cremos que o que estava afinal a ser exigido pela Requerida, a tal possibilidade de conciliação, fosse suprível senão por esta via.
Sem prejuízo do que fica dito, sempre se convoquem, neste contexto, os dispositivos no Diploma legal que regula o Procedimento de inspecção tributária e define os princípios e as regras aplicáveis aos seus actos, o RCPITA.[5]No mesmo, determinou o legislador, entre o mais, em sede de Princípios e disposições gerais, no art.º 2.º - “Âmbito”, assim: “1. O procedimento de inspecção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infrações tributárias. / 2. Para efeitos do número anterior, a inspecção tributária compreende as seguintes actuações da administração tributária: / a) A confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos (...)”.
Por sua vez, em sede concretamente de Princípios, no art.º 5.º - “Princípios”, assim: “O procedimento de inspecção tributária obedece aos princípios da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação”.
Do anteriormente percorrido não vemos como a Requerida não tenha realizado as diligências necessárias e adequadas/proporcionais para obter os elementos de que necessitava munir-se. Não foi violado o art.º 58.º da LGT. Tudo como percorrido.
Não ocorre, também por aqui, vício de violação de lei.
D) DO ERRO QUANTO AO FACTO A PROVAR E DA PROVA DAS RETENÇÕES EFETUADA PELOS REQUERENTES
Alegam os Requerentes sem prescindir que a Requerida estaria equivocada quanto ao facto a provar. Insistindo os Requerentes que aquilo que têm que provar é a retenção na fonte, “ou seja, de que o montante foi deduzido pelo cliente a título de imposto (cfr cit n.ºº1 do Artigo 128.º do Código do IRS”.
Ora, como vimos, foi assim também que afinal foi aceite pela Requerida. Cfr. supra. Não tendo aceite os valores apenas quando concluiu, como este Tribunal também, não estar feita a prova da efectividade das retenções na fonte. Ou seja, muito embora o conatnte do art.º 81.º seja de molde a exigir a prova do facto aí inscrito pelo legislador - imposto pago – em qualquer caso, no que às Liquidações respeita, a Requerida só não aceitou os valores inscritos a título de imposto pago no estrangeiro quando não foi possível comprovar a relação entre os valores pagos e as facturas e, assim não sendo possível tal conciliação, não foi possível comprovar a alegada retenção na fonte. Tudo como acima percorrido.
Não se alcança assim, mais uma vez, o argumento dos Requerentes.
Não ocorre, também por aqui, o invocado vício de violação de lei.
-
DA PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DOS VALORES DE RETENÇÕES NA FONTE DECLARADOS
Estamos perante um invocado direito a uma dedução, por crédito de imposto. Independentemente agora de maiores qualificações, retenhamo-nos aqui. Caberia aos Requerentes, SPs que invocam tal direito, a uma dedução, a prova dos factos constitutivos do direito que invocam, assim a prova de terem, já, como alegam, pago imposto sobre aqueles mesmos rendimentos (v. art.º 74.º, n.º 1 da LGT – “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”). Não obstante o declarado beneficiar de uma presunção de veracidade, ainda assim, não deixarão os contribuintes de poder, como se sabe, ser convocados a comprovar, de forma bastante, o declarado. Pense-se, se necessário fosse, num paralelo. Se um contribuinte que declara ter auferido rendimentos de mais-valias imobiliárias num determinado ano declara também um determinado montante de despesas e encargos conexos[6], será assim absolutamente determinante o respectivo montante que o mesmo inscrever na declaração, e que será de contabilizar para efeitos de apuramento do ganho de mais-valias, sem que assista à Requerida AT a possibilidade de aferir da sustentação na realidade desse montante? Bem se compreende que não. V., a respeito, entre o mais, e a par do art.º 74.º, n.º 1[7] da LGT, o art.º 128.º do CIRS, onde, desde logo no n.º 1, se lê: “As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respectiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija.” Isto sem prejuízo, como bem se compreende, da já referida presunção de veracidade de que beneficiam as declarações dos contribuintes (cfr. art.º 75.º, n.º 1 da LGT).
Com efeito e sem prejuízo da razão de ser da consagração legal de tal presunção (em benefício dos contribuintes, que à partida não estarão em igualdade de posição com a parte activa da relação jurídico-tributária em matéria de reunião de informação pertinente), por força da qual desde que apresentadas nos termos previstos na lei as declarações dos contribuintes se presumem verdadeiras e de boa fé, ainda assim tal terá que ser compatibilizado, como bem se compreende, com o princípio da verificação. Ou seja, não só a presunção resulta afastada desde logo em circunstâncias determinadas, previstas expressamente pelo legislador desde logo no n.º 2 do mesmo dispositivo legal, como, ademais, a mesma há-de operar sem perder de vista a, sempre pretendida, verdade material. “Sem prejuízo, como é evidente, do controlo pela administração e das excepções legais.”[8]
A declaração dos Requerentes, beneficia, como bem os mesmos observam, da presunção legal de veracidade. Porém até prova em contrário. Pois que a presunção de veracidade das declarações tem como pressuposto de aplicação efectiva o princípio da verificação. Princípio que constitui consequência directa, como a respeito observava Saldanha Sanches, do princípio da justiça na distribuição dos encargos tributários.[9]
A prova do direito que os Requerentes invocam a uma dedução por crédito de imposto exigia no caso das Liquidações desde logo maior sustentação.
Dispõe o art.º 59.º, n.º 2 do CPPT, no que aos autos releva, que o apuramento da matéria tributável se faz com base nas declarações dos contribuintes desde que apresentadas nos termos previstos na lei e desde que os contribuintes “forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária.” Dispondo, por sua vez, o art.º 75.º, n.º 1 da LGT (como vimos), que tais declarações - apresentadas nos termos previstos na lei - se presumem verdadeiras e de boa-fé.
Não tendo os Requerentes feito a prova do facto que alegam como sendo o constitutivo do seu direito – as retenções na fonte – desde logo não pode a presunção de veracidade deixar de ficar afastada. Por força desde logo do n.º 2 do art.º 75.º (LGT). Por tudo o percorrido.
Os Requerentes não deram, ademais, cumprimento ao que lhes era exigido pelo art.º 128.º (supra). Não ficando provado desde logo o exigido, também, por via do art.º 81.º do CIRS e constante nas declarações – Anexo D – Imposto pago no estrangeiro. (cfr factos provados, supra)
Também por aqui não se verifica vício de violação de lei.
-
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM – DO ENTENDIMENTO DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA A PROPÓSITO DA PROVA DO IMPOSTO SUPORTADO NO ESTRANGEIRO, NO ÂMBITO DO PROCEDIMENTO INSPETIVO REFERENTE AO ANO DE 2016
Alegam os Requerentes que já por referência ao ano de 2016, no procedimento inspectivo respectivo, a Requerida havia aceite o que agora não aceitou.
Sucede que não foi tal o que aconteceu, como bem nota a Requerida na sua defesa. Com efeito aquilo que não se aceitou no ano de 2018, em questão nos autos, não coincide com o que em 2016 a Requerida terá aceite.
Aí havia, como pelo respectivo RIT se verifica – e v. factos provados, al. u) – os elementos que permitiram a falada conciliação, relação entre pagamentos e facturs e assim a possibilidade de comprovação de retenções, como ali se apreende. E v Anexo ao RIT também supra na mesma al dos factos provados. Não houve a alegada contradição.
Em qualquer caso, sempre se diga, como bem se compreende, e sem necessidade de maiores aprofundamentos, não poderiam as funções que a Requerida exerce ficar dependentes de procedimentos inspectivos ocorridos no passado, a não ser na estrita medida do imposto por lei. Tanto impõem desde logo os princípios por que se rege o procedimento de inspeção tributária – cfr. art.º 5.º e ss. do RCPITA, e sem prejuízo do disposto no art.º 18.º do mesmo Diploma.
Não resulta violado o invocado art.º 59.º da LGT, não há violação do princípio da boa fé ou um venire contra factum proprium.
Não há, também por aqui, violação de lei.
*
Antecipando a decisão, conclui-se que as Liquidações não padecem de vício de violação de lei, por qualquer que seja o fundamento dos invocados pelos Requerentes.
4. Devolução de quantias pagas e juros indemnizatórios
As Liquidações estão conformes à lei.
Ficam, assim, sem condições de procedência os pedidos aqui em referência, pois não sendo a Liquidação de anular, não houve pagamento indevido de quantias, que houvesse que devolver, nem serão, pela mesma razão, devidos juros indemnizatórios (v. art.º 43.º, n.º 1 da LGT).
5. Decisão
Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o PPA, e assim:
- Absolver a Requerida do pedido de anulação das Liquidações, melhor identificadas supra;
- Consequencialmente, absolver a Requerida do pedido de anulação dos despachos de indeferimento das Reclamações Graciosas, bem como dos pedidos de devolução de quantias pagas e de juros indemnizatórios.
6. Valor do processo
Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 3.314,56.
7. Custas
Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 612,00, a cargo dos Requerentes.
Lisboa, 3 de Julho de 2024
O Árbitro
(Sofia Ricardo Borges)
[1] Decisões Arbitrais nos Processos n.ºs 270/2023-T e 271/2023-T.
[2]Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para eles se remeter na presente Decisão).
[3] Todos Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT (e assim sempre que para qualquer deles - ou para outros Diplomas quando nos referirmos à aplicabilidade no caso dos respectivos artigos - se remeter na presente Decisão).
[4] Sempre que referirmos artigos sem menção do Diploma Legal estaremos a referir-nos ao CIRS.
[5] Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira
[6] Cfr. art.º 51.º do CIRS
[7] Que dispõe: “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”
[8] José Maria Fernandes Pires e outros, in LGT Comentada e Anotada, Almedina, 2015, p. 820
[9] Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, 2007, p. 243