SUMÁRIO:
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A norma do artigo 2.º da Lei n.º 24-E/2022 não consagra uma presunção legal pois não tira uma ilação dum facto conhecido para firmar um facto desconhecido, conforme estabelece o artigo 349º do Código Civil.
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A exigência de identificação das liquidações, numa situação em que o repercutido não tem possibilidade de as identificar, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efectiva garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnarem contenciosamente actos que lhe aplicam tributação e lesam as suas esferas jurídicas.
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Contudo, em concretização do princípio do dispositivo, é compreensível que a lei faça recair o ónus da prova sobre quem exerce o impulso processual e, nessa medida, o incumprimento deste ónus é processualmente valorado contra a Requerente por ser esta que tem de demonstrar os factos constitutivos dos seus direitos (artigo 74.º, n.º 1 da LGT). E trazer ao processo elementos que possibilitem efectuar a prova do “link” entre as liquidações de ISP/CSR aos sujeitos passivos de imposto e os subsequentes actos de repercussão (nos repercutidos) incumbe a estes no âmbito do direito que se arrogam.
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Inexistindo no processo elementos que permitam à Requerida – e muito menos ao Tribunal Arbitral – estabelecer um nexo causal entre as facturas (enquanto actos de repercussão, não arbitráveis por este Tribunal) que titulam a repercussão da CSR (confirmada por declaração da entidade revendedora dos combustíveis) e as liquidações que lhe estão a montante e cuja anulação é pedida pela Requerente, entende-se que o pedido deve ser considerado inepto.
DECISÃO ARBITRAL[1]
Os árbitros Conselheira Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Dra. Sílvia Oliveira (relatora) e Dr. Pedro Miguel Bastos Rosado, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 20-02-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., Pessoa Colectiva nº..., com sede na Rua ..., nº ..., ..., em Pombal (adiante designada por Requerente), apresentou em 08-12-2023 pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), “(…) para impugnação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), emitidas pela Administração Tributária e Aduaneira (AT), reflectidas nas facturas emitidas pela sociedade fornecedora de combustível (…), referentes a gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente àquela sociedade, no período compreendido entre 13.05.2019 e 31.12.2022, no valor total de € 375.784,25 (…)”, peticionando “a) A anulação, por ilegalidade, do indeferimento tácito do sobredito pedido de revisão oficiosa, e a anulação das liquidações de CSR (…) referidas, aqui igualmente impugnadas, com a consequente restituição à Requerente da CSR que indevidamente pagou/suportou, no total de € 375.784,25; b) O reconhecimento do direito do Requerente a juros indemnizatórios, contados da data do pagamento indevido da CSR, ou, subsidiariamente, contados a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa; e c) A condenação da Requerida/AT no pagamento da taxa arbitral e demais encargos, se os houver”.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada por Requerida).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 11-12-2023 e automaticamente notificado, na mesma data, à Requerida.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou, em 31-01-2024, como árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Na mesma data, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 20-02-2024.
A Requerida apresentou a sua Resposta, em 30-03-2024, na qual suscitou a seguinte matéria de excepção:
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Incompetência do Tribunal em razão da matéria;
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Ilegitimidade processual e ilegitimidade substantiva da Requerente;
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Falta de interesse em agir por parte da Requerente;
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Caducidade do direito de ação;
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Ineptidão do pedido arbitral – da falta de objeto
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Falta de pagamento dos valores a título de CSR por parte da Requerente.
Para além disso, a Requerida defendeu-se por impugnação, referindo que “(…) não logra a Requerente fazer prova do que alega, designadamente que pagou e suportou integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão”, “pelo que não se aceita e se impugna, nessa medida, o vertido nos artigos 2º, 17º, 18º, 22º, 23º e 154º do pedido arbitral, colocando-se em causa e não se podendo dar como provada a alegada repercussão da CSR, devendo funcionar plenamente as regras do ónus da prova, não se dando como provados os alegados factos invocados no pedido arbitral, sendo que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque” alegando que as “(…) faturas de aquisição em causa, que nem sempre são os documentos originais, e que, por si só, não fazem prova do alegado pagamento pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (…), que permitam comprovar o pagamento dos montantes alegados pela Requerente”, acrescendo que “(…) das faturas apresentadas apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspeto”.
Impugna ainda a Requerida a eficácia probatória da declaração emitida pela B..., na qual se declara que a CSR por si suportada na aquisição de combustível a sujeitos passivos deste tributo foi, por sua vez, integralmente repercutida por si, por referência ao combustível fornecido à Requerente, citando para o efeito decisão arbitral proferida em 15-02-2024 no âmbito do Processo n.º 452/2023-T.
Adicionalmente, alega a Requerida, a título de impugnação, que “no caso concreto, a empresa fornecedora de combustível da Requerente não é sujeito passivo de ISP/CSR, pelo que o contencioso da Requerente poderia incluir-se num número indefinido, de múltiplos pedidos, incluindo o do sujeito ou sujeitos passivos do ISP”, “o que não configuraria uma real situação de reembolso nos termos e para o efeito do disposto no artigo 15.º, n.º 2 do CIEC, mas, sim, um atentado à segurança jurídica e a todo o ordenamento jurídico-constitucional”.
Alega ainda a Requerida que “não tendo existido certificação da medição da temperatura na descarga do combustível adquirido (temperatura ambiente), que em atos de medição de reservatórios certificados (varejos) dos sujeitos passivos de imposto, designamos por temperatura observada (TO), não é possível realizar a correspondência para o número de litros a 15º C (…)”.
Por último refere a Requerida que “(…) nunca e em momento algum o TJUE considera ilegal a CSR”, “não existindo qualquer decisão judicial nacional transitada em julgado que declare a CSR ilegal”, “não estando o ordenamento jurídico português em contradição ou antinomia com o Direito da União Europeia”, “inexistindo uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida, porquanto inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare”, “não se verificando no caso em apreço qualquer tipo de erro imputável aos serviços”.
Quanto ao pedido de pagamento de Juros Indemnizatórios, refere a Requerida que “seguindo a abundante e consolidada jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (…) entende-se que os juros indemnizatórios só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto”.
Nestes termos, conclui a Requerida pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, no sentido de que deveria “ser extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a Requerida, face à verificação da exceção da incompetência em razão da matéria, e/ou da exceção da ilegitimidade processual, e/ou da falta de interesse em agir, e/ou da exceção da ineptidão da petição inicial/pedido arbitral, b) Caso assim não se entenda, ser a Requerida absolvida do pedido, face à verificação da exceção de caducidade do direito de ação, e/ou da exceção de falta de legitimidade substantiva, e/ou da falta de pagamento; Ou, caso assim não se entenda, c) Ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente, por infundado e não provado”.
Por despacho de 02-04-2024, foi a Requerente notificada para responder, querendo, no prazo de dez dias, à matéria de excepção suscitada pela Requerida.
A Requerente apresentou, em 18-04-2024, resposta às excepções, concluindo pela improcedência das excepções suscitadas pela Requerida.
Por despacho de 21-04-2024 foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, determinar a produção de alegações escritas no prazo sucessivo de quinze dias, designando-se o dia 20-08-2024 como data limite para a prolação da decisão arbitral.
Adicionalmente foi ainda a Requerente advertida que, até à data da prolação da decisão arbitral, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD (o que veio a efectuar em 13-05-2024).
A Requerente apresentou, em 13-05-2024, as suas alegações escritas, concluindo como no pedido.
A Requerida apresentou, em 20-05-2024, as suas alegações escritas, concluindo como na Resposta.
2. Saneador
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.[2]
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).[3]
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[4]
O processo não enferma de nulidades.
Tendo em consideração a matéria de excepção suscitada pela Requerida (da incompetência do Tribunal em razão da matéria, da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, da caducidade do direito de ação, da ineptidão da petição inicial por falta de objecto e falta de pagamento dos valores a título de CSR por parte da Requerente), importa apreciar, preliminarmente, estas matérias, começando pela da incompetência do Tribunal, que é de conhecimento prioritário [artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT]. Neste âmbito, vide análise das mesmas no ponto 3. desta decisão.
2. Matéria de facto
Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente é uma sociedade de direito português, com sede e direcção efectiva em Portugal, que tem como objecto e actividade principal a extração e britagem de pedra (CAE principal 08113-R3), conforme cópia da Certidão Permanente (doc. nº 5 anexado com o pedido e que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais);
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A B..., em conformidade com o site da empresa, é uma sociedade de direito nacional que se dedica, entre outras actividades, à comercialização de combustível para veículos a motor (CAE 47300, cuja definição refere que compreende o comércio a retalho em postos de combustíveis de gasolina, gasóleo e outros para veículos automóveis e motociclos, qualquer que seja a sua categoria e finalidade, inclui o comércio de lubrificantes, produtos de limpeza, produtos para o sistema de arrefecimento e de outros produtos para veículos automóveis e motociclos ou mesmo destinados a outros usos, quando associado à actividade de comércio a retalho de combustíveis (actividade principal);
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Para além da actividade acima referida, a B... desenvolve ainda actividades de acordo com os seguintes CAE - 47990 - Comércio a retalho por outros métodos; 46711 - Produtos petrolíferos e 49410 - Transportes rodoviários de mercadorias;
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A Requerente, no âmbito da sua actividade, e no período compreendido entre 13-05-2019 e 31-12-2022, adquiriu 3.385.443 litros de gasóleo rodoviário à sociedade B..., S.A. (adiante designada por B...), em conformidade com a listagem das respectivas facturas (doc. nº 2 anexado com o pedido e que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais), bem como tendo em consideração a cópia das referidas facturas (doc. nº 3 anexado com o pedido e que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais), tendo suportado, a título de CSR, a quantia global de EUR 375.784,25, em conformidade com as cópias dos referidas respectivas facturas (docs. nº 2 e 3 anexados com o pedido e que se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais);
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Por anos, e de acordo com a listagem de facturas anexada e respectivas facturas apresentadas, sendo a primeira de 13-05-2019 e a última de 26-12-2022, em cada um dos anos em análise, a Requerente adquiriu os seguintes totais de litros de gasóleo rodoviário (valores de CSR em Euros – EUR):
ANO
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GASÓLEO (LITROS)
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CSR
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2019 (de 13-05 a 31-12)
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476.286
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52.867,74
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2020 (de 01-01 a 31-12)
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842.700
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93.539,72
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2021 (de 01-01 a 31-12)
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1.057.051
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117.332,70
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2022 (de 01-01 a 31-12)
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1.009.406
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112.044,09
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TOTAL
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3.385.443
|
375.784,25
|
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Em cada uma das facturas emitidas pela B... em nome da Requerente, relativas às aquisições de gasóleo por esta efectuadas, no período entre 13-05-2019 e 31-12-2022 (conforme cópias referidas no ponto anterior), é indicado um código, a descrição do produto fornecido e local de entrega, a quantidade, o preço unitário, o desconto, o valor total e o IVA (onde se identifica a taxa aplicável em matéria deste imposto), sendo que no final de cada uma das facturas é evidenciado o valor base, o valor do IVA e o total em EUR da mesma;
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Em cada uma das facturas emitidas não há qualquer referência à cobrança de CSR;
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O montante da CSR quantificada no pedido, relativa ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente, no período em análise, teve por base o rácio legalmente previsto (à data dos factos) de EUR 111 por cada 1.000 litros de gasóleo;
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A Requerente, a 10-05-2023, por não se conformar com a CSR que alega ter suportado, enviou por correio registado (RH ... PT), com carimbo de 12-05-2023, com aviso de recepção (AR), para a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, “(…) pedido de revisão oficiosa das liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, reflectidas nas facturas emitidas pela sociedade fornecedora de combustível (…) mencionada, referente ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente àquela sociedade no período compreendido entre 13-05-2019 e 31-12-2022,(…)”, com fundamento no disposto no artigo 78º, nº 1 da LGT, nos termos do qual solicitou “(…) o reembolso (…) das quantias indevidamente suportadas (…), no montante global de € 375.784,25, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios”, em conformidade com o teor do doc. nº 1, anexado com o pedido e que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
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A Requerente juntou ao processo arbitral cópia de declaração de repercussão, emitida pela entidade fornecedora de combustíveis (B...), datada de 22-11-2023 e com duas assinaturas ilegíveis, na qual esta entidade declara que “a Contribuição de Serviço Rodoviário por si suportada na aquisição de combustível a sujeitos passivos deste tributo foi, por sua vez, integralmente repercutida por si, por referência ao combustível fornecido à Empresa A..., S.A., (…), na esfera da referida Empresa”, em conformidade com o teor do doc. nº 4, anexado com o pedido e que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
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A declaração emitida pela fornecedora de combustível tem implícito que esta recebeu da Requerente as quantias facturadas;
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Nas cópias das facturas que a Requerente apresentou como elementos de prova do alegado [vide pontos D), F) e G), supra] não aparece qualquer referência a CSR, não podendo assim, por si só, delas aferir-se se a CSR integra (ou não) o preço, ou seja, se a CSR foi ou não, total ou parcialmente, repercutida na Requerente pela entidade emitente da fatura (B...).
Contudo, complementando a prova que resulta das transações subjacentes a cada uma das referidas facturas com a informação constante da declaração de repercussão emitida pela B... (vide ponto anterior), essa repercussão resulta provada (porquanto nenhuma prova foi apresentada que permita entender que a repercussão não tenha ocorrido);
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O pedido de revisão oficiosa não foi decidido nos 4 meses subsequentes à data da sua apresentação (12.05.2023), pelo que se presume o respectivo indeferimento tácito findo esse prazo (12.09.2023);
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A Requerente apresentou, em 08-12-2023, o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, ou seja, dentro do prazo de 90 dias legalmente previsto.
2.2. Factos não provados
Não se considerou provado que a B... fosse, à data a que se reportam os factos, sujeito passivo de ISP ou CSR, nem que tenha apresentado, à Requerida, Declarações de Introdução no Consumo (DIC), nos períodos a que se referem as facturas que constam do doc. nº 3 anexado com o pedido de pronúncia arbitral.
Não se identificaram e, consequentemente, não foi dado como provada, a identificação dos sujeitos passivos que possam ter emitido as (supra) referidas DIC.
Não se identificaram quais as liquidações de CSR que a Requerida emitiu aos sujeitos passivos do ISP, relativamente ao combustível adquirido pela Requerente à B..., nos períodos a que se referem as facturas juntas aos autos (Maio/2019 a Dezembro/2022).
Adicionalmente, apesar de a Requerida não questionar que os sujeitos passivos (de identificação desconhecida neste processo) tenham pago, “a montante” a CSR apurada com base nas referidas DIC, considera-se como não provado que a Requerida pudesse identificar as liquidações emitidas a esses sujeitos passivos, nos períodos a que se reportam as facturas, pelo que se considera, nestes termos, inviável para a Requerida apurar qual a DIC que corresponde a cada uma das facturas emitidas pela B... à Requerente, no período em análise (Maio/2019 a Dezembro/2022).
Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.
2.3. Motivação quanto à matéria de facto
No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e pela Requeria (processo administrativo).
Quanto ao valor da CSR suportado pela Requerente, considerou-se provado o que indica, com base nas quantidades indicadas nas facturas e não se demostra que não corresponda à realidade.
Nesta matéria, a Requerida defende que os produtos sobre os quais incide CSR são tributados de acordo com a respectiva unidade de tributação (i.e., no caso do gasóleo rodoviário, a unidade de tributação é de 1000 litros tendo em conta a temperatura de referência de 15º C, nos termos do artigo 91.º do CIEC), e nas vendas subsequentes desses produtos, não é possível fazer tal conversão sendo consideradas as quantidades em função da temperatura observada no momento o que, obviamente, originará oscilações (regra geral, quantidades superiores, tendo em conta a temperatura média nacional) e que no limite, os litros vendidos e os correspondentes montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado serão, por isso, superiores aos montantes de CSR efetivamente liquidados e cobrados aos sujeitos passivos (considerando a temperatura de referência a 15º C).
Aqui, entende o Tribunal que se está perante um mero palpite sobre a diferença entre as temperaturas a que terá sido medido o combustível fornecido à Requerente e sobre a temperatura média, cujo valor a Requerida não indica. Por outro lado, a lei prevê que a CSR seja repercutida nos consumidores (artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto), fixando o seu valor independentemente da temperatura a que é fornecido. Neste contexto, não indicando sequer a Autoridade Tributária e Aduaneira um valor alternativo ao que resulta da aplicação do valor da CSR aos litros adquiridos, o Tribunal Arbitral entende que não há fundamento para considerar suportado um valor diferente do indicado pela Requerente.
3. Análise da matéria de excepção suscitada pela Requerida
3.1. Questão da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria
A Requerente suscita, no seu pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral que declare “a) A anulação, por ilegalidade, do indeferimento tácito do sobredito pedido de revisão oficiosa, e a anulação das liquidações de CSR (…) referidas, aqui igualmente impugnadas, com a consequente restituição à Requerente da CSR que indevidamente pagou/suportou, no total de € 375.784,25; b) O reconhecimento do direito do Requerente a juros indemnizatórios, contados da data do pagamento indevido da CSR, ou, subsidiariamente, contados a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa; e c) A condenação da Requerida/AT no pagamento da taxa arbitral e demais encargos, se os houver”.
A Requerida, na sua Resposta, suscitou a excepção da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria porquanto entende “a Autoridade Tributária e Aduaneira está vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, sendo o objeto desta vinculação definido pelo artigo 2.º que dispõe que os serviços e organismos referidos (…) vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida (…)”, alegando que “foi intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD no âmbito de pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, tais como as contribuições”, pelo que estando em causa “(…) no caso em apreço (…) a apreciação da legalidade da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e respetivas liquidações (…)” conclui que “(…) tratando-se de uma contribuição e não um imposto, as matérias sobre a CSR encontram-se, assim, excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal”.[5]
E, reitera a Requerida que “(…) não se diga que a interpretação segundo a qual o tribunal arbitral não tem competência é inconstitucional, pois, conforme se extrai, designadamente, da decisão sumária n.º 70/2024, prolatada em 08-02-2024, no âmbito do recurso da decisão do Proc. 520/2023-T, o Tribunal Constitucional viria a decidir não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 .03, interpretada no sentido de estarem sujeitos a arbitragem tributária, somente, os tributos qualificados como impostos em sentido estrito, excluindo do âmbito da arbitragem os demais tributos referidos no artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária e enunciados no artigo 3.º , n.º 2, da Lei Geral Tributária”.
Neste âmbito, alega a Requerida que “(…) encontrando-se a CSR excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição, não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum” pelo que “não sendo os tribunais arbitrais do CAAD materialmente competentes para conhecer do mérito do pedido em apreço”, “estando-se, portanto, perante uma exceção dilatória (…), a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa”.
Nesta matéria, a Requerente veio alegar, em síntese, que “o que determina a qualificação de um tributo como contribuição financeira, e não como um imposto, é o facto desse tributo ter por finalidade compensar prestações administrativas de que o sujeito passivo dessa mesma contribuição seja presumidamente beneficiário ou que a elas tenha dado causa”, “ou seja, é necessário que a prestação pública beneficie ou seja causada pelo respetivo sujeito passivo da contribuição financeira”, o que segundo alega, “não é o caso da CSR” porquanto “(…) a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal, sendo esta a entidade titular da correspondente receita” e “os sujeitos passivos são as empresas responsáveis pela introdução no consumo dos produtos petrolíferos - principalmente empresas distribuidoras de combustíveis” e “os beneficiários e os responsáveis pelo financiamento da tarefa da Infraestruturas de Portugal é a população em geral, aqui se incluindo tanto os utilizadores da rede rodoviária nacional concessionada à Infraestruturas de Portugal, como os utilizadores de vias rodoviárias não incluídas da rede concessionada”.
Assim, conclui a Requerente que “(…) é manifesto que a CSR não é uma contribuição financeira; outrossim, um imposto” porquanto “a qualificação da CSR como um verdadeiro imposto resulta ainda da sua génese”, citando para suporte da sua posição diversa jurisprudência arbitral.
Em consequência, entende a Requerente que deverá improceder a exceção de incompetência material invocada pela Requerida, “impugnando-se todo o alegado pela Requerida/AT nos artigos 20º a 54º da sua Resposta”.
Cumpre analisar a eventual procedência/improcedência desta excepção.
A este respeito, e seguindo de muito perto a posição assumida nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos P 113/2023-T, de 15-07-2023 e P 410/2023, de 13-11-2023 e 101/2024, de 04-06-2024 (dos quais foi signatária a Árbitro Relatora deste TAC) adianta-se, desde já, que entende este Tribunal Arbitral que improcede a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar o mérito do pedido arbitral, tendo em consideração os argumentos que, a seguir, se apresentam.
Com efeito, a competência contenciosa dos Tribunais Arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2º do RJAT, compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.
O artigo 4º, nº 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.
E o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria nº 287/2019, de 3 de setembro, dispõe que “os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.
A referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira (aqui também designada por Requerida).
A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral, mas tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais, podendo estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo. A este propósito, o acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, de 06-07-2012, depois seguido por diversos outros arestos, consignou que “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT]. Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.
Assim, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: (i) refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos Tribunais Arbitrais e (ii) a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária.
Nestes termos, terá assim de se concluir que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos (com a exclusão de outros tributos) e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.
A constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.
Por outro lado, a LGT passou a incluir, entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.
Neste âmbito, a doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas colectivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas.
A este respeito, como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas”.[6]
Neste sentido, as contribuições são tributos (com uma estrutura paracomutativa), dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas.[7]
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias (designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa), admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro.[8]
Ou seja, não há dúvida que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.
Analisando a contribuição em apreço (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, a mesma visa financiar a rede rodoviária nacional [a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A. (IP)], sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).
A referida contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).
Esta contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).
O produto da CSR constitui receita própria da actualmente denominada IP (artigo 6.º).
A actividade de conceção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objecto de financiamento através da CSR foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. (agora denominada IP) e, pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitui receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)).
Por outro lado, naquelas bases da concessão é estabelecido, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).
Assim, à luz do regime jurídico sucintamente descrito, dificilmente se poderia concluir que a CSR constitui uma contribuição financeira.
Como se refere no Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 304/2022-T, de 05-01-2023, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva.
A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 3.º, n.º 2), agora denomina IP, sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (artigo 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade desenvolvida por aquela entidade, a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (artigo 3.º, n.º 2).
Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da atividade administrativa que se encontra atribuída à IP é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários.
Quando é certo que o artigo 2.º da Lei n.º 55/2007 declara expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E. (...) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Nestes termos, o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respectivos utilizadores, que são os beneficiários da actividade pública desenvolvida pela EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (agora IP), verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”.
Não existindo, deste modo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da actividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos.
Adicionalmente, refira-se ainda que o regime jurídico da CSR não é equiparável ao previsto para a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE).
Com efeito, a CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é considerada como uma contribuição extraordinária que tem “por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético”, incidindo sobre as pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional.
A receita obtida é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, com o objectivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do sector energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida e ou pressão tarifárias e do financiamento de políticas do sector energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional (artigo 11.º).
Assim sendo, a CESE tem por base uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional à entidade à qual são consignadas as receitas.
Não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração dirija aos respectivos sujeitos passivos, nem preenche o requisito de unilateralidade que caracteriza o imposto, uma vez que não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita, nem se destina à satisfação das necessidades financeiras do Estado, antes se pretendendo que o sector energético contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua actividade.
Nestes termos, a CESE trata-se de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efectiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades desse sector, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira.
E, tendo em consideração o acima exposto, essa caracterização não é extensiva à CSR, pelo que não é aplicável, ao caso em análise, a jurisprudência arbitral que veio declarar a incompetência do Tribunal Arbitral ratione materiae para a apreciação de litígios que tinham como objeto a CESE (como é o caso do Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 714/2020-T, de 12-07-2021).
Adicionalmente, a este conjunto de argumentos acrescerá ainda um outro. Com efeito, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma tributação, um imposto, uma taxa ou um direito, à luz do Direito da União Europeia, compete ao Tribunal de Justiça, em função das caraterísticas objetivas de imposição, independentemente da qualificação que lhe é dada pelo direito nacional (cf. Istituto di Ricovero e Cura a Carattere Scientifico (IRCCS) — Fondazione Santa Lucia, processo C-189/15, acórdão de 18 de janeiro de 2017, §29; e Test Claimants in the FII Group Litigation, processo C-446/04, acórdão de 12 de dezembro de 2016, §107, entre outros). É certo que, no processo arbitral que motivou o pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça (Processo n.º 564/2020-T), o Tribunal qualificou a CSR como um imposto, formulando as questões prejudiciais com base nesse pressuposto.
Parece-nos, todavia, que na decisão em que culminou esse pedido de reenvio – o Despacho do Tribunal de Justiça de 07 de fevereiro de 2022 Vapo Atlantic, processo C-460/21, – o Tribunal de Justiça, para além de não colocar em causa essa qualificação, assume, para efeitos do artigo 1 da Diretiva 2008/118, um conceito funcional ou autónomo de imposto indireto. Tal conceito abrange quaisquer “imposições” indiretas que, pelas suas caraterísticas estruturais e teleológicas, não tenham um “motivo específico” na aceção da diretiva e possam, por conseguinte, privar o imposto especial de consumo harmonizado (no caso português, o ISP) de “todo o efeito útil” (par. 26 do Despacho Vapo Atlantic, já mencionado).
Dito de outro modo, para o Tribunal de Justiça, o tributo criado pela lei portuguesa – e que este designou por “contribuição” – constitui um imposto porquanto, em virtude do desenho escolhido pelo legislador português, representa uma imposição indireta sem motivo específico e como tal suceptível de frustrar os desideratos de harmonização positiva subjacentes à Diretiva 2008/118. Foi o legislador português que, não obstante classificar o tributo como “contribuição”, definiu a respetiva incidência subjetiva em termos análogos à do ISP (artigo 5 da Lei n.º 55/2017, de 31 de agosto), colocando-se assim, independentemente da qualificação para que eventualmente apontasse a (inconstante) jurisprudência constitucional nacional, no âmbito de aplicação do artigo 1, n.º 2 da Diretiva 2008/118.
Portanto, mesmo que, à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional português, a CSR houvesse de ser qualificada como uma contribuição financeira (inconstitucional, desde já se avança), nem por isso ela – tal como está desenhada – deixaria de ser um imposto indireto na aceção da Diretiva. Isto sob pena de os Estados-membros poderem, em função da maior ou menor criatividade constitucional em termos de tributos públicos, frustrar os propósitos de harmonização e de neutralidade no plano dos impostos indiretos sobre o consumo.
Destarte, atentos os princípios da interpretação conforme e do primado do Direito da União Europeia (consagrado no artigo 8, n.º 4 da CRP, tal como interpretado pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 422/2020), há que considerar que os dispositivos legais que regulam a CSR devem ser interpretados no sentido de que consagram um imposto indireto sobre o consumo de produtos petrolíferos.
Face ao exposto, improcede a alegada excepção da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida.
3.2. Questão da excepção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria
Por outro lado, alega ainda a Requerida que caso se entenda ser o tribunal competente para apreciar a legalidade da CSR “(…) mais se dirá que sempre existiria a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, por outra via” porquanto “(…) resulta do teor do pedido de pronúncia arbitral, e sua fundamentação, que o que a Requerente suscita junto desta instância arbitral é a legalidade do regime da CSR, no seu todo”.
Com efeito, segundo entende a Requerida, “(…) ao sustentar o seu pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, não obstante com fundamento na sua desconformidade face ao direito europeu, as Requerentes vêm questionar todo o regime jurídico desta contribuição” porquanto “pretendendo a Requerente, em rigor, a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa, visam, com a presente ação, suspender a eficácia de atos legislativos” mas, alega a Requerida, “(…) a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação” “e este contencioso não consente nem o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação (...)”.
Assim, entende a Requerida que “não sendo da competência do tribunal arbitral nem a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, nem a execução de sentenças/decisões”, “afigura-se inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos aqui formulados pela Requerente, quando a letra e o espírito da norma não o permitem”.[9]
Nestes termos, conclui a Requerida “(…) que o pedido arbitral da Requerente extravasa e excede a competência do douto tribunal arbitral em razão da matéria”, “o que consubstancia uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, n.º 1 e n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n. º 1, alínea e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa” pelo que “(…) é forçoso concluir que deve o douto tribunal arbitral declarar-se incompetente em razão da matéria e, consequentemente, absolver a Requerida da instância”.
Uma vez mais cumpre analisar a eventual procedência/improcedência da excepção suscitada.
Neste âmbito, e continuando a adoptar a posição assumida no âmbito dos Processos nº 113/2023-T e 410/2023, de 13-11-2023, refira-se, desde já, que entende este Tribunal Arbitral que improcede também esta excepção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar o mérito do pedido arbitral, porquanto a arguição da excepção pela Requerida assenta num evidente equívoco.
Com efeito, a Requerente formulou um pedido de pronúncia arbitral (na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa enviado a 12-05-2023 para a Direção-Geral das Alfândegas, relativo à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de CSR praticados pela Requerida (com base nas Declarações de Introdução no Consumo (DIC) submetidas) e, bem assim, relativos aos consequentes actos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido, pela Requerente, à B... (entidade fornecedora), no período compreendido entre Maio/2019 e Dezembro/2022, tendo invocando como causa de pedir, a desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, não tendo sido suscitada a inconstitucionalidade de qualquer das normas do respectivo regime jurídico.
Mas ainda que o tivessem feito, importa assinalar que a Constituição admite o controlo difuso de constitucionalidade pelos tribunais (artigo 204.º) e prevê o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (artigo 280.º, n.º 1).
Com efeito, a desaplicação de normas pelos tribunais, por iniciativa oficiosa ou por iniciativa das partes, corresponde a uma forma de fiscalização concreta de constitucionalidade para que os tribunais têm competência própria, não se confundindo com a competência do Tribunal Constitucional, que intervém em sede de recurso de constitucionalidade ou no âmbito da fiscalização abstracta da constitucionalidade (artigo 281.º da CRP).
Por outro lado, o referido artigo 204.° da Constituição, ao admitir o controlo difuso da constitucionalidade, refere-se genericamente aos tribunais, não distinguindo entre Tribunais Estaduais e Tribunais Arbitrais, e o artigo 280.°, ao definir o âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade, admite o recurso de constitucionalidade relativamente a decisões dos tribunais, referindo-se a decisões de quaisquer tribunais.
E, como o Tribunal Constitucional tem também vindo a afirmar, os Tribunais Arbitrais (necessários ou voluntários) são também tribunais, dispondo do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais.[10]
Como facilmente se compreenderá, ainda que tivesse sido suscitada, no pedido de pronúncia arbitral, a inconstitucionalidade de qualquer das normas do regime da CSR, nada obstava a que o Tribunal Arbitral se pronunciasse sobre a questão de constitucionalidade no âmbito do controlo difuso a que se refere o artigo 204° da Constituição.
No caso, estando em causa a desconformidade do regime da CSR com a o regime previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, não pode deixar de concluir-se, do mesmo modo, pela competência contenciosa do Tribunal Arbitral para a apreciação do litígio.
Com efeito, as normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8.º da Constituição).
A impugnação judicial de um acto de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito internacional convencional.
Torna-se assim claro que não existe qualquer obstáculo a que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade dos actos de liquidação baseado em desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida, sendo, nestes termos, considerada improcedente a alegada excepção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria.
3.3. Questão da ilegitimidade (processual e substantiva) da Requerente
Nesta matéria, e quanto à ilegitimidade processual da Requerente, a Requerida defende, em síntese, que “(…) apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago” porquanto “(…) no âmbito dos impostos especiais de consumo, são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo (…)”, “pelo que é a estas que são emitidas as respetivas liquidações de imposto e apenas estas podem identificar tais atos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados (…)”.
Assim, segundo entende a Requerida, “(…) podem solicitar o reembolso do imposto pago os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto”.
Reitera ainda a Requerida que, “no âmbito dos IEC, (…), os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto” e, “estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (…) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia de comercialização de combustíveis (…). Ora, no caso concreto, não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica do repercutido económico ou de facto, não podendo a entidade, em que alegadamente teria sido repercutido o imposto, apresentar pedido de revisão ou de reembolso por erro”, “ou seja, não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não tem legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral”.
Segundo entende a Requerida, “no caso concreto não está em causa uma alegada situação de repercussão legal, mas, eventualmente, de mera repercussão económica ou de facto” e, tendo em consideração não só que “a repercussão meramente económica ou de facto da CSR, depende da decisão dos sujeitos passivos, de, no âmbito das suas relações comerciais (…) procederem, ou não, à transferência, parcial ou total, da carga fiscal para outrem (os seus clientes), tendo em conta a política de definição dos preços de venda e as consequências para a sua atividade (…)” mas também que “(…) não existe no âmbito da CSR um ato tributário de repercussão legal, subsequente e autónomo do(s) ato(s) de liquidação de ISP/CSR, sendo que as faturas não corporizam atos de repercussão de CSR, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis, e que o valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelos adquirentes dos combustíveis (…)”, “(…) a venda do combustível não dá obrigatoriamente origem a uma repercussão (…)”.
Adicionalmente, alega ainda a Requerida que “(…) dada a natureza da repercussão da CSR, ainda que o sujeito passivo de ISP/CSR “repasse” o custo da CSR, ou parte dele, no preço de venda dos combustíveis, os seus clientes não são, necessariamente, quem suporta, a final, o encargo do tributo. (…). Assim, a Requerente não é sujeito passivo e não integra a relação tributária subjacente à liquidação contestada, não sendo devedor, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado”, “o que impossibilita a identificação das liquidações na origem das imposições objeto da alegada repercussão, mas também a identificação da alfândega, ou outra estância aduaneira, que tenha efetuado essas mesmas liquidações, e que seria o serviço com competência para apreciar o pedido de revisão ou anulação da liquidação (…)” pelo que, conclui a Requerida que, “(…) não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não tem legitimidade nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral”.[11]
Nestes termos, entende a Requerida que “(…) inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, carece a Requerente de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, alínea e) e 578.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância”.
Por outro lado, e no que diz respeito à ilegitimidade substantiva da Requerente, a Requerida veio alegar que “no caso em apreço, (…) a Requerente não é sujeito passivo nem de ISP, nem de CSR, pois não efetuou qualquer introdução no consumo de produtos petrolíferos”, a Requerente “alega (…) que suportou a CSR no combustível adquirido de 15 de maio de 2019 a 31 de dezembro de 2022” mas, segundo entende a Requerida, “(…) quem suportou a CSR foi o seu cliente final”.
Assim, segundo entende a Requerida, “(…) resulta claro que, nos anos em causa, a Requerente sustentou a sua atividade comercial totalmente na prestação dos serviços (…), pelo que somos forçados a aplicar a mesma lógica de raciocínio que a Requerente apresenta para sustentar o seu pedido e afirmar que também ela repercutiu o custo da CSR no preço de venda/prestação dos serviços que prestou aos seus clientes”.
Conclui a Requerida que “(…) a Requerente não suportou, a qualquer título, o encargo com a CSR” estando a “(…) tentar obter um reembolso, de forma absolutamente ilegal, relativo a uma contribuição, que obviamente repercutiu no preço de venda aos seus clientes” pelo que “(…) carece a Requerente não só de legitimidade processual como também de legitimidade substantiva”, “(…) o que consubstancia uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto no artigo 576.º n.º 1 e n.º 3 do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido”.
Nesta matéria, veio alegar a Requerente, em síntese, que tendo sido “(…) junta aos presentes autos declaração da fornecedora de combustível em causa – a B... (…) atestando precisamente que repercutiu efectivamente a CSR junto da Requerente (…)”, “(…) ao contrário do entendimento da Requerida/AT, a Requerente tem legitimidade processual e substancial activa”, pelo que entende que “deve ser julgada improcedente a excepção da alegada ilegitimidade processual e substantiva da Requerente”, impugnado a Requerente “(…) todo o alegado pela Requerida/AT nos artigos 55º a 131º da sua Resposta”.
Cumpre analisar a eventual procedência/improcedência da excepção suscitada.
No artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, vigente em 2018 e 2019) estabelece-se que «o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável» e no n.º 3 do mesmo artigo (na redacção inicial) estabelece-se que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis» (negrito nosso).
Como se refere no despacho do TJUE de 07-02-2022, processo n.º C-460/21, “39 A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas”. (…) 42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido. 43 (…) a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos”.
Como decorre desta jurisprudência, há uma obrigação de a Administração Tributária reembolsar os tributos cobrados em violação do Direito de União a quem efectivamente os suportou, pelo que no caso de tributos susceptíveis de repercussão, a titularidade do direito ao reembolso dependerá de ela ter sido ou não concretizada.
Assim, não se coloca a questão da plúrima possibilidade de reembolso pela Requerida, pois, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem direito ao reembolso.
No caso em apreço, deu-se como provado que ocorreu efectivamente a repercussão completa da CSR cobrada pela B..., nas vendas de combustível que efectuou à Requerente, no período em análise, pelo que apenas a Requerente, enquanto entidade repercutida, é titular do direito ao reembolso da CSR repercutida nas aquisições de combustível que efectuou.
É corolário desta jurisprudência do TJUE que, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem legitimidade para impugnar os actos que a concretizem ou os que a antecedam, pois apenas o repercutido é afectado na sua esfera jurídica pelo acto lesivo e o substituto só terá legitimidade na medida em que não tenha repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade.[12]
É essencialmente este o regime que no artigo 132.º do CPPT se prevê para os casos de impugnação em caso de substituição com retenção na fonte, que deve considera-se aplicável, por analogia, a todos os casos de substituição.[13]
Na verdade, como foi esclarecido na redacção do n.º 2 do artigo 20.º da LGT introduzida pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, ao dizer que «a substituição tributária é efetivada, designadamente, através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido», a retenção na fonte do imposto devido é apenas uma das formas de substituição tributária.[14]
Assim, no caso em apreço, tendo havido repercussão do tributo, são os repercutidos quem tem legitimidade para impugnar os actos que afectaram as suas esferas jurídicas, no exercício do direito de impugnação de todos os actos lesivos que lhe é constitucionalmente garantido (artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP).
Essa legitimidade é assegurada, a nível do direito ordinário, tanto a nível procedimental como processual, pelos artigos 18.º, n.º 4, alínea a), 54.º, n.º 2, 65.º e 95.º, n.º 1, da LGT, conjugados com os n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT, aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, na medida em que reconhecem legitimidade procedimental e processual a quem for titular de um interesse legalmente protegido.[15]
Pelo exposto, improcede a excepção da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente.
3.4. Questão da falta de interesse em agir
E, “(…) não se concretizando, demonstrando, e muito menos provando que a Requerente pagou os valores referentes à CSR, carece igualmente, a mesma, de interesse em agir”, o que “(…) consubstancia uma exceção dilatória inominada nos termos do vertido nos artigos 576.º, n.º 1 e n.º 2 e 577.º do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância”.
Nesta matéria, a Requerente veio referir que tendo anexado “(…) aos presentes autos declaração da fornecedora de combustível, atestando que repercutiu efectivamente a CSR junto da Requerente”, “além disso, a Requerente junto aos presentes autos todas as facturas (342 facturas) desse mesmo fornecedor, em cujos litros de combustível faturado está incluída a CSR correspondente” e, “por conseguinte, a Requerente demonstrou que suportou efectivamente a CSR em causa”, “pelo que é inegável o seu interesse em agir”, concluindo que “deve ser julgada improcedente a excepção da pretensa falta de interesse em agir por parte da Requerente”, impugnado “(…) todo o alegado pela Requerida/AT nos artigos 132º a 136º da sua Resposta”.
Cumpre analisar a eventual procedência/improcedência da excepção suscitada.
Neste âmbito, e como referido no ponto anterior, a propósito da legitimidade processual, no procedimento tributário, além da administração tributária, têm legitimidade os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido sendo que, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem legitimidade para impugnar os actos que a concretizem ou os que a antecedam, pois apenas o repercutido é afectado na sua esfera jurídica pelo acto lesivo e o substituto só terá legitimidade na medida em que não tenha repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade.
Assim, tendo havido repercussão de um tributo, são os repercutidos quem tem legitimidade para impugnar os actos que afectaram as suas esferas jurídicas tendo, por isso, interesse em agir porquanto retira utilidade da demanda.
Improcede, pois, a invocada exceção de falta de interesse em agir da Requerente.
3.5. Questão da caducidade do direito de ação
A este respeito, a Requerida defende, em suma, que “(…) a falta de identificação dos atos de liquidação impede igualmente a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações formulado pela Requerente” porquanto “(…) se constata que não pode a Requerente fazer valer-se do prazo de 4 (quatro) anos previsto na segunda parte da norma vertida no artigo 78.º, n.º 1, da LGT” uma vez que “(…) a contagem do prazo para a apresentação do referido pedido, inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global)”.
Com efeito, refere a Requerida que “(…) constata-se que a Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral em 08-12-2023, do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa alegadamente elaborado ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT (…)” sendo que “para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão, o que, como (…) se demonstrou (…) é impossível”.
No entanto, segundo alega a Requerida, “tudo leva a crer que, o pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, o pedido arbitral, sejam intempestivos” “porquanto, tomando por referência o alegado pela Requerente, aquisições no período compreendido entre 13 de maio de 2019 e 31 de dezembro de 2022, em 11-05-2023, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR (…)”, “razão pela qual a Requerente fundamenta o pedido de revisão oficiosa em erro imputável ao serviço, de modo a fazer valer-se do prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, segunda parte da LGT”. Contudo, refere a Requerida que “(…) estando (…) vinculada ao princípio da legalidade e tendo efetuado as liquidações em estrita observância dos normativos legais em vigor à data dos factos, não existe qualquer erro imputável aos serviços”.
Neste âmbito, “(…) a acrescer á circunstância de a Requerente não ser sujeito passivo de ISP/CSR e ao facto de não lograr provar o pagamento dos respetivos valores, em 13-05-2022 já teria terminado o prazo de 3 (três) anos previsto no n.º 3 do artigo 15.º do CIEC para requerer o reembolso do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR, referente ao gasóleo adquirido pela Requerente no ano de 2019; e em 11-05-2023 já teria terminado o prazo de 3 (três) anos previsto no n.º 3 do artigo 15.º do CIEC para requerer o reembolso do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR, pelo menos no que se refere a todas as aquisições efetuadas pela Requerente de 2019 a maio de 2020”, concluindo a Requerida que “(…) verifica-se que o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do(s) ato(s) tributário(s) em crise tem, entre outros, como efeito a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade do pedido de revisão oficiosa e de reembolso por alegado pagamento de valores a título de alegada repercussão económica da CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral”.
Assim, “(…) e mesmo que apenas parcialmente, constata-se a caducidade do (alegado) direito de ação por parte da Requerente, o que consubstancia uma exceção perentória, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido” mas, “(…) ainda que assim não se entenda, sempre consubstanciará uma exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.º 1, 2 e 4 alínea k) do CPTA, devendo, nessa medida, ser a Requerida absolvida do pedido1 ou da instância”.
Nesta matéria, a Requerente citando jurisprudência arbitral, veio, em síntese, referir que “os sujeitos passivos podem provocar, através de um pedido, o procedimento de revisão oficiosa da liquidação no prazo estabelecido no nº 1 do art.º 78.º da LGT, sempre que invoquem para isso erro imputável aos serviços; O erro imputável aos serviços compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro; O erro de direito pode consistir numa ilegalidade abstrata, ie. numa ilegalidade da norma tributária; A ilegalidade abstrata pode ser originada numa incompatibilidade entre a norma tributária e o direito da União Europeia. Deste modo, conclui-se que a Requerente podia, efetivamente, pedir a revisão das liquidações, com base na segunda parte do n.º 1 do art.º 78.º, invocando a desconformidade da Contribuição de Serviço Rodoviário com a Diretiva n.º 2008/118/CE. Por conseguinte, o pedido de revisão não foi intempestivo, pelo que não se verifica a alegada caducidade do direito de ação (…)”.
Nestes termos, conclui a Requerente que “deve ser julgada improcedente a excepção da pretensa caducidade do direito de acção”, impugnado “(…) todo o alegado pela Requerida/AT nos artigos 205º a 218º da Resposta da Requerida/AT”.
Passemos, pois, a analisar a questão da tempestividade do pedido de revisão oficiosa e do pedido de pronúncia arbitral
No que concerne à alegada intempestividade do pedido de revisão oficiosa (apresentado pela Requerente) suscitada pela Requerida, refira-se que, no caso, o prazo para apresentação do pedido de revisão oficiosa, com fundamento em erro imputável aos serviços, era o de quatro anos, de acordo com o previsto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
Na verdade, como há muito vem entendendo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”.[16]
No caso em apreço, é manifesto que os erros imputados aos actos impugnados não são imputáveis à Requerente, pois não tiveram qualquer intervenção no procedimento de liquidação.
Pelo exposto, o prazo para apresentação de pedido de revisão oficiosa era de quatro anos, pelo que respeitando ao período compreendido entre compreendido entre 13-05-2019 e 31-12-2022, o pedido de revisão enviado em 10-05-2023 (com carimbo de 12.05.2023) deverá ser considerado tempestivo.
No que diz respeito à questão da alegada intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, atente-se nos argumentos a seguir apresentados.
Em matéria de pedido de revisão oficiosa, verifica-se que não houve decisão expressa no prazo de quatro meses a contar da data da sua apresentação, tendo a Requerente apresentado em 08-12-2023 pedido de constituição do tribunal arbitral.
Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma.
O indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa formou-se quatro meses após a apresentação do pedido, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT, pelo que o pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 08-12-2023, deverá ser considerado tempestivo.
Pelo exposto, improcede a excepção da caducidade do direito de acção suscitada pela Requerida.
3.6. Questão da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral – da falta de objecto
A Requerida defende ainda que o pedido de pronúncia arbitral é inepto dado a Requerente não identificou os actos que são objecto do pedido arbitral, como exige a alínea b) o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT.
Neste âmbito, refere a Requerida que a Requerente “não identifica as liquidações da CSR que acredita estar em causa e não apresenta quaisquer documentos que visem comprovar a alegada repercussão económica da CSR, limitando-se, a identificar faturas de aquisição de combustíveis à sua fornecedora, sem, no entanto, identificar os atos tributários”.
Adicionalmente, refere a Requerida que “(…) a B... (…) embora seja titular do estatuto fiscal de destinatário registado, em sede de ISP, desde 15-07-2021, e de depositário autorizado desde 17-01-2023, importa referir que tais autorizações, todavia, abrangem apenas alguns produtos, nos quais não se incluem, nem a gasolina, nem o gasóleo (sobre os quais incidia CSR até 31-12-2022)”, “o que significa que a B... não estava habilitada, durante os anos em causa, mesmo no período subsequente à atribuição de estatuto de destinatário registado, a introduzir no consumo gasolina e gasóleo, não podendo, assim, ter constituído o efetivo sujeito passivo de liquidações no âmbito da CSR (mas apenas mera intermediária) em relação àqueles produtos”.
Nestes termos, defende a Requerida que “(…) o pedido arbitral não preenche nem satisfaz os pressupostos legais de aceitação, uma vez que viola o artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, devendo, consequentemente, ser declarado inepto”, “(…) o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância (…), devendo, consequentemente, determinar-se a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância”.
A Requerente, nesta matéria, veio defender, em síntese, que “do requerimento arbitral (…) consta claramente que o mesmo visa a anulação das liquidações de CSR e que tem por base o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa no sentido anulatório daquelas liquidações de CSR (…)”, “ou seja, no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e documentação anexa estão claramente identificados os actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral”, os quais “(…) respeitam ao período compreendido entre 13.05.2019 e 31.12.2022 (…), sendo a CSR incidente sobre os litros de gasóleo facturados pela fornecedora da Requerente (…) como a AT sabe”.
E, acrescenta, “como também é do oficioso da AT, a CSR é originariamente entregue ao Estado pelos respectivos sujeitos passivos mediante declarações de introdução no consumo (DIC) dos sobreditos combustíveis, as quais são entregues precisamente na AT, pelo que esta delas tem pleno conhecimento (…)” sendo que “(…) na sequência da apresentação daquelas DIC, a própria AT emite as respectivas liquidações de CSR, em função dos litros de gasóleo e do respectivo rácio de liquidação, (…) pelo que a AT tem obviamente conhecimento oficioso dessas mesmas liquidações de CSR, que a própria emitiu (…)”.
Prossegue a Requerente referindo que “(…) embora o sujeito passivo da CSR seja o que se encontra definido para efeitos de ISP, o encargo desta contribuição financeira é suportado pelo consumidor do combustível, sendo, portanto, este último, o contribuinte da CSR (…), embora nas facturas aquisitivas de combustíveis a CSR obviamente não seja discriminada (…) juntou-se aos presentes autos declaração da fornecedora de combustível em causa, comprovativa da efectiva repercussão, na esfera da Requerente, da CSR aqui impugnada, por parte daquela mesma fornecedora, para que dúvidas não restem”.
Assim, conclui a Requerente que “deve ser julgada improcedente a excepção da alegada ineptidão do pedido arbitral por falta de objecto”, citando para o efeito diversa jurisprudência arbitral e impugnado “(…) todo o alegado pela Requerida/AT nos artigos 137º a 204º da Resposta da Requerida/AT”.
Cumpre analisar a eventual procedência/improcedência da excepção suscitada.
O artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.
Não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
No artigo 186.º, n.º 1, do CPC, indicam-se as como situações de ineptidão da petição inicial “a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis”. O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.
No caso em apreço, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral “(…) para impugnação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), emitidas pela Administração Tributária e Aduaneira (AT), reflectidas nas facturas emitidas pela sociedade fornecedora de combustível (…), referentes a gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente àquela sociedade, no período compreendido entre 13.05.2019 e 31.12.2022, no valor total de € 375.784,25 (…)”, peticionando “a) A anulação, por ilegalidade, do indeferimento tácito do sobredito pedido de revisão oficiosa, e a anulação das liquidações de CSR (…) referidas, aqui igualmente impugnadas, com a consequente restituição à Requerente da CSR que indevidamente pagou/suportou, no total de € 375.784,25; b) O reconhecimento do direito do Requerente a juros indemnizatórios, contados da data do pagamento indevido da CSR, ou, subsidiariamente, contados a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa; e c) A condenação da Requerida/AT no pagamento da taxa arbitral e demais encargos, se os houver” (sublinhado nosso).
Assim, é manifesto que a ineptidão arguida pela Requerida não se enquadrar nas referidas alíneas b) e c) do artigo 186.º, n.º 1 do CPC, pelo que só se pode aventar o seu enquadramento na alínea a) mas, não se estando perante uma situação de falta do pedido ou de causa de pedir, apenas se poderá enquadrar a arguição no conceito de inteligibilidade.
Como resulta da matéria de facto fixada, as facturas de venda de combustíveis juntas aos autos incluem o montante da CSR que a B... suportou e repercutiu na Requerente, tendo em consideração a declaração de repercussão apresentada pela Requerente.
Contudo, dado que a B..., à data a que se reportam as facturas de venda de combustíveis, não era sujeito passivo de IVA mas um intermediário/revendedor de combustíveis, a dificuldade está em relacionar as aquisições de combustíveis (pela Requerente) à B... e, consequentemente, na identificação das liquidações emitidas pelo(s) sujeito(s) passivo(s) que venderam os combustíveis à B... porquanto só com esta interligação seria possível identificar as liquidações “subjacentes” aos actos de repercussão de CSR que a Requerente documenta (facturas da B...).
Com efeito, considerando o regime legal aplicável aos IEC e, em especial, o regime da CSR à data dos factos, a CSR é devida pelos sujeitos passivos de ISP, que são os operadores económicos identificados no artigo 4º do Código dos IEC sendo que, o facto gerador é a introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto e o imposto é exigível aquando da introdução no consumo (vide artigos 7º, 8º e 9º do Código dos IEC). Como já referido, a introdução no consumo é formalizada, pelos sujeitos passivos de imposto (que declaram para introdução no consumo grandes quantidades de produtos petrolíferos e energéticos, sujeitos a imposto) através de uma DIC, processada por transmissão eletrónica de dados, a qual contém todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável.
As introduções no consumo efectuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos no Código dos IEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática (artigo 10º-A do Código dos IEC). Neste caso, os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto até ao dia 15 (quinze) do mês da globalização e o imposto deve ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação (artigos 11º e 12º do Código dos IEC).
Adicionalmente, releva igualmente ter em consideração que ocorrem com frequência, por interesse e acordo comercial entre empresas, como refere a Requerida na Resposta, “(…) situações em que um operador económico declara para introdução no consumo a partir de um seu Entreposto Fiscal produtos petrolíferos que são propriedade de outrem (…), o que significa que o primeiro operador económico se apresenta perante a AT como o sujeito passivo de imposto e o segundo é o proprietário dos produtos petrolíferos, que vende os referidos produtos petrolíferos aos seus clientes, sendo os produtos petrolíferos em apreço expedidos a partir do entreposto fiscal do sujeito passivo. Consequentemente, perante tal prática (legal) comercial, considera-se possível e perfeitamente plausível – aliás, nada indicia o contrário – que a situação supra descrita seja prática da fornecedora da Requerente [B...], enquanto intermediária, que é, da cadeia de comercialização e abastecimento de combustíveis”, tendo em consideração que não se deu como provado tratar-se de um sujeito passivo de ISP/CSR.
Nestes termos, a falta de indicação das liquidações pela Requerente está perfeitamente justificada, pois as liquidações foram emitidas pela Requerida às empresas (sujeitos passivos) que apresentaram as DICs e não foram (nem tinham de ser) notificadas à Requerente, não sendo por isso exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a Requerida emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa.
Esta posição é a que resulta expressamente nos processos acima já identificados, cujo teor decisório se acompanhou na análise das excepções acima já analisadas.[17]
Contudo, no caso, dado que não resultou provado que a entidade que vendeu os combustíveis à Requerente (a B...) assumia, à data dos factos, a qualidade de sujeito passivo de ISP e CSR, nem que tenha apresentado à Requerida as DIC, nos períodos a que se referem as facturas anexadas pela Requerente, nem ficou provada a identificação dos sujeitos passivos que as possam ter apresentado, nem a identificação das liquidações de CSR (que deverão ter sido processadas até ao final do dia útil seguinte àquele em que ocorra a introdução no consumo) emitidas relativamente ao combustível adquirido pela Requerente à B..., nos períodos a que se referem as facturas juntas aos autos (Maio/2019 a Dezembro/2022), torna-se impossível para a Requerida (não sendo somente uma questão de organização interna dos serviços), identificar as liquidações que pudessem vir a ser mandadas anular, no caso de procedência do pedido.
No caso em análise, tendo em consideração os contornos específicos deste processo e a prova efectuada, a identificação dos sujeitos passivos da CSR era necessária para que a Requerida pudesse identificar as referidas liquidações de CSR, cuja anulação é pedida e que estiveram na base dos actos de repercussão documentados.
Assim, inexistem no processo elementos que permitam à Requerida – e muito menos ao Tribunal Arbitral – estabelecer um nexo causal entre as facturas (enquanto actos de repercussão, não arbitráveis por este Tribunal) que titulam a repercussão da CSR (confirmada por declaração da entidade revendedora dos combustíveis) e as liquidações que lhe estão a montante e cuja anulação é pedida pela Requerente.
Assim, tendo em consideração que o pedido de pronuncia arbitral é, conforme apresentado pela Requerente, a anulação das liquidações e do indeferimento tácito do pedido de revisão dessas liquidações e, a causa de pedir é a repercussão de um tributo tido por inválido (CSR), por desconformidade desse tributo com o Direito da União Europeia, para efeitos de reembolso do que foi repercutido na Requerente, sem que haja possibilidade, em abstracto, de identificar as liquidações cuja anulação se peticiona, o processo a proceder conduziria a uma decisão inútil, já que no limite, ainda que o Tribunal consiga aferir a verificação dos vícios invocados pela Requerente, uma decisão final pela procedência do pedido não teria qualquer efeito prático dado que a Requerida não poderia anular a(s) liquidação(ões) em causa porquanto não é de todo possível identificar as mesmas por serem também desconhecidos os sujeitos passivos.
Como se refere na decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 467/2023-T, de 29-02-2024, “(…) a identificação dos actos de liquidação pela AT seria excessivamente difícil ou até mesmo inviável, já que as facturas juntas pela Requerente aos autos poderiam corresponder a qualquer uma das DIC globalizadas e a qualquer uma das liquidações emitidas nas diferentes alfândegas no período (…). Isto, sem contar que poderá nem sequer existir coincidência entre o sujeito passivo de CSR e as fornecedoras de combustíveis à Requerente, que podem não ter sido as responsáveis pela introdução no consumo e pelo pagamento da CSR liquidada. A identificação dos actos de liquidação carecia de ser feita pelos verdadeiros sujeitos passivos de CSR, que não são parte no processo e sobre os quais este Tribunal Arbitral não dispõe de poderes de autoridade (…)”.
Pelo exposto, considera-se procedente a excepção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.
4. Questões de conhecimento prejudicado
Tendo procedido a excepção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, com a consequente absolvição da Requerida da instância, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento das restantes excepções imputadas pela Requerida, bem como o conhecimento do mérito do pedido formulado pela Requerente.
5. Responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral” sendo que:
- Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito;
- Nos termos do nº 2 do referido artigo concretiza-se a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerente, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 e 22º, nº 4 do RJAT e artigo 4º, nº 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, com as consequências daí decorrentes
6. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral Colectivo em:
-
Julgar improcedentes as excepções de incompetência do Tribunal Arbitral, da ilegitimidade da Requerente e da caducidade do direito de acção, suscitadas pela Requerida;
-
Julgar procedente a excepção da ineptidão do pedido arbitral e, em consequência, absolver a Requerida da instância;
-
Condenar a Requerente no pagamento das custas arbitrais.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de EUR 375.784,25, indicado pela Requerente sem oposição da Requerida.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6.426,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 08-07-2024
Os Árbitros
Fernanda Maçãs
(Presidente)
(com a seguinte declaração: voto o sentido da decisão, porque julgaria procedente matéria de excepção suscitada pela Requerida, mas quanto à incompetência em razão da matéria e à ilegitimidade conforme demonstrado nas Decisões Arbitrais processos n.ºs 1064/2023-T e 62/2024-T).
Sílvia Oliveira
(Árbitro Adjunto e Relatora)
Pedro Miguel Bastos Rosado
(Árbitro Adjunto)
[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.
[2] Neste âmbito, tendo em consideração que a Requerida veio suscitar, na Resposta apresentada, a excepção da incompetência do Tribunal em razão da matéria, desde já se adianta que se irá considerar a mesma como improcedente na análise que irá ser realizada no Capítulo 3. desta decisão arbitral.
[3] Nesta matéria, tendo em consideração que a Requerida veio suscitar, na Resposta apresentada, a excepção da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, desde já se adianta que se irá considerar a mesma como improcedente na análise que irá ser realizada no Capítulo 3. desta decisão arbitral.
[4] Nesta matéria, tendo em consideração que a Requerida veio suscitar, na Resposta apresentada, a excepção da caducidade do direito de acção, desde já se adianta que se irá considerar a mesma como improcedente na análise que irá ser realizada no Capítulo 3. desta decisão arbitral.
[5] Para reforço da sua posição, cita a Requerida o teor da decisão proferida pelo CAAD, em 29-05-2023, no âmbito do Processo n.º 31/2023-T, em que foi Árbitro Presidente o Senhor Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa e enumera diversas outras decisões favoráveis á sua posição.
[6] Neste âmbito, vide Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095.
[7] Nesta matéria, vide Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 287.
[8] Cfr., entre outros, o Acórdão n.º 365/2008, de 02-07-2008 (Relator Conselheiro João Cura Mariano).
[9] Neste âmbito, enumera a Requerida diversas decisões arbitrais, reproduzindo excerto da decisão proferida no âmbito do Processo n.º 467/2923-T.
[10] Neste âmbito, vide, entre outros, o Acórdão nº 181/2007, de 8 de Março de 2007 (Processo n.º 343/2005).
[11] Enumera, uma vez mais, a Requerida diversas decisões arbitrais em abono da sua posição.
[12] De qualquer modo, é manifesto que não há qualquer fundamento legal nem lógico para os direitos económicos e processuais do repercutido, que pagou o tributo indevido, serem prejudicados pelo facto de poder também ser efectuado indevido reembolso do tributo às entidades que o repercutiram.
[13] Como, no essencial, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 06-09-2023, processo n.º 067/09.6BELR, identificando «o princípio segundo o qual tem direito ao reembolso o substituto em caso de entrega em excesso e o substituído em caso de pagamento ou retenção em excesso».
[14] Como já era entendimento doutrinal anterior, como pode ver-se em CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, página 255, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2011, página 333, e ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal – Lições, 2016, página 73.
[15] De qualquer modo, uma intervenção provocada nem seria admissível no contencioso arbitral tributário, pois a intervenção nos processos arbitrais, como é próprio deste tipo de processos, assenta em manifestações de vontade das partes, seja através da apresentação voluntária de um pedido de constituição do tribunal arbitral ou um requerimento de intervenção espontânea (no caso dos sujeitos passivos), quer através de vinculação genérica (no caso da AT).
[16] Neste sentido, vide acórdão de 12-12-2001, processo n.º 026.233, cuja jurisprudência é reafirmada nos acórdãos de 06-02-2002, processo n.º 026.690; de 13-03-2002, processo n.º 026765; de 17-04-2002, processo n.º 023719; de 08-05-2002, processo n.º 0115/02; e 22-05-2002, processo n.º 0457/02; de 05-06-2002, processo n.º 0392/02; de 11-05-2005, processo n.º 0319/05; de 29-06-2005, processo n.º 9321/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; e 26-04-2007, processo n.º 039/07; de 21-01-2009, processo n.º 771/08; de 22-03-2011, processo n.º 01009/10; de 14-03-2012, processo n.º 01007/11; de 05-11-2014, processo n.º 01474/12; de 09-11-2022, processo n.º 087/22.5BEAVR; de 12-04-2023, processo n.º 03428/15.8BEBRG).
[17] Em termos gerais, a exigência de identificação das liquidações, numa situação em que o repercutido não tem possibilidade de as identificar, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efectiva garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnarem contenciosamente actos que lhe aplicam tributação e lesam as suas esferas jurídicas. Contudo, em concretização do princípio do dispositivo, é compreensível que a lei faça recair o ónus da prova sobre quem exerce o impulso processual e, nessa medida, o incumprimento deste ónus é processualmente valorado contra a Requerente por ser esta que tem de demonstrar os factos constitutivos dos seus direitos (artigo 74.º, n.º 1 da LGT). E trazer ao processo elementos que possibilitem efectuar a prova do “link” entre as liquidações de ISP/CSR aos sujeitos passivos de imposto e os subsequentes actos de repercussão (nos repercutidos) incumbe a estes no âmbito do direito que se arrogam.