Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1045/2023-T
Data da decisão: 2024-07-12  IRC  
Valor do pedido: € 558.305,31
Tema: IRC - Tributação autónoma - Indemnização por cessação de funções de administrador – RFAI - Criação de Postos de trabalho.
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SUMÁRIO:

  • Uma indemnização pela cessação do mandato antes do seu termo é enquadrável na segunda parte da alínea a) do n.º 13 do artigo 88.º, do Código do IRC.
  • Tal norma deve ser interpretada no sentido de abranger diferentes formas de cessação de funções (e.g. destituição, renúncia, acordo) e não apenas a destituição pela assembleia geral sem justa causa.
  • Não tendo o valor da indemnização ultrapassado o das remunerações que o administrador iria auferir até ao final do mandato, a mesma está excluída de tributação autónoma nos termos do disposto na segunda parte da referida norma. 
  • O requisito de manutenção de postos de trabalho, previsto no artigo 22º, n.º 4, alínea f) do Código Fiscal do Investimento, apenas se refere aos postos de trabalho diretamente criados pelo investimento relevante não ao número total de trabalhadores da empresa.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros, Prof. Dr. Rui Duarte Morais (Árbitro Presidente), Dr. Arlindo José Francisco e Dr.ª Filipa Gomes Pereira (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo constituído em 05 de março de 2024, acordam no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

A sociedade A..., SA, com o NIPC..., com sede na ..., ...-... ... (doravante identificada como Requerente), requereu, em 22 de dezembro de 2022, ao abrigo da alínea a) do n.º1 do artigo 2º, da alínea b) do n.º 2 do artigo 5º e da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, Pronúncia Arbitral.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por AT ou Requerida.

 

A Requerente pretende a anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2022..., de 09.11.2022, no valor de € 187.607,55, referente ao exercício fiscal de 2019, e da demonstração da liquidação de juros (compensação n.º 2022..., de 11.11.2022), das quais, de acordo com a Demonstração de Acerto de Contas n.º 2022..., resultou a pagar o valor de € 558.305,31 (quinhentos e cinquenta e oito mil, trezentos e cinco euros e trinta e um cêntimos), valor este atribuído ao pedido, bem como,  o reconhecimento da ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada que correu termos sob o n.º ...2023..., notificada à Requerente através de Ofício n.º ..., de 22.09.2023, do Exmo. Senhor Diretor de Finanças de Aveiro.

 

  1. TRAMITAÇÃO

 

O Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 27 de dezembro de 2023 e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT em 29 de dezembro de 2023.

 

Nos termos do disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação em 14 de fevereiro de 2024, não manifestaram vontade de a recusar, atento o preceituado nos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 05 de março de 2024.

 

Nesse mesmo dia, foi notificado o dirigente máximo da Administração Tributária (“AT”) para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando que deve ser remetido ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do mesmo prazo, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.

 

Em 19 de Abril de 2024, a Requerida apresentou Resposta, na qual afirma que o Presente Pedido de Pronuncia Arbitral deve ser julgado improcedente, por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos com as legais consequências. Neste âmbito, a AT arrola ao processo uma testemunha para produção de prova.

 

Em 6 de Junho de 2024, teve lugar a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT e audição do depoente e das testemunhas - as quais, para o efeito, compareceram nas instalações do CAAD no Porto.

 

As Partes foram notificadas para apresentarem alegações simultâneas no prazo de 15 dias, com advertência da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente por parte da Requerente, até 10 dias subsequentes à data-limite para a produção de alegações, (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD), após o que seria proferida a decisão arbitral.

 

Em 27 de Junho de 2024, a Requerente apresentou as suas alegações, reiterando o já por si alegado no pedido arbitral. Na mesma data, a Requerida contra-alegou, mantendo a posição assumida no articulado de resposta e no Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”).

 

Síntese da posição das Partes

 

  1. Da Requerente:

 

A Requerente fundamenta o pedido de anulação do ato de liquidação adicional de IRC do exercício de 2019 na errónea quantificação da matéria tributável, para o que invoca as razões a seguir enunciadas:

 

A liquidação impugnada foi emitida pela AT no pressuposto de que a indemnização paga em 2020 a um administrador, no valor de € 250.000, deveria ter sido objeto de tributação autónoma, à taxa de 35%, a incluir pela Requerente na autoliquidação de IRC daquele exercício. Todavia, o pagamento em causa configura uma indemnização pela cessação do mandato antes do seu termo, que visou compensar o Administrador, em parte, do montante das remunerações que iria exercer até ao final do mandato – enquadrável, como tal na segunda parte da alínea a) do n.º 13 do artigo 88.º, do Código do IRC.

 

Com efeito, entende a Requerente que a primeira parte da norma destina-se a abranger as situações em que o administrador aufere uma indemnização ou qualquer outra compensação em virtude da cessação do mandato no seu termo, e a segunda parte visa compensar a cessação do mandato antes do termo (independentemente de qual a forma pela qual a cessação tenha lugar). Entende a Requerente que, na ausência de previsão expressa em sentido contrário na norma, a mesma não poderá ser interpretada no sentido de abranger todas as formas de cessação do mandato (e.g. destituição, renúncia, acordo) e não apenas, como entende a AT, a cessação por destituição da assembleia geral sem justa causa.

 

Mais, tendo a indemnização em causa visado compensar o Administrador pela cessação do mandato antes do seu termo, e não tendo o respetivo valor ultrapassado o valor das remunerações que iria auferir até ao final do mandato, defende a Requerente que a mesma está excluída de tributação nos termos do disposto na segunda parte da referida norma. 

 

No que respeita ao benefício da dedução à coleta da dotação do RFAI de 2019, a Requerente entende que foi cumprido o requisito de manutenção de postos de trabalho previsto no artigo 22º, n.º 4, alínea f) do Código Fiscal do Investimento, visto que o texto da norma apenas faz referência aos postos de trabalho diretamente criados pelo investimento relevante, não fazendo qualquer alusão ao número total de trabalhadores ou a valores líquidos por aferição dos trabalhadores da empresa.

 

Por conseguinte, a Requerente defende que a única interpretação que se pode retirar é a de que a norma em apreço se reporta à criação de postos de trabalho casualmente associáveis ao investimento relevante, independentemente de, sob um ponto de vista global a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço e, que basta a manutenção dos postos de trabalho diretamente criados pelo investimento para assegurar a manutenção do benefício. Atendendo a que no caso em concreto a Requerente criou um posto de trabalho em decorrência direta do investimento relevante, o qual se mantém, o requisito de criação e manutenção de postos de trabalho consagrado na lei encontra-se cumprido.

 

Acrescenta a Requerente que apenas os incentivos criados com o intuito principal de apoio ao emprego, calculados com base nos custos de investimento em postos de trabalho ou em custos salariais estimados, o que não é o caso do RFAI, devem atender ao aumento líquido do número de trabalhadores, como aliás resulta do artigo 14º, n.º 9, do Regulamento geral de isenção por categoria (EU) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, em vigor à data dos factos.

 

Ainda, condicionar a atribuição do benefício do RFAI ao aumento líquido de postos de trabalho e à sua manutenção, tal como sustenta a AT, equivaleria a subordinar a aplicação do regime a fatores exógenos à capacidade contributiva das empresas, não controláveis pelas empresas que procedem ao investimento produtivo, na medida em que a manutenção de postos de trabalho após o período de investimento não depende exclusivamente da vontade das empresas, estando igualmente dependente da vontade dos trabalhadores. No caso, das 10 saídas de trabalhadores com contratos de trabalho por tempo indeterminado, 8 foram motivadas pela vontade exclusiva dos trabalhadores. Deste modo, a Requerente entende que o seu acesso ao RFAI não poderá ser prejudicado pela redução líquida do número de trabalhadores ocorrida em 2021. 

 

Por todos estes motivos, segundo a Requerente, a liquidação adicional de IRC sob discussão, deverá ser anulada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163º do CPA aplicável ex-vi alínea d) do artigo 2º do CPPT.

 

(ii) Da Requerida:

 

A AT foi notificada, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT, em 05.03.2024, tendo juntado o processo administrativo, para o qual remeteu na íntegra, defendendo a legalidade e a manutenção do ato de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, sob os seguintes argumentos:

 

A Requerente registou um gasto no montante de € 355.000 no exercício fiscal de 2019, nos quais se incluem os relativos a indemnização ou compensação não relacionada com a concretização de objetivos, na sequência da renúncia apresentada pelo administrador B..., a qual foi aceite pela acionista única da Requerente. De acordo com a AT, parte do valor (€ 250.000) respeitam a uma indemnização por cessação antecipada de funções, “por forma a compensar parte do valor das remunerações que seriam auferidas atá ao final do mandato (cfr. Ata n.º 44).

 

A AT defende que, tratando-se de uma situação de renúncia, não haveria direito a qualquer indemnização, nos termos do artigo 403º do CSC, e que, por conseguinte, o valor recebido pelo Administrador não poderá ser equiparado ao “valor das remunerações que seriam auferidas até ao final do mandato. mas apenas a uma “compensação não relacionada com a concretização de objetivos após a cessação de funções de administrador, enquadrável na primeira parte da alínea a) do n.º 13 do artigo 88º do CIRC e, assim sendo, sujeita a tributação autónoma à taxa de 35%.

 

Relativamente ao RFAI, a AT entende que a dedução à coleta, através do campo 355 da Declaração de Rendimentos de Modelo 22, a título do benefício fiscal decorrente do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), no valor de € 404.986,77, também inscrito Quadro 074 do Anexo D à referida Declaração, é indevida.

 

Entende que o RFAI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014 de 31 de outubro, é um auxílio estatal com finalidade regional e, portanto, sujeito às orientações da União Europeia nessa matéria (Jornal Oficial da EU n.º C209/1, de 23 de julho de 2013 (OAR) e Regulamento (EU) n.º 651/2014 de 4 de junho de 2014 que aprovou o Regime Geral de Isenção pro Categoria (RGIC).

 

Por conseguinte, a remete para a posição já analisada e sancionada nos Despachos 2019-08-22 e 2023-06-25 da Subdiretora-Geral da área de Gestão de IR, divulgados no site da AT pelo Oficio Circulado n.º 20259 de 2023.06.28, ou seja, que não obstante o CFI ser omisso quanto ao conceito de “criação de postos de trabalho” , a interpretação a dar a alínea f) do n.º 4 do artigo 22º do CFI terá que estar em estreita associação com o espirito consignado no RGIC: os auxílios com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável.

 

Por conseguinte, a AT entende que a aplicação deste benefício fiscal depende, designadamente, da realização de investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção-(conforme alínea f) do n.º 4 do artigo 22º do CFI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, sendo que esse objetivo é apenas cumprido quando a par dos postos de trabalho criados e mantidos estritamente em razão do investimento relevante para efeitos de RFAI exista um aumento efetivo do numero de postos de trabalho por forma verificar-se em termos líquidos, uma efetiva criação de emprego, conforme esclarece a alínea k) do ponto 1.2. (Definições) da OAR e o paragrafo 32 do artigo 2º do RGIC.

 

A AT suporta a sua posição também na Informação Vinculativa n.º 818, no processo 2010 001800, com Despacho do Diretor-Geral de 2010.07.16, segundo a qual a posição doutrinária da AT dá cumprimento à exigência de “criação de emprego num contexto sustentável”, o que não seria alcançado se se considerasse como válida a admissão de colaboradores com contrato a termo. Face ao exposto, e apesar de a AT validar que houve criação de postos de trabalho em 2019, discorda quanto à sua manutenção nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 4 do artigo 22º do CFI, da qual resulta que as entidades beneficiárias sendo PME deverão manter os postos de trabalho criados pelo período mínimo de manutenção do investimento (5 anos, in casu).

 

A AT suporta igualmente a sua posição em decisões do CAAD (p n.º 565/2018-T e 488/2019-T e n.º 82/2020-T), por entender que delas decorre também o entendimento de que a manutenção dos postos de trabalho para efeitos do RFAI dever ser efetiva, ou seja, aferida de forma global não sendo suficiente manter apenas os postos de trabalho especificamente criados pelo Investimento.

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral Coletivo é competente e foi regularmente constituído em 05 de março de 2024, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

Não foram invocadas exceções que cumpra apreciar.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

 

III.I MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Factos provados:

 

 A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa fixa-se como segue:

 

  1. Em cumprimento da Ordem de Serviço Interna OI2022..., da Direção de Finanças de Aveiro, a ora Requerente foi objeto de uma ação de inspeção externa relativa ao exercício de 2019, de âmbito parcial – IRC -  notificada em 20.04.2022.
  2. A Requerente enquadra-se no regime normal de IRC, tendo, por referência ao exercício fiscal de 2019, tendo apresentado uma declaração modelo 22 de IRC, em 31 de julho de 2020, na qual apurou um montante de IRC a recuperar de € 370.697,76.
  3. Do processo de inspeção resultaram correções a nível do apuramento da matéria coletável em montante total de € 12.691,21 e imposto adicional num montante total de € 509.986,77 onde se incluem as correções impugnadas no presente PPA: (i) tributação autónoma referente a indemnização por valores pagos a administrador a título de indemnização (nos termos da alínea a) do n.º 13º do CIRC), no valor de € 105.000; (ii) desconsideração da dedução a coleta de 2019, do benefício do RFAI, no valor de € 404.986,77.
  4. No da audição prévia ficou esclarecido que os referidos € 105.000 se subdividem em: (i) € 87.500 referente à tributação autónoma sobre a indemnização paga ao Administrador (€ 250.000 x 35%) e (ii) € 17.500 (€ 50.000 x 35%, tributação autónoma sobre a remuneração variável do administrador), não tendo esta última sido contestada pela Requerente, dando-se como aceite.
  5.  Destas correções, ora impugnadas, resultou um IRC a pagar de € 142.525,25 (cfr. demonstração acerto de contas n.º 2022...), ao que acrescem juros compensatórios pelo recebimento indevido no valor de € 32.337,03 e juros compensatórios pelo retardamento da liquidação no valor de €12.745.27 (cfr demonstração da liquidação de juros n.º 2022...).
  6. A Requerente contestou correções no valor de € 492.486,77, tendo em 2023.04.28 (Registo CTT n.º RL...PT) apresentado reclamação graciosa sobre o ato da liquidação adicional parcialmente impugnado, com o n.º ...2023....
  7. Esta Reclamação Graciosa foi expressamente indeferida por despacho de 2023.09.19, tendo dado origem à liquidação adicional de IRC n.º 2022... de 2022.11.09.
  8. Sumariamente:

 

 

 

 

 

  1. No exercício fiscal de 2019, a Requerente registou um gasto com “Prémio anual OS”, na conta SNC 631008 (lançamento contabilístico n.º D01-1) no valor de € 355.000. A Requerente esclarece, em resposta à AT em 30.06.2022, já no âmbito de inspeção externa, que este montante – atribuível ao administrador Rui Ramada - se subdivide em:
  • € 25.000 – compensação por não concorrência;
  • € 250.000 – Indemnização pro cessação de funções;
  • € 50.000 – distribuição de resultados (administração);
  • € 30.000 – acréscimo de gastos com prémios.
  1. Deste montante, apenas foram considerados no processamento salarial do administrador € 325.000, tendo o gasto de € 30.000 sido estornado no ano seguinte, mediante movimento n.º D01-20000125 de 31 de maio.
  2. No campo 422 do quadro 13 da Declaração Modelo 22 de IRC referente ao exercício fiscal de 2019, registada no sistema informático da AT sob o n.º..., a Requerente declarou os € 25.000, a título de “indemnizações por cessação de função de gestor, administrador ou gerente” sujeitas a tributação autónoma.
  3. No Anexo A da IES do exercício de 2019, registada no sistema informático da AT sob o n.º..., a Requerente nada declarou, a título de indemnizações no quadro 05292-A do mesmo anexo.
  4. A AT corrigiu a tributação autónoma, por forma a incluir os € 250.000 (pagos a título de Indemnização por cessação de funções e os € 50.000 (pagos a título de distribuição de resultados, atendendo a que os € 25.000 (pagos a título de compensação por não concorrência) já haviam sido tributados autonomamente pela Requerente. A Requerente aceita a correção do valor de € 50.000 referentes à distribuição de resultados, mas contesta a correção de € 250.000 respeitantes à indemnização.
  5. Os montantes de € 25.000 e € 250.000 são suportados por Ata datada de 28 de janeiro de 2020 (Ata n.º 44), da qual resulta a atribuição de uma indemnização no valor de € 250.000 e uma compensação por não concorrência de € 25.000 (a pagar a partir de março e até dezembro de 2020) ao Presidente do Conselho de Administração, pela cessação antecipada do seu mandato para o triénio 2019-2021 (conforme considerando D. e pontos 4 e 5 da referida Ata). Tal cessação produziu efeitos a 31 de dezembro de 2020 (conforme ponto 3 da referida Ata).
  6. Contudo, de acordo com a Inscrição 17 - AP. 11/20190711, 15:09:15 UTC – Designação de Membro(s) de Orgão(s) Social(ais) e Secretário (Online) - da Certidão Permanente da Requerente, o mandato em causa data não era para o triénio, mas para o quadriénio 2019-2022, o que é aliás consistente com a duração dos mandatos anteriores (igualmente inscritos na Certidão Permanente).
  7. Desta mesma Ata consta a aceitação por parte do Presidente do Conselho de Administração cessante das condições nela previstas. Por conseguinte, em 2020, o Presidente do Conselho de Administração cessante mantém inalteradas as suas condições remuneratórias no que respeita às suas remunerações fixas: (i) remuneração fixa bruta anual a ser paga em 14 prestações de € 10.000, sendo uma paga em 15 de Junho de 2020, a outra a 15 de novembro de 2020 e as demais pagas no final de cada mês de 2020, (ii) reembolso de despesas elegíveis e devidamente suportadas, (iii) seguro de saúde, vida e acidentes pessoais nos termos e condições detalhados na Ata e (iv) a transferência da viatura que lhe foi atribuída, para a sua esfera individual, a custo zero (elemento a que teria direito em caso de cessação/renúncia que não fosse por justa causa).
  8.  O Grupo C... anunciou, no inicio de 2018, o acordo para a compra de 100% da sociedade D... SA durante o segundo semestre desse ano, sendo que em Maio de 2018 é registada a Alteração Integral do Contrato de Sociedade e Designação de Membros(s) de Orgão(s) Social(ais)  (cfr. Inscrição 14 – AP. 176/20180518, 16:05:24 UTC – Alterações ao Contrato de Sociedade e Designação de Membros(s) de Orgão(s) Social(ais), no qual passam a constar os representantes da C... no Conselho de Administração da sociedade. A sociedade adquirida foi cindida em dezembro de 2019, dando origem à Requerente (cfr. Inscrição 19 – AP. 166/20191230, 13:54:27 UTC – Cisão).
  9. No que respeita às deduções à coleta, por dedução de benefícios fiscais, em concreto o RFAI, a Requerente reportou no campo 355 do Quadro 10, da sua Declaração Modelo 22 de IRC o valor de € 404.986,77. De acordo com o Quadro 074 do Anexo D da referida Declaração, a dotação do período ascendeu a € 1.060.682,69 (campo 714), a dedução do período a € 404.986,77 (campo 715), e o saldo que transita para o período seguinte a € 655.695,92 (campo 716). 
  10. A AT, desconsiderou a totalidade da dedução à coleta do RFAI por entender que não se encontra cumprida a alínea f) do n.º 4 do artigo 22º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro.
  11. A Requerente encetou, em 2019, um projeto conducente à aquisição de novos meios e tecnologias de fabrico, por forma a suportar a sua estratégia de longo prazo que passa pela conquista de novos mercados e segmentos (conforme ponto 1.1. do seu Dossier do RFAI).
  12. A Requerente, em 2019, realizou o seguinte investimento: € 4.239.220,75 em ativos fixos tangíveis (equipamento produtivo) e € 3.510,00 (ativos em curso).
  13. Deste investimento, resultou assim, um benefício fiscal associado a investimento não cofinanciado (25% do investimento relevante até € 15.000.000), no valor de € 1.060.682,69.
  14. O Dossier RFAI da Requerente refere ainda que se verificou a criação líquida de 1 posto de trabalho (contrato sem termo) proporcionada pelo projeto.
  15. A identificação deste posto de trabalho não é detalhada no referido dossier (colaborador, motivo e sua contribuição para o projeto).
  16. Em sede de reclamação graciosa, a Requerente identificou o colaborador contratado como sendo E..., tendo a contratação ocorrido em dezembro de 2019.
  17. De acordo com a cláusula primeira do respetivo Contrato de Trabalho, este colaborador é contratado «…para exercer…execução, montagem e reparação de estruturas metálicas, caixilharias e outros elementos metálicos, de acordo com especificações técnicas…correspondentes à categoria profissional de “Serralheiro Civil» .
  18. A Requerente demonstrou a permanência deste colaborador, bem como, a sua conexão com o investimento realizado através da sua participação em 2022 numa ação de formação sobre “procedimento de controlo e qualidade – plano de inspeção e ensaio da linha de bracings”.
  19. De um ponto de vista global, e com base quer no dossier do RFAI, quer nos Anexos 22 a 24 ao RIT fica, igualmente, demonstrado que:
  • Em dezembro de 2018 o número de colaboradores com contrato sem termo é de 140;
  • Em 2019 a média de colaboradores com contrato sem termo é de 151,25;
  • Em 2020, de acordo com o mapa de evolução de funcionários (vide anexo 22 do RIT), a média de colaboradores com contrato sem termo é de 153,58;
  • Em 2021 a média de colaboradores com contrato sem termo é de 152,50;
  • De janeiro a junho de 2022, a média de colaboradores com contrato sem termo é de 150,17

 

A...

 

 

 

 

Por conseguinte, fica provado que em 2019 há um incremento do número medio de colaboradores (150,16 de janeiro a dezembro de 2019; 151,25 de dezembro de 2018 a novembro de 2019) face a dezembro de 2018 (140). Em 2020 há um aumento do número médio de colaboradores (153.58 de janeiro a dezembro de 2020; 153,5 de dezembro de 2019 a novembro de 2020) face a 2019. Em 2021 há um decréscimo do número médio de colaboradores (152,33 de janeiro a dezembro de 2021; 152,66 de dezembro de 2020 a novembro de 2021), mas apenas no máximo de 1 colaborador.

  1. A Requerente apresentou Reclamação Graciosa, em 28.04.2023, a qual foi integralmente indeferida por Ofício de 28.07.2023 sob o n.º processo ...20230... .
  2. Em resultado da inspeção externa à Requerente, a AT elaborou o documento de compensação n.º 2022 ... do ano de 2019,  com data de 11.11.2022com base no qual foi efetuada a liquidação de IRC n.º 2022..., o estorno da liquidação de 2019 n.º 2020..., a liquidações de juros compensatórios n.º 2022... e de juros compensatórios por recebimento indevido n.º 2022..., refletidas na Demonstração de Acerto de Contas n.º 2022..., no valor global de € 558.305,31, com data-limite de pagamento voluntário em 29 de dezembro de 2022.
  3. Tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal instaurado em resultado da falta de pagamento do montante de imposto resultante do ato de liquidação sob contestação, a Requerente, constituiu, em 02.03.2023 uma garantia bancaria a favor da AT no valor de € 710.254,96.

A consideração destes factos como provados resultou do exame crítico da prova documental junta à Petição Inicial e do Processo Administrativo (PA) remetido pela AT.

 

O depoimento das testemunhas, nomeadamente as arroladas pela Requerente- que no entender do tribunal falaram com verdade e conhecimento de causa – assumiu especial relevo no tocante a factos instrumentais, os quais permitiram ao tribunal uma melhor compreensão das particularidades do caso, tal como de dará conta na motivação desta decisão arbitral.

 

 

  1. Factos não provados

 

  1. Não se provou que tenha sido criado um novo vínculo profissional entre o administrador em causa e a Requerente ou qualquer outra entidade a ela equiparada, nos termos do n.º 10 do artigo 2.º do Código do IRS.
  2. Não resultou, igualmente, provado que os montantes atribuídos ao Presidente do Conselho de Administração não tenham decorrido por exclusiva vontade da Requerente

Em matéria de RFAI e no que respeita ao quadro de colaboradores, não resultou provado que o número medio de colaboradores para os 12 meses do exercício fiscal de 2022 foi inferior à do ano de realização do investimento elegível (2019).

 

IV. DO DIREITO

 

  1. DOS MONTANTES PAGOS AO PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO POR CESSAÇÃO ANTECIPADA DO SEU MANDATO

 

A AT fundamenta o seu entendimento no disposto no n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC, segundo o qual: “São tributados autonomamente, à taxa de 35 %: Os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objetivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, qualquer que seja a modalidade de pagamento, quer este seja efetuado diretamente pelo sujeito passivo quer haja transferência das responsabilidades inerentes para uma outra entidade” (cit., itálico nosso).

 

De acordo com a AT, a iniciativa de pôr fim ao exercício de funções de Presidente do Conselho de Administração partiu do próprio, pelo que a Requerente se terá limitado a aceitar esta renúncia. A AT alega que a Ata número 44 é inequívoca, quando nela se refere: “Deliberação Unânime por Escrito de 28 de janeiro de 2020 referente à alteração da remuneração do Presidente do Conselho de Administração Eng. B..., à renúncia por ele apresentada como Presidente do Conselho de Administração e à obrigação de não concorrência por ele assumida e respetiva compensação/indemnização”.

 

Acrescenta a AT, já em sede de Decisão Final, que, por este facto não era exigido o pagamento de qualquer indemnização pela Requerente e que o entendimento do Tribunal Constitucional, citado na decisão arbitral do Processo CAAD n.º 615/2019-T, é no sentido de que a alínea a) do n.º 13 do artigo 88º do CIRC pretende precisamente penalizar pela via fiscal (in casu, tributação autónoma) as indemnizações inexigíveis (ver Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2016, de 13 de abril de 2016).

 

O que se complementa com o conceito de indemnização previsto no artigo 564º do Código Civil, do qual decorre, na opinião da AT, que as indemnizações apenas são devidas no caso de destituição, nos termos do artigo 403º do CSC, bem como com o limite legal previsto na parte final da redação do artigo 5º do artigo 403º do CSC.

 

A este respeito, e já em sede arbitral, a Requerente vem invocar que o valor da indemnização paga ao Presidente do Conselho de Administração, respeita ao valor que lhes seria devido a título de remunerações que seriam por eles auferidas pelo exercício dos cargos de administração até ao final do respetivo mandato, que refere ser para o quadriénio 2019-2022.

 

Mais, a Requerente entende que a o n.º 13 do artigo 88º do CIRC se deverá desdobrar conforme se segue:

  1. Os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objetivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente; e
  2. os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, qualquer que seja a modalidade de pagamento, quer este seja efetuado diretamente pelo sujeito passivo quer haja transferência das responsabilidades inerentes para uma outra entidade.

Ora, de acordo com o comando legal acima transcrito, e entendendo a AT que não poderemos estar perante uma indemnização, na medida em que a ela não haveria direito, porquanto terá sido o Presidente do Conselho de Administração quem renunciou ao mandato, a mesma apenas teria cabimento na primeira parte da norma  a título de “outras compensações não relacionadas com a concretização de objetivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente”.

 

Contudo, a segunda parte da norma parece ir ao encontro à situação em colação.

 

De facto, tudo indica que o Código do IRC, pretende excluir da TA as indemnizações ou quaisquer outras compensações pagas a administradores ou gerentes até ao montante em que essas indemnizações se compreendam nos valores médios de retribuição mensal por aqueles deixados de auferir, mas antes a eventual invocação de uma situação abusiva, com a consequente tributação das indemnizações na esfera dos administradores.

 

É isso mesmo que parece resultar da expressão “à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato”, (cit.).

 

Acresce que a interpretação que seguimos é a que melhor se coaduna com o regime previsto para a tributação em IRS, dos administradores. Efetivamente, de acordo com a alínea a) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS, é sempre sujeita a tributação pela totalidade a parte da indemnização que corresponda ao exercício de funções de administrador. Sendo certo que casu,a AT não demonstrou que o Presidente do Conselho de Administração não foi sujeito a IRS, nos termos da referida línea a) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS.

 

Ora, in casu, e de acordo com os factos assentes, não estamos perante indemnizações relacionadas com a concretização de objetivos de produtividade.

 

Acresce que a AT não contradita que os valores das indemnizações se justificam com as remunerações que o Presidente do Conselho de Administração teria direito até ao final do mandato. Por outro lado, não resultou provado também que tenha sido criado um novo vínculo profissional entre o Presidente do Conselho de Administração em causa e a Requerente ou qualquer outra entidade relacionada.

 

Nestes termos, não se vê como se possa decidir no sentido de desatender ao expressamente estipulado no n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC, quando este se refere à tributação apenas dos «gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato» (cit.).

 

Por conseguinte, não se vê como se possa desconsiderar que o n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC pretenda determinar que apenas existe tributação autónoma da indemnização ou qualquer outra compensação a partir de um determinado valor que é aferido tendo em consideração o valor das remunerações que seriam devidas caso não tivesse ocorrido a extinção do vínculo com a empresa.

 

O Considerando D da “Deliberação Unânime por Escrito da Requerente”, para um acordo entre as partes (Requerente e Presidente do Conselho de Administração) no que respeita à cessação de funções no final do exercício de 2020, ou seja, antes do termo do mandato em

 

Efetivamente, a substituição do Presidente do Conselho de Administração, mediante acordo, configura, segundo as regras de experiência. uma consequência natural da compra da Requerente pelo Grupo C... .

 

Por conseguinte, o valor das remunerações vincendas até ao final do mandato ascenderiam a € 280.000 (€ 140.000 x 2 anos: 2021 e 2022), como refere a Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral, tendo-lhe sido atribuído nos termos da Ata € 250.000, ou seja, um montante inferior.

 

Por outro lado, a verificar-se o argumento da AT de que se trata de uma decisão unilateral do Presidente do Conselho de Administração, sem, contudo, demonstrar qual a intenção subjacente, fica por comprovar a que título a Requerente acederia ao pagamento de qualquer compensação, ainda para mais num contexto de alteração acionista.

 

Não existindo causa, nem nexo de causalidade, nem motivo ou enquadramento legal para a atribuição deste montante, como defende a AT, estaríamos perante um gasto não dedutível em IRC, facto que a AT não pôs em causa.

 

 

  1. DO MONTANTE DEDUZIDO A TÍTULO DE BENEFICIOS FISCAIS (RFAI)

 

O RFAI surge no âmbito da revisão dos regimes de benefícios fiscais ao investimento produtivo, e respetiva regulamentação, tendo em vista a promoção da competitividade da economia portuguesa e a manutenção de um contexto fiscal favorável ao investimento, à criação de emprego e ao reforço dos capitais próprios das empresas.

 

O RFAI está previsto nos artigos 22.º a 26.º do Código Fiscal do Investimento (CFI).

 

O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

 

Para efeitos do disposto no presente regime (artigo 22º do CFI), consideram-se aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa: a) Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com algumas exceções, b) Ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente; e c) Custos salariais decorrentes da criação de postos de trabalho de pessoal com habilitações literárias do nível 7 ou do nível 8 do Quadro Nacional de Qualificações.

 

Nos termos da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI os investimentos relevantes deverão de proporcionar a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c).

 

A AT no seu indeferimento da RG apresentada pela Requerente, alude, ao Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 17 de junho de 2014 (RGIC), que nos remete para o quadro legal que levou à criação do Código Fiscal do Investimento e que, tratando-se de um Regulamento comunitário e, como é sabido, as suas normas são de aplicabilidade obrigatória, sem necessidade de transposição.

 

Segundo a AT, o facto de a Requerente criar e manter um único posto de trabalho em decorrência do investimento efetuado fere, desde logo, o disposto no parágrafo 31 do RGIC, o qual dispõe que “Ao tentar ultrapassar as desvantagens das regiões desfavorecidas, os auxílios com finalidade regional promovem a coesão económica, social e territorial dos Estados-Membros e da União no seu conjunto. Os auxílios com finalidade regional destinam-se a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas, apoiando o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável” (itálico nosso).

 

Já a criação de emprego num contexto sustentável tem, para a AT, a sua definição quer nas próprias OAR (alínea k) do artigo paragrafo 20 do ponto 1.2.: “Criação de emprego: um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período do número aparente de números de postos de trabalho criados”, quer na definição prevista no ponto 32º do artigo 2º do RGIC:aumento líquido do número de trabalhadores – o aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento em causa em comparação com a média durante um determinado período de tempo” (itálico nosso).

 

Contudo, o presente Tribunal Arbitral discorda desta posição.

 

Senão vejamos,

 

O Artigo 14º do RGIC que trata os Auxílios regionais ao investimento (onde se inclui o RFAI), dispõe no seu parágrafo 9 que “Quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, descritos no n.º 4, alínea b), devem ser preenchidas as seguintes condições: a) O projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período; b) Cada posto de trabalho deve ser preenchido no prazo de três anos após a conclusão dos trabalhos; e c) Cada posto de trabalho criado através do investimento deve ser mantido na zona em causa durante um período mínimo de cinco anos a contar da data em que a vaga foi preenchida, ou três anos no caso de PME” (itálico nosso).

 

De facto, o RFAI considera como aplicação elegível, para além do investimento na aquisição da tipologia de ativos tangíveis nele previstas, os custos salariais decorrentes da criação de postos de trabalho de pessoal com habilitações literárias do nível 7 ou do nível 8 do Quadro Nacional de Qualificações, bem como, o investimento em alguns ativos intangíveis. Contudo, a Requerente circunstanciou o seu investimento na aquisição de ativos tangíveis elegíveis.

 

Por conseguinte, o investimento em causa não pode ficar sujeito ao parágrafo 9 do artigo 14º do RGIC, porquanto, não se concretizou em custos salariais.

 

A Requerente fica sim, obrigada a proporcionar a criação de postos de trabalho conexos com o investimento efetuado e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, por um período (in casu) de 5 anos.

 

No que respeita a uma criação de emprego num contexto sustentável, a AT defende que se pressupõe a criação líquida de emprego duradouro, em condições não precárias (contrato sem termo) e que perdure, no mínimo os referidos 5 anos.

 

Contudo, esta definição ou entendimento não resulta do RGIC. Esta abordagem está prevista e regulamentada sim, mas quanto ao benefício “Criação de emprego”, previsto no artigo 19.º do EBF, entretanto revogado pelo artigo 4.º da Lei n.º 43/2018, de 9 de agosto.

 

Ainda que assim não fosse, na opinião deste Tribunal Arbitral, o que releva para efeitos de validação da legalidade na aplicação do RFAI são os postos de trabalho criados pelo investimento considerado (em sede do próprio RFAI) e não outros, porquanto, a condição de postos de trabalho não assenta na celebração de contratos de trabalho sem termo, mas sim nos postos de trabalho criados pelo investimento elegível em sede de RFAI e a sua manutenção pelo período de cinco anos ou três anos, no caso das PME.

 

Efetivamente, e como bem se refere na Decisão Arbitral proferida âmbito do processo n.º 229/2022-T, em 7 de fevereiro de 2023, a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI exige:

  1. Criação de postos de trabalho,
  2. Proporcionado pelo investimento e
  3. A sua manutenção por 5 anos,

Daqui resulta que se trata da criação de emprego em resultado de um investimento relevante, devendo ambos ser mantidos pelo mesmo prazo. Por conseguinte, não está em causa a criação de emprego global da entidade. 

 

De facto, este Tribunal Arbitral, concorda com a posição consagrada, nomeadamente, nas Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.º 307/2019-T, em 9 de março de 2020 e n.º 561/2022-T, em 10 de abril de 2023, no sentido de que o investimento realizado pela Requerente será elegível para efeitos de RFAI, na medida em que, dele resulte, de forma causalmente adequada, a criação de, pelo menos, um posto de trabalho e a sua manutenção.

 

A Requerente identifica a criação de 1 posto de trabalho proporcionada pelo seu projeto de investimento.

 

Tendo-se mantido o posto de trabalho criado em 2019, é entendimento deste tribunal arbitral que não há lugar à reposição do RFAI, pela saída de colaboradores que não correspondem ao posto de trabalho criado em 2019.

Mais, deu-se como provado, pela folha de presenças numa ação de formação em 8 de abril de 2022, bem como, pelo Anexo 24 do RIT que, pelo menos no primeiro semestre do ano, o posto de trabalho criado em 2019 ainda se mantinha.

 

A AT entende que o posto de trabalho personalizado na pessoa do colaborador E... não é suficiente como garante do cumprimento da alínea f) do n.º 4 do artigo 22º do CFI, pelos motivos que se passam a resumir:

  1. O colaborador e as suas funções apenas foram conhecidos em sede de Reclamação Graciosa;
  2. O colaborador em causa é um serralheiro civil e, portanto, em opinião da AT insuficiente face ao elevado investimento realizado e à diversidade dos processos e linhas produtivos abrangidos pelo mesmo, encontrando-se estas linhas localizadas em 3 pavilhões diferentes (conforme verificação física da AT);
  3. Sendo um serralheiro civil não terá qualificações no âmbito da pintura industrial ou da soldadura;
  4. A fábrica labora por turnos, pelo que, o colaborador em causa apenas poderá colaborar para um dos turnos diários.

Em suma, a AT entende que a contratação de um serralheiro civil não é proporcional com o montante do investimento efetuado, ou seja, é incongruente com a abrangência e extensão dos processos e linhas produtivas intervencionadas e incompatível com um regime de laboração continua.

 

Ora, a este respeito entende este tribunal arbitral o seguinte:

 

A contratação do colaborador E... em 31 de dezembro de 2019 é inequívoca. Segundo o respetivo contrato de trabalho, este colaborador assumirá as funções de execução, montagem e reparação de estruturas metálicas, caixilharias e outros elementos metálicos de acordo com especificidades técnicas e terá a categoria profissional de serralheiro civil. Em sede de audiência de testemunhas, ficou esclarecida a correlação entre esta contratação e o investimento realizado.

 

De acordo com a Requerente – fato corroborado em sede de audiência de testemunha - este colaborador é o operador principal da linha de bracings (“frame bracing rollforming line”), o que implica uma formação técnica adequada. De acordo com a lista de presenças numa formação em 2022 sobre “procedimentos de controlo de qualidade – plano de inspeção e ensaio na linha de bracings”, confirma-se a participação do colaborador em causa nesta sessão.

 

A AT, tendo efetuado uma verificação física das instalações poderia, inclusivamente, ter validado da veracidade ou não deste facto, mas não o fez e também não apresenta provas suficientes para contestar o que é afirmado pela Requerente.

 

O frame bracing rollforming line é precisamente um dos processos/linhas produtivas associadas ao investimento efetuado pela Requerente (facto igualmente não contestado pela AT). Mais, de acordo com o Dossier RFAI 2019, o investimento realizado nesta linha deverá aumentar a capacidade potencial instalada em 227% destacando-se do aumento da capacidade máxima instalada esperada para os demais processos, donde, se poderá facilmente retirar que é a área mais relevante/decisiva no âmbito do investimento realizado.

 

 

 

O quadro acima apresentado, ajuda-nos igualmente a perceber que, do investimento em causa não resultaram novas linhas/processos. A Requerente procurou flexibilizar e incrementar a eficiência dos já existentes. Pretende-se com isto dizer que a Requerente não iniciou uma nova atividade, mas deu continuidade há já existente mas de uma forma mais eficiente e com mais qualidade, permitindo uma redução de custos e a produção de um produto mais competitivo (factos igualmente abordados em sede de audiência testemunhal e não contestados pela AT).

 

Ou seja, a Requerente já tinha capital humano técnico qualificado para fazer face às suas necessidades operativas que procurou naturalmente manter tendo, contudo, verificado a necessidade de aumentar o pessoal qualificado em virtude no investimento realizado, o que se traduziu, não numa contratação massiva, mas na contratação de um técnico especializado, no caso, serralheiro civil.

 

A este respeito, ficou igualmente esclarecido em sede de audiência testemunhal que é política da Requerente, dar preferência às contratações internas, o que justifica, conforme testemunhado (e não contestado pela AT) uma realocação dos colaboradores face às novas máquinas e alterações no processo produtivo. Aliás, este elemento, ajuda igualmente a enquadrar a questão dos turnos e a existência de colaboradores com competências suficientes para que todos os turnos possam laborar em normalidade.

 

A aferição qualitativa de competências que a AT faz sobre a contratação em causa e o seu grau de suficiência ou adequação para o investimento efetuado não merecem concordância, na medida em que, à semelhança deste tribunal, a AT não terá competências técnicas para fazer esta aferição/avaliação. Face ao exposto, conclui este Tribunal Arbitral que a AT não conseguiu de forma cabal demonstrar que a contratação do colaborador E... não resulta do investimento efetuado em 2019 e que, por esse motivo, a alínea f) do n.º 4 do artigo 22º do CFI não se encontra cumprida.

 

Este Tribunal Arbitral não deixa de concordar que o ónus do nexo de causalidade entre os postos de trabalho criados e o investimento realizado compete à Requerente, nos termos do n.º 1 do artigo 74º da LGT. Porém, entende que a AT não apresentou nem provas nem evidências suficientemente fortes que contrariassem os factos apresentados pela Requerente. 

 

Por último e a titulo subsidiário, importa referir que este Tribunal Arbitral não pode concordar com a posição da AT de “…que o nível de emprego sofreu uma quebra durante os 5 anos seguintes”, na medida em que nos exercícios fiscais de 2020 e 2021 o numero medio de colaboradores com contrato sem termo aumentou e para 2022 não são apresentados dados para 12 meses do ano e, os apresentados não são suficientemente indiciantes de uma quebra efetiva.

 

Considerando que a Requerente não cessou a sua atividade ao que é sabido, entende este Tribunal Arbitral que a AT não demonstrou que a Requerente não apresenta um quadro de colaboradores sustentável, na medida em que, quer em 2020 quer em 2021, a Requerente manteve um número de colaboradores superior à média de 2019 (ano em que é concretizado o investimento elegível para efeitos de RFAI).

 

Por conseguinte, este Tribunal Arbitral entende não se verificar um incumprimento da f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI.

 

A Requerente não apresenta reduções nem variações substanciais no seu quadro de pessoal com contratos sem termo, apesar de estar sujeita a um mercado de trabalho livre e, como ficou aliás demonstrado, com alguma rotatividade. Até 2021 apresenta um número medio superior ao de 2019 e para 2022, os dados apresentados para apenas 1 semestre, pelo que não são suficientes para corroborar/validar a posição da AT.

 

Por conseguinte, a tese da AT em matéria de critérios para a verificação da existência de um quadro de emprego sustentável, também improcede.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

 

a) Julgar procedente o pedido da Requerente;

 

b) Declarar, em consequência, a ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2022... e a da respetiva liquidação de juros compensatórios, carecendo ambas de serem corrigidas mediante anulação, no valor da tributação autónoma de € 87.500 (= € 250.000 x 35%) e da dedução do benefício fiscal associado ao RFAI no valor de € 404.986,77.

 

c) Declarar legitima a dotação do RFAI de 2019, no montante de € 1.060.682,69, tendo € 404.986,77 sido deduzidos em 2019, e o remanescente até aos 5 exercícios subsequentes (de acordo com a coleta). 

 

d) Condenar a AT nas custas deste processo.

 

V. VALOR DA AÇÃO

 

O valor da ação é fixado em € 558.305,31 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 12 de julho de 2024

 

 

OS ÁRBITROS

 

 

 

 

Prof. Dr. Rui Duarte Morais

 

 

 

Dra. Filipa Gomes Pereira (Relatora)

 

 

 

 

Dr. Arlindo José Francisco (vencido, conforme declaração anexa)

 

 

 

 

 

VOTO DE VENCIDO

 

 

Embora com todo o respeito pela posição assumida na decisão do presente processo, não concordo com a mesma, pelos motivos que em síntese vou deixar expressos:

 

 

  1. Quanto à indemnização paga ao administrador que renunciou ao cargo

 

Revelam os autos, claramente, que o Administrador renunciou ao cargo em que estava investido, ao abrigo do artigo 404.º do CSC. Sendo a renúncia um ato jurídico unilateral que se traduz na perda de um direito de que é titular, neste caso, o da Presidência do Conselho de Administração da Requerente e inerentes retribuições com produção de efeitos a 31 de Dezembro de 2019 e que a Lei não atribui ao renunciante o direito a indemnização nestas situações e muito menos o direito às remunerações que iria auferir até final do contrato, ao qual livremente renunciou e consequentemente a essas remunerações, temos que concluir, estarmos em presença de indemnização voluntária, que em termos de tributação terá que ser tratada como tal.

Diferente seria se estivéssemos perante uma destituição prevista no artigo 403º do CSC, designadamente no seu nº 5, que se transcreve: “…Se a destituição não se fundar em justa causa o administrador tem direito a indemnização pelos danos sofridos, pelo modo estipulado no contrato com ele celebrado ou nos termos gerais de direito, sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito” Nestas circunstâncias, há direito a indemnização e neste caso faz sentido a exclusão de tributação sobre a indemnização a que o administrador tenha direito por “rescisão de um contrato antes do termo”, sendo tributada a parte remanescente, se a indemnização ultrapassar o limite legal.

Mas sendo patente que a indemnização paga ao senhor administrador não resulta da sua destituição e, legalmente, não teria direito a qualquer indemnização, aquela que, voluntariamente, lhe foi paga, terá de ser enquadrada na primeira parte da alínea a) do n.º 13 do artigo 88.º, do CIRC, por isso, sujeita a tributação autónoma à taxa de 35%, termos em que consideramos que o pedido deveria improceder, nesta parte. (ver neste sentido, entre outros, o Pº 615/2019-T do CAAD).

 

  1. Quanto dedução à coleta da dotação do RFAI de 2019

 

Dos autos resulta que o investimento realizado traduziu-se na aquisição de um conjunto de ativos fixos tangíveis que foram afetos à exploração da empresa, e perfizeram o custo de € 4.242.730,75, o que constituiu uma solução tecnológica necessária para dar resposta às necessidades da nova marca e de fabrico dos respetivos produtos, originando a criação de um posto de trabalho, conexo com a respetiva utilização do equipamento adquirido que veio a ser ocupado, à data, pelo trabalhador E... .

Sendo o RFAI uma medida excecional de fomento à empregabilidade e de incremento do rendimento “per capita” das regiões desfavorecidas, no quadro do direito europeu, exigindo a criação e manutenção de postos de trabalho, conforme alínea f) do n.º 4 do artigo 22º do CFI e embora o posto de trabalho criado se tenha mantido, o certo é que em 2021, conforme relatório inspetivo e que a Requerente não contrariou o número de trabalhadores com contrato sem termo tinha diminuído, verificando-se assim o incumprimento da alínea c) do nº 4 do artigo 22º do CFI que se transcreve: “4 - Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente capítulo os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições: … c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, ou cinco anos nos restantes casos, os bens objeto do investimento ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, alterado pelas Leis n.os 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 2/2014, de 16 de janeiro, ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 31.º-B do Código do IRC;.

 É por isso patente que embora o posto de trabalho criado em resultado do investimento se tenha mantido, o certo é que o nível de empregabilidade diminuiu.

Deste modo a Requerente incumpriu as disposições cumulativas contidas no n.º 4 do artigo 22º do CFI, designadamente as alíneas c) e f), ao não manter o nível de empregabilidade em resultado do investimento efetuado em 2019, por um período de 5 anos, justificando-se o acréscimo à coleta do valor de € 404.986,77, por ter sido deduzido indevidamente, improcedendo também nesta parte o pedido. (ver neste sentido o P º 82/2020-T do CAAD).

Nesta perspetiva e considerando a jurisprudência de diversos Processos do CAAD para além dos referidos, é minha convicção que deveria ser declarada a improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral e daí o meu voto de vencido.

 

 

Lisboa, 12 de julho de 2024

 

O Árbitro,

 

Arlindo Francisco