Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 120/2024-T
Data da decisão: 2024-07-03  IRC  
Valor do pedido: € 43.740,08
Tema: IRC. Crédito de imposto – Rendimentos de unidades de participação em Fundo de Investimento Imobiliário.
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SUMÁRIO:

I – O n.º 3 do artigo 22.º, do EBF, na redação anterior à que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, “permitia, a um sujeito passivo de IRC, deduzir à coleta, do exercício, imposto pago (através de retenção na fonte ou não) por um fundo de investimento mobiliário, sem que, previamente, na competente autoliquidação, tivesse de adicionar, a importância correspondente a esse imposto, aos demais valores constitutivos/integrantes da respetiva matéria coletável.”.

II – O disposto no n.º 3 do artigo 22.º, do EBF, na redação em vigor nos anos de 2013, 2014 e no primeiro semestre de 2015, era aplicável aos rendimentos respeitantes a unidades de participação em fundos de investimento imobiliário, por força do n.º 7 do mesmo artigo.

 

DECISÃO ARBITRAL

I.  RELATÓRIO

A... SGPS, SA, com o NIPC ... e sede em ..., ..., ...-..., Maia, (doravante designados por Requerentes), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), não tendo utilizado a faculdade de designar árbitro.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.o Senhor Presidente do CAAD em 31 de janeiro de 2024 e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

 

A. Objeto do pedido:

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023... que deduziu para correção da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do exercício de 2020, bem como a consequente anulação parcial daquele ato de autoliquidação, por erro no apuramento do seu resultado tributável individual e do de uma outra sociedade que, naquele exercício fiscal, integrava o Grupo económico que lidera.

 

Atribuindo ao pedido o valor económico de € 43 740,08, equivalente ao montante do imposto cuja anulação pretende, mais pede a Requerente a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre esse valor, contados desde a data do indeferimento da reclamação graciosa.

 

 

B. Fundamentação do pedido:

A Requerente alicerça o pedido de pronúncia arbitral nos factos e argumentos que, resumidamente, se enunciam:

 

  1. A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades enquadrado, em sede de IRC, no Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), do qual fazia parte, no exercício de 2020, entre outras sociedades, a sociedade B..., SA;
  2. Na sequência da entrega das declarações modelo 22 individuais das duas sociedades identificadas, verificou-se um erro ao nível do apuramento do resultado tributável de ambas, com referência ao período de tributação de 2020 e, consequentemente, ao nível da autoliquidação de IRC do Grupo fiscal em que se inserem;
  3. No período de tributação de 2020, a A... SGPS e a B... obtiveram rendimentos do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado C..., gerados em parte do ano de 2013, no ano de 2014 e no primeiro semestre de 2015, no montante de € 10 373 441,75 e € 10 373 541,56, respetivamente, aos quais está associado um crédito de imposto no montante de € 2 915 977,42 e € 2 916 005,48, respetivamente, nos termos do n.º 3 do artigo 22.º, do EBF, na redação em vigor até 30 de junho de 2015 e aplicável à data, nos termos do artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, os quais foram inscritos nas respetivas demonstrações de resultados, nas contas #79400100 – “Rendimentos Obtidos de unidades de participação” e relevados para efeitos do apuramento dos respetivos lucros tributáveis individuais;
  4. Os rendimentos provenientes das unidades de participação no Fundo C... foram considerados pela A... SGPS e pela B... para efeitos da determinação do seu lucro tributável em sede do IRC, pelo respetivo valor bruto, ou seja, incluindo o montante do IRC suportado na esfera do Fundo relativamente a tais rendimentos, ao abrigo da anterior redação do artigo 22.º, do EBF.
  5. O imposto suportado pelo Fundo C... relativamente aos rendimentos distribuídos à A... SGPS e B... foi deduzido, a título de pagamento por conta, no campo 359 da declaração individual de rendimentos (Modelo 22) da A... SGPS e B... e, bem assim, na declaração de rendimentos do Grupo, conforme o regime previsto no artigo 22.º, n.º 3, do EBF, na redação em vigor à data;
  6. No entanto, entende a Requerente que não deveria ter dado à tributação o referido crédito de imposto no montante total de € 5 831 982,90 – isto é, para efeitos do apuramento do seu resultado tributável, deveria ter expurgado da base tributável de cada uma das sociedades a que respeitam, o rendimento registado relativo ao crédito de imposto que lhe foi imputado relativo ao Fundo C...;
  7. A Requerente entende que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada para correção da autoliquidação do ano de 2020 incorreu em erro nos pressupostos de facto e erro na aplicação do Direito, que acarretam a sua ilegalidade e impõem a sua anulação;
  8. O Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, procedeu à reforma do regime de tributação dos OIC, contido no artigo 22.º, do EBF, com efeitos a partir de 1 de julho de 2015, assistindo-se à alteração da lógica de tributação “à entrada” dos rendimentos obtidos pelos fundos de investimento para uma lógica de tributação “à saída” na esfera do investidor/participante;
  9. O referido Decreto-Lei n.º 7/2015 previu, igualmente, um regime transitório com vista a salvaguardar os efeitos decorrentes da alteração do modelo de tributação;
  10. Estando em causa rendimentos obtidos até ao dia 30 de junho de 2015 – ainda que distribuídos em momento posterior –, será aplicável o regime de tributação previsto no artigo 22.º, do EBF, na redação vigente até à entrada em vigor, em 1 de julho de 2015, do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, conforme previsto no artigo 7.º, n.ºs 1 e 9 deste Decreto-Lei;
  11. Decorre da redação do n.º 3 do artigo 22.º, do EBF, em vigor à data, que (i) os rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário e imobiliário não estavam sujeitos a qualquer retenção na fonte; (ii) aqueles rendimentos deveriam ser incluídos na base tributável dos participantes (sujeitos passivos de IRC residentes em Portugal) para aí serem sujeitos a tributação; e (iii) o imposto suportado pelo Fundo tinha a natureza de imposto por conta na esfera dos seus participantes;
  12. Assim, é inequívoco que aquele regime não estabelecia a tributação do montante deduzido a título de imposto por conta, na esfera do participante, não sendo aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 68.º, do Código do IRC, por não estarem em causa rendimentos obtidos no estrangeiro nem o imposto aqui em causa corresponder a uma retenção na fonte quanto aos rendimentos englobados pela Requerente, decorrentes da participação detida no Fundo C..., dizendo antes respeito à tributação sofrida pelo Fundo sobre os rendimentos de ativos por si detidos e que, nos termos do regime previsto no artigo 22.º, do EBF, é imputável aos seus participantes;
  13. Ora, não estando os referidos rendimentos sujeitos a retenção na fonte, não tem cabimento aplicar o disposto no artigo 68.º, do Código do IRC, ao caso em apreço, uma vez que o mesmo versa apenas sobre rendimentos sujeitos a retenção na fonte ou rendimentos que tenham dado lugar a um crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, mas não prescreve o procedimento a adotar para um crédito de imposto com natureza de pagamento por conta, pelo que a sua aplicação por parte da AT ao caso concreto está vedada;
  14. Não tendo o legislador determinado expressamente na lei a inclusão do crédito de imposto em apreço para efeitos do apuramento do lucro tributável, seja no regime fiscal do EBF anteriormente referido ou no artigo 68.º, do Código do IRC, não pode simplesmente presumir o intérprete que o legislador se equivocou ou se esqueceu;
  15. Sendo o regime previsto no artigo 22.º, do EBF, um benefício fiscal, o suprimento de quaisquer lacunas do mesmo não pode ser realizado com suporte em outras normas, designadamente o artigo 68.º, do Código do IRC, mediante integração analógica;
  16. Assim, entende a Requerente que só pode decair o argumento da AT de que para efeitos de tributação se devem considerar os rendimentos auferidos ilíquidos do imposto suportado pelo Fundo, uma vez que não se verifica a aplicação do n.º 2 do artigo 68.º, do Código do IRC, reiterando que o mencionado crédito de imposto não integra, nem pode integrar, um rendimento para efeitos do apuramento do seu lucro tributável, conforme veio erradamente a suceder;
  17. Motivo pelo qual entende a Requerente que deve a decisão administrativa impugnada ser julgada ilegal, com a consequente anulação de tal decisão e inerente anulação parcial das autoliquidações de IRC do período de tributação de 2020, e ser a AT condenada no pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre o valor de € 43 740,08 e computados desde o indeferimento do procedimento de reclamação graciosa, bem como no pagamento das custas arbitrais.

 

 

C. Da resposta Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT, em 9 de abril de 2024 a AT apresentou a sua Resposta e fez juntar o processo administrativo, defendendo, por exceção e por impugnação, a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

Por exceção:

  1. Invoca a Requerida a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer dos pedidos de anulação parcial da autoliquidação de IRC do exercício de 2020, bem como do direito a juros indemnizatórios, calculados sobre o valor de € 43 740, 08 e computados desde o indeferimento do procedimento de reclamação graciosa;
  2. Alega que, nos termos do disposto no artigo 2.º, alínea a), da Portaria nº 112/2011,de 22 de março, a AT se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, “ com exceção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”, e que não existe, no âmbito do RJAT, qualquer suporte legal que permita aos tribunais arbitrais condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no mesmo RJAT, ou seja, poderes declaratórios com fundamento em ilegalidade;
  3. Também, no caso concreto, não pode ser proferida decisão que reconheça o direito da Requerente a obter a condenação da AT ao pagamento de uma quantia certa que apenas resulta dos cálculos por si efetuados, resultantes de ter dado à tributação um crédito de imposto no montante total de € 5 831 982,90, que segundo ela deveria ter sido expurgado da base tributável de cada uma das sociedades a que respeita o rendimento registado, relativo ao crédito de imposto que lhe foi imputado relativo ao Fundo C...;
  4. Admitir-se que o Tribunal Arbitral tem competência para a apreciação deste pedido representaria a substituição do presente Tribunal Arbitral nas competências próprias da AT;
  5. A pretensão jurídica formulada pela requerente reconduz-se ao reconhecimento de um direito ou ao pedido de condenação à prática de um ato devido, que não poderão ser obtidos por esta via, pois o pedido de pronúncia arbitral não consubstancia o meio próprio, o que, no caso, redunda na própria incompetência do Tribunal Arbitral, para reconhecer o direito que a Requerente pretende obter ou para, em alternativa à ação administrativa, condenar a AT à prática de um ato devido;
  6. Tal situação impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.
  7. Deste modo, verifica-se a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Por impugnação:

  1. A Requerida remete para a fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida pela Requerente para correção dos erros cometidos no apuramento do lucro tributável da A... SGPS e da B..., por referência aos rendimentos que obtiveram do Fundo C..., em 2020, segundo a qual:

“(…) As duas empresas atuaram em conformidade com o regime fiscal em vigor no nosso ordenamento jurídico até 30 de junho de 2015, tendo inclusive em atenção o regime transitório estabelecido no artigo 7º do Decreto-Lei n.0 7/2015, de 13 de janeiro.

36. Isto porque estando em causa rendimentos gerados anteriormente a 30 de junho de 2015 o regime de tributação quer dos fundos de investimento quer dos respetivos participantes tem de ter por base o artigo 22.º do EBF, em conformidade com o regime transitório que foi estabelecido pelo legislador no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro.

37. De salientar que o regime fiscal aplicável aos fundos de investimento constante do então artigo 22.º do EBF assentava num sistema de tributação na esfera dos detentores das unidades de participação de forma semelhante à que os mesmos teriam caso realizassem de forma direta os respetivos investimentos.

38. Aliás, conforme refere e bem a Reclamante tratava-se de um regime especial baseado no modelo designado por "tributação à entrada e isenção à salda", que consistia na tributação dos rendimentos gerados pelo património dos Fundos, por retenção na fonte ou autonomamente, e na isenção dos rendimentos à saída para a esfera jurídica dos participantes, mediante distribuição ou resgate das respetivas unidades de participação. Ou seja,

39. Os rendimentos obtidos pelos fundos eram tributados por retenção na fonte e/ou autonomamente e os rendimentos obtidos das unidades de participação (por distribuição, resgate ou liquidação ou partilha) tinham de ser englobados pelos respetivos detentores, desde que sujeitos passivos de IRC ou de IRS a exercer uma atividade marcadamente económica. Nesta medida,

40. E com aplicação ao caso que nos ocupa, nos termos do n.º 3 do artigo 22.º do EBF (…), os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos referidos no n.º 1 do mesmo artigo, cujos titulares fossem sujeitos passivos de IRC, residentes em território português, não estavam sujeitos a retenção na fonte, devendo ser considerados pelos respetivos titulares como proveitos ou ganhos, tendo o montante do imposto suportado pelo Fundo, nos termos do mesmo n.º 1, natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no atual artigo 90.º do Código do IRC. Daí que,

41. Para efeitos de determinação do lucro tributável, os rendimentos das unidades de participação em fundos de investimento tivessem de ser considerados pelo seu valor ilíquido, devendo os respetivos titulares somar aos ganhos provenientes das unidades de participação o montante correspondente ao imposto retido ou devido nos termos do disposto no artigo 22.º do EBF, o qual tomar-se-ia como imposto por conta do IRC devido a final, nos termos da então em vigor redação do n.º 3 do mesmo artigo 22º, cumprindo-se, dessa forma, o estabelecido no n.º 2 do artigo 68.º do Código do IRC.”

(…)

“Haverá que concluir que os sujeitos passivos de IRC, residentes em território português, a exercer uma atividade de natureza marcadamente económica, como é o caso das empresas A... SGPS e B..., nos termos do disposto no citado n.º 3 do artigo 22.º do EBF tinham de aplicar o n.º 2 do artigo 68.º do Código do IRC, considerando para efeitos de tributação os rendimentos auferidos ilíquidos do imposto suportado pelo Fundo, o qual tendo a natureza de imposto por conta seria deduzido à coleta do IRC nos termos estabelecidos na alínea e) do nº 2 do artigo 90.º do Código do IRC.

44. E, assim procederam, não tendo, pois, razão a Reclamante em requerer a retificação dos valores levados à tributação pelas empresas A... SGPS e B... .”;

  1. No anterior regime fiscal aplicável aos Fundos de Investimento, a solução gizada pelo legislador relativamente aos rendimentos respeitantes às unidades de participação na titularidade de sujeitos passivos do IRC obedecia a uma técnica de «quase transparência fiscal», a qual assegurava, grosso modo, que a tributação final dos rendimentos que afluíam aos Fundos, seria a que ocorreria na esfera jurídico-tributária dos participantes, funcionando o imposto retido ao fundo ou por este devido como pagamento antecipado por conta do imposto devido a final pelos titulares das unidades de participação;
  2. Por conseguinte, quando os rendimentos respeitantes às unidades de participação passavam para a esfera jurídica dos participantes – sujeitos passivos de IRC, a figura dos Fundos esbatia-se – daí a designação de transparência – atingindo diretamente, através de um sistema de tributação integrada, os participantes, ficcionando a lei que também lhes «pertencia» o imposto associado aos rendimentos distribuídos ou apurados no resgate das unidades de participação;
  3. É este sistema de tributação integrado dos Fundos e dos participantes, assente na técnica típica dos regimes de transparência fiscal que tem de enquadrar a interpretação da norma do artigo 22.º, n.º 3 do EBF e que aliás está refletido na redação do n.º 4 do mesmo artigo, em que se previa que um sujeito passivo isento de IRC deveria ser compensado, mediante restituição, pelo imposto pago na esfera do Fundo, de modo a que os rendimentos obtidos ficassem desonerados de tributação, como sucederia se os mesmos tivessem sido obtidos diretamente;
  4. Nas situações em que os titulares das unidades de participação não beneficiam de isenção, o artigo 22.º, n.º 3 do EBF estabelecia que o “montante do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1 a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no artigo 83.º [atual art.º 90.º] do Código do IRC e do artigo 78.º do Código do IRS.”, o que vale por dizer que se subsumia nas deduções previstas no n.º 2, em concreto, na alínea e) “A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável”;
  5. Ora, justamente, as retenções na fonte a que alude o artigo 90.º, n.º 2, alínea e), do Código do IRC têm a natureza de imposto por conta e respeitam a rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos que tenham sido incluídos no lucro tributável/matéria coletável, pelo montante ilíquido do imposto retido na fonte;
  6. Por isso, não se pode dissociar a norma do artigo 90, n.º 2 do Código do IRC da correção prevista no artigo 68.º, n.º 2 do mesmo Código, que impõe o chamado “gross-up” dos rendimentos, nos casos em que são contabilizados pela importância efetivamente recebida, havendo então que proceder ao acréscimo do imposto suportado a título de retenção na fonte no âmbito da determinação do lucro tributável;
  7. No caso em apreço, as duas empresas,  A..., SGPS e B... atuaram de acordo com o regime fiscal atrás exposto que é aplicável aos rendimentos obtidos até 30 de junho de 2015 por fundos de investimento e aos seus participantes, tendo tido também em conta o regime transitório previsto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, improcede, pois, o pedido de anulação do indeferimento parcial da reclamação graciosa relativa ao IRC do período de tributação de 2020;
  8. Relativamente ao pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, para que haja direito aos mesmos, de acordo com o disposto no art.º 43.º da LGT, é necessário que se verifique a ocorrência de um erro que seja imputável aos serviços, o que, no caso em apreço, não se verificou, sendo aliás, a proposta de decisão no sentido da manutenção da decisão da Reclamação Graciosa, bem como da autoliquidação de IRC, referente ao período de tributação de 2020 que está aqui parcialmente em causa.

 

*

Pelo Despacho Arbitral de 14 de maio de 2024, foi a Requerente notificada para, no prazo de dez dias exercer, querendo, contraditório sobre a matéria de exceção.

 

A Requerente pronunciou-se no sentido da total improcedência da exceção invocada pela Requerida.

 

Pelo Despacho Arbitral de 21 de maio de 2024, ao abrigo do disposto nos artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, bem como a produção de alegações escritas, por não ter sido requerida a produção de prova adicional, serem os elementos juntos aos autos suficientes à decisão da causa, ter sido assegurado o contraditório quanto à matéria de exceção e as posições das Partes se encontrarem definidas nos respetivos articulados

 

Mais se indicou que a prolação da decisão arbitral ocorreria dento do prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 21.º, do RJAT, devendo a Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

 

 

II. SANEAMENTO

1. O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 9 de abril de 2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

3. O processo não padece de vícios que o invalidem.

4. Na sua resposta, em sede de defesa por exceção, veio a Requerida invocar a incompetência do Tribunal Arbitral para decidir da anulação parcial da autoliquidação de IRC do exercício do ano de 2020, objeto da presente ação, porquanto, «nos termos do disposto no art. 2º, alínea a) da Portaria nº 112/2011, de 22 de março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no nº 1 do art. 2º do RJAT, “com exceção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.»

 

No entanto, por esta via, a exceção invocada pela Requerida é contraditória com os argumentos apresentados na defesa por impugnação, em que se remete expressamente para a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023..., transcrevendo a informação que a fundamenta.

 

Alega ainda a AT que (i) “não pode ser proferida decisão que, na prática, reconheça o direito da requerente a poder obter a condenação da AT ao pagamento de uma quantia certa que apenas resulta dos cálculos por si efetuados” (artigo 7.º, da resposta); (ii) pois tal decisão representaria “a substituição do presente Tribunal Arbitral nas competências próprias da AT” (artigo 11.º, da resposta), “constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP], como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, a interpretação, ainda que extensiva, que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente, por tal pressupor, necessariamente, a consequente dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime” (artigo 15.º).

 

Vejamos:

 

É certo que a Requerente pretende a anulação parcial da autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2020, de acordo com os cálculos por ela própria efetuados, como é típico de uma autoliquidação, em especial no caso do IRC, a efetuar pelos sujeitos passivos deste imposto na declaração anual de rendimentos ou em declaração de substituição, conforme previsto no artigo 89.º, alínea a), do Código do IRC.

 

Tem sido apontada à autoliquidação a natureza de ato jurídico provisório que carece sempre de confirmação expressa ou tácita da AT, pois embora seja o contribuinte a proceder ao apuramento do lucro tributável, da matéria coletável e da coleta, em obediência às normas legais aplicáveis, tal atividade não consubstancia ato administrativo de aplicação do direito[1].

 

Por esta razão, sempre que o sujeito passivo conclua ter cometido um erro na autoliquidação, seja erro nos factos em que esta assentou, seja na aplicação das normas legais, e pretenda impugnar essa autoliquidação, o artigo 131.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário impõe a reclamação prévia como “necessária”, uma vez que “a administração tributária não tomou qualquer posição sobre a sua relação com o contribuinte[2].

 

No caso concreto dos autos, como já ficou assinalado, a Requerente deduziu reclamação graciosa para correção dos erros que alega ter cometido na autoliquidação. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa, confirmando a autoliquidação efetuada pela Requerente, faz transferir a imputabilidade do eventual erro para a Autoridade Tributária e Aduaneira e abre o acesso à via judicial.

 

A “quantia certa” a que a Requerida faz referência, não é, assim, mais do que o valor do imposto que tiver sido pago em excesso, confirmado pela decisão da reclamação graciosa deduzida pela Requerente.

 

Quanto aos demais argumentos aduzidos pela Requerida, aderimos, sem reservas, ao que ficou dito na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 124/2018-T, na parte que, com a devida vénia, se transcreve:

Por outro lado, ao interpretar e aplicar as normas jurídicas, este Tribunal Arbitral está a desempenhar a função que lhe está constitucionalmente atribuída (artigos 202.º, n.º 1, 203.º e 209.º, n.º 2, da CRP), pelo que nem se vislumbra como possa existir violação dos princípios da separação de poderes, do Estado de Direito e da legalidade, pois o decidido por este tribunal evidencia, precisamente, a perfeita concretização desses princípios: a Assembleia da República autorizou o Governo a legislar (artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril); o Governo, no uso de poderes legislativos, emitiu o RJAT; a Administração, através de dois membros do Governo, emitiu a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março; o Tribunal Arbitral interpretou e aplicou os diplomas normativos referidos.

(…)

Quanto à invocação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, definido no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, em que se refere que «o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributário», tratar-se-á, decerto, de lapso, já que ao decidir sobre a sua competência o Tribunal Arbitral não está a praticar qualquer acto de disposição de crédito. Por outro lado, nem se vê a que crédito se referirá a Autoridade Tributária e Aduaneira, já que no presente processo, em que está em causa um acto de liquidação cujo imposto foi pago, não está em causa a cobrança de qualquer crédito tributário, estando já extinto, pelo pagamento, o hipotético crédito que poderia existir e nem sequer é alegado que exista, qualquer outro crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira em relação à Requerente relacionado com a autoliquidação ou a liquidação em causa.

Para além disso, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários aplica-se à Administração e não aos Tribunais, como entendeu o Tribunal Constitucional, na esteira da generalidade da doutrina.

 

Por outro lado, estando em causa a apreciação de um ato de (auto)liquidação, o meio processual adequado é o processo de impugnação judicial, tal como decorre do disposto no artigo 97.º, n.º 1, alínea a) do CPPT ou, em alternativa, o processo arbitral tributário, em conformidade com o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT em conjugação com o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), a contrario, da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março.

 

Em face do exposto, julga-se improcedente a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

III.         FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

 

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa fixa-se como segue.

 

  1. Factos Provados:
  1. A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS) e sociedade dominante de um grupo de sociedades enquadrado, em termos de IRC, no Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS) – facto não contestado;
  2. No exercício de 2020, o Grupo fiscal liderado pela Requerente englobava, para além de outras, a sociedade B..., S.A., pessoa coletiva n.º...– (facto não contestado);
  3.  No decurso do período de tributação de 2020, a Requerente e a B... obtiveram do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado C..., com o NIF..., rendimentos gerados em parte do ano 2013, no ano de 2014 e no primeiro semestre de 2015 (Doc. n.º 4 junto ao PPA)
  4. Os referidos rendimentos foram lançados na contabilidade da Requerente em 30 de junho de 2020 pelo montante de € 10 373 441,75, assim como a retenção na fonte (IRS – Capitais) no montante de € 2 915 977,42 (Doc. n.º 5 junto ao PPA);
  5. Os rendimentos pagos pelo Fundo à B... foram lançados na contabilidade desta sociedade, em 30 de junho de 2020, pela quantia de € 10 373 541,56, bem como a retenção na fonte (IRS – Capitais) no montante de € 2 916 005,48, (Doc. n.º 5 junto ao PPA);
  6. Em 14 de junho de 2021, a Requerente procedeu à entrega da sua declaração periódica de rendimentos modelo 22 (individual) referente ao exercício de 2020 (declaração n.º...), incluindo no apuramento do lucro tributável os rendimentos provenientes das unidades de participação no Fundo C... pelo respetivo valor bruto de € 10 373 441,75 e deduzindo o imposto retido na fonte, de € 2 915 977,42, a título de pagamento por conta, no respetivo campo 359 (Doc. n.º 2 junto ao PPA. Facto não contestado);
  7. Na mesma data anterior, a sociedade B... entregou a sua declaração modelo 22 do período de tributação de 2020 (declaração n.º...), em que incluiu no apuramento do lucro tributável os rendimentos provenientes das unidades de participação no Fundo C... pelo respetivo valor bruto de € 10 373 541,56 e deduziu, no campo 359, a título de pagamento por conta, o montante de € 2 916 005,48, correspondente ao imposto retido na fonte (Doc. n.º 3 junto ao PPA; facto não contestado);
  8. Em 28 de junho de 2021, a Requerente entregou a declaração periódica modelo 22 do Grupo de sociedades que liderava, referente ao exercício do ano de 2020 (declaração n.º...), tendo incluído os rendimentos provenientes das unidades de participação no Fundo C... da A... SGPS e da B..., para efeitos da determinação do lucro tributável do Grupo em sede do IRC, pelo respetivo valor bruto, e deduzindo o correspondente imposto retido na fonte, no montante total de € 5 831 982,90 (Doc. n.º 1 junto ao PPA; facto não contestado);
  9. A Requerente deduziu atempadamente reclamação graciosa para correção da autoliquidação de IRC do exercício de 2020 (registada sob o n.º ...2023...), parcialmente indeferida, conforme o despacho da Senhora Diretora-Adjunta da Unidade dos Grandes Contribuintes, de 31 de outubro de 2023, notificado através do ofício n.º .../DJT/2023 daquela Unidade, da mesma data, rececionado pela Requerente em 3 de novembro de 2023 (Doc. n.º 7 junto ao PPA e PA);
  10. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa teve subjacente a informação n.º 220-AIR1/2023, parcialmente transcrita na resposta da AT, que se dá como reproduzida (Doc. n.º 7 junto ao PPA, Resposta e PA).

 

 

B. Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

 

C. Fundamentação da matéria de facto provada:

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Os factos dados como provados decorreram da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral e à resposta da Requerida e processo administrativo instrutor.

 

 

III.2 DO DIREITO

  1. A questão decidenda

A questão a decidir nos presentes autos prende-se com a interpretação do disposto no artigo 22.º, n.º 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação em vigor à data da produção dos rendimentos das unidades de participação num Fundo de Investimento Imobiliário Fechado (2013, 2014 e primeiro semestre de 2015) e sua aplicabilidade à data do pagamento daqueles rendimentos (2020), face à norma de direito transitório constante do artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º  7/2015, de 13 de janeiro, que procedeu à reforma do regime de tributação dos organismos de investimento coletivo.

 

No período a que respeitam os rendimentos, dispunha o citado n.º 3 do artigo 22.º, do EBF:

 

Artigo 22.º - Fundos de investimento

(…)

3 - Relativamente a rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos referidos no n.º 1, de que sejam titulares sujeitos passivos de IRC ou sujeitos passivos de IRS, que os obtenham no âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, residentes em território português ou que sejam imputáveis a estabelecimento estável de entidade não residente situado neste território, os mesmos não estão sujeitos a retenção na fonte e são pelos seus titulares considerados como proveitos ou ganhos, e o montante do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1 a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no artigo 83.º [atual artigo 90.º] do Código do IRC e do artigo 78.º do Código do IRS.

(…)”

 

E, de acordo com a norma de direito transitório do artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, em especial os seus números 1, 9 e 10:

 

Artigo 7.º - Regime transitório

1 — As regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015.

(…)

9 — A tributação dos rendimentos das unidades de participação ou das ações auferidos pelos participantes ou acionistas dos organismos de investimento coletivo, nos termos do novo artigo 22.º -A do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, incide apenas sobre a parte dos rendimentos gerados a partir da data de início de produção de efeitos deste diploma, considerando-se, para efeitos de determinação de mais-valias ou menos-valias resultantes da transmissão onerosa das unidades de participação ou das participações sociais, como valor de aquisição o valor de mercado à data de início da produção de efeitos da redação dada ao artigo 22.º do EBF pelo presente decreto -lei ou, se superior, o valor de aquisição das mesmas.

10 — Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se distribuídos ou resgatados aos participantes, em primeiro lugar e até à sua concorrência, os rendimentos gerados até à data de início da produção de efeitos da redação dada pelo presente decreto-lei e que, até essa data, não tenham sido distribuídos ou resgatados, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 2 a 5, 7, 10 e 14 do artigo 22.º, na redação anterior.

(…)”.

 

Resulta da norma do n.º 3 do artigo 22.º, do EBF, na redação anterior à que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, que os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos mencionados nos n.ºs 1 e 7 do mesmo artigo (fundos de investimento mobiliário e fundos de investimento imobiliário, respetivamente), obtidos por sujeitos passivos de IRC, não estavam sujeitos a retenção na fonte na esfera dos respetivos titulares, sendo considerados como proveitos ou ganhos destes, e que o montante do imposto retido ou devido  aos e pelos fundos tinha a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no (então) artigo 83.º [atual artigo 90.º] do Código do IRC.

 

Ou seja, os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos de investimento, na anterior redação do artigo 22.º, do EBF, eram tributados na esfera dos fundos, não estando sujeitos a tributação na esfera dos titulares das unidades de participação (segundo uma lógica de tributação à entrada e isenção à saída), contribuindo para a formação da respetiva matéria coletável e sendo o imposto suportado pelos fundos dedutível à coleta dos titulares das unidades de participação, sujeitos passivos de IRC.

 

Porém, da literalidade da norma do n.º 3 do artigo 22.º, não resulta que o imposto pago pelos Fundos (designadamente por retenção na fonte) devesse acrescer aos rendimentos efetivamente pagos aos titulares das unidades de participação e que devesse contribuir para a formação da matéria coletável destes, pelo seu valor ilíquido.

 

Na perspetiva da AT, embora o regime descrito se tivesse mantido em vigor para os rendimentos gerados até à data de início da produção de efeitos da redação dada ao artigo 22.º, do EBF, pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, e que à data do início da sua vigência não tivessem sido distribuídos, tal regime implicaria que, tendo as retenções na fonte efetuadas na esfera dos fundos a natureza de pagamento por conta do imposto devido pelos titulares das unidades de participação (artigo 90.º, n.º 2, alínea e), do Código do IRC), não poderiam as mesmas dissociar-se “da correção prevista no art.º 68.º, n.º 2 do mesmo Código, que impõe o chamado “gross-up” dos rendimentos, nos casos em que são contabilizados pela importância efetivamente recebida, havendo então que proceder ao acréscimo do imposto suportado a título de retenção na fonte no âmbito da determinação do lucro tributável”, já que, “se o legislador equiparou o “montante do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1” a “retenção na fonte de IRC” com a natureza de imposto por conta, associou-lhe a consequência legal que tal assimilação implica, que se traduz na inclusão no lucro tributável dos rendimentos ilíquidos (…)”. (artigos 70.º e 71.º, da Resposta).

 

É a seguinte a redação do n.º 2 do artigo 68.º, do Código do IRC, em vigor à data do pagamento dos rendimentos englobados pela Requerente:

 

Artigo 68.º – Correções nos casos de crédito de imposto e retenção na fonte

(…)

2 – Sempre que tenha havido lugar a retenção na fonte de IRC relativamente a rendimentos englobados para efeitos de tributação, o montante a considerar na determinação da matéria coletável é a respetiva importância ilíquida do imposto retido na fonte.

(…).

 

Ora, tampouco resulta do teor literal do n.º 3 do artigo 22.º, do EBF, na redação anterior à vigência do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, que os rendimentos pagos pelos fundos de investimento aos titulares das unidades de participação fossem onerados com retenção na fonte de imposto, uma vez que a norma refere expressamente que “os mesmos não estão sujeitos a retenção na fonte”.

 

Não estando os rendimentos auferidos pela Requerente em 2020, gerados nos anos de 2013, 2014 e no primeiro semestre de 2015 e relativos a unidades de participação num fundo de investimento imobiliário, sujeitos a retenção na fonte, não podem os mesmos ter enquadramento no disposto no n.º 2 do artigo 68.º, do Código do IRC.

 

Efetivamente, importa ter presente que a isenção de retenção na fonte sobre os rendimentos das unidades de participação em fundos de investimento, obtidos por sujeitos passivos de IRC, tem natureza de benefício fiscal e que as normas que estabelecem benefícios fiscais não são suscetíveis de integração analógica (artigo 10.º, do EBF), para que, contrariando a ratio legis, possam ser interpretadas à luz de outros normativos, designadamente do n.º 2 do artigo 68.º, do Código do IRC.

 

Não sendo invocável, pelos motivos apontados, a norma do n.º 2 do artigo 68.º, do Código do IRC, haverá, pois, que concluir, que o n.º 3 do artigo 22.º, do EBF, na redação anterior à que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, “permitia, a um sujeito passivo de IRC, deduzir à coleta, do exercício, imposto pago (através de retenção na fonte ou não) por um fundo de investimento [i]mobiliário, sem que, previamente, na competente autoliquidação, tivesse de adicionar, a importância correspondente a esse imposto, aos demais valores constitutivos/integrantes da respetiva matéria coletável.[3].

 

Por outro lado, não colocando a AT em causa nem o montante dos rendimentos auferidos pelas sociedades do Grupo liderado pela Requerente, respeitantes a unidades de participação num fundo de investimento imobiliário, nem o imposto suportado pelo Fundo pagador, valores documentalmente comprovados e confirmados na decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a autoliquidação de IRC do exercício de 2020, resta concluir pela ilegalidade de tal decisão, por erro sobre os pressupostos de Direito, bem como da mesma autoliquidação, na parte referente ao acréscimo das retenções na fonte suportadas pelo Fundo de investimento, que devem ser anuladas.

 

  1. Do pedido de juros indemnizatórios

O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 – primeira parte, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), devendo entender-se incluídos na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os poderes que, na impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, entre os quais o de apreciar pedidos de juros indemnizatórios.

 

O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), cujo n.º 1 estabelece que os mesmos são devidos quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Nos casos de autoliquidação, em que não há intervenção dos serviços, o erro passa a ser imputável à AT se, tendo a autoliquidação sido objeto de impugnação pela via administrativa, máxime, através de reclamação graciosa, a decisão de indeferimento do meio gracioso, contrariando as normas legais aplicáveis ao caso, confirma o erro praticado pelo contribuinte na autoliquidação.

 

 A Requerente peticiona, para além da restituição do indevido, o pagamento de juros indemnizatórios sobre o valor do imposto pago em excesso, a contar desde a data do indeferimento da reclamação graciosa.

 

Havendo lugar à anulação parcial da autoliquidação de IRC do exercício de 2020, nos termos acima mencionados, tem a Requerente direito a ser reembolsada da quantia que indevidamente pagou (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT), acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, até à data do reembolso, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

 

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito enunciados supra, decide-se:

 

  1. Julgar improcedente a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral para julgar o litígio objeto dos autos;
  2. Anular parcialmente a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023..., nos termos peticionados;
  3. Determinar a anulação parcial da autoliquidação de IRC do exercício de 2020, pela quantia de € 43 740,08;
  4. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição à Requerente da referida quantia de € 43 740,08, acrescida de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, até à data do reembolso.

 

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 43 740,08 (quarenta e três mil, setecentos e quarenta euros e oito cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 2 142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 3 de julho de 2024.

 

O Árbitro,

 

Mariana Vargas

 

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.

 



[1] Cfr., neste sentido, Alberto P. Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, Almedina, Coimbra, 1972, pág. 57. Também Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “Lei Geral Tributária” – Anotada e Comentada, 4.ª Edição 2012, Encontro da Escrita, pág. 271: “Nos tributos que se pagam mediante autoliquidação, a prestação do sujeito tem carácter definitivo desde que a administração não fiscalize posteriormente os factos tributários e a matéria colectável. Mas quando tal actividade de fiscalização se realiza, a prestação do sujeito é provisória e a definitiva será a que tenha por base o acto administrativo de liquidação”.

[2] Cfr. Jorge Lopes de Sousa, “Código de Procedimento e de Processo Tributário”, Volume II, 6.ª Edição, 2011, Áreas Editora, pág. 407.

[3] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12/01/2022, processo n.º 03032/13.5BEPRT, reportado ao exercício de 2009, em que a redação do n.º 3 do artigo 22.º, do EBF, era idêntica à que vigorava no período em causa na presente ação arbitral e que, nos termos do n.º 7 do mesmo artigo, era aplicável aos rendimentos respeitantes a unidades de participação em fundos de investimento imobiliário.