SUMÁRIO
Conforme jurisprudência do TJUE, deve ter-se por ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a OIC nacionais.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Jorge Belchior de Campos Laires, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:
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Relatório
A..., com o número de contribuinte português..., com sede em ..., ... Munique, Alemanha, (doravante designado por “Requerente”), requereu a constituição do Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra os atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2021, bem como da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa previamente apresentada para o efeito.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 18/12/2023, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT.
Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro singular em 09/02/2024, sem oposição das partes.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 27/02/2024.
A Requerida foi notificada em 27/02/2024 para apresentar a resposta a que se refere o artigo 17.º do RJAT.
Em 29/02/2024 o Requerente apresentou pedido de ampliação do objeto do PPA, por forma a que fosse apreciada também a legalidade do ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2023..., entretanto notificado à Requerente.
Em 12/04/2024 a Requerida apresentou defesa por impugnação, não se tendo pronunciado, apesar de para tal convidada pelo Tribunal, sobre o pedido de ampliação do objeto do PPA.
Por Despacho de 16/05/2024 o Tribunal deferiu o requerimento de ampliação do objeto do PPA apresentado pelo Requerente, remetendo a fundamentação para a decisão arbitral, tendo, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT, dispensado a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como as alegações das partes.
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Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído face ao preceituado nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do RJAT. As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado é tempestivo, uma vez que deu entrada no prazo de 90 dias a contar da formação da presunção de indeferimento da reclamação graciosa.
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Matéria de Facto
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Factos Provados
Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
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O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária (cfr. facto alegado pelo Requerente e não contestado pela Requerida)
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O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente e sem estabelecimento estável no país (cfr. certificado de residência fiscal emitido pelas Autoridades Fiscais alemãs, relativo ao ano de 2021, junto com o PPA).
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No ano de 2021, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte, conforme o quadro abaixo (documento n.º 2 junto com o PPA, não tendo a veracidade sido contestada pela Requerida):
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Em 18/05/2023 o Requerente apresentou reclamação graciosa contras os referidos atos de retenção na fonte, não tendo a mesma sido objeto de notificação de resposta até à data da entrada do PPA.
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Por Ofício datado de 18/12/2023, o Requerente viria a ser notificado do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa (cfr. documento junto pelo Requerente em 29/02/2024).
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Factos não Provados
Não existem factos não provados com relevância para a decisão.
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Motivação da Decisão de Facto
Para a presenta decisão tem especial relevância a natureza jurídica do Requerente, na medida em que alega ser um OIC, com residência fiscal na Alemanha, constituído sob a forma contratual.
O Requerente não junta documentação que ateste essa natureza jurídica, porém a própria designação A..., mormente tratando-se de entidade domiciliada na União Europeia, indicia a respetiva natureza de OIC. Adicionalmente, a Requerida não contesta essa natureza jurídica do Requerente.
Considerou-se, assim, esse facto como provado, tendo igualmente por base a livre apreciação da falta de contestação, nos termos do artigo 110.º, n.º 7 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
Constitui também facto essencial a demonstração das retenções na fonte sofridas pelo Requerente, uma vez que é sobre esses atos tributários praticados pelo substituto tributário que versa o presente processo. O Tribunal deu como provado este facto, face à documentação junta pelo Requerente (uma declaração do intermediário financeiro registador dos títulos).
Quanto a este facto, a AT na Resposta não toma posição, citando unicamente a seguinte informação prestada pelos Serviços a fls. 59 do PA:
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Relativamente à entrega do imposto retido nos Cofres do Estado pelo substituto tributário, apenas foi identificada, para ambos os períodos, a guia de retenção n.º .... Porém, esta diz respeito ao ano de 2019 e não, de 2021.
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Não obstante, consultadas as Declarações Modelo 30(3) dos respetivos períodos, verifica-se que, foi declarada pelo substituto tributário a distribuição de rendimentos ao Reclamante, e retenção na fonte à taxa de 15%, sem a identificação da guia de retenção na fonte:
Rendimento Retenção do imposto
2021-09 € 18.250,00 € 2.737,50
Valores coincidentes com o invocado.
E, não foi apresentada a declaração Mod. 30 do mês de 2021-05
A alegação feita pela Requerida na Resposta apresenta-se, assim, inconclusiva quanto ao seu posicionamento em relação aos factos. Além disso, as guias de pagamento do imposto e o reporte de rendimentos da declaração modelo 30 não são obrigações fiscais do Requerente, mas sim do registador direto dos títulos, pelo que a respetiva alegação carece de concretização, em termos de poder abalar a convicção quanto à veracidade dos factos presentes na documentação junta pelo Requerente.
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Matéria de Direito
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Do pedido de ampliação do objeto do PPA
O Requerente vem pedir a ampliação do objeto do PPA, explicando o seguinte:
“(…), em 17.05.2023, o Requerente apresentou reclamação graciosa dirigida ao Exmo. Senhor Diretor de Finanças de Lisboa, requerendo a anulação dos referidos atos de retenção na fonte de IRC, que correu termos sob o número de processo ...2023... . Dada a inércia dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira em dar atempadamente resposta à referida reclamação graciosa, com a consequente formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada, o Requerente apresentou, no dia 18.12.2023, o presente pedido de pronúncia arbitral, com os fundamentos (substantivos e processuais) melhor descritos na p.i. Já após a apresentação do pedido de pronúncia arbitral, no dia 29.12.2023, veio o Requerente a ser notificado, através de Ofício datado de 18.12.2023, do indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada (cfr. documento n.º 1 que se junta). Uma vez que se encontra pendente este processo arbitral, apresentado na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa, a superveniência deste ato expresso impõe que se proceda à ampliação do objeto deste processo, por forma a abranger a apreciação da legalidade do ato de indeferimento expresso.”
Por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, são de aplicar subsidiariamente ao processo arbitral as normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários. Assim, nos temos do artigo 63.º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, expressamente se prevê que “até ao encerramento da discussão em primeira instância, o objeto do processo pode ser ampliado à impugnação de atos que venham a surgir no âmbito ou na sequência do procedimento em que o ato impugnado se insere, assim como à formulação de novas pretensões que com aquela possam ser cumuladas”.
Desta forma, face ao caso em apreço, em que veio a ser emitido um indeferimento expresso da Reclamação Graciosa após a entrada do PPA, o qual se tinha baseado na presunção de indeferimento, não se vislumbra qualquer razão para que não se amplie o PPA àquele ato de indeferimento expresso, considerando-se assim procedente o pedido.
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Questão de fundo
O que está em causa nos presentes autos centra-se na questão, muitas vezes já tratada por este Tribunal Arbitral, de possível discriminação negativa dos OIC domiciliados na União Europeia ou em países terceiros, sujeitos a uma alegada tributação mais agravada do que os OIC nacionais, ao ponto de poder colidir com o princípio de liberdade de circulação de capitais postulado pelo Tratado de Funcionamento da União Europeia.
Está em causa o regime constante do artigo 22.º do EBF, que prevê isenção sobre os dividendos (e outros rendimentos de capitais) auferidos por OIC que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional. Nos termos do n.º 3 da citada norma, “para efeitos do apuramento do lucro tributável (dos OIC), não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS (…)”, pelo que tais rendimentos, onde se inclui os dividendos, não são sujeitos a IRC na esfera dos OIC.
No que se refere aos mesmos rendimentos (dividendos) recebidos por OIC domiciliados fora de Portugal, tais rendimentos encontram-se sujeitos a retenção fonte de natureza liberatória, à taxa geral de 25% (ou a taxa agravada de 35%, em caso, nomeadamente, de falta de identificação do beneficiário efetivo), com possibilidade de redução de taxa no caso de aplicação de um tratado para evitar a dupla tributação entre Portugal e o estado da residência do beneficiário.
Na sua Resposta, a Requerida contraria a alegada violação do princípio da liberdade de circulação de capitais, transcrevendo-se abaixo as suas conclusões:
“1. AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não poderia aplicar de forma direta e automática as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, para mais não estando em causa situações materialmente idênticas, e em que a aplicação correta do direito comunitário não se revela tão evidente (Ato Claro) que não deixe margem para qualquer dúvida razoável quanto ao modo como deve ser resolvida a questão suscitada.
2. O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.
3. Assim, não pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC – que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF – esteja em conformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE.
4. Por conseguinte, a retenção na fonte efetuada sobre os dividendos pagos à Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação, devendo ser mantida na ordem jurídica.
5. Acrescentamos ainda que, admitindo-se a comparabilidade das situações dos OIC residentes e não residentes, entende-se, porém, seguindo a doutrina expendida no Acórdão proferido no proc. 1435/12 do STA de 9.07.2014, que o tratamento diferenciado entre residentes e não residentes não constitui em si mesmo qualquer discriminação proibida pelo n.º 1 do artigo 63.º do TFUE.
6. Na verdade, seguindo-se o entendimento expresso no Acórdão do STA, proc.19/10.3BELRS, de 07-05, “Para que se pudesse concluir, in casu, no sentido do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as entidades financeiras não residentes, a recorrida teriaque demonstrar que suportara uma tributação mais elevada no seu conjunto, o que não se verificou. Neste sentido, vide o Acórdão Gerritse, de 12 de Junho de 2003 (Processo C- 234/01). É de sublinhar que estando perante matéria de direito, como entendido pela sentença proferida pelo Tribunal a quo, cabia à impugnante ter demonstrado a existência dos factos constitutivos dos direitos, prova a fazer por quem os invoca, tal como o que se encontra firmado no ordenamento fiscal português, no art.º 74.º da LGT e 342.º do Código Civil, subsidiariamente aplicável às relações jurídico-tributárias. Não o tendo feito, não é possível invocar de modo assertivo o carácter discriminatório da norma em discussão.”.
7. No caso sub judice, em face da matéria de facto e dos documentos juntos aos autos entendesse que a Requerente não fez prova da discriminação proibida.
8. Assim sendo, considerando-se que, à luz do disposto no artigo 348.º do Código Civil, segundo o qual àquele que invocar direito estrangeiro compete fazer prova da sua existência e conteúdo, o Requerente não fez prova da discriminação proibida, pelo que só se pode defender a improcedência do pedido, por falta de prova da impossibilidade de neutralização da discriminação contestada.
9. Recordando a este propósito os Acórdãos do STA proferidos nos processos n.º 1192/13, de 21.05.20215, n.º 1435/12, de 9.07.2014, n.º 884/17, de 12.09.2018, e o já citado proc. 19/10.3BELRS, de 7.05.
Por tudo o exposto, entendemos que devem ser mantidas as retenções na fonte ora impugnadas, devendo-se concluir pela improcedência do PPA”.
A questão já foi devidamente tratada pelo TJUE, que proferiu a decisão em 17/03/2022, no processo que correu termos sob o n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN).
Importa citar as passagens mais relevantes da decisão em causa:
“ 33. Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar-se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.ºs 35 e 36).
(…)
36. Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.o 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln-Aktienfonds Deka, C-156/17, EU:C:2020:51, n.o 49 e jurisprudência referida).
37. No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado-Membro não podem beneficiar dessa isenção.
38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
(…)
40. Não obstante, segundo o artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.º TFUE não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
(…)
44. O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes — a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.
45. Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.º‑A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).
(….) sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.o 44 e jurisprudência referida).
(…)
53. A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.
(…) mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.
(…)
Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.
(…) Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.
(…) A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.
(…), como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.o 71 e jurisprudência referida).
(…) Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.
Como se vê, na decisão o TJUE pondera-se igualmente os argumentos expostos pelo Estado português para sustentar a não discriminação resultante do artigo 22.º do EBF (e replicados em parte na Resposta da Requerida), nomeadamente o facto de ter de se fazer uma análise global da fiscalidade incidente sobre OIC nacionais e estrangeiros, incluindo a sujeição a Imposto do Selos sobre o valor dos ativos líquidos, argumento esse que o TJUE julgou improcedente.
A jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, sempre que estão em causa questões de Direito da União Europeia, conforme decidido em diversos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (entre outros, veja-se o Acórdão de 12/03/2008, no processo n.º 0587/08, devendo por isso ser acolhida na presente decisão arbitral.
Assim, deve ter-se por ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a OIC nacionais, concluindo-se assim que os atos de retenção na fonte e o indeferimento expresso da reclamação graciosa enfermam de vício de violação de lei.
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Juros indemnizatórios
O Requerente peticiona igualmente o pagamento de juros indemnizatórios. Nessa medida, é aplicável o disposto no artigo 43.º, n.º 1, que estipula serem devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
A AT defende-se dizendo que, ainda que se conclua pela violação do direito da UE, não se pode neste caso considerar que o erro é imputável aos Serviços.
Porém, conforme decidido pelo TJUE, a cobrança de impostos em violação do direito da União Europeia tem como consequência, não só direito ao reembolso, como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18/04/2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados).
Nos termos do ponto 23 do referido Acórdão, é dito “que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo”.
Há assim que considerar também o Acórdão do STA de 29-06-2022, processo n.º 93/21.7BALSB, que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:
“Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do ato tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efetivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs.1 e 3, da L.G.T.”
Tendo a reclamação graciosa sido apresentada em 18/05/2023, a presunção de indeferimento tácito formou-se em 18/09/2023, nos termos do n.º 5 do artigo 57.º da LGT concluindo-se que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde 18/09/2023 até à emissão das respetivas notas de crédito.
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Decisão
De harmonia com o exposto, decide o Tribunal Arbitral o seguinte:
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Julgar procedente o pedido de anulação dos atos de retenção na fonte em crise, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente.
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Condenar a Requerida ao reembolso do imposto, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde 18/09/2023 até à emissão das respetivas notas de crédito.
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Valor do Processo
Nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, quando seja impugnada a liquidação o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende. Fixa-se como valor do processo 50.423,86 €, que é o valor das retenções na fonte contestadas.
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Custas
Custas no montante de 2.142,00 €, a cargo da Requerida, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 03 de julho de 2024
O Árbitro,
Jorge Belchior de Campos Laires