Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 773/2023-T
Data da decisão: 2024-07-08  IRC  
Valor do pedido: € 3.472.969,84
Tema: IRC – RFAI – Dedução à Coleta
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SUMÁRIO:

 

  1. O dever de proceder à junção de certidões de não dívida junto da Segurança Social e da AT para instruir o processo de documentação fiscal, quando seja exercido o direito à dedução à coleta de IRC do RFAI, visa tutelar o legítimo interesse do Estado em não consentir o acesso a benefícios fiscais a sujeitos passivos inadimplentes em relação às suas obrigações fiscais e às contribuições devidas à segurança social.
  2. O facto de essas declarações terem um prazo de validade significa que a situação de não dívida, devidamente certificada, mantém a sua legitimidade durante esse período.
  3. Estas certidões têm, todavia, efeito meramente declarativo e não são constitutivas dos factos que atestam, estes sim, condição de acesso ao RFAI (e não as certidões): que o sujeito passivo tem a sua situação fiscal e contributiva regularizada (ou que as eventuais dívidas existentes estejam asseguradas).
  4. Não tendo a AT explicado quais os bens concretos das contas #424 e #426 que foram excluídos / não aceites como elegíveis, para efeitos do RFAI 2009, e as razões que conduziram a essa não aceitação, impõe-se concluir que ocorre uma violação do dever de fundamentação da decisão do procedimento tributário previsto no artigo 77.º da LGT e no n.º 3 do artigo 268.º da CRP, tendo como consequência a anulabilidade do ato, por vício de forma.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (Presidente), Dr. Francisco Melo e Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem o seguinte:

 

            I. RELATÓRIO

 

  1. A..., S.A., com número único de pessoa coletiva e de registo..., com sede em..., ..., ...-... ... e com o capital social de € 104.391.080,00 (doravante «Requerente»), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de autoliquidação de IRC n.º 2011 ... relativo ao exercício de 2009 e, bem assim, do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, e substituição por liquidação que reconheça uma dedução à coleta no âmbito do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) no montante de € 3.472.969,84.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito em 27 de outubro de 2023 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo Dra. Alexandra Coelho Martins (Presidente), Dr. Francisco Melo e Dra. Maria Alexandra Mesquita (árbitros vogais), que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 20 de dezembro de 2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

  1. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 11 de janeiro de 2024, sendo que naquela mesma data foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.

 

  1. Em 14 de fevereiro de 2024, a Requerida apresentou resposta e juntou aos autos o processo administrativo, defendendo-se por exceção e por impugnação e requerendo a sua absolvição de todos os pedidos. Suscitou ainda um incidente relativo ao valor da causa.

 

  1. Por despacho de 15 de fevereiro de 2024, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente para se pronunciar no prazo de 10 dias sobre o valor da causa e, bem assim, sobre a matéria de exceção suscitada pela AT.

 

  1. Em 29 de fevereiro de 2024, a Requerente veio pronunciar-se sobre o valor da causa e, bem assim, responder à matéria de exceção suscitada pela AT na resposta apresentada.

 

  1. Em 6 de março de 2024, por despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, foi informado o Tribunal da substituição da Árbitra adjunta, Exma. Senhora Dra. Maria Alexandra Mesquita pela Exma. Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma.

 

  1. Por despacho de 26 de março de 2024, o Tribunal Arbitral designou o dia 17 de abril de 2024, às 14:30, nas instalações do CAAD em Lisboa, para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como para a inquirição das testemunhas. Mais informou as Partes de que relegava para a decisão final o conhecimento do incidente do valor da causa e da exceção de incompetência do Tribunal Arbitral arguidos pela Requerida.

 

  1. No dia 17 de abril de 2024, teve lugar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, B..., contabilista certificada, e C..., diretora financeira. A representante da Requerente declarou prescindir do depoimento da testemunha D... . Por seu turno, a Requerida declarou prescindir da inquirição das testemunhas por si arroladas, E... e F... . O Tribunal Arbitral notificou as Partes para de modo simultâneo apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias. Mais informou as Partes de que a decisão final seria proferida até ao fim do prazo fixado no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, advertindo a Requerente para, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

  1. Tanto a Requerente como a Requerida apresentaram alegações escritas, respetivamente, em 30 de abril e 2 de maio de 2024, onde reafirmaram as posições já anteriormente expressas.

 

A posição e os fundamentos da Requerente

 

  1. A Requerente para fundamentar o pedido alega, em síntese, o seguinte:

 

Dos factos

  1. A Requerente é uma sociedade que tem como atividade principal a exploração mineira, tendo como Classificação de Atividade Empresarial (CAE) o código 07290 – Extração e preparação de outros minérios metálicos não ferrosos.
  2. Constatando que reunia todos os requisitos para o efeito e que não tinha aproveitado os benefícios fiscais conferidos pelo RFAI relativamente ao exercício de 2009, a Requerente submeteu, em 20 de dezembro de 2013, um pedido de revisão oficiosa, com vista à anulação da autoliquidação de IRC relativa àquele ano – cfr. cópia do pedido de revisão oficiosa, junto como doc. n.º 3 .
  3. Nesse pedido, a Requerente demonstrou – um por um – o cumprimento dos requisitos previstos no RFAI (conforme criado pelo artigo 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março) – cfr. artigos 22.º a 46.º do pedido de revisão oficiosa apresentado , junto como doc. n.º 3.
  4. Com efeito a Requerente procedeu, logo nessa fase, e entre outros elementos não relevantes no contexto da presente arbitragem, à junção de:

• Certidões de não dívida ao Estado e à Segurança Social, ambas emitidas em fevereiro de 2010 e válidas por seis meses (incluindo, como não pode deixar de ser, para o mês de abril de 2010) – cfr. artigo 28.º do pedido de revisão oficiosa apresentado e junto como doc. n.º 3 e certidões para as quais aquele remete, também já juntas como doc. n.º 4;

• Listagem completa e discriminada dos investimentos elegíveis para efeitos do RFAI, os quais totalizaram € 29.729.698,40 – cfr. artigo 42.º do pedido de revisão oficiosa apresentado e já junto como doc. n.º 3 e listagem de investimentos para a qual aquele remete, junta como doc. n.º 5;

• Evidência de não haver ainda beneficiado de qualquer dedução à coleta no âmbito do RFAI para 2009 – cfr. artigo 44.º do pedido de revisão oficiosa apresentado e já junto como doc. n.º 3 e declaração Modelo 22 de substituição para 2009, submetida em 27 de outubro de 2011 para a qual aquele remete e junta como doc. n.º 6.

• Nestes termos, a Requerente solicitou a correção da autoliquidação de IRC de 2009, por forma a refletir a dedução à coleta a que tem direito ao abrigo do RFAI, no montante apurado de € 3.472.969,84 – cfr. doc. n.º 3.

  1. Não obstante ter demonstrado exaustivamente todos os requisitos de que depende a aplicação do benefício fiscal em causa, ora com a apresentação do pedido de revisão oficiosa inicialmente submetido, ora com a junção de todos os elementos adicionais especificamente solicitados pela AT – a maioria deles considerados cumpridos pela AT –, a Requerente foi surpreendida com um projeto de decisão que manifestava a intenção de lhe negar a dedução à coleta pretendida por três ordens de razões, plasmadas nos pontos 45.1, 45.2 e 45.3 do projeto de decisão junto como doc. n.º 10, a saber:

a. A Requerente não teria demonstrado a sua situação de não dívida perante a Fazenda Nacional e a Segurança Social (condição exigida na alínea d), do n.º 3, do artigo 2.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março), na medida em que, as certidões comprovativas dessa mesma situação alegadamente não se referem ao mês anterior ao da entrega da declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC relativa ao ano de 2009 aqui em causa, em teórica violação do que dispõe a parte final do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março;

b. A Requerente teria considerado elegíveis bens que objetivamente não o podem ser à luz do n.º 2, do artigo 2.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março «como é o caso de bens reconhecidos nas contas #424 e #426», competindo-lhe comprovar que esses bens estão efetivamente afetos à exploração – cfr. ponto 45.2 do projeto (cit.); e

c. A Requerente apenas teria comprovado despesas no montante de € 19.045.074,18 do montante de € 29.729.698,40 do investimento por si considerado para efeitos de RFAI, por meio das faturas por si remetidas à AT.

  1. Ao que a Requerente oportunamente respondeu por meio do exercício do seu direito de audição prévia onde, além de explicitar discordância das objeções suscitadas pela AT, apresentou ainda um acervo adicional de faturas que perfaz, em conjunto com a oportunamente remetida, cerca de 81,72% da totalidade do investimento – cfr. cópia da audição prévia exercida, que se junta como doc. n.º 11 em anexo.
  2. Apesar de não pôr em causa qualquer dos documentos ou justificações apresentadas pela ora Requerente, a AT consolidou a intenção manifestada no projeto de decisão, indeferindo o pedido sem mais…
  3. Em suma, a AT entendeu que a Requerente não podia fazer a dedução à coleta a que tem direito por aplicação do RFAI ao exercício de 2009, por alegadamente não ter dado cumprimento ao requisito formal a que se referem a alínea d), do n.º 3, do artigo 2.º do ofício e a parte final do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março.
  4. No mais a Requerente provou que:

i. Os investimentos considerados elegíveis para esse efeito foram totalmente demonstrados através de documentação, explicações e clarificações (só não tendo contraditado o que não podia por falta de concretização da AT, como referiu expressamente e não foi contraditado); e

ii. O investimento considerado elegível encontra-se (e encontrava-se) devidamente suportado – atendendo às exigências previstas na lei e às formuladas pela própria AT no âmbito do procedimento.

Da violação do disposto na alínea d), do n.º 3 do artigo 2.º e na parte final do n.º 3 do artigo 4.º do RFAI

  1. Dispõe o artigo 2.º, n.º 3, alínea d) do RFAI que:

«3 - Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente regime os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições: (…) d) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento dos seus débitos devidamente assegurado;»

 

  1. Por seu turno, dispõe o artigo 4.º, n.º 2 do RFAI que (cit., sublinhado nosso): «Do processo de documentação fiscal relativo ao exercício da dedução deve ainda constar documento que evidencie o cálculo do benefício fiscal, bem como documento comprovativo de que se encontra preenchida a condição referida na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º, com referência ao mês anterior ao da entrega da declaração periódica de rendimentos».
  2. Para cumprimento desta condição, como se evidenciou no capítulo dedicado aos Factos, a Requerente instruiu oportunamente o pedido de revisão oficiosa com duas declarações de não dívida, emitidas pelo Instituto de Segurança Social, I.P. e pelo Serviço de Finanças de..., em 1 e 3 de fevereiro de 2010, respetivamente e ambas válidas pelo período de seis meses. – cfr. doc. n.º 4.
  3. Com efeito, da leitura da declaração emitida pelo Instituto de Segurança Social, I.P. resulta, sem margem para dúvidas que a Requerente «tem a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social» e que a declaração emitida «é válida pelo prazo de seis meses, a partir da data de emissão» – cfr. doc. n.º 4 (cit., sublinhado nosso) .
  4. Por seu turno, da certidão emitida pelo Serviço de Finanças de ... resulta igualmente que a Requerente «tem a sua situação tributária regularizada» e que a certidão em causa «pode ser utilizada para todos os efeitos legais e é válida por seis meses». – cfr. doc. n.º 4 (cit., sublinhado nosso).
  5. Com base na redação do n.º 2 do artigo 4.º do RFAI, entendeu a AT que as certidões juntas pela Requerente não são suscetíveis de evidenciar a condição a que se refere a alínea d), do n.º 3, do artigo 2.º do mesmo diploma, visto terem disso emitidas em fevereiro de 2010, e não em abril de 2010 – mês anterior ao da entrega da declaração Modelo 22 referente a 2009.
  6. Todavia, e como resulta de uma simples leitura da Lei, já citada na parte relevante, esta não exige que as certidões sejam emitidas no mês anterior ao da entrega da declaração periódica de rendimentos do ano a que respeita o benefício fiscal em causa…
  7. O que a Lei exige é que a condição de não devedor de quaisquer quantias à Fazenda Nacional e à Segurança Social seja demonstrada por documento comprovativo daquela condição com referência ao mês anterior ao da entrega da declaração periódica de rendimentos do ano a que respeita o benefício fiscal em causa.
  8. Ora, documentos que atestam a qualidade de não devedor, válidos para todos os efeitos legais por seis meses, emitidos em 1 e 3 de fevereiro 2010, atestam a condição de não devedor da Requerente até 1 de agosto de 2010, no que respeita à Segurança Social, e até 3 de agosto de 2010, no que respeita à Fazenda Nacional.
  9. E, se assim é, não podem deixar de atestar essa qualidade com referência a abril de 2010, mês anterior ao da declaração periódica de rendimentos referente a 2009, tal como exigido pelo disposto no artigo 4.º, n.º 2 do RFAI.
  10. Acresce que a Requerente não era – de facto – devedora de quaisquer quantias a título de impostos, contribuições ou quotizações como bem sabe também a AT, pois que tal consta dos seus registos; nem a mesma AT veio ilidir a verdade, o valor probatório e a fé pública plasmada e evidenciada naquelas certidões.
  11. Neste contexto, e na falta de demonstração – ou alegação – da respetiva falsidade, o conteúdo das certidões juntas pela Requerente como prova de que não era devedora ao Estado e à Segurança Social de quaisquer quantias a título de impostos, contribuições ou quotizações, fazem prova plena dessa condição, durante o tempo de validade das mesmas – i.e., entre fevereiro e agosto de 2010.
  12. Não podendo a AT vir arguir, sem mais, que por não terem sido emitidas no mês anterior ao da apresentação da declaração Modelo 22 para o exercício de 2009, deixam de atestar, com a validade que lhe foi aposta pelos próprios serviços «para todos os efeitos legais», os factos que delas constam.
  13. Ainda que possa afirmar-se que a força probatória plena das certidões em causa se restringe aos factos atestados no momento em que as certidões foram exaradas, i.e., 2 e 3 de fevereiro de 2010, respetivamente – o que apenas por dever de patrocínio se cogita, sem conceder –, sempre terá que admitir-se que, tendo a validade de seis meses «para todos os efeitos legais» como resulta expressamente da certidão emitida pelo Serviço de Finanças de ..., os factos nela atestados sempre gozarão da denominada ‘força probatória de mera aparência’.
  14. Ou seja, tal como as certidões de dívida emitidas pela Segurança Social e pela AT fazem fé em juízo enquanto não se demonstre o contrário – como resulta de numerosa jurisprudência e doutrina –, também o mesmo raciocínio terá que aplicar-se às certidões de não dívida.
  15. Assim, tendo as autoridades competentes assumido o risco das suas declarações se tornarem obsoletas durante o prazo de seis meses pelo qual atestam a sua validade, caber-lhe-á igualmente infirmar o teor dessas mesmas declarações.
  16. Ora… Como resulta dos Factos, tal não sucedeu.
  17. Na verdade, a AT limitou-se a exigir certidões com data de emissão em abril de 2010 ‘porque sim’, à revelia da Lei aplicável, que não o exige, das normas sobre o valor probatórios dos documentos – que atestam a força probatória plena das certidões – e, consequentemente, em frontal violação das regras sobre a repartição do ónus da prova.
  18. Desta forma, não pode ter-se senão por arbitrária a exigência da AT relativamente às certidões juntas, para a qual apenas se vislumbra um propósito maximalista da receita fiscal, sem qualquer sustentação legal, jurisprudencial ou doutrinária (de forma absurda, posto que já havia visto ser rejeitada anteriormente pelos Tribunais Tributários a sua opção de indeferimento por outra justificação formal sem fundamento).

 

Do vício de forma por falta de fundamentação quanto aos bens alegadamente não elegíveis (não demonstração de que se encontram afetos à exploração)

 

  1. No ponto 45.2 do projeto de decisão, replicado na decisão final de indeferimento já junta como doc. n.º 1 com o mesmo número, a AT alega que a Requerente terá considerado elegíveis para efeitos de RFAI bens que não o podiam ser, alegando que lhe caberia comprovar que esses bens estão, de facto, afetos à exploração.
  2. Afirma-se ainda naquele ponto que será este o caso «de bens reconhecidos nas contas #424 e 426», mas sem qualquer especificação ou concretização.
  3. Acontece que, sem indicação precisa sobre os bens relativamente aos quais a AT apresenta reservas, sempre seria materialmente impossível à ora Requerente infirmá-las, na medida em que a decisão – como já o projeto de indeferimento – carece, nesta parte, da fundamentação suficiente, precisa e clara que lho permita fazê-lo de forma esclarecida.
  4. Ora, como é sabido, de acordo com o artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (adiante «CRP»): «[o]s atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados […] e carecem de fundamentação expressa e acessível, quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos» (cit.).
  5. E mais, segundo o artigo 77.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (adiante «LGT»), a decisão de procedimento (tributário) é sempre fundamentada; determinando o n.º 2 do mesmo artigo que a fundamentação deve conter, pelo menos, «as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo» (cit.), o que, como vimos, não ocorre in casu.
  6. Sem essa fundamentação os atos tributários não produzem efeitos e devem considerar-se ineficazes em relação aos contribuintes prejudicados.
  7. Assim, e atento o exposto, terá que concluir-se pela anulação da autoliquidação relativa a 2009 na parte em que reflete esta objeção da AT, na medida em que esta se limita a apontar genericamente a bens, sem indicar quais não seriam elegíveis para efeitos do benefício conferido pelo RFAI, o que constitui manifesto vício de falta da fundamentação legalmente exigida no artigo 268.º da CRP e 77.º da LGT.
  8. Ainda assim, a Requerente fez, em sede de audição prévia, um esforço para dar resposta ao que poderá estar subjacente às alegações da AT neste ponto, o qual reproduzirá na presente sede.
  9. Antes de mais, importa esclarecer que todos os bens constantes das contas #424 e #426 se encontram afetos à exploração, ao contrário que insinua – sem concretizar – a AT.
  10. Os ativos registados em 2009 nas contas SNC #424 Equipamento de transporte, podem resumir-se da seguinte forma:

 

 

  1. Como se constata, os bens elencados na conta #424 são, na sua maioria (cerca de 80% do valor total), viaturas com tração integral (Toyota Hilux 4x4 e Nissan Cabstar), que são utilizadas nas deslocações dos empregados à mina, nomeadamente para as frentes de trabalho, para as diversas atividades do processo produtivo.
  2. Os restantes 20% – nomeadamente os veículos ligeiros – correspondem a veículos afetos a deslocações dentro do perímetro mineiro, nomeadamente nas áreas das barragens de rejeitados e processo de lavaria.
  3. A G... tem cerca de 200 km de túneis, pelo que as referidas viaturas são essenciais para as operações mineiras, e é um recurso completamente indispensável à exploração, uma vez que é um dos principais meios de transporte dos empregados (Mineiros, operadores, técnicos, etc.).
  4. Sendo, a esta luz, inegável que as viaturas em causa se encontram afetas à exploração, devendo o montante em causa ser considerado para efeitos do investimento e do benefício fiscal previsto no RFAI, conforme peticionado pela Requerente.
  5. Já quanto aos ativos registados na conta #426 – Outras propriedades de investimento, trata-se de equipamentos administrativos, os quais podem subdividir-se nas seguintes rúbricas:

a) Climatizadores: A aquisição dos aparelhos de ar condicionado foi realizada sobretudo para climatização das salas de controlo e de equipamento sensível à temperatura na Lavaria do Cobre. Esta instalação faz parte da área industrial e onde se faz o processamento do minério, por forma a ser obtido o concentrado de cobre (produto final);

b) Software: Utilizado pela Divisão de Geologia e Planeamento mineiro, onde se definem os blocos de desmonte com base em toda a informação das sondagens, e fornecem à produção os planos de desmonte;

c) Hardware: Consolas utilizadas nas salas de controlo, para controlo das operações mineiras, que permitem visualização dos equipamentos e infraestrururas, bem como do minério, nas várias fases da sua produção;

d) PDA’s: Os predecessores dos modernos tablets, consistem em equipamentos eletrónicos, que foram adquiridos ao tempo para utilização dos supervisores com vista aos registos dos dados operacionais da exploração mineira; e

e) Banco máquina: Cabine de stacker (equipamento mineiro).

  1. Todas estas infraestruturas, processos e equipamentos – ou os seus sucessores, na medida em que estes foram adquiridos em 2009 e podem ter já sido substituídos por modelos mais modernos – são facilmente observáveis nas instalações da mina, o que poderá ser atestado pelas testemunhas arroladas, ou até por visita ao local, para o que a Requerente se encontra inteiramente disponível.
  2. Assim, em face da natureza e função dos equipamentos adquiridos, não restam dúvidas de que os mesmos, não só se encontram afetos à exploração, como são indispensáveis à produção.
  3. Em face de tudo o exposto e como é bom de ver, inexistem nos cálculos efetuados pela Requerente, quaisquer bens que não possam ser considerados como elegíveis para efeitos de RFAI, designadamente por não se encontrarem afetos à exploração nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 2 do RFAI.
  4. (…) a consequência da inelegibilidade de alguns investimentos não poderia deixar de ser o aproveitamento, por parte da Requerente, do benefício fiscal derivado do RFAI relativamente ao ano de 2009, expurgando-se apenas, do montante do investimento elegível para efeitos do cálculo da dedução à coleta, os gastos incorridos com os bens não considerados como cumprindo as condições legalmente estabelecidas para o efeito.
  5. Todavia, sempre se diga que, à semelhança do que se aventou no capítulo anterior, também quanto a esta alegação a AT incumpriu com o ónus da prova que lhe cabe.
  6. Afinal de contas, se falha em elencar os investimentos que, concretamente, considera inelegíveis, por maioria de razão, falha igualmente em fundamentar os motivos pelos quais os considera inelegíveis…

 

Da violação dos princípios da boa-fé e da confiança quanto à não alegada comprovação das despesas subjacentes ao investimento por meio de faturas comprovativas do mesmo

 

  1. O ponto 45.3 da decisão de indeferimento, reproduz o ponto com o mesmo número do projeto de decisão, onde se reitera a intenção de indeferir o pedido de revisão oficiosa por não ter a Requerente supostamente comprovado parte das despesas que compõem o investimento alegado.
  2. Em concreto, afirma-se nesse parágrafo ter a AT tido acesso a faturas comprovativas de apenas € 19.045.074,18 do montante de € 29.729.698,40 do investimento considerado pela Requerente para efeitos de RFAI no ano de 2009.
  3. O que não era verdade, como se referiu. Acresce que a Requerente foi enviando as faturas à medida que a AT ia pedindo…
  4. Recorde-se, aliás, que neste momento e tal como resulta dos Factos supra, a Requerente apresentou já faturas comprovativas de € 28.228.766,84, equivalentes a 95% do montante total do investimento – cfr. doc. n.º 11, e documentação constante do link junto por correio eletrónico.
  5. A que acresce que a Requerente disponibilizou ainda à AT todo o programa SAFT e a AT bem conhece – e teve acesso – à lista com todos os fornecedores (com nomes, números de contribuinte, moradas, descrição de fornecimentos e valores, com discriminação do IVA), já junto como doc.º 9 .
  6. Assim, ao longo do procedimento, a Requerente não fez senão agir de acordo com os próprios pedidos da AT.
  7. Lembrando, desde já que, em 2023, a Requerente já não se encontraria vinculada ao dever de manter aquela documentação.

Não obstante e ainda que assim não se entendesse,

  1. Resultando o envio de faturas comprovativas de apenas 64% do total do investimento realizado do pedido expressamente feito pela própria AT no ofício junto como doc. n.º 8 em anexo;
  2. Surge de mediana evidência que não pode a AT recusar a dedução à coleta prevista no RFAI, com referência a 2009, com fundamento na insuficiência da percentagem de investimento demonstrado pelas faturas que a própria pediu.
  3. Ora, tal ofício solicitou para efeitos da verificação dos requisitos de que depende a aplicação do RFAI, bem como da respetiva medida de aplicação o envio de «Cópia das faturas com o maior valor individual, por forma a representarem aproximadamente 70% do investimento elegível para RFAI» – cfr. doc. n.º 8.
  4. De onde, tendo a Requerente cumprido com a solicitação que lhe foi feita, necessariamente se depreende igualmente cumprido o dever de comprovação que lhe está subjacente.
  5. Ou seja, este fundamento para a negação à Requerente da dedução à coleta resultante do RFAI não pode ser admitido, pois o próprio Fisco, depois de ter analisado a situação, considerou bastante o envio de faturas representativas de cerca de 70% do investimento realizado para esses efeitos.
  6. Tal como é bom de ver, mesmo que se pudesse considerar (o que apenas se aventa como hipótese académica, posto que a lei o não exige e a AT tem forma de verificar todas as faturas da Requerente) que apenas uma percentagem do investimento – nunca inferior a 95% – foi comprovada, sempre se teria de permitir à Requerente o aproveitamento do benefício fiscal nessa exata medida, expurgando-se apenas o montante do investimento que se considerasse – de forma manifestamente errada – como não tendo sido devidamente comprovado.

 

A posição e os fundamentos da Requerida

 

  1. Na resposta apresentada nestes autos, alega a Requerida, em síntese e no essencial, o seguinte:

 

Do Incidente – Valor da causa

 

  1. A final atribui a requerente à ação o valor de € 3.472.969,84 (três milhões quatrocentos e setenta e dois mil, novecentos e sessenta e nove euros e oitenta e quarto cêntimo) não explicando como chegou a tal valor.
  2. De acordo com alínea a) do n.º 1 do art.º 97.º-A do CPPT, o valor da causa, no caso de impugnação do ato de liquidação corresponde ao “ da importância cuja anulação se pretende”.
  3. No caso em apreço, a requerente pretende ver ser anulada a autoliquidação referente ao ano de 2009, a qual segundo Doc.2 por si junto consubstancia a liquidação nº º 2011... que resulta no montante de imposto a pagar de €343.486,14.
  4. Ora sendo o p.p.a. interposto mediatamente contra a liquidação de IRC de 2009, de facto só se admite a competência do presente Tribunal arbitral caso esteja em causa a apreciação desse ato, então atendendo à liquidação junta pela requerente referente àquele ano, cfr. doc. 2 junto pela requerente, há-de o valor a atribuir à presente ação corresponder ao valor da mencionada liquidação.
  5. Assim, o valor económico do presente PPA corresponde àquele montante.

 

Da incompetência do Tribunal Arbitral, em razão da matéria, para validar os valores de RFAI apurados pela requerente:

 

  1. Pretende a requerente ver substituída liquidação de IRC referente ao ano de 2009, de modo a que esta reflita o montante de € 3.472.969,84, por si calculado e que esta considera como sendo o montante concreto que tem direito a deduzir à coleta daquele IRC de 2009.
  2. Ora, ainda que tal pretensão pudesse eventualmente decorrer de uma hipotética execução de julgados que viesse a ser efetuada em caso de a decisão arbitral proferida ser de procedência do presente PPA, o que no caso não acontece, o que é certo é que tal pedido extravasa a competência do presente Tribunal.
  3. Na verdade, o âmbito de competência dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), não contempla a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao peticionado pela Requerente.
  4. Assim, não pode ser proferida decisão pelo Tribunal arbitral que, na prática, reconheça o direito da requerente a obter uma decisão que lhe atribua um determinado direito ou que implique a condenação da AT a validar um determinado entendimento ou cálculo efetuado pela requerente quanto aos montantes do RFAI que tem direito a deduzir.
  5. Deste modo, verifica-se a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Quanto ao facto de as declarações apresentadas não cumprirem o disposto na parte final do nº 2 do artigo 4º do diploma

 

  1. As duas certidões juntas pela Requerente (Doc. 4 junto ao PPA) foram ambas emitidas em fevereiro de 2010, pelo que apenas certificaram que a Requerente tinha a sua situação tributária e contributiva regularizada na data da sua emissão, e que a utilização das mesmas era válida pelo prazo de seis meses a partir daquela data.
  2. Contrariamente ao defendido pela Requerente, tais documentos não atestam a sua condição de não ser devedora ao Estado e à Segurança Social pelo prazo de seis meses após a data de emissão dos mesmos, ou seja, até ao mês de agosto de 2010, pois a sua emissão baseou-se, como bem sabe a Requerente, nos elementos existentes nos Serviços à data da sua emissão.
  3. Assim, não tendo a Requerente junto aos autos os documentos comprovativos de não ser devedora ao Estado e à Segurança Social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações com referência ao mês de abril de 2010, não se verifica o requisito formal exigido na alínea d) do nº 3 do artigo 2º, bem como no nº 2 do artigo 4º, ambos do RFAI, para que possa beneficiar do incentivo fiscal nele previsto.

 

Investimento elegível

 

  • Efetivamente, a Requerente desenvolve a atividade de extração mineira sob o CAE 007290, setor relevante para efeitos de auxílios regionais, como é o RFAI.
  • Uma análise cuidada ao Doc. nº 7 que integra o processo administrativo, constituído por uma listagem em que é identificado a conta da contabilidade em que os bens (investimentos) estão contabilizados, a descrição do investimento e o valor, coincidente com o teor do Doc. 5 junto ao pedido de pronúncia arbitral, às faturas que integram o processo administrativo e ao Doc. 11 junto ao pedido arbitral (constituído por mais faturas), permitiu concluir que existem bens que não podem ser aceites como investimento relevante para efeitos de RFAI.
  • De facto, as aquisições de ativos relativas a viaturas, artigos de mobiliário e conforto e equipamentos sociais não podem integrar o conjunto de investimentos relevantes, ainda que tais bens se encontrem afetos ao segmento de negócio de extração de minérios, sector de atividade considerado elegível para a aplicação do regime.
  • A definição de investimento relevante do nº 2 do artigo 2º do RFAI para além de condicionar a sua relação com a atividade exercida pela empresa, indicando que os investimentos têm de estar afetos à exploração da empresa, exceciona de serem considerados relevantes:

• viaturas ligeiras de passageiros ou mistas

• mobiliário e artigos de conforto ou decoração

• equipamentos sociais

• outros bens de investimento que não estejam direta e imprescindivelmente associados à atividade produtiva.

  1. Temos pois que não podem ser aceites como investimentos relevantes para efeitos do benefício fiscal consagrado no RFAI, os seguintes:

Equipamentos classificados na conta #422 - Edifícios e outras construções

Ampliação de balneários e refeitório Setúbal: 97.561,20 € Total: 97.561,20 €

Trata-se de obras em equipamentos sociais pelo que se encontram excluídos nos termos do ponto v) da alínea a) do nº 2 do artigo 2º do RFAI.

  1. Equipamentos classificados na conta #424 - Equipamento de transporte Viaturas classificadas como veículo ligeiro comercial: 11.297,30 € + 22.550,00 € + 22.550,00 € + 17.895,00 € + 17.895,00 € + 17.895,00 € + 17.895,00 € + 17.895,00 € + 17.918,07 € + 17.922,10 € + 17.934,35 € + 18.812,93 € + 18.812,93 € + 18.812,93 € + 18.812,93 € + 18.812,93 € + 18.812,93 € = 312.524,40 € - Total de 312.524,40 €
  2. No seguimento da identificação das faturas e das matrículas foi consultada a base de dados que equipa a AT, mais precisamente a aplicação Outras atividades/contabilidade e cobrança/património/cadastro de veículos nacionais, verificando-se que estão em causa viaturas classificadas como viaturas ligeiras ou comerciais, pelo que as mesmas se encontram nominalmente excluídas por aplicação do ponto iii), alínea a), nº 2 do artigo 2º do RFAI, dado se enquadrarem na classificação de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas.
  3. Equipamentos classificados na conta #425 - Outros ativos fixos tangíveis Corta Relva: 505,00 € Total: 505,00 €

Trata-se de um bem que não está direta e imprescindivelmente associado à atividade produtiva, como tal excluído nos termos do ponto iv) da alínea a) do nº 2 do artigo 2º do RFAI.

  1. Equipamentos classificados na conta #426 – Equipamento administrativo:

Ar Condicionado chão vertical: 4.095,50 € + 1.599,00 € + 1.876,88 € + 2.245,03 € + 2.619,21 € + 1.599,24 € + 1.598,41 € + 2.618,94 € + 1.712,34 € + 2.204,22 € + 2.204,22 € + 2.204,22 € + 1.677,00 € + 2.618,94 € + 2.622,18 € + 1.599,00 € = 35.094,33 € Ar Condicionado teto horizontal: 1.364,41 €

Impressora: 965,78 €

Monitor portátil: 326,00 €

Software Windows: 748,05 € + 2.430,76 € = 3.178,81 €

SAP Archiving (software arquivo de documentos): 102.353,14 €

Total: 143.282,47 €

  1. No que se refere à aquisição de aparelhos de ar condicionado, vem a Requerente explicar que os mesmos se destinaram sobretudo à climatização das salas de controlo e de equipamento sensível à temperatura na Lavaria do Cobre, instalações que fazem parte da área industrial.
  2. Sucede que, da análise à listagem junta como Doc. nº 5, constata-se a existência de diversos aparelhos de ar condicionado em que é, de facto, feita a menção à área industrial a que se destinam, contudo em relação aos montantes supra identificados a descrição dos bens refere apenas “A/C chão vertical” e o modelo, nada constando sobre a sala a que se encontra afeto.
  3. Por outro lado, visualizadas as respetivas faturas também não consta nestas, qualquer indicação das salas em que se encontram afetos.
  4. Quanto aos restantes bens enquadrados pela própria Requerente na rúbrica #426 – Equipamento administrativo, tratam-se de aquisições de outros bens e serviços que não estão direta e imprescindivelmente associados à atividade produtiva, como tal excluído nos termos do ponto iv) da alínea a) do nº 2 do artigo 2º do RFAI.
  5. Vem a Requerente solicitar que lhe seja considerado elegível investimento no montante de 29.729.698,14 €, contudo, em resultado da análise efetuada à lista dos bens identificados como afetos ao investimento realizado no exercício de 2009 concluiu-se que o montante de 553.873,07 € não se enquadra nas condições especificadas no nº 2 do artigo 2º do RFAI, supra reproduzidas.
  6. Assim contesta-se o montante quantificado pela requerente, uma vez que o investimento relevante para efeitos de RFAI ascende a 29.175.825,07 € e não a 29.729.698,14 €, como pretendido pela Requerente.
  7. O benefício opera por dedução à coleta de IRC, até 25 % da mesma, e corresponde a 20% do montante do investimento relevante, em cada ano, até 5.000.000,00 € e a 10% do montante excedente, de acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 3º do RFAI.
  8. Assim, ainda que se viesse, sem conceder, a dar provimento à pretensão da requerente, o montante por si quantificado de benefício fiscal a deduzir está incorreto, apenas podendo ser deduzido o valor de 3.417.582,51 € (5.000.000,00 € * 20% + 24.175.825,07 * 10%).

 

A posição da Requerente sobre o valor da causa e, bem assim, quanto à matéria de exceção suscitada pela Requerida na resposta apresentada

 

  1. A Requerente, notificada para o efeito por despacho do Tribunal Arbitral, de 15 de fevereiro de 2024, veio dizer, em síntese, o seguinte:

 

Sobre o Valor da Causa

 

  1. Primeiramente, não se compreendem as dúvidas lançadas pela AT sobre se será ou não a liquidação de IRC de 2009 o objeto dos presentes Autos quando resulta diretamente do pedido, bem como de todo o articulado que é a anulação desse ato que se pede, na parte em que não reflete a dedução à coleta do benefício fiscal a que a Requerente tem direito no âmbito do RFAI – cfr. pedido formulado e doc. n.º 2 em anexo ao r.i. para o qual a AT também remete na sua resposta.
  2. Em segundo lugar, e não obstante ser, efetivamente, o ato de autoliquidação de IRC do exercício de 2009 o que se impugna nos presentes Autos, resulta igualmente claro do r.i. que não se pretende impugnar toda a liquidação, mas apenas a parte em que esta deixa de refletir a dedução à coleta acima mencionada, no montante de € 3.472.969,84.
  3. Como a Requerente explicitou no pedido inicial apresentado em 2013, foi apurada uma coleta de 30.473.998,42 euros, sendo-lhe conferida uma dedução à coleta de 3.472.969,84 euros, atentos os investimentos elegíveis realizados em 2009, no montante de 29.729.698,40 EUR (líquido do montante que qualificou para efeitos do benefício fiscal) – conforme doc. n.º 5 em anexo ao r.i. – anexo ao pedido originariamente apresentado e constante do PA, mas que aqui se junta, por comodidade de consulta, como doc. n.º3, nos termos do artigo 30.º n.º1 al. a) do RFAI.
  4. E, tendo a Requerente já pago todo o imposto, tem direito a ser reembolsada desse preciso montante, i.e., de 3.472.969,84 Euros, correspondente à diferença entre o valor liquidado e pago (30.473.998,42 Euros – excluindo a tributação autónoma e a derrama) e o IRC que era efetivamente devido (27.001.028,58 Euros), tal como resulta da declaração mod. 22 de IRC de substituição de 2009, em anexo ao r.i. como doc. n.º 6.
  5. Nos termos do que dispõe a alínea e), do n.º 2, do artigo 10.º do RJAT, o r.i. deve indicar «o valor da utilidade económica do pedido».
  6. O valor da utilidade económica do pedido, no caso dos Autos, não corresponde ao da totalidade da liquidação de IRC, mas apenas, ao valor da liquidação impugnada conforme se referiu, à parte do crédito à colecta que, no caso, corresponde à liquidação no montante de IRC indevidamente determinado e ao imposto indevidamente pago, na parte em que a liquidação deixa de refletir a dedução à coleta a que a Requerente tem direito no âmbito do RFAI (i.e., exatamente 3.472.969,84 euros).

 

Da alegada incompetência do CAAD, em razão da matéria, para validar os valores de RFAI apurados pela Requerente

 

  1. O que se discute nos presentes Autos, é a recusa, por parte da AT – insistente e ilegal – em reconhecer à Requerente a dedução à coleta relativa a benefícios fiscais decorrentes da aplicação do RFAI por, no seu entendimento, não se encontrarem cumpridos todos os requisitos que a Lei prevê para esse efeito, por um lado e por considerar parte dos investimentos não elegíveis, por outro.
  2. A Requerente não peticiona a validação de quaisquer cálculos ao Tribunal Arbitral.
  3. Esses cálculos já foram submetidos à AT que, tendo-os analisado, interpretou a Lei e recusou (por 2 vezes) a totalidade da dedução por razões totalmente diversas, naturalmente – e ilegalmente.
  4. É disso – e apenas disso – que se trata.
  5. Aliás, a AT bem sabe que estas questões se encontram dentro do quadro de competências do CAAD que já analisou o direito da Requerente ao benefício fiscal em causa para os exercícios de 2013 e de 2014 no âmbito dos processos n.º 285/2016-T e 263/2017-T.
  6. Em todo o caso, e ainda que assim não fosse, sempre se diga que da decisão e do projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa juntos como doc. n.º 1 e n.º 10 ao r.i., resultam claros os pontos que se pretendem ver escrutinados pelo presente Tribunal Arbitral, e que são os seguintes:

a. O entendimento da AT de que a Requerente não demonstrou a situação de não dívida da Requerente perante a Fazenda Nacional e a Segurança Social (condição exigida na alínea d), do n.º 3, do artigo 2.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março), na medida em que, as certidões comprovativas dessa mesma situação alegadamente não se referem ao mês anterior ao da entrega da declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC relativa ao ano de 2009 aqui em causa, em hipotética violação do que dispõe a parte final do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março;

b. A desconsideração da elegibilidade de certos bens que a Requerente considerou elegíveis à luz do n.º 2, do artigo 2.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março; e

c. A necessidade de comprovação, ou não, da totalidade do investimento realizado para efeitos de RFAI por meio de faturas em 2023.

  1. Ora, a mera leitura dos pontos vindos de explanar é suficiente para esclarecer que a Requerente não pretende, nem requer a validação de quaisquer «cálculos por si efetuados quanto aos montantes do RFAI que tem direito a deduzir» (…)

 

II. SANEAMENTO

 

II.1 QUESTÃO PRÉVIA DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

  1. A Requerida suscita a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, por considerar que «não pode ser proferida decisão pelo Tribunal arbitral que, na prática, reconheça o direito da requerente a obter uma decisão que lhe atribua um determinado direito ou que implique a condenação da AT a validar um determinado entendimento ou cálculo efetuado pela requerente quanto aos montantes do RFAI que tem direito a deduzir.»

 

  1. Não se acompanha, porém, esta argumentação.

 

  1. Do objeto do presente processo, recortado com clareza pela Requerente em sede de pronúncia sobre a referida exceção, não está em causa nenhuma validação de quaisquer «cálculos por si efetuados quanto aos montantes do RFAI que tem direito a deduzir» como alega a Requerida, tratando-se, antes de saber se (i) está ou não demonstrada a situação de não dívida da Requerente perante a Fazenda Nacional e a Segurança Social (condição exigida na alínea d), do n.º 3, do artigo 2.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março); (ii) se determinados investimentos realizados, nomeadamente os discriminados nas contas #424 e #426 são elegíveis, à luz do disposto no n.º 2, do artigo 2.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março, para efeitos da dedução à coleta aí prevista; e (iii) se a documentação apresentada pela Requerente com o SAF-T, as contas fechadas, auditadas e aprovadas pelos diferentes órgãos societários, a contabilidade e as faturas apresentadas são, ou não, suscetíveis de comprovar a totalidade das despesas com o investimento realizado no âmbito do RFAI.

 

  1. Assim, deve julgar-se improcedente a questão prévia de incompetência material do Tribunal Arbitral suscitada pela Requerida, concluindo-se que este Tribunal foi regularmente constituído e, atenta a conformação do objeto do processo, é competente em razão da matéria para conhecer do ato de autoliquidação de IRC n.o 2011 ..., relativo ao exercício de 2009, de acordo com o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT e 2.º e 3.º da Portaria de Vinculação.

 

II.2 DEMAIS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

  1. Foi suscitado pela Requerida um incidente de fixação do valor da causa, relativamente ao qual a Requerente teve oportunidade de exercer o respetivo contraditório, remetendo-se a sua apreciação por este Tribunal para o momento da fixação do valor do processo efetuado no ponto VII. do presente acórdão.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Factos provados

 

  1. A Requerente é uma sociedade que tem como atividade principal a exploração mineira, tendo como Classificação de Atividade Empresarial (CAE) o código 07290 – Extração e preparação de outros minérios metálicos não ferrosos (cf. alegado no artigo 27.º do PPA e não contestado pela Requerida).
  2. A Requerente desenvolve atividade essencialmente na G..., situada no concelho de ... (cf. alegado no artigo 28.º do PPA, não contestado pela Requerida e depoimento das testemunhas).
  3. Constatando que não tinha aproveitado os benefícios fiscais conferidos pelo RFAI relativamente ao exercício de 2009, a Requerente apresentou, em 20 de dezembro de 2013, um pedido de revisão oficiosa, com vista à anulação da autoliquidação de IRC relativa àquele ano e a emissão de uma nova nota de liquidação de IRC, na qual se espelhe a dedução à coleta do montante de 3.472.969,84 Euros (cf. Documento n.º 3 junto ao PPA).
  4. Nesse pedido, a Requerente procedeu inicialmente à junção de:

• Certidões de não dívida ao Estado e à Segurança Social, ambas emitidas em fevereiro de 2010 e válidas por seis meses  – cf. docs. n.ºs 3 e 4;

• Listagem completa e discriminada dos investimentos elegíveis para efeitos do RFAI, os quais totalizaram € 29.729.698,40 – cf. docs. n.ºs 3 e 5;

• Evidência de não haver ainda beneficiado de qualquer dedução à coleta no âmbito do RFAI para 2009 – cf. docs. n.ºs 3 e 6.

  1. O pedido de revisão oficiosa foi inicialmente rejeitado pela Requerida por razões formais, decisão que a Requerente impugnou pela via contenciosa. Em sentença de 3 de novembro de 2022, no âmbito da ação administrativa especial que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, sob o n.º.../14...BEBJA e transitada em julgado em 7 de dezembro de 2022, foi a AT condenada a «conhecer o mérito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 20.12.2013, respeitante à autoliquidação de IRC do ano de 2009» (cf. Documento n.º 7 junto ao PPA).
  2. Na sequência daquela condenação, foi a Requerente notificada do Ofício n.º..., de 9 de fevereiro de 2023, sobre o assunto «Revisão Oficiosa – processo .../2023 – Exercício 2009 (SICAT ... 2023...)», pelo qual lhe foram solicitados diversos elementos relativos aos anos de 2008 e 2009, entre os quais «Cópia das faturas com o maior valor individual, por forma a representarem aproximadamente 70% do investimento elegível para RFAI» (cf. Documento n.º 8 junto ao PPA).
  3. Tendo a Requerente junto faturas correspondentes a 64% do total do investimento que considerou elegível (cf. decisão do pedido de revisão oficiosa – Documento n.º 1 junto ao PPA).
  4. A Requerente foi notificada do ofício da AT, de 26-04-2023, contendo o projeto de decisão do pedido de revisão oficiosa, no qual se propõe o indeferimento do pedido por três ordens de razões (cf. Documento n.º 10 junto ao PPA):
    1. a. A Requerente não teria demonstrado a sua situação de não dívida perante a Fazenda Nacional e a Segurança Social (condição exigida na alínea d), do n.º 3, do artigo 2.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março), na medida em que, as certidões comprovativas dessa mesma situação alegadamente não se referem ao mês anterior ao da entrega da declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC relativa ao ano de 2009 aqui em causa, em violação do que dispõe a parte final do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março;
    2. A Requerente teria considerado elegíveis bens que objetivamente não o podem ser à luz do n.º 2, do artigo 2.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março «como é o caso de bens reconhecidos nas contas #424 e #426», competindo-lhe comprovar que esses bens estão efetivamente afetos à exploração ; e
    3. A Requerente apenas teria comprovado despesas no montante de € 19.045.074,18 do montante de € 29.729.698,40 do investimento por si considerado para efeitos de RFAI, por meio das faturas por si remetidas à AT.
  5. Ao que a Requerente oportunamente respondeu por meio do exercício do seu direito de audição prévia onde, além de explicitar discordância das objeções suscitadas pela AT, apresentou ainda um acervo adicional de faturas que perfaz, em conjunto com a oportunamente remetida, cerca de 81,72% da totalidade do investimento (cf. Documento n.º 11 junto ao PPA).
  6. A Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, por ofício datado de 27/07/23 (cf. Documento n.º 1 junto ao PPA). Da referida decisão, transcrevem-se os seguintes fundamentos, com relevo para os presentes autos:

“§ IV.I.I.II. Da apreciação

  1. O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) realizado em 2009 foi aprovado pelo art.º 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março.
  2. Integra um conjunto de incentivos no âmbito das categorias de auxílios compatíveis com o mercado comum, em aplicação dos artigos 87.º e 88.º do Tratado da União Europeia, respeitando o Regulamento (CE) n.º 800/2008 da Comissão, de 6 de agosto.
  3. Inserido no regime de auxílios com finalidade regional para o período de 2007-2013, abrange as subdivisões de Portugal definidas no Regulamento (CE) n.º 1059/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de maio de 2003, estando sujeito aos limites máximos fixados, constantes do mapa nacional dos auxílios estatais a que se reporta o art.º 7.º do RFAI.
  4. Para grandes projetos de investimento, cujas despesas elegíveis excedam 50 milhões de euros, os limites previstos são ajustados através da aplicação das regras estabelecidas no n. º 67 das orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para o período de 2007-2013.
  5. Desta forma, de acordo com o n.º 5 do art.º 3.º do RFAI, o benefício não pode exceder o valor que resultar da aplicação dos limites máximos aplicáveis ao investimento com finalidade regional para o período 2007-2013, em vigor na região na qual o investimento seja efetuado, constantes do mapa nacional dos auxílios estatais a que se reporta o n.º 1 do art.º 7.º do mesmo Regime, sujeitos ao ajustamento estabelecido para grandes projetos de investimento, em conformidade com o preconizado no n.º 3 deste mesmo artigo.
  6. Abrange atividades nos setores agrícola, florestal, agro-industrial, energético e turístico, e ainda da indústria extrativa ou transformadora (com exceção dos setores siderúrgico, da construção naval e das fibras sintéticas) e no âmbito das redes de banda larga de nova geração.
  7. Em sede de IRC, o RFAI veio consagrar um benefício fiscal aos sujeitos passivos que exerçam, a título principal, uma atividade no âmbito dos setores acabados de referir (elencados no n.º 1 do art.º 2.º do Regime) e que efetuem nas regiões elegíveis, investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho sob condição de os manter durante o decurso do prazo de usufruição do benefício, nos termos da alínea f) do n.º 3 do mesmo art.º 2.º , de forma a contribuir de forma efetiva e sustentável para o desenvolvimento regional.
  8. O investimento a considerar relevante será o realizado nas regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional, descrevendo-o o n.º 2 do já citado art.º 2.º como correspondendo, desde que afeto à exploração da empresa:
    1. A ativo imobilizado corpóreo - atualmente ativo fixo tangível - adquirido em estado novo, excetuando:
      • Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em projetos de indústria extrativa;
      • Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afetos a atividades administrativas;  
      • Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;
      • Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística;
      • Equipamentos sociais, com exceção daqueles que a empresa seja obrigada a ter por determinação legal;
      • Outros bens de investimento que não estejam direta e imprescindivelmente associados à atividade produtiva exercida pela empresa.
    2. A ativo imobilizado incorpóreo - atualmente ativo fixo intangível – constituído por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, “saber-fazer” ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.
  9. O benefício fiscal opera por dedução à coleta do IRC, até à concorrência de 25% da mesma, correspondendo a 20% do investimento relevante que não exceda o montante de € 5.000.000,00 e a 10% do investimento relevante na parte remanescente.
  10.  Caso não seja possível efetivar na íntegra a dedução à coleta no período de realização do investimento, por insuficiência da mesma, a importância não deduzida poderá sê-lo, nas mesmas condições, nos quatro exercícios seguintes.
  11. O montante global do incentivo fiscal concedido está sujeito, conforme atrás se referiu, ao limite máximo fixado para a região em causa, devendo ser considerados outros incentivos eventualmente atribuídos, designadamente, os conferidos no âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN).
  12. Definidos em traços gerais os requisitos e condições que cumulativamente têm de ser verificados para a concessão do benefício requerido, debrucemo-nos agora sobre a sua reunião por parte da Requerente.
  13. De acordo com os elementos constantes dos autos, a Requerente é um sujeito passivo de IRC que:
  • Exerce a atividade de extração mineira, setor relevante para efeito dos auxílios regionais;  
  • Exerce a atividade no concelho de ..., distrito de Beja, Baixo Alentejo, região prevista no mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;
  • Dispõe de contabilidade organizada, nos termos das disposições legais em vigor;
  • Não foi objeto de aplicação de métodos indiretos de determinação do lucro tributável;
  • Não é considerada empresa em dificuldade, nos termos definidos na Comunicação da Comissão n.º C 244, de 01 de outubro de 2004;
  • Declara não beneficiar relativamente ao mesmo investimento de quaisquer outros benefícios fiscais da mesma natureza previstos noutros diplomas legais.
  1. No tocante à demonstração da situação da Requerente perante a Fazenda Nacional e a Segurança Social, foram anexas à petição inicial, certidões emitidas por estas entidades de forma a comprovar a inexistência de dívidas (Documentos n.ºs 2 e 3).
  2. Porém, tais certidões não estão reportadas ao mês anterior ao da entrega da declaração periódica de rendimentos Modelo 22-IRC do período em referência (2009), conforme a seguir se demonstra:

Ano

Entidade

Data da certidão

Mês de referência

2009

Fazenda Nacional

03/02/2010

Abril de 2010

Segurança Social

01/02/2010

Abril de 2019

 

  1. No que respeita aos investimentos realizados, a Requerente, para comprovar o seu pedido, anexou à petição:
    • Discriminação do valor total de € 14.492.340,00 correspondente aos investimentos relevantes que qualificaram para efeitos de atribuição do benefício fiscal resultante do contrato de investimento celebrado com a AICEP (Documento n.º 4);
    • Listagem relativa à criação de postos de trabalho em 2009 (Documento n.º 5) e manutenção dos mesmos (Documento n.º 6);
    • Detalhe dos investimentos elegíveis, em 2009, no montante total de € 29.729.698,40 para efeitos do benefício fiscal RFAI (Documento n.º 7);
    • Comprovativo de entrega da declaração de rendimentos Modelo 22-IRC, de substituição, em 27/10/2011, respeitante ao exercício de 2009, na qual não efetuou qualquer dedução à coleta (Documento n.º 8).
  2. No dia 05 de abril de 2023, após pedido efetuado pela Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (DSIRC), através do Ofício n.º..., de 09 de fevereiro de 2023, deu entrada nesta Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), uma pen com os elementos solicitados, destacando-se o seguinte:
    • Listagem discriminativa do investimento total, incluindo investimentos afetos à ACEP (€ 14.492.340,00) e a RFAI (€ 29.729.698,40);
    • Contrato de Investimento celebrado com a AICEP;
    • Informação, no referente aos investimentos elegíveis para efeitos de RFAI, que todos estão localizados no couto mineiro de G...;
    • Faturas representando 70% aproximadamente do investimento elegível para RFAI;
    • Cópias dos contratos de trabalho dos 7 trabalhadores (contrato inicial e a passagem a efetivo que ocorreu em 2009);
    • Lista total dos trabalhadores efetivos na área da “Lavaria” a 31/12/2008 e a 31/12/2009.

       Aqui chegados,

  1. A análise dos elementos acabados de referir permite-nos tecer algumas considerações.
  2. Se quanto aos critérios de elegibilidade subjetivos exigíveis à Requerente para a usufruição do benefício fiscal requerido estamos em condições de os considerar cumpridos, possuindo a Requerente, as características necessárias à aplicação do RFAI, o mesmo já não se passa relativamente:
    1. À demonstração da sua situação perante a Fazenda Nacional e a Segurança Social, na medida em que, como atrás se referiu, as certidões comprovativas do preenchimento da condição referida na alínea d) do n.º 3 do art.º 2.º não se referem ao mês anterior - abril de 2010 - ao da entrega - maio de 2010 - da declaração periódica de rendimentos Modelo 22-IRC relativa ao ano de 2009, aqui em causa, condição a que se refere expressamente a parte final do n.º 2 do art.º 4.º do RFAI;
    2. Aos investimentos realizados e declarados para esse efeito, porquanto a empresa considerou elegíveis bens que objetivamente não o podem ser, nos termos do n.º 2 do art.º 2.º do RFAI, como é o caso de bens reconhecidos nas contas #424 e #426 (competindo à Requerente comprovar que esses bens estão, de facto, afetos à exploração);
    3. À documentação de suporte da listagem discriminativa do investimento total considerado pela Requerente para efeitos de RFAI (€ 29.729.698,40), na medida em que, as faturas remetidas aos presentes autos totalizam o montante de apenas € 19.045.074,18.
  3. No que diz respeito à criação de postos de trabalho, as listagens apresentadas permitem constatar, em 2009, a entrada de 7 novos funcionários na área da "Lavaria".
    1. Tratando-se de contratações sem termo com efeitos a partir de 15 de maio de 2009 e de trabalhadores que à data do pedido de revisão oficiosa (20 de dezembro de 2013) ainda se encontravam em funções na Requerente, entendemos encontrar-se cumprida esta condição imposta no diploma.

         Assim,

  1. Porquanto não se encontra demonstrado o preenchimento cumulativo de todos os requisitos para a concessão do benefício fiscal em causa, atento o disposto no n.º 1 do art.º 74.º da LGT, não é possível validar o pedido efetuado pela Requerente, sendo de manter a liquidação de IRC n.º 2011... .

§ V. DO DIREITO DE AUDIÇÃO

  1. Após apreciação dos argumentos invocados pela Requerente na sua petição inicial, foi, por parte desta UGC, elaborado o competente “Projeto de Decisão” junto aos autos, consubstanciado na nossa anterior Informação n.º 85-AlR2/2023.

E

  1. Através de ofício emanado da UGC, a Requerente foi devidamente notificada para, querendo, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT, por sua vez conjugada com o preceituado no art.º 122.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA). 
  2. Conforme requerimento junto aos autos, o seu direito de participação foi exercido com todas as consequências legais, tendo vindo a Requerente manifestar a sua discordância face ao teor do “Projeto de Decisão”.

         Neste contexto,

  1. Compulsado o teor da petição inicial, bem como o requerimento através do qual se manifestou o direito de participação da Requerente, cabe-nos então, com referência ao nosso anterior “Projeto de Decisão”, dirimir se os argumentos constantes no seu direito de audição são ou não suficientes no sentido de prover o requerido.

         Em síntese,           

  1. Veio a Requerente, nesta sede de audição prévia, reiterar os fundamentos invocados na petição inicial, nomeadamente: 
    1. Quanto à forma de cumprimento da condição prevista na alínea d), do n.º 3 do art.º 2.º do RFAI, referindo que instruiu o seu pedido com duas declarações de não dívida, emitidas pelas Finanças e pela Segurança Social em fevereiro de 2010 e ambas válidas pelo período de seis meses, acrescentando que a Lei não exige a sua emissão no mês de abril de 2010, ou seja, no mês anterior ao da entrega da declaração periódica de rendimentos do ano a que respeita o benefício fiscal aqui em causa.    
    2. Quanto à demonstração dos bens considerados elegíveis, reforçando que todos os bens constantes das contas #424 e #426 estão de facto afetos à exploração e são indispensáveis à produção, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 2.º do RFAI.
    3. Quanto à documentação de suporte da listagem discriminativa do valor de € 29.729.698,40, sustentando que o investimento realizado para efeitos de RFAI no ano de 2009 se encontra totalmente comprovado por meio de faturas (para tal juntou o pdf de faturas suplementares comprovativas do montante de € 5.248.773,56, o que juntamente com as faturas remetidas anteriormente, perfaz o valor global de € 24.293.847,74 correspondente a 81,72% do total de investimento elegível).

         Mais,

  1. Relativamente ao ponto 52.2. a Requerente sugere que a AT fundamente quais os bens que não considera elegíveis e em que medida, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 2.º do RFAI, notificando-a novamente para o exercício do seu direito de audição.

         E

  1. No que respeita ao ponto 52.3. e ao valor remanescente de € 5.435.850,66, a Requerente compromete-se ao envio das correspondentes faturas, assim que estas lhe forem disponibilizadas pela entidade que gere o seu armazém de “arquivo morto”.

         Vejamos.

  1. A alínea d) do n.º 3 do art.º 2.º  do RFAI dispõe que podem usufruir deste benefício fiscal os sujeitos passivos de IRC que não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento dos seus débitos devidamente assegurado.

         Sendo que,

  1. O n.º 2 do art.º 4.º do RFAI impõe que seja apresentado documento comprovativo de que se encontra preenchida a condição referida na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º, com referência ao mês anterior ao da entrega da declaração periódica de rendimentos.

                 Ou seja,

  1. Os documentos apresentados deviam comprovar que a Requerente, no mês anterior - abril de 2010 - ao da entrega da declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) respeitante ao exercício de 2009, não era devedora ao Estado e à Segurança Social ou tinha o pagamento de dívidas devidamente assegurado.

         Ora,

  1. As duas certidões juntas pela Requerente, ambas emitidas em fevereiro de 2010, apenas certificaram que a Requerente tinha a sua situação tributária e contributiva regularizada na data da sua emissão, e que a utilização das mesmas era válida pelo prazo de seis meses a partir daquela data.
  2. Contrariamente ao defendido pela Requerente, tais documentos não atestaram (nem podiam) a sua condição de não devedora ao Estado e à Segurança Social pelo prazo de seis meses após a data de emissão dos mesmos, ou seja, até ao mês de agosto de 2010, pois a sua emissão baseou-se, como bem sabe a Requerente, nos elementos existentes nos Serviços à data da emissão.

         Assim,

  1. Não tendo a Requerente junto aos autos documentos comprovativos de não ser devedora ao Estado e à Segurança Social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações com referência ao mês de abril de 2010, não se considera verificado o requisito formal previsto na alínea d) do n.º 3 do art.º 2.º , bem como no n.º 2 do art.º 4.º , ambos do RFAI, para que possa beneficiar do incentivo fiscal nele previsto.

         Por conseguinte,

  1. Não obstante a Requerente, no exercício do seu direito de audição, ter remetido faturas suplementares comprovativas do valor de € 5.248.773,56, e mostrado disponibilidade para mais esclarecimentos no tocante aos bens que considerou elegíveis, bem como, para o envio das faturas representativas do montante de € 5.435.850,66 (ainda em falta nos presentes autos), perante a falta de cumprimento do requisito formal referido, mostra-se prejudicada a análise da documentação junta pela Requerente.

         Nestes termos,

  1. Atendendo a que não se encontram preenchidas as condições legalmente exigíveis para a concessão do benefício fiscal em causa, teremos de concluir pela impossibilidade de validação do pedido apresentado pela Requerente, pelo que, deverá o anterior “Projeto de Decisão” ser convolado em definitivo.

§ VI. DA CONCLUSÃO

Em conformidade com o exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente o anterior “Projeto de Decisão” e as peças processuais carreadas pela Requerente, nomeadamente a petição inicial e o seu requerimento de direito de audição, propõe-se o indeferimento do pedido […]

  1. Com a propositura da ação arbitral a Requerente juntou cópia de faturas adicionais perfazendo o total de despesas comprovadas por faturas no valor de € 28.228.766,84, correspondente a 95% do valor total das despesas que considerou elegíveis, disponibilizando-se para fornecer elementos (faturas) adicionais se assim solicitado (cf. acervo de Documentos juntos aos autos, enviados por correio eletrónico, em link, dado o seu volume).
  2. Em 27 de outubro de 2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo (conforme registo no SGP do CAAD).

 

§2 – Factos não provados

 

  1. Não se provou que os investimentos efetuados em 2009 e registados nas contas # 424 (equipamentos de transporte) e # 426 (outras propriedades de investimento/equipamentos administrativos) são enquadráveis na lista de aquisições elegíveis constante do n.º 2 do artigo 22.º do CFI e estivessem afetos à exploração.

 

  1. Não há outros factos, provados ou não provados, essenciais para o objeto do pedido.

 

§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

  1. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

  1. Daí terem sido os factos pertinentes para o julgamento da causa selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre da aplicação conjugada do artigo 596, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29, n.º 1, e), do RJAT.

 

  1. À luz do exposto e tendo em conta, no caso, as posições assumidas pelas partes no processo, a prova documental junta aos autos, incluindo o processo administrativo instrutor junto pela AT nos termos regulamentares, tudo sujeito à análise crítica do Tribunal, este considerou assente e relevante o sobredito quadro factual.

 

  1. Em relação à prova testemunhal, a mesma não contribuiu para a fixação da matéria de facto, tendo em conta que a primeira testemunha,  B..., colaboradora da Direção Financeira da Requerente (atual contabilista certificada) revelou desconhecer os detalhes do projeto específico subjacente ao RFAI em apreciação, respondendo de forma errónea a algumas perguntas feitas, afirmando que o projeto não era da “Lavaria” (quando é) e que era só de 1 ano, quando é plurianual. A segunda testemunha,  C..., Diretora Financeira da Requerente nem sequer tem qualquer conhecimento dos factos à data, pois só começou a colaborar com a Requerente em maio de 2021.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

§1. Questões a decidir

 

  1. Tendo em consideração a posição das partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:

 

  1. As certidões de não dívida apresentadas pela Requerente cumprem a parte final do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março?
  2. Existe vício de forma por falta de fundamentação da AT na decisão final da revisão oficiosa quanto aos bens alegadamente não elegíveis (nas contas #424 e #426)?
  3. Caso se considere inexistir o alegado vício de forma, os investimentos realizados, nomeadamente os discriminados nas contas #424 e #426, são elegíveis, à luz do disposto no n.º 2, do artigo 2.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março, para efeitos da dedução à coleta aí prevista?
  4. A documentação apresentada pela Requerente com o SAF-T, as contas fechadas, auditadas e aprovadas pelos diferentes órgãos societários, a contabilidade e as faturas apresentadas são, ou não, suscetíveis de comprovar a totalidade das despesas com o investimento realizado no âmbito do RFAI?

 

§2. Considerações gerais sobre o RFAI 2009

 

  1. A Lei n.º 10/2009, de 10 de março, criou o programa orçamental designado por Iniciativa para o Investimento e o Emprego e, no seu âmbito, criou o regime fiscal de apoio ao investimento realizado em 2009 (RFAI 2009[1]).

 

  1. No seu artigo 2.º, o RFAI 2009 estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 2.º

Âmbito de aplicação e definições

1 - O RFAI 2009 é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma actividade:

a) Nos sectores agrícola, florestal, agro-industrial, energético e turístico e ainda da indústria extractiva ou transformadora, com excepção dos sectores siderúrgico, da construção naval e das fibras sintéticas, tal como definidos no artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de Agosto;

b) No âmbito das redes de banda larga de nova geração.

2 - Para efeitos do presente regime, consideram-se como relevantes os seguintes investimentos desde que afectos à exploração da empresa:

a) Investimento em activo imobilizado corpóreo, adquirido em estado de novo, com excepção de:

i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em projectos de indústria extractiva;

ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afectos a actividades administrativas;

iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;

iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afecto a exploração turística;

v) Equipamentos sociais, com excepção daqueles que a empresa seja obrigada a ter por determinação legal;

vi) Outros bens de investimento que não estejam directa e imprescindivelmente associados à actividade produtiva exercida pela empresa;

b) Investimento em activo imobilizado incorpóreo, constituído por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, 'saber-fazer' ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.

3 - Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente regime os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

a) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade;

b) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;

c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de cinco anos os bens objecto do investimento;

d) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento dos seus débitos devidamente assegurado;

e) Não sejam consideradas empresas em dificuldade nos termos da comunicação da Comissão - orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação a empresas em dificuldade, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 244, de 1 de Outubro de 2004;

f) Efectuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período de dedução constante dos n.os 2 e 3 do artigo 3.º

[…]

 

  1. Importa trazer ainda à colação o disposto no artigo 4.º do RFAI 2009, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 4.º

Obrigações acessórias

1 - A dedução prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior é justificada por documento a integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 121.º do Código do IRC, que identifique discriminadamente os investimentos relevantes, o respectivo montante e outros elementos considerados relevantes.

2 - Do processo de documentação fiscal relativo ao exercício da dedução deve ainda constar documento que evidencie o cálculo do benefício fiscal, bem como documento comprovativo de que se encontra preenchida a condição referida na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º, com referência ao mês anterior ao da entrega da declaração periódica de rendimentos.

3 – (…)

 

§3. Da conformidade ou não das certidões de não dívida apresentadas pela Requerente

 

  1. As partes discordam quanto à validade das certidões de não dívida ao Estado e à Segurança Social entregues pela Requerente, para efeitos de preenchimento da condição referida na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009.

 

  1. Na perspetiva da Requerente, no pedido de revisão oficiosa relativo ao IRC do exercício de 2009 (Modelo 22 entregue em 2010), apresentado em 2013, foram instruídas duas declarações de não dívida, emitidas pelo Instituto de Segurança Social, I.P. e pelo Serviço de Finanças de ..., em 1 e 3 de fevereiro de 2010, respetivamente e ambas válidas pelo período de seis meses.

 

  1. Entende a Requerente que, como resulta de uma simples leitura da Lei, esta não exige que as certidões sejam emitidas no mês anterior ao da entrega da declaração periódica de rendimentos do ano a que respeita o benefício fiscal em causa.

 

  1. O que a Lei exige, advoga a Requerente, é que a condição de não devedor de quaisquer quantias à Fazenda Nacional e à Segurança Social seja demonstrada por documento comprovativo daquela condição com referência ao mês anterior ao da entrega da declaração periódica de rendimentos do ano a que respeita o benefício fiscal em causa.

 

  1. Ora, segundo a Requerente, documentos que atestam a qualidade de não devedor, válidos para todos os efeitos legais por seis meses, emitidos em 1 e 3 de fevereiro 2010, atestam a condição de não devedor da Requerente até 1 de agosto de 2010, no que respeita à Segurança Social, e até 3 de agosto de 2010, no que respeita à Fazenda Nacional.

 

  1. E, se assim é, não podem deixar de atestar essa qualidade com referência a abril de 2010, mês anterior ao da declaração periódica de rendimentos referente a 2009, tal como exigido pelo disposto no artigo 4.º, n.º 2 do RFAI.

 

  1. Por seu turno, a Requerida retorquiu que as duas certidões juntas pela Requerente foram ambas emitidas em fevereiro de 2010, pelo que apenas certificaram que a Requerente tinha a sua situação tributária e contributiva regularizada na data da sua emissão, e que a utilização das mesmas era válida pelo prazo de seis meses a partir daquela data.

 

  1. Pelo que, segundo a Requerida, tais documentos não atestam a condição da Requerente de não ser devedora ao Estado e à Segurança Social pelo prazo de seis meses após a data de emissão dos mesmos, ou seja, até ao mês de agosto de 2010

 

  1. Conclui, então, a Requerida que não tendo a Requerente junto aos autos os documentos comprovativos de não ser devedora ao Estado e à Segurança Social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações com referência ao mês de abril de 2010, não se verifica o requisito formal exigido na alínea d) do nº 3 do artigo 2º, bem como no nº 2 do artigo 4º, ambos do RFAI, para que possa beneficiar do incentivo fiscal nele previsto.

 

  1. Sintetizadas as posições das partes nesta matéria, cumpre apreciar e decidir.

 

  1. Como decorre da conjugação das disposições constantes da alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º e do n.º 2 do artigo 4.º, todos do RFAI 2009, uma das condições a verificar pela Requerente, para poder beneficiar do RFAI, é a de que não seja devedor ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações e que essa condição [de não devedor] esteja preenchida com referência ao mês anterior ao da entrega da declaração periódica de rendimentos.

 

  1. As declarações de não dívida, seja junto da Segurança Social, seja junto da AT, destinam-se a certificar a situação do contribuinte perante aquelas entidades relativamente às suas obrigações contributivas e fiscais, respetivamente.
  2.  
  3. O facto dessas declarações terem um prazo de validade significa que a situação de não dívida, devidamente certificada, mantém a sua legitimidade durante esse período.

 

  1. Revertendo ao caso em análise, como bem assinala a Requerente, os documentos emitidos pela Segurança Social e pela AT, respetivamente em 1 e 3 de fevereiro de 2010, atestam a sua condição de não devedora à data de emissão, certificação essa que se mantém plena até 1 de agosto de 2010, no que respeita à Segurança Social, e até 3 de agosto de 2010, no que respeita à AT e, por maioria de razão, no mês de abril de 2010, o qual precedeu o mês da entrega da declaração Modelo 22 por parte da Requerente.

 

  1. Desse modo, resulta cristalino que a condição de não devedor, reportando-se ao mês anterior ao da entrega da declaração Modelo 22, está preenchida, conforme aferido pelas respetivas entidades emissoras.

 

  1. Porém, mesmo que assim não se entendesse, sempre se dirá que as certidões em apreço têm efeito meramente declarativo e não são constitutivas dos factos que atestam[2]. A sua junção ao processo de documentação fiscal, para suportar o benefício fiscal do RFAI (dedução à coleta do IRC) visa tutelar o legítimo interesse do Estado em não consentir o acesso a benefícios fiscais a sujeitos passivos inadimplentes relativamente às suas obrigações fiscais e às contribuições devidas à segurança social. O pressuposto de acesso ao RFAI é outro, que não a certidão: a “situação fiscal regularizada” do sujeito passivo (ou, caso existam dívidas fiscais, que o seu pagamento esteja assegurado por garantias) com referência ao momento mais próximo possível do exercício do direito à dedução desse benefício (“mês anterior ao da entrega da declaração periódica de rendimentos”). Este fim encontra-se devidamente acautelado na situação vertente, dispondo a AT da informação sobre o status contributivo do Requerente à data[3].  

 

  1. A interpretação eivada de formalismo preconizada pela AT não é de acompanhar, pois não só impede a utilização do benefício fiscal em circunstâncias em que todos os seus pressupostos materiais/substantivos estejam reunidos, como, ainda, à partida, veda a sua utilização nos casos em que o sujeito passivo só em momento posterior ao da entrega da Modelo 22 do ano em questão (mas ainda dentro do prazo de caducidade), pretenda utilizar esse benefício, nomeadamente por erro de enquadramento, e não disponha de uma certidão datada do mês anterior ao do prazo limite de entrega dessa Modelo 22[4]. Não se alcança razão justificativa e atendível de tal entendimento, pelo que, neste ponto, e conforme acima assinalado, é o cumprimento do requisito material de inexistência de dívidas que constitui o critério relevante de acesso ao regime, devendo ser admitida, se não for possível a obtenção de uma certidão declarativa em momento contemporâneo ao do exercício do direito, a sua substituição por outro meio de prova que permita alcançar idêntico conhecimento da situação. Aliás, convém notar que a Requerida, em momento algum, refere que a Requerente tinha à data dos factos (em 2010 e em 2013) dívidas fiscais, ou que as tenha no momento presente.

 

  1. Assim, e face a todo o exposto, assiste razão à Requerente nesta matéria, pelo que considera este Tribunal Arbitral que as certidões de não dívida apresentadas pela Requerente cumprem a parte final do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março.

 

§4. Da elegibilidade dos investimentos realizados, nomeadamente os discriminados nas contas #424 e #426

 

  1. Na decisão de indeferimento da revisão oficiosa, foi colocado em causa que alguns dos investimentos considerados elegíveis pela Requerente para efeitos de RFAI, cumpram o disposto no n.º 2 do artigo 2.º do RFAI, porquanto a empresa considerou elegíveis bens que se encontram contabilisticamente reconhecidos nas contas #424 – Equipamento de transporte e na conta #426 - Equipamento administrativo, sem que tenha demonstrado que estes bens estão afetos à exploração.

 

  1. A Requerente, nesta sede, imputa o vício de falta de fundamentação, por entender que não lhe é de todo em todo possível compreender a extensão das objeções da AT, apenas sendo possível inferir que haverá alguns bens – mas não todos – nas contas #424 e #426 que a AT considera como não elegíveis por ter dúvidas sobre se se encontrarão ou não afetos à exploração.

 

  1. Sem prejuízo, alega a Requerente, no PPA, que os bens elencados na conta #424 são, na sua maioria (cerca de 80% do valor total), viaturas do tipo pick up de caixa aberta ou fechada –, com tração integral (Toyota Hilux 4x4 e Nissan Cabstar), que são utilizadas nas deslocações de empregados e de equipamentos ao fundo da mina, nomeadamente para as frentes de trabalho, para as diversas atividades do processo produtivo, correspondendo os restantes 20% – nomeadamente os veículos ligeiros –a veículos afetos a deslocações dentro do perímetro mineiro, nomeadamente nas áreas das barragens de rejeitados e processo de lavaria e, eventualmente, às localidades mais próximas da mina, quando necessário.

 

  1. Considera por isso a Requerente ser inegável que as viaturas em causa se encontram, mais do que afetas à exploração mineira, exclusivamente afetas à exploração mineira, devendo o montante em causa (que, no montante global do investimento elegível, é totalmente irrisório - 1%) ser considerado para efeitos do investimento e do benefício fiscal previsto no RFAI.

 

  1. Por seu turno, quanto aos ativos registados na conta #426 – Outras propriedades de investimento, refere a Requerente tratar-se de equipamentos administrativos (climatizadores, software, hardware, PDA’s e banco máquina) que não só se encontram afetos à exploração, como são indispensáveis à produção.

 

  1. Sintetizadas as posições das partes neste tema, cumpre apreciar e decidir.

 

  1. Como se disse na decisão proferida no Processo n.º 550/2023-T, de 2023-12-07, na parte que aqui interessa:

Devem distinguir-se os conceitos de «fundamentação material» e «fundamentação formal».

Esta última «pode ser entendida como uma exposição enunciadora das razões ou motivos da decisão», enquanto a fundamentação material corresponde à «recondução do decidido a um parâmetro valorativo que o justifique: no primeiro sentido, privilegia-se o aspecto formal da operação, associando-a à transparência da perspectiva decisória; no segundo, dá-se relevo à idoneidade substancial do acto praticado, integrando-o num sistema de referência em que encontre bases de legitimidade». (...)

«O dever da fundamentação expressa obriga a que o órgão administrativo indique as razões de facto e de direito que o determinaram a praticar aquele acto, exteriorizando, nos seus traços decisivos, o procedimento interno de formação da vontade decisória. O dever cumpre-se desde que exista uma declaração a exprimir um discurso que pretenda justificar a decisão, independentemente de esse arrazoado». (VIEIRA DE ANDRADE, O dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, páginas 11-13).

Apenas a falta de fundamentação formal constituirá vício de forma.

A falta de fundamentação substancial, por incorrecção ou falta de prova dos pressupostos de facto ou o erro de direito, consubstanciará vício de erro sobre os pressupostos de facto ou erro sobre os pressupostos de direito.

Neste sentido, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-09-2011, proferido no processo n.º 0494/11:  

O facto de, porventura, a valia substancial dos fundamentos aduzidos nesse discurso fundamentador não ser suficiente para retirar a conclusão que aí se retirou, isto é, ser insuficiente ou inapta, do ponto de vista legal, para suportar a correção efetuada, é matéria que não contende com a fundamentação formal do acto, mas sim com a fundamentação substancial, que pode levar à procedência da impugnação por força dos vícios de violação de lei que foram invocados.

Com efeito, não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exatidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. É que, como adverte SÉRVULO CORREIA ("Noções de Direito Administrativo", I, pág. 403.), «a fundamentação pode ser inexata e ser suficiente, por permitir entender quais os pressupostos de facto e de direito considerados pelo autor do acto. Deste modo, a inexatidão dos fundamentos não conduz ao vicio de forma por falta de fundamentação. Ela pode sim revelar a existência de outros vícios, como o vicio de violação de lei por erro de interpretação ou aplicação de norma, ou (...) por erro nos pressupostos de facto» (...)".

 

  1. No caso em apreço, ao invocar vício de falta de fundamentação, a Requerente reporta-se não só à falta de fundamentação formal como à falta de fundamentação substancial.

 

  1. Na verdade, a Requerente censura à AT não fazer qualquer indicação precisa sobre os bens relativamente aos quais apresenta reservas, não sendo de todo em todo possível à Requerente compreender a extensão das objeções da AT.

 

  1. Como se retira da decisão final da revisão oficiosa, a AT refere, no que aqui interessa, o seguinte:

45.2 Aos investimentos realizados e declarados para esse efeito, porquanto a empresa considerou elegíveis bens que objetivamente não o podem ser, nos termos do n.º 2 do art.º 2.º do RFAI, como é o caso de bens reconhecidos nas contas #424 e #426 (competindo à Requerente comprovar que esses bens estão, de facto, afetos à exploração).

(…)

52.2 Quanto à demonstração dos bens considerados elegíveis, reforçando que todos os bens constantes das contas #424 e #426 estão de facto afetos à exploração e são indispensáveis à produção, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 2.º do RFAI.

(….)

Mais,

53. Relativamente ao ponto 52.2, a Requerente sugere que a AT fundamente quais os bens que não considera elegíveis e em que medida, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 2.º do RFAI, notificando-a novamente para o exercício do seu direito de audição.

(…)

Por conseguinte,

61. Não obstante a Requerente, no exercício do seu direito de audição, ter remetido faturas suplementares comprovativas do valor de € 5.248.773,56, e mostrado disponibilidade para mais esclarecimentos no tocante aos bens que considerou elegíveis, bem como, para o envio das faturas representativas do montante de € 5.435.850,66 (ainda em falta nos presentes autos), perante a falta de cumprimento do requisito formal referido, mostra-se prejudicada a análise da documentação junta pela Requerente.

 

  1. Analisado o teor literal da decisão final da revisão oficiosa, na parte acima transcrita, é manifesto que a AT desconsiderou bens constantes das contas #424 e #426”, embora sem concretizar quais foram esses bens.

 

  1. Repare-se que a expressão empregue pela AT foi “como é o caso de bens reconhecidos nas contas #424 e #426”, o que sugere que, de acordo com a sua análise, haverá bens, dentro dessas contas, que poderão ser considerados elegíveis.

 

  1. Com efeito, quisesse a AT desconsiderar liminarmente os bens registados nessas contas, então teria, por certo, recorrido a outra formulação, nomeadamente, referindo-se “como é o caso dos bens reconhecidos nas contas #424 e #426”.

 

  1. No entanto, como vimos, a opção tomada pela AT foi a de não considerar elegíveis bens, que não todos, das contas #424 e #426, e sem concretizar que bens eram esses.

 

  1. Desse modo ficou, pois, impercetível para a Requerente apreciar quais os bens concretos que foram excluídos e quais as razões por que a AT decidiu no sentido em que decidiu, não podendo, assim, contrariar de forma plena os fundamentos da AT.

 

  1. De acordo com a jurisprudência do STA, “[o] acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.” (in Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01674/13 de 12-03-2014).

 

  1. No mesmo aresto, o Tribunal refere ainda que “[s]ignifica isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.”

 

  1. Não tendo a AT explicado, ainda que minimamente, as razões de facto e de direito que a conduziram a não aceitar como elegíveis, para efeitos do RFAI 2009, bens das contas #424 e #426, e quais esses bens, impõe-se concluir que ocorre uma violação do dever de fundamentação da decisão do procedimento tributário previsto no artigo 77.º da LGT e no n.º 3 do artigo 268.º da CRP, tendo como consequência a anulabilidade do ato, por vício de forma e ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento.

 

§5. Da comprovação pela Requerente da totalidade das despesas com o investimento realizado no âmbito do RFAI

 

  1. A apreciação desta questão fica prejudicada pela solução dada à questão anterior, nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicado supletivamente pela alínea e), n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

VI. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar improcedente a exceção de incompetência material do tribunal arbitral;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:
    1. Anular parcialmente a autoliquidação de IRC n.º 2011..., relativa ao exercício de 2009, na medida em que esta não reflete a dedução à coleta de RFAI no valor de 3.472.969,84 euros;
    2. Anular a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2023... que manteve aquela autoliquidação.

 

Tudo, com as legais consequências.

 

VII. VALOR DO PROCESSO

           

  1. Na resposta ao PPA a AT suscitou o incidente do valor da causa uma vez que “No caso em apreço, a requerente pretende ver ser anulada a autoliquidação referente ao ano de 2009, a qual segundo Doc.2 por si junto consubstancia a liquidação nº º 2011 ... que resulta no montante de imposto a pagar de €343.486,14.”, concluindo que “sendo o p.p.a. interposto mediatamente contra a liquidação de IRC de 2009, de facto só se admite a competência do presente Tribunal arbitral caso esteja em causa a apreciação desse ato, então atendendo à liquidação junta pela requerente referente àquele ano, cfr. doc. 2 junto pela requerente, há-de o valor a atribuir à presente ação corresponder ao valor da mencionada liquidação”.

 

  1. Em sede de contraditório, a Requerente argumentou que “O valor da utilidade económica do pedido, no caso dos Autos, não corresponde ao da totalidade da liquidação de IRC, mas apenas, ao valor da liquidação impugnada conforme se referiu, à parte do crédito à coleta que, no caso, corresponde à liquidação no montante de IRC indevidamente determinado e ao imposto indevidamente pago, na parte em que a liquidação deixa de refletir a dedução à coleta a que a Requerente tem direito no âmbito do RFAI (i.e., exatamente 3.472.969,84 euros), acrescentando que “Tanto mais que, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, subsidiariamente aplicável in casu, por efeito da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, para efeitos de custas ou outros previstos na Lei, deve atender-se ao valor da importância cuja anulação se pretende, quando seja impugnada a liquidação.

 

Vejamos.

 

  1. O que está em discussão no presente processo arbitral é um benefício fiscal proveniente do RFAI no montante de 3.472.969,84 €, sendo que em que caso de procedência (total ou parcial) do PPA, tal resultaria na dedutibilidade (total ou parcial) de 3.472.969,84 € à coleta de IRC da Requerente no exercício de 2009.

 

Resulta daqui a evidência de que a utilidade económica do PPA só poder ser aferida pelo valor do benefício fiscal em discussão no processo (3.472.969,84 €), pois este é o valor que passaria a integrar imediatamente o leque de direitos da Requerente caso o PPA fosse integralmente procedente.

 

  1. Na jurisdição arbitral, o critério de fixação do valor retira-se do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária que dispõe, no seu artigo 3.º, n.º 2 que «[o] valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário». Por seu turno, o n.º 1, alínea a) deste último preceito dispõe que, no caso específico de impugnação da liquidação, e importa não esquecer que o processo arbitral tributário é um processo de cariz impugnatório, o valor atendível, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, é «o da importância cuja anulação de pretende».

 

  1. Conforme refere Jorge Lopes de Sousa, nesta norma cabem «todas as situações em que é “impugnada a liquidação”, em que se incluem não só as impugnações diretas de atos de liquidação através do processo de impugnação judicial, como as impugnações de atos de indeferimento de reclamações graciosas ou recursos hierárquicos em que seja apreciada a legalidade de atos de liquidação, as impugnações de atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamentos por conta, pois em todos os casos é impugnado um ato que determinou uma quantia de imposto», concluindo que o valor do processo «será o da própria liquidação, se for pedida a anulação total, ou o valor da parte impugnada, se se pretender uma anulação apenas parcial.» - cf. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume II, 6.ª edição, Áreas Editora, p. 72.

 

  1. Porém, a situação em apreço não apresenta a invocada e linear correspondência entre o valor da liquidação, na aceção de valor de imposto (IRC) a pagar, e a «importância cuja anulação de pretende». Com efeito, o valor da liquidação de IRC, na situação hipotética de procedência integral do pedido da Requerente, resultaria num valor de IRC a ser-lhe reembolsado pela AT.

 

  1.  Assim, o desfecho favorável da ação traduz-se na anulação parcial de uma liquidação cujo valor a pagar é positivo, de € 343.486,14, mas que, expurgada a ilegalidade se deve traduzir numa importância a receber na exata diferença do valor de dedução à coleta nela não contemplado de € 3.472.969,84. Daqui deriva que esta liquidação, que o Tribunal agora julgou parcialmente inválida, contém, aritmeticamente, um valor de IRC liquidado em excesso de € 3.472.969,84.

 

  1. Desta forma, a importância de imposto que a Requerente pretende ver anulada é, na verdade, a de € 3.472.969,84 (que se vai traduzir num efetivo reembolso) e não apenas a do valor “a pagar” mencionado na liquidação.

 

  1. Este entendimento emana e é corolário do princípio geral acima referido de que o valor da causa representa a utilidade económica imediata do pedido, princípio com expressão em diversos compêndios processuais, desde logo no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) – artigo 31.º, n.º 1 – e no Código de Processo Civil – artigo 296.º, n.º 1, aplicáveis a título subsidiário ao processo tributário que, sobre esta matéria, se cinge a um único preceito relativo aos critérios específicos, o mencionado artigo 97.º-A.

 

  1. Na mesma linha interpretativa, se pronuncia o acórdão do TCA Sul, proferido em 13 de março de 2014 no processo n.º 7125/13[5]:

«Nos termos do artigo 296.º/1, do CPC, “[a] toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”. Dispõe o artigo 297.º/1, do CPC, que “[s]e pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício”.
Por seu turno, determina o artigo 32.º, n.º 1, do CPTA, “
[q]uando pela ação se pretenda obter o pagamento de quantia certa, é esse o valor da causa”; nos termos do n.º 2 do preceito, “[q]uando pela ação se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício”.
[…]

No que respeita à determinação da utilidade económica do pedido, “[h]á que ter em conta [que este] se funda sempre na causa de pedir que o explica e delimita. Dela não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstratamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para o apuramento do valor da causa”1. A causa de pedir consiste no facto constitutivo da situação jurídica que o autor quer fazer valer ou negar, cabendo-lhe a função de individualização e de delimitação do pedido. […] 1- José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, CPC, anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1999, p. 543.»

           

  1. Assim, como se refere neste aresto, o critério fixado no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT não se desprende do quantitativo correspondente ao benefício económico a obter com a procedência da ação, sendo, de resto, tal evidenciado pela própria redação da norma em causa, quando refere a “importância cuja anulação se pretende”.

 

  1. Desse modo, afigura-se que assiste razão à Requerente, pelo que, de harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 3.472.969,84 €.

 

VIII. CUSTAS

 

            Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 44.064,00, a cargo da Requerida, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 8 de julho de 2024

 

Os Árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins (Presidente)

 

 

 

 

Francisco Melo (Relator)

 

 

 

 

Clotilde Celorico Palma



[1] O RFAI 2009 foi, entretanto, revogado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho.

[2] As dívidas fiscais constituem-se com os atos de liquidação, atos tributários stricto sensu.

[3] Podendo a AT, em caso de dúvida relativamente à segurança social, obter facilmente essa informação.

[4] O que

[5] Sobre o valor da causa se pronunciam também os acórdãos do STA, processos n.ºs 250/17, de 3 de maio de 2018 e 1016/15, de 26 de agosto de 2015, e do TCA Sul, processo n.º 9579/16, de 29 de janeiro de 2017.