Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 763/2023-T
Data da decisão: 2024-06-27  IRC  
Valor do pedido: € 370.735,71
Tema: IRC - dedutibilidade de gastos de natureza financeira decorrentes de empréstimo concedido a sociedade incorporada para adquirir ações representativas do capital social da sociedade incorporante – RFAI – criação de postos de trabalho - investimento em aumento da capacidade produtiva - DLRR
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SUMÁRIO:

  1. A dedutibilidade dos juros de financiamento concedido à sociedade incorporada, em momento anterior à fusão, não fica comprometida depois da fusão (ainda que inversa), pois com esta operação de reestruturação transmitem-se todas as obrigações da sociedade incorporada, e o gasto com relevância fiscal nesta sociedade não perde a sua natureza, não se verificando o incumprimento dos requisitos do artigo 23º do Código do IRC.
  2. O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) é um incentivo fiscal ao investimento que determina que seja efectuado investimento relevante em activos não correntes (tangíveis e intangíveis), que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento.
  3. A referência feita na alínea f) do nº 4 do artigo 22º do CFI deve ser entendida como reportando-se à criação de postos de trabalho criados em consequência do investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, se ter ou não verificado, um aumento do número de trabalhadores ao serviço da empresa.
  4. É ao sujeito passivo de imposto que compete fazer a prova do preenchimento dos requisitos de que depende a atribuição de determinado benefício fiscal, enquanto facto constitutivo desse direito e impeditivo da tributação-regra (artigo 74º, nº 1, da LGT).
  5. Em matéria de Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (DLRR), a não concretização da totalidade do investimento até ao termo do prazo legalmente previsto implica a devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado na parte correspondente ao montante dos lucros não reinvestidos.

 

DECISÃO ARBITRAL[1]

Requerente –A..., S.A.

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Os Árbitros Rui Duarte Morais, Sofia Cardoso e Sílvia Oliveira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 11-01-2024, decidem o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., S.A, com o número único de pessoa coletiva e de registo ..., com sede na...,  ..., ..., Águeda (adiante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo (TAC), no dia
    25-10-2023, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

  1. A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral “(…) sobre (i) o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2023..., relativo ao exercício de 2018 e do qual resultam imposto e juros compensatórios a pagar no montante de € 137.471,30 (…), bem como a respetiva demonstração de acerto de contas (…); e (ii) o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2021..., relativo ao exercício de 2019 e do qual resultam imposto e juros compensatórios a pagar no montante de € 233.264,11 (…), bem como a respetiva demonstração de acerto de contas (…), todos praticados pela Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)” peticionando que seja declarada a “(…) ilegalidade dos atos de liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios, (…) determinando-se a respetiva anulação por vício de violação de lei, com a consequente i) a devolução dos montantes que venham a ser pagos, ii) acrescidos dos correspondentes juros indemnizatórios; e/ou, iii) o pagamento de indemnização pela prestação de garantia indevida que venha a ser apresentada para suspender o processo de execução fiscal instaurado pelo não pagamento voluntário do montante liquidado (…)”. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente indica ainda três testemunhas a inquirir.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 26-10-2023 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

  1. Em 20-12-2023, dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foram os signatários designados como árbitros pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2 do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

  1. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

  1. Em 11-01-2024, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral, na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

  1. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

  1. A Requerida, em 09-02-2024, apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação no sentido de concluir que deveria “a) ser reduzido o valor do presente pedido de pronúncia arbitral; b) o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”. Adicionalmente, a Requerida indicou também o nome de duas testemunhas a inquirir e, na mesma data, anexou ao processo cópia do Processo Administrativo.

 

  1. Por despacho arbitral de 23-02-2024, foram as Partes notificadas de que a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT foi agendada para o dia 03-04-2024, pelas 10:30 horas, devendo as Partes informar o Tribunal em que instalações do CAAD (Lisboa ou Porto) pretendiam que as testemunhas fossem arroladas. As Partes nada vieram informar até à data da realização da reunião acima identificada.

 

  1. No dia 03-04-2024 não se realizou a reunião agendada para inquirição das testemunhas devido a impossibilidade de comparência da mandatária da Requerente (e das respectivas testemunhas), tendo sido decidido pelo Tribunal Arbitral reagendar a referida reunião para o dia 06-05-2024, pelas 15:00, nas instalações do CAAD no Porto.

 

  1. No dia 06-05-2024 realizou-se a reunião agendada para inquirição das testemunhas, tendo sido decidido pelo Tribunal Arbitral, que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas, a apresentar no prazo simultâneo de 20 dias. Adicionalmente, o Tribunal Arbitral referiu que a excepção do valor da causa, suscitada pela Requerida na Resposta, seria decidida a final, na decisão arbitral, podendo as Partes se pronunciar sobre a mesma nas respectivas alegações.

 

  1. Por outro lado, o Tribunal Arbitral advertiu a Requerente que, até ao 18-06-2024, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD (o que veio a acontecer em 04-06-2024) sendo que, após aquela data, seria proferida a decisão arbitral até ao termo do prazo do artigo 21º do RJAT
    (11-07-2024).

 

  1. A Requerente apresentou as suas alegações escritas em 27-05-2024, tendo concluído como no pedido. No que diz respeito ao valor da causa, defende a Requerente que, não obstante “na resposta apresentada, (…) a AT [pugnar] pela alteração do valor da causa, por entender que o mesmo não deve corresponder ao valor das liquidações impugnadas, mas antes ao valor das correções com que a Requerente evidenciou discordância”, esta entende que “(…) resulta da lei – como da jurisprudência – que, sendo o objeto do processo uma liquidação da qual resulta imposto a pagar, o valor da causa corresponderá ao valor dessa mesma liquidação”, concluindo que e “(…) não merecer qualquer censura o valor da causa que indicou no (…) [pedido], o qual deve ser mantido”.

 

  1. A Requerida apresentou as suas alegações escritas em 28-05-2024, tendo concluído como na Resposta, no sentido de “a) ser reduzido o valor do presente pedido de pronúncia arbitral; b) o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

2.1.    A Requerente começa por referir que “(…) foi notificada de duas liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios, bem como das respetivas demonstrações de acerto de contas, relativas aos exercícios de 2018 e 2019, nos montantes de € 137.471,30 e
€ 233.264,114, respetivamente, e com prazos para pagamento voluntário até 27 de julho de 2023, no que respeita a 2018 e até 31 de agosto de 2023, no que respeita a 2019 (…)
”, esclarecendo que os mesmos “(…) foram notificados (…) na sequência de inspeções levadas a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Aveiro, tendo como objetivo o controlo dos benefícios fiscais usufruídos pela Requerente naqueles exercícios”.

 

  1. Refere a Requerente que das mesmas resultaram “(…) i) correções de natureza aritmética derivadas da não aceitação de gastos financeiros (apenas quanto ao exercício de 2019); ii) imposto em falta resultante da perda de benefícios fiscais associados ao RFAI, ao SIFIDE e ao benefício por dedução por lucros retidos e reinvestido (DLRR); e iii) ajustamentos relativos ao reporte de saldos respeitantes aos benefícios fiscais inspecionados (…)” sendo que, “(…) acordo com o mapa resumo das correções resultantes da inspeção (…) foram efetuadas as seguintes correções: i. Correção à matéria tributável no montante de € 57.563,73, para 2019, relacionada com a não aceitação de gastos financeiros comprovadamente incorridos pela Requerente com empréstimos bancários; ii. Correções às deduções à coleta, nos montantes de
    € 193.092,04 para 2018 e € 159.078,73, para 2019, relacionadas com benefícios fiscais aproveitados pela B..., como o RFAI, o SIFIDE e a dedução por lucros retidos e reinvestidos. Adicionalmente, propõem-se ainda ajustamentos, nos montantes de
    € 122.746,58 para 2018 e de € 200.296,14, para 2019, relativos aos saldos a transitar para os exercícios seguintes, igualmente relacionados com os benefícios fiscais acima mencionados, considerados pela equipa inspetiva como créditos ilegitimamente reportados pela Requerente
    ”.

 

  1. Face às correções efectuadas, “(…) a ora Requerente entendeu ser de aceitar correções ao valor do investimento relevante para efeitos de RFAI e de DLRR (com o correspondente impacto no que respeita às respetivas deduções à coleta) nos montantes de € 43.261,29 para 2018 e de € 96.945,35 para 2019” mas vem impugnar a) a correção fiscal relativa a encargos financeiros (EUR 57.563,73), efectuada no período de tributação de 2019 e b) as correções aos créditos fiscais (deduções à coleta) e ajustamentos atinentes aos benefícios fiscais (RFAI, SIFIDE e DLRR), efectuadas nos períodos de tributação de 2018 e 2019 (na parte não aceite pela Requerente).

 

 

 

Da correção dos encargos financeiros

 

  1. Nesta matéria, refere a Requerente que “(…) os encargos financeiros referidos têm origem em contrato de financiamento datado de 2007 (…) que foi objeto de renegociação, pela Requerente, em 2009, (…)” não concordando com a posição da Requerida que “(…) sustenta a recusa da dedutibilidade dos mencionados encargos financeiros no facto de a posição de devedora no relevante contrato de financiamento ter sido transmitida à Requerente via fusão (…), não obstante esse facto ser absolutamente irrelevante para aferir da indispensabilidade dos gastos para a obtenção ou manutenção de rendimentos sujeitos a IRC (…)”.

 

  1. Alega a Requerente que, para a Requerida, (…) tais capitais alheios nunca foram aplicados na exploração da B..., porquanto nunca lhe foram colocados à disposição quaisquer meios financeiros decorrentes de tal empréstimo, nem a B... realiza qualquer operação ativa ou detém qualquer ativo financeiros ou não financeiro, associado ao empréstimo, que lhe proporcione qualquer rendimento”, argumentos que a Requerente contradiz, apresentando indicadores económicos.

 

  1. Neste âmbito, esclarece a Requerente que “em 13 de fevereiro de 2007, a sociedade C..., SA (que, (…) viria a ser incorporada pela Requerente) celebrou (…) um contrato de financiamento com o ‘BCP, SA’ e ‘Banco Millennium BCP Investimento, SA’ (…)” nos termos do qual “(…) foi realizado um empréstimo à sociedade ‘ C..., SA’, no montante de 12.350.000 EUR (…)” e “(…) a ‘C... SA’ incorreu em diversos encargos financeiros, designadamente juros e Imposto do Selo” sendo que “em virtude de uma operação de fusão (…) a ‘C... SA’ foi incorporada pela ora Requerente” pelo que “(…) o contrato de financiamento até então suportado pela ‘ C..., SA’ passou (…) para a esfera da ora Requerente passando esta, pois, a suportar os respetivos encargos financeiros”, “(…) os quais passaram a ser anualmente contabilizados, do exercício de 2008 em diante”.

 

  1. Assim, “(…) no exercício de 2019, a Requerente contabilizou gastos associados ao (…) financiamento no montante global de € 57.563,79 (…)”.

 

  1. Acrescenta que “(…) com tal fusão”, “(…) reforçou-se a capacidade comercial da Requerente (…), permitindo que (…) passasse a possuir um relevante potencial de afirmação em mercados emergentes (…)”, pelo que “(…) ao contrário do que afirma a AT no relatório de inspeção, os gastos de financiamento em causa cumprem o requisito legal da indispensabilidade para a obtenção ou manutenção dos rendimentos sujeitos a IRC”.[2]

 

  1. Adicionalmente, refere a Requerente que diversa jurisprudência de Tribunais superiores (que cita) e do CAAD (que enumera) têm sido no sentido de concluir pelo “(…) evidente preenchimento quer dos requisitos da alínea c), do n.º 1, do artigo 23.º do Código do IRC quer do corpo do n.º 1 do artigo 23.º do mesmo Código (…)” concluindo a Requerente que “a liquidação adicional de IRC de 2019, é (…) ilegal na parte em que reflete a recusa da dedutibilidade dos encargos financeiros efetivamente suportados pela Requerente, e deve ser anulada, com as demais consequências legais”.

 

Da perda dos benefícios fiscais

 

  1. Nesta matéria, refere a Requerente que “(…) a AT fundamenta as correções propostas em erros no cálculo das dotações permitidas, ao aproveitamento de benefícios em sede de SIFIDE, num exercício relativamente ao qual a respetiva candidatura terá sido recusada à Requerente e no alegado incumprimento dos requisitos legais para a elegibilidade dos montantes investidos para efeitos dos benefícios” sendo que, alega a Requerente, “(…) a AT interpreta erradamente diversas das normas nas quais se baseia para recusar a elegibilidade do investimento efetuado pela Requerente para efeitos dos benefícios fiscais aproveitados em todos os exercícios objeto de inspeção”.

 

  1. Alega a Requerente que “(…) entendeu ser de aceitar, correções ao valor do investimento relevante para efeitos de RFAI e de DLRR (…) nos montantes de € 43.261,29 para 2018 e de € 96.945,35 para 2019”, mas “(…) não pode (…) conformar-se com uma parte substancial das correções efetuadas no que respeita às deduções à coleta relativas ao aproveitamento de benefícios fiscais, (…)”.

 

  1. Esclarece a Requerente que “(…) a estratégia de investimentos adotada nos anos em análise teve em vista dotar a empresa de melhor capacidade de produção dos seus equipamentos e de processos de produção mais eficientes que reduzissem o rácio unitário de custos por unidade produzida” sendo que, destas análises, “(…) sobressai a sua evolução positiva ao longo dos anos”, tendo “a empresa [conseguido] (…), neste período, que os seus equipamentos proporcionassem uma crescente margem industrial positiva sem necessidade de reduzir os custos de mão de obra direta associados à produção (i.e., sacrificando salários e postos de trabalho) e mantendo a sua competitividade nos mercados europeus, para onde exporta 95% da sua produção total (…)”, concluindo que “esta performance só é compatível com o esforço de investimento que a Requerente faz anualmente para se manter competitiva e eficiente (…)”.

 

Da criação e manutenção de postos de trabalho para efeitos do aproveitamento do RFAI

 

  1. Nesta matéria, segundo alega a Requerente, “nos exercícios de 2018 e 2019, a Requerente realizou importantes investimentos na expansão e melhoria do seu negócio” tendo “este investimento [passado] pela aposta em melhorias no processo de produção e desempenho operacional, no desenvolvimento de metodologias e recursos para o controlo de qualidade do produto, bem como na eficiência energética”, “(…) os quais permitiram à Requerente aumentar significativamente a capacidade produtiva da empresa, reduzindo os tempos de produção, [requerendo] também a contratação de novos trabalhadores para as unidades industriais onde são produzidas as soluções de refrigeração que comercializa para mais de 50 países em todo o mundo (…)”.

 

  1. Assim, segundo refere a Requerente “(…) nos doze meses anteriores a dezembro de 2018, a média de trabalhadores afetos àquela área produtiva era de 147”, sendo que “em 31 de dezembro de 2018, encontravam-se afetos às unidades fabris 152 trabalhadores, número que decresceu para 148, no final de 2019, assim se mantendo no final de 2020 e de 2021 (…)” pelo que, afirma, “em cada um dos três exercícios subsequentes a 2018, o número de trabalhadores contratados em consequência do investimento produtivo considerado pela Requerente para efeitos dos benefícios fiscais, designadamente ao abrigo do RFAI, manteve-se sempre acima da média dos doze meses anteriores a dezembro de 2018”.

 

  1. Já no que diz respeito a 2019, refere a Requerente que “(…) nos doze meses anteriores a dezembro de 2019, a média de trabalhadores afetos àquela área produtiva era de 138”, sendo que “em 31 de dezembro de 2019, encontravam-se afetos às unidades fabris 148 trabalhadores, número que se manteve no final de 2020 e de 2021, tendo decrescido para 139 no final de 2022 (…)” pelo que, afirma, “em cada um dos três exercícios subsequentes a 2019, o número de trabalhadores contratados em consequência do investimento produtivo considerado (…) para efeitos dos benefícios fiscais, designadamente ao abrigo do RFAI, manteve-se sempre acima da média dos doze meses anteriores a dezembro de 2019”.

 

  1. Nestes termos, segundo alega a Requerente, “em resultado do investimento efetuado, (…) contabilizou uma dotação de € 114.436,58 em 2018 e de € 160.298,02 para 2019, no âmbito do benefício fiscal designado como RFAI (…), dos quais deduziu à coleta, naqueles exercícios, € 7.274,64 e € 7.204,10, respetivamente, transitando o remanescente para os exercícios seguintes (…)” mas, não obstante ter observado todas condições legais aplicáveis ao benefício em causa, “sustenta a Requerida que não ocorreu a criação de postos de trabalho em 2018, e que, relativamente ao RFAI 2019, o sujeito passivo não deu cumprimento à imposição de manter o nível de empregabilidade alcançado pelo investimento, concluindo que não foi cumprida a condição prevista no artigo 22.º, n.º 4, alíneas c) e f) do CFI pelo que, em consequência, não pode a Requerente beneficiar do RFAI naquele exercício”.

 

  1. Neste âmbito, alega a Requerente que a Requerida apoiou as suas conclusões “(…) na redação do artigo 2.º, ponto 32) e no artigo 14.º, n.º 9 do Regulamento (UE) 651/2014, de 16 de junho de 2014 (RGIC), o qual rege os auxílios com finalidade regional a implementar pelos estados-membros e de onde decorre que a aferição da criação de postos de trabalho pressupõe um aumento líquido de postos de trabalho em 31 de dezembro de determinado ano, quando comparado com a média dos doze meses anteriores”, bem como “(…) num mapa que elaborou contendo a evolução do número total de trabalhadores contratados sem termo pela Requerente entre 1 de janeiro de 2018 e 31 de dezembro de 2022 (…) e não a evolução do número de trabalhadores contratados em razão do investimento efetuado e considerado pela Requerente para efeitos do RFAI”, entendimento com o qual a Requerente não concorda.

 

  1. Em consequência, esclarece a Requerente que a Requerida veio considerar como ilegítima a totalidade da dotação do RFAI para 2018 e para 2019 inscrita pela Requerente, anulando, em consequência, a dedução à colecta inscrita a esse título para aquele exercício, situação que a Requerente não aceita porquanto, “(…) como decorre da mera leitura daquela alínea c), do n.º 9, do artigo 14.º, do RGIC, não faz qualquer referência a um aumento líquido do número total de trabalhadores, pelo contrário refere-se a cada posto de trabalho criado através do investimento para efeitos de preenchimento do requisito de manutenção de postos de trabalho, ou seja, para efeitos de comparação inter-temporal relevante. (…). Não está, assim, em causa, para efeitos da verificação do cumprimento dos requisitos do RFAI, a aferição da evolução do número total de postos de trabalho (criados sem termo) da Requerente, mas apenas dos postos de trabalho especificamente criados pelos investimentos realizados no exercício em causa. (…). Em suma, o que deve manter-se durante os três anos, ou ser substituído durante esse período, é apenas o contingente de trabalhadores admitidos por causa do investimento, como contrapartida do benefício fiscal. (…). O conflito interpretativo em presença e, bem assim, o correto sentido em que deve ser dirimido, foi sumarizado de forma esclarecedora na decisão arbitral proferida no processo n.º 488/2019-T (…)” (sublinhado nosso).

 

  1. Adicionalmente, invoca a Requerente que “(…) cabia à AT o ónus de demonstrar que a condição relativa à criação de emprego (…) não foi cumprida pela (…) Requerente, (…)”, “(…) o que não sucedeu (…)”, pelo que “(…) não se afigura aceitável o entendimento da AT, de que os benefícios fiscais invocados pela Requerente para 2018 e 2019 terão caducado por incumprimento da obrigação de criação e manutenção de postos de trabalho, pois que tal não foi demonstrado”.

 

  1. Nestes termos, peticiona a Requerente que sejam anuladas “(…) as liquidações adicionais de IRC de 2018 e 2019, na parte em que desconsideram a totalidade da dedução à coleta declarada pela Requerente com origem no aproveitamento do RFAI, (…) com as demais consequências legais” devendo “de igual forma, (…) ser anuladas (…) as correções efetuadas aos saldos transitados por não aproveitamento da totalidade da dedução à coleta ao abrigo do RFAI (…)”.

 

Da elegibilidade do investimento realizado para efeitos de RFAI e DLRR

 

Investimento em reparação de activos nas unidades fabris da Requerente e em aquisições isoladas de activos

 

  1. Nesta matéria, refere a Requerente que “em 2018 e 2019, (…) contabilizou gastos relativos aos investimentos efetuados em obras e aquisições para modernização dos processos produtivos e das instalações das duas fábricas onde produz os equipamentos de refrigeração profissionais que comercializa, designados como ‘polo I’ e ‘polo II’”, sendo que, em cada um dos anos, “(…) adquiriu ferramentas e outros componentes novos com vista à atualização e reparação de máquinas adquiridas no âmbito do investimento produtivo, no valor de € 289.032,01 para 2018 e de € 268.597,69 para 2019 (…)”.

 

  1. O referido investimento foi “(…) qualificado pela AT, na sua globalidade, como um investimento em reparações de ativos que não contribui para o aumento da capacidade produtiva das unidades fabris operadas pela Requerente, não podendo, nessa medida, considerar-se elegíveis para efeitos dos benefícios fiscais de RFAI e DLRR (…)” porquanto “(…), entendeu a AT, sobre as despesas incorridas com a aquisição e instalação de ferramentas (…) e outras componentes para máquinas (…), que estas reparações, componentes e peças de substituição, são despesas correntes inerentes ao normal bom funcionamento das máquinas, pelo que, para além de não elegíveis (…) também não são impulsionadoras de aumento da capacidade do estabelecimento (…)” argumentação que a Requerente não aceita.

 

  1. Prossegue a Requerente referindo que “do mesmo modo, em 2018 (…) adquiriu várias novas máquinas para as suas instalações fabris (…), tendo ainda investido na aquisição e instalação de um novo sistema de movimentação de cargas em altura para a sua linha de montagem de bancadas, investimentos que totalizaram € 36.677,86 (…)” mas, “quanto a estes investimentos, a AT considerou que não eram elegíveis para efeitos de RFAI e DDLR na medida em que no período de 2018, não foi realizado, a montante ou a jusante, um investimento indutor do aumento da capacidade do estabelecimento, como seja a aquisição de máquinas produtivas (…) passível de agregar os equipamentos (…) identificados que, por si só de forma isolada, não cumprem o desiderato de “aumento da capacidade de produção”.

 

  1. A este respeito, alega a Requerente que “(…) existe sempre a necessidade de investir em novas ferramentas para as máquinas, pois a introdução de novas versões de produtos obriga a novas ferramentas com diferentes perfis” porquanto, “sem esse investimento (…) ver-se-ia impedida de alargar o portfólio de oferta de produtos (…), tornando inútil parte substancial do investimento efetuado no aumento da capacidade produtiva das suas unidades fabris por outras vias (…)” e, por outro lado, afirma a Requerente, “no que respeita à manutenção das máquinas, a mesma suporta sobretudo novas versões de packs mais evoluídos apresentados pelos fabricantes das mesmas, e que permitem acréscimos de eficiência e produtividade das mesmas (…)”, sendo “(…) bastante evidente que todas estas ferramentas e componentes reduzem o tempo de produção unitário o que conduz, inevitavelmente, ao aumento da capacidade produtiva das fábricas, pelo que mal se compreende a não aceitação das despesas inerentes à sua aquisição (…) e instalação nos polos fabris da Requerente, como elegíveis para efeitos de RFAI e DLRR”.

 

  1. Assim, segundo alega a Requerente, “(…) do conjunto de despesas desconsideradas como investimento elegível para os anos de 2018 e 2019, no que respeita a (…) reparações de ativos, a Requerente apenas não contesta: i. as correções feitas quanto à revisão do compressor, no exercício de 2018, no montante de € 6.461,42 (…); ii. as correções realizadas com referência às seguintes faturas, totalizando € 11.342,48 (…); iii. E as correções relativas às rubricas com os ID 9.172 a 9.176, relativas à reparação do compressor instalado no Pólo II, as quais totalizam € 4.952,02 (…)” (sublinhado nosso).

 

  1. Clarifica a Requerente que “o raciocínio que acaba de se expor é igualmente aplicável à aquisição (…)” de máquinas diversas, que identifica, “(…) razão pela qual, dos investimentos discriminados no ponto V.1.1.1.3.6. do relatório (…) e no ponto V.1.2.1.6.5 do relatório (…), a Requerente entende apenas não ser de contestar a apreciação da AT relativamente: i. Ao terminal biométrico (…) no valor de € 400; e ii. À vedação metálica do armazém (…) nos montantes de € 9.242,51 para 2018 e € 4.527,88 para 2019”.

 

  1. E, acrescenta a Requerente que, “(…) pretendendo a AT expurgar alguma das despesas que entendeu não considerar como investimento elegível, sempre haveria que proceder-se à correção dos erros materiais identificados no elenco das mesmas plasmado no relatório final (…) pois que deste constam valores duplicados que importa eliminar, bem como valores errados que importa corrigir”, os quais identifica (sublinhado nosso).

 

  1. Adicionalmente, refere a Requerente que “em 2018 e 2019, (…) procedeu ainda a reparações na área administrativa das suas unidades fabris, bem como no polo I (…)” sendo que “as obras de reparação (…) descritas, representaram um investimento no montante de € 4.226,32, no que se refere às obras do polo I e € 16.119,44, no que se refere à área administrativa – este repartido entre os anos de 2018 e de 2019” [e que não obstante “os gastos (…) descritos (…) e referentes ao que a AT denominou como obras pontuais de renovação e manutenção do edifício não [terem sido] considerados como elegíveis para efeitos de RFAI e DLRR, na medida em que, no seu entendimento, não são suscetíveis de aumentar a capacidade produtiva da Requerente, razão pela qual a AT corrigiu as deduções à coleta inscritas pela Requerente a esse título em cada um dos exercícios inspecionados”], “(…) todas as obras de reparação foram levadas a cabo nos edifícios das unidades fabris operadas pela (…) Requerente, o que (…) não é despiciendo para aferir da elegibilidade dos investimentos efetuados para efeitos dos benefícios fiscais em causa”, tendo em consideração o legalmente previsto.

 

  1. Neste sentido, alega a Requerente que “não podendo os investimentos em causa deixar de ser qualificados como reparações – seja no que respeita à substituição de instalações elétricas e iluminação antigas, à remodelação de espaços por forma a ampliar as áreas de luminosidade natural, à reparação de escadas e portas – torna-se claro que os mesmos deveriam ter sido admitidos como relevantes para efeitos do aproveitamento dos benefícios fiscais referentes ao RFAI e à DLRR”, “razão pela qual as liquidações adicionais contestadas são ilegais, na parte em que refletem a recusa das deduções à coleta efetuada pela Requerente relativamente àqueles investimentos e deve ser anulada, com as demais consequências legais”.

 

Investimentos no showroom

 

  1. Nesta matéria, refere a Requerente que, em 2018, “(…) optou por investir na criação de um showroom nas instalações fabris do polo II” tendo o mesmo sido “(…) criado de raiz, (…) com dois propósitos: um comercial, no sentido de proporcionar uma experiência de utilização dos produtos aos clientes e potenciais clientes in loco” “e outro (…) operacional, no sentido de se pretender que o showroom funcione como laboratório para uma fase final de testagem dos produtos comercializados pela Requerente”, tendo considerado “(…) como investimentos elegíveis as despesas incorridas com a respetiva criação”, os “quais se cifraram em € 78.672,97 (…) na parte respeitante a artigos de conforto (…)”.

 

  1. Segundo alega a Requerente, “(…) a AT [desconsiderou] aquelas despesas para efeitos de RFAI e DLRR, por considerar que as mesmas não são indutoras do aumento da capacidade produtiva da Requerente”, posição com a qual a Requerente não concorda.

 

Investimento em equipamentos para testes e equipamento informático para o laboratório da Requerente

 

  1. Neste âmbito, refere que a Requerente que, “em 2018, (…) realizou investimentos em ativos com vista à melhoria dos processos de testagem dos produtos que fabrica e comercializa, os quais totalizaram € 19.747,45 (…)” e “também em 2018, (…) investiu na aquisição de equipamento informático, no montante de € 18.475,00 (…)”, tendo “todos esses investimentos [sido] realizados, concretamente, nas instalações do laboratório situado no polo II, para o qual foram adquiridas três máquinas de testagem do produto”, visando-se “naquele laboratório e com aqueles novos equipamentos (…) automatizar e tornar mais eficientes os procedimentos de testagem e controlo de fugas dos equipamentos produzidos (…)”.

 

  1. A este respeito, não obstante a Requerida admitir que “aqueles investimentos podem conduzir a uma melhoria do produto”, a Requerida “(…) recusou a totalidade das deduções à coleta calculadas em função daqueles montantes, por considerar que os mesmos não contribuem para o aumento da capacidade produtiva do estabelecimento da (…) Requerente”, posição que esta não aceita, considerando que os “(…) investimentos em causa [devem] ser considerados elegíveis, por cumprirem os critérios legais para o efeito (…)” pelo que, “por este motivo (…) apenas pode abster-se de contestar as aquisições de equipamento informático não relacionadas com estes processos, como sejam as identificadas nas rubricas com os ID 4.2 e 4.5 do quadro constante do ponto V.1.1.1.3.8. do relatório de inspeção (…), nos montantes de € 718,20 e € 1.612,18, respetivamente”.

 

  1. Nestes termos, conclui a Requerente que “(…) na medida em que os investimentos realizados cumprem os requisitos legalmente estabelecidos para efeitos de RFAI e DLRR, a liquidação adicional de IRC de 2018 é, na medida em que não reflita essa realidade, ilegal, por violação de Lei, e deve ser, de imediato, anulada, com as demais consequências legais”.

 

Investimentos em moldes

 

  1. Refere a Requerente que “quer em 2018, quer em 2019, (…) investiu na aquisição de novos moldes e de alterações para moldes de injeção de plástico com vista à produção de peças utilizadas no processo produtivo” “(…) mas mantém-nos fisicamente nas instalações dos respetivos fornecedores” motivo pelo qual a Requerida “(…) entendeu serem de desconsiderar os custos com a aquisição dos moldes em causa como investimento elegível para efeitos de RFAI e DDLR, nos montantes de € 42.962,41 para 2018 e € 37.786,17 para 2019 (…)” não questionando que “(…) estes sejam suscetíveis de aumentar a capacidade produtiva instalada (…)”, “antes exigindo que eles sejam concretamente indutores da criação de postos de trabalho (…)”.

 

  1. Acrescente a Requerente que “(…) como resulta das normas (…), bem como da jurisprudência que a interpreta, o que releva, para efeitos da criação de postos de trabalho, é a realização de investimento relevante que cumpra os demais critérios (…)”, considerando não ser relevante analisar “(…) quais os postos de trabalho que foram concretamente gerados por cada item de investimento realizado em particular, mas antes se o conjunto de investimentos realizados nos exercícios em causa gerou postos de trabalho em número suficiente para cumprir o critério previsto na alínea f) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI”.

 

  1. Assim, “(…) não se colocando nos relatórios de inspeção qualquer outro entrave à dedução das despesas realizadas com o investimento em moldes, terá que concluir-se pela ilegalidade das liquidações adicionais de IRC de 2018 e 2019 na parte me que não as refletem, pelo que deverão ser anuladas em conformidade, com as demais consequências legais”.

 

Investimento em ativos intangíveis

 

  1. Nesta matéria, alega a Requerente, “em 2019, (…) contabilizou nas subcontas 441, 443 e 446 (…) gastos com a aquisição, renovação e instalação de softwares no montante de
    € 61.547,60 (…)
    ” os quais, “(…) não obstante consubstanciarem verdadeiros gastos com transferência de tecnologia para efeitos da elegibilidade do investimento efetuado em sede de RFAI e de DLRR (…)”, a Requerida veio a recusar, “(…) corrigindo as deduções à coleta declaradas pela Requerente a esse título (…)”, nos exercícios sob análise, porquanto “(…) considera (…) que os mesmos não operam transferência de tecnologia na aceção da alínea b), do n.º 2, do artigo 22.º e do n.º 2 do artigo 30.º, ambos do CFI” tendo em consideração que “na interpretação da AT, apenas cabem naquele conceito de transferência de tecnologia os investimentos associados à aquisição de propriedade intelectual ou industrial”.

 

  1. Todavia, segundo entende a Requerente, “não tem razão [a AT] na interpretação que faz da Lei” dado que “(…), no que respeita a elegibilidade dos gastos incorridos com ativos intangíveis, o CFI refere-se genericamente às despesas com transferência de tecnologia, através da aquisição, nomeadamente, de licenças, [não relevando], para esse efeito, a natureza massificada ou não como produto final da tecnologia adquirida”.

 

  1. Assim, reitera a Requerente que, para o efeito, “o conceito de transferência de tecnologia adotado pelo CFI não se restringe, à aquisição de produtos ou conhecimentos [que] sofram desenvolvimentos adicionais e deem origem a novos produtos/processo/aplicações assentes na tecnologia transferida, conforme exige a AT (…)”, esclarecendo que “o entendimento perfilhado pela (…) Requerente já foi aliás adotado (…) em relação à própria Requerente”, “razão pela qual não pode a interpretação veiculada pela AT a este respeito prevalecer, devendo as liquidações contestadas ser anuladas na arte em que reflitam a recusa da dedutibilidade dos investimentos em instalação, aquisição e renovação de licenças de software massificado no mercado tecnológico como produto final”.[3]

 

Da ilegalidade na liquidação dos Juros Compensatórios

 

  1. A este respeito, refere a Requerente que as “(…) liquidações de juros compensatórios de que foi alvo (…) devem estas ser tidas por ilegais (…)” porquanto “em primeiro lugar, tais liquidações apenas seriam possíveis na medida em que se considerasse que no caso sub judice era devido o imposto em crise, o que já vimos não poder (…) justificar-se ou ter qualquer base legal” e, “em segundo lugar, (…) as liquidações de juros compensatórios (…) devem ser consideradas ilegais por razões substanciais”.

 

  1. Segundo entende a Requerente, “(…), para que exista responsabilidade por juros compensatórios é necessário que se verifique: (i) nexo de causalidade adequada entre a atuação do contribuinte e o retardamento da liquidação; e, (ii) a conduta do contribuinte seja censurável, a título de dolo ou negligência” e, nesta medida, alega a Requerente que “(…) não tendo a AT fundamentado as liquidações de juros compensatórios nos termos descritos, não cumpriu esta o ónus de prova e fundamentação que a si cabia” pelo que resta “(…) concluir que as liquidações de juros compensatórios de que (…) foi alvo são absolutamente ilegais, por erro sobre os pressupostos de facto e direito da imputação da responsabilidade por juros compensatórios e falta de fundamentação da respetiva liquidação” e, “(…) assim sendo, semelhante liquidação enferma dos vícios de forma e violação da lei, pelo que deve ser anulada”.

 

  1. Assim, conclui a Requerente o pedido de pronúncia arbitral peticionando que o Tribunal conclua pela “(…) declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios, relativos aos exercícios de 2018 e 2019 determinando-se a respetiva anulação por vício de violação de lei, com a consequente i) a devolução dos montantes que venham a ser pagos, ii) acrescidos dos correspondentes juros indemnizatórios; e/ou, iii) o pagamento de indemnização pela prestação de garantia indevida que venha a ser apresentada para suspender o processo de execução fiscal instaurado pelo não pagamento voluntário do montante liquidado (…)”.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida, na Resposta, começa por esclarecer que “(…) a requerente opõe-se (…) à correção fiscal relativa a encargos financeiros fiscalmente desconsiderados efetuada no período de tributação de 2019” e às “(…) correções aos créditos fiscais (deduções à coleta) e ajustamentos atinentes aos benefícios fiscais – RFAI, SIFIDE e DLRR, efetuadas nos períodos de tributação de 2018 e 2019”. “liquidações adicionais (…) [que] deram origem aos documentos de cobrança - ou notas de acerto de contas (…), identificadas no processo, “(…) num total de €370.735,41”, valor que não se encontra regularizado, “(…) tendo dado origem aos processos de execução fiscal (PEF) n.º ...2023... (2018) e n.º ...2023... (2019)”.

 

3.2.    Prossegue a Requerida referindo que, em concreto, “(…) a requerente aceita a não elegibilidade dos investimento elencados (…), nos anos de 2018 e 2019, designadamente, reparações de ativos existentes, mobiliário e artigos de conforto, showroom, aquisições isoladas, equipamentos informáticos, adiantamentos”, “verificando-se que a requerente: (1) não aborda, especificamente, qualquer questão relacionada com o SIFIDE (2) aceita as correções ao valor do investimento relevante para efeitos de RFAI e de DLRR (…), isto é, (3) concorda com a correção dos créditos fiscais declarados (deduções à coleta) de €10.815,33 (2018) e €24.236,33 (2019) em sede de RFAI; (4) Concorda com a não elegibilidade dos investimentos elencados (…) para efeitos de DLRR; (5) Peticiona a anulação das liquidações por vício de violação de lei; (6) Atribui como valor da acção
€ 370.735,71 (…) correspondente ao somatório da totalidade das liquidações descritas (…)
”.

 

3.3.    Neste âmbito, começa por referir a Requerida que “(…) o valor da causa indicada no presente ppa corresponde à globalidade das notas de cobrança emitidas (…) e não à parte das correções fiscais efetivamente contestadas no presente ppa”, alegando que “(…) o valor da acção deve ser reduzido e corrigido para o valor das correcções aqui efectivamente impugnadas”.

 

Gastos financeiros não incorridos para a obtenção ou garantia de rendimentos

 

3.4.    Nesta matéria, no que diz respeito às correções propriamente ditas, “a Requerida refuta o entendimento da requerente sobre esta matéria (…)” porquanto “(…) os encargos financeiros suportados pela requerente relativos ao financiamento obtido pela C... para a aquisição do seu próprio capital (…) não têm qualquer contrapartida ao nível de rendimentos específicos (presentes ou futuros) a que possam estar associados pois não existem na esfera da requerente quaisquer operações ativas ou património a que possam ser indexados esses encargos” pelas razões que enumera.

 

  1. Refere a Requerida que “(…) uma sociedade não pode suportar gastos financeiros provenientes do financiamento do seu próprio capital social. Ou seja, os juros de capitais alheios aplicados numa operação de aquisição do capital social de uma sociedade enquadrada numa operação de fusão inversa, não podem ser considerados dedutíveis para efeitos fiscais, uma vez que não foram incorridos para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.[4]

 

Do Benefício Fiscal do RFAI

 

  1. Neste âmbito, refere a Requerida que, quanto à condição de criação e manutenção da criação de postos de trabalho, com referência aos períodos de tributação de 2018 e 2019, “foram efetuadas (…) no âmbito do (…) (RFAI), (…) i) Correções relativas a deduções à coleta consideradas indevidas - €94.151,86 (2018) e €114.366,04 (2019) […] ii) Reporte de saldos considerado indevido - €107.161,94 (2018) e €153.093,92 (2019) […]” tendo estas correções sido “efetuadas com o fundamento de que a requerente, no período de tributação de 2018 e 2019 não reunia o requisito de acesso ao RFAI (…), o qual faz depender o aproveitamento deste benefício fiscal à criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento”.

 

  1. Segundo alega a Requerida, “verificaram os SIT que em 2018 não ocorreu um aumento líquido do número de trabalhadores com contrato sem termo relativamente à média dos 12 meses precedentes e que em 2019 embora tenha havido lugar à criação de posto de trabalho, a Requerente não deu cumprimento à imposição de manter o nível de empregabilidade alcançado pelo investimento, ao longo dos anos de manutenção obrigatória do mesmo (…)” pelo que “(…) a dotação apurada pela requerente, em sede de RFAI, nos períodos de 2018 e 2019 foi desqualificada, na integra, para efeitos deste benefício fiscal, com fundamento no incumprimento de um dos requisitos cumulativos previstos no n.º 4 do artigo 22.º do CFI”.[5]

 

  1. Assim, conclui a Requerida que, nesta matéria, deverá improceder o entendimento da Requerente.

 

Quanto aos investimentos realizados

 

  1. A este respeito, esclarece a Requerida que “os SIT, não obstante não terem dado por cumprido o requisito de criação de postos de trabalho (2018) e manutenção de postos de trabalho (2019) para efeitos de RFAI procederam, ainda assim, ao enquadramento do investimento considerado, numa das quatro tipologias previstas no RGIC, bem como quanto à sua elegibilidade (…)”, remetendo a Requerida para a análise efectuada no RIT relativamente a cada um dos períodos de tributação, referindo que, “de tudo o exposto nos RIT, relativamente ao RFAI, foram retiradas as seguintes conclusões (…)”:

 

Período de 2018

• Não aceitação, na totalidade, da dotação do RFAI 2018 inscrita no quadro 074 do Anexo D (€114.436,58), com fundamento no incumprimento do requisito criação [líquida] de postos de trabalho (…).

Complementarmente, da análise casuística aos investimentos realizados em 2018, os mesmos também não reuniam os requisitos para a respetiva elegibilidade para efeitos de RFAI, dado que se tratavam de aquisições não enquadráveis no conceito de investimento inicial (…).

• Correção (anulação) da totalidade da dedução à coleta relativa ao RFAI (€94.151,86) efetuada pela requerente no campo 355 do quadro 10 da Dec. Mod. 22, no período de 2018, pelos seguintes motivos: (1) €86.877,22, referente ao RFAI 2017, cuja dotação foi considerada ilegítima, na sua totalidade, conforme consta no RIT elaborado na sequência de procedimento de inspeção anteriormente realizada (…) e €7.274,64 relativo ao RFAI 2018, que como supra mencionado, a dotação foi totalmente desconsiderada. (…).

Período de 2019

• Não aceitação, na totalidade, da dotação de RFAI 2019 inscrita no quadro 074 do Anexo D (€160.298,02), com fundamento no incumprimento do requisito da manutenção da criação de postos de trabalho nos três anos seguintes ao investimento (…).

Complementarmente, da análise casuística aos investimentos realizados em 2019 constataram os SIT que, no período de 2019, a B... considerou indevidamente como investimentos elegíveis para efeitos de RFAI, despesas que não são passíveis de se qualificarem como investimento inicial, na quantia de €459.159,34.

• Correção (anulação) da totalidade da dedução à coleta relativa ao RFAI (€114.366,04) efetuada pela requerente no campo 355 do quadro 10 da Dec. Mod. 22, no período de 2019, pelos seguintes motivos: (1) €107.161,94, referente ao RFAI 2018, e (2) €7.204,10 relativo ao RFAI 2019, cujas dotações foram totalmente desconsideradas (…)” (negrito nosso).

 

Do Benefício Fiscal da DLRR

 

  1. No que diz respeito à DLRR (Dedução dos Lucros Retidos e Reinvestidos) e aos motivos que originaram as correções ao IRC de períodos anteriores (DLRR 2016) e correspondentes juros compensatórios, respetivamente, os montantes de EUR 57.036,78 e de EUR 22.475,62, no período de tributação de 2018, segundo alega a Requerida, “em sede de DLRR e perante a confirmada não concretização da totalidade do investimento a Requerente apenas efetuou investimento elegível no montante de € 396.255,66 (€ 69.739,32 em 2017 e € 326.516,34 em 2019) dos € 966.623,50 a que estava obrigada, os SIT concluíram pela imposição da devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado na parte correspondente ao montante dos lucros não reinvestidos […], o qual foi adicionado ao montante de imposto a pagar relativo ao segundo período de tributação seguinte (2018) (…), acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais (…)”.

 

  1. Com efeito, segundo alega a Requerida, “no período de 2016, a requerente deduziu à coleta o montante de €96.662,35 a coberto do regime da DLRR (…)”, sendo que “o valor da reserva constituída em contas de capital próprio, relativa aos resultados retidos de 2016 [ascendia] a €966.623,50, (…) a ser reinvestido, nos três anos seguintes (2017, 2018 e 2019) ao ano em que foi considerada a dedução à coleta de IRC”, (…). Os SIT, na análise efetuada, aferiram o reinvestimento da DLRR tendo por base a informação fornecida para efeitos de RFAI 2018 e 2019” e, “quanto às demais especificidades das correções fiscais e demais disposições legais relativas ao RFAI, remete-se para o correto enquadramento e fundamentos constantes nos RIT”, porquanto “(…) tal como fundamentaram os SIT, estamos perante, além de investimento expressamente excluído do diploma legal(…)”, concluindo pela improcedência da pretensão da Requerente.

 

Dos Juros Compensatórios

 

  1. A este respeito, alega a Requerida que “no caso em apreço, a liquidação adicional efetuada pela Administração Tributária é resultado de uma conduta por parte do sujeito passivo que teve como resultado a não entrega parcial da prestação tributária a apurar nos termos da lei, materializada numa (auto) liquidação inferior à devida por incumprimento das regras estabelecidas no CIRC e no CFI, como ficou demonstrado”, pelo que conclui que se verifica a imputabilidade da Requerente para ser responsabilizada pelo pagamento de juros compensatórios.

 

Dos juros indemnizatórios e/ou, o pagamento de indemnização pela prestação de garantia indevida que venha a ser prestada

 

  1. Neste âmbito, refere a Requerida que “uma vez que a Requerente não efectuou o pagamento das liquidações, (…), não se encontram reunidos os requisitos para haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios” pelo que entende que o pedido de pronúncia arbitral deverá improceder nesta matéria.

 

  1. Por outro lado, e no que diz respeito “ao peticionado pagamento de indemnização pela prestação de garantia indevida que venha a ser apresentada para suspender o processo de execução fiscal”, alega a Requerida que “caso a pretensão do Requerente venha a ser julgada procedente, importa salientar, (…), que o mesmo Requerente não alega e muito menos demonstra qual o prejuízo (v.g., comissões bancárias) em que incorreu em consequência da prestação de garantia bancária prestada para suspensão do processo de execução fiscal” pelo que “(…) desconhecendo-se os montantes dos custos em que o Requerente incorreu ou incorrerá com a referida prestação de garantia, não se mostram provados os pressupostos em que assenta o reconhecimento da peticionada indemnização”, pelo que entende a Requerida que também este pedido da Requerente deverá improceder.

 

  1. Nestes termos, conclui a Requerida a sua Resposta no sentido de que deverá “(…) a) ser reduzido o valor do presente pedido de pronúncia arbitral; b) o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

  1. SANEADOR

 

4.1.    O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.

 

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[6]

 

  1. Admite-se a cumulação de pedidos (estão em causa diversos actos tributários atinentes a IRC e juros compensatórios, sendo peticionada a declaração de ilegalidade e a anulação parciais de cada um deles) porquanto a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).

 

  1. A Requerente, no pedido, peticiona, nomeadamente, que seja declarada a “(…) ilegalidade dos atos de liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios, (…) determinando-se a respetiva anulação por vício de violação de lei (…)”, tendo atribuído ao pedido o valor total das liquidações cuja anulação requer.

 

A este respeito, a Requerida veio, na Resposta, defender que deve ser reduzido o valor do presente pedido de pronúncia arbitral porquanto o valor indicado “(…) corresponde à globalidade das notas de cobrança emitidas (…) e não à parte das correções fiscais efetivamente contestadas (…)”.

 

A Requerente, nas suas alegações, veio contrapor referindo que “(…) resulta da lei – como da jurisprudência – que, sendo o objeto do processo uma liquidação da qual resulta imposto a pagar, o valor da causa corresponderá ao valor dessa mesma liquidação”, concluindo “(…) não merecer qualquer censura o valor da causa que indicou no (…) [pedido], o qual deve ser mantido”.

 

Nesta matéria, dispõe o artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas da Arbitragem Tributária (RCAT) que o valor da causa é fixado de acordo com artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), sendo que, nos termos deste artigo (nº 1, alínea a), o valor atendível, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, é, quando seja impugnada a liquidação, o da “importância cuja anulação se pretende”.

 

Por outro lado, e de acordo com o Acórdão do STA nº 0436/18.0BALSB, de 30-01-2019 (PLENO DA SECÇÃO DO CT, relator FRANCISCO ROTHES), “o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial”, sendo que “o critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial”.

 

Neste âmbito, e ainda que a Requerente ressalve que aceita algumas das correções, vem expressamente requerer, no pedido, que se declare a ilegalidade dos actos de liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, relativos aos exercícios de 2018 e 2019 com a consequente anulação das liquidações identificadas pelo que se considera-se que o valor do pedido corresponderá ao valor total das liquidações cuja anulação se peticiona, ou seja, EUR 370.735,71.[7]

 

  1. Não foram suscitadas quaisquer outras excepções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.    Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.    A Requerente é uma sociedade comercial, constituída em 03-04-1995, por accionistas (pessoas singulares), detentores de 100% do capital social.

 

  1. A Requerente dedica-se à actividade de fabricação de equipamentos profissionais de refrigeração, a que corresponde o Código da Atividade Económica (CAE) 28250.

 

  1. A Requerente utiliza a designação comercial de B... .

 

  1. Para efeitos de IRC, a Requerente enquadra-se no regime geral de tributação e adopta um período de tributação coincidente com o ano civil.

 

  1. Para efeitos de IVA, a Requerente está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.

 

  1. A Requerente desenvolve a sua actividade em duas unidades fabris (denominadas como ‘polo industrial I’ e ‘polo industrial II)’ e tem ao seu serviço cerca de 200 trabalhadores divididos entre as fábricas e as áreas de apoio às mesmas.

 

  1. O polo industrial I dedica-se, essencialmente, à produção de Bancadas, Armários e Kits refrigerados, que representam a quase totalidade do produzido neste Pólo, e mais de 60% do total de produtos vendidos pela empresa e o polo industrial II, dedica-se, no essencial, à produção dos denominados Painéis e Grupos O´s e Painéis e Grupos V’s (Camaras refrigeradas), bem como de abatedores de temperatura.

 

  1. Em 2005, os mesmos acionistas (pessoas singulares) da Requerente constituíram, com 100% do capital social, a D... SGPS S.A. e, nesse mesmo ano, esta sociedade adquiriu 90% do capital social da B... aos accionistas (pessoas singulares), pela quantia de EUR 15.493.950,00.

 

  1. Em 2006, a B... compra as ações próprias representativas dos restantes 10% do seu capital social aos seus accionistas (pessoas singulares).

 

  1. Em Janeiro de 2007 foi constituída a sociedade C..., detida a 100% pela entidade E... SGPS S.A. e, em fevereiro de 2007, a C... contraiu um empréstimo de EUR 12.350.000,00 junto do BCP, “na modalidade de mútuo, tendo por finalidade necessária e exclusiva habilitar a Creditada com fundos para adquirir” (e pagar) 78,95% do capital social da D... SGPS aos accionistas (pessoas singulares) desta SGPS sendo que, paralelamente, a E... adquiriu os restantes 21,05% do capital social da D... SGPS.

 

  1. O financiamento foi contraído pelo prazo de 7 anos, a amortizar em 12 prestações semestrais e a taxa de juro contratualizada foi a Euribor a 180 dias, arredondada para 1/16 do ponto percentual imediatamente superior, acrescida da margem aplicável (1,75% no primeiro ano de vigência do contrato).

 

  1. Em consequência, a E... SGPS passou a controlar 100% da D... SGPS (21,05% de forma direta e 78,95% indiretamente através da sua participada C...), passando a deter o controlo a 100% da sociedade Requerente (90% de forma indireta por via da D... SGPS e 10% por via das ações próprias detidas pela Requerente).

 

  1. Em Dezembro de 2007, foi registada a fusão por incorporação, com transferência global do património das sociedades incorporadas (D... SGPS e C...) para a Requerente, enquanto sociedade incorporante.

 

  1. Neste caso, está-se perante uma dupla fusão inversa, através da qual a “empresa-filha” (Requerente) incorpora os patrimónios de duas empresas participantes (a D... SGPS, acionista da Requerente em 90% e a C..., acionista da D... SGPS em 78,95%).

 

  1. De acordo com o projecto de fusão, a aquisição dos 78,95% das ações da D... SGPS pela C..., em Fevereiro de 2007, com o intuito de controlo indireto sobre a Requerente (B...) e que obrigou a C... a contrair o empréstimo de EUR 12.350.000,00, teve como beneficiária a sociedade E..., a qual passa, após fusão, a ser detentora do controlo a 100% do sujeito passivo B... (90% de forma direta e 10% por via das ações próprias).

 

  1. A detenção e controlo do activo financeiro em análise (ações representativas do capital social da Requerente – B...) deixou de ser repartido, via participação na D... SGPS, entre a E... e a C..., para passar a ser exclusivo da E... .

 

  1. O processo de fusão inversa conduziu a que todas as obrigações contratuais assumidas pela C... tenham sido transferidas para a B..., enquanto sociedade incorporante, onde se incluem as decorrentes do empréstimo contraído para aquisição das ações da D... SGPS.

 

  1. Na sequência da referida operação de fusão, a Requerente passou a suportar, os encargos com juros, gastos de financiamento e Imposto do Selo decorrentes do Contrato de Financiamento mencionado no ponto 5.12., supra, registando esses encargos nas contas SNC 69116117, SNC 6911611903, SNC 698417, SNC 69841903 e SNC 681236, assumindo-os como tal, quer a nível contabilístico, quer em sede de apuramento do lucro tributável dos exercícios subsequentes.

 

  1. Com a referida fusão, a Requerente reforçou-se em diversos aspectos, designadamente quanto à sua capacidade comercial, com os importantes contactos privilegiados de que dispunha C..., permitindo que aquela passasse a possuir um relevante potencial de afirmação em mercados emergentes, nomeadamente no mercado brasileiro, onde investiu logo em 2008.

 

  1. No decurso do exercício de 2016, a Requerente contratualizou (com o BPI e o Montepio Geral) dois financiamentos de médio e longo prazo, no montante global de
    EUR 5.000.000,00, para liquidação do financiamento referido no ponto 5.12., supra, tendo, dessa forma, passado a beneficiar de taxas de juros inferiores e de prazos de pagamento mais alargados.

 

  1. Em 2019, a Requerente contraiu novo empréstimo de médio e longo prazo junto do BPI no valor de EUR 1.000.000,00, que utilizou para pagar o montante em dívida do empréstimo contraído em 2016 no Montepio Geral e que foi usado especificamente para pagar a dívida no BCP relativa a aquisição das ações da D... SGPS SA.

 

  1. Em 2019, o endividamento diretamente relacionado com a aquisição das ações da D... SGPS SA, apresentava um saldo inicial total no valor de EUR 2.240.862,10 e um saldo final no valor de EUR 1.841.348,54.

 

  1. No âmbito dos financiamentos identificados no ponto anterior, a Requerente incorreu, no exercício de 2019, em gastos no total de EUR 57.563,79, que foram registados contabilisticamente nas contas SNC 681236 (Imposto de Selo – Financiamento MLP), 69112 (Empréstimos bancários – Financiamento MLP) e 6984 (Operações de financiamento), tendo considerados os mesmos como dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.

 

  1. Por outro lado, em matéria de RFAI, nos exercícios de 2018 e 2019, a Requerente efectuou investimentos de natureza diversa, apurando uma dotação total de
    EUR 114.436,58 (RFAI 2018) e de EUR 160.298,02 (RFAI 2019), tendo considerado as mesmas no Anexo D das respetivas declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC, nas quais evidenciou como dedução à colecta de imposto daquele período, respectivamente, de EUR 7.274,64 (2018) e de EUR 7.204,10 (2019).[8]

 

  1. No “Dossier RFAI 2018” da Requerente (cf. Anexo 7 ao RIT), é referido que “o presente dossier destina-se a documentar o regime de aplicação de benefícios fiscais da B..., nomeadamente o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), relativo exercício económico com término a 31 de dezembro de 2018. (…). Durante o exercício económico de 2018, a B... procedeu à aquisição de novos ativos fixos tangíveis e intangíveis conducentes ao aumento da capacidade de produção da sua unidade industrial. As aplicações relevantes cumprem o disposto no novo Código Fiscal do Investimento (…) e o disposto na Portaria n.º 297/2015, que regulamenta o regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI) e o regime da dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR). O montante de crédito fiscal apurado ascende a 114.436,58 Euros, que podem ser deduzidos à coleta da Empresa, até à razão de 50% da coleta total, podendo o montante não utilizado no exercício ser deduzido nos 10 períodos de tributação seguintes” (negrito nosso).

 

  1. No “Dossier RFAI 2019” da Requerente (cf. Anexo 8 ao RIT), é referido que “o presente dossier destina-se a documentar o regime de aplicação de benefícios fiscais da B..., nomeadamente o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), relativo exercício económico com término a 31 de dezembro de 2019. (…). Durante o exercício económico de 2019, a B...procedeu à aquisição de novos ativos fixos tangíveis e intangíveis conducentes ao aumento da capacidade de produção da sua unidade industrial. As aplicações relevantes cumprem o disposto no novo Código Fiscal do Investimento (…) e o disposto na Portaria n.º 297/2015 (…) que regulamenta o regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI) e o regime da dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR). O montante de crédito fiscal apurado ascende a 160.298,02 Euros, que podem ser deduzidos à coleta da Empresa, até à razão de 50% da coleta total, podendo o montante não utilizado no exercício ser deduzido nos 10 períodos de tributação seguintes” (negrito nosso).

 

  1. No que diz respeito ao nº de colaboradores, a Requerente tinha ao seu serviço, a 31 de Dezembro de 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022, em termos globais e afectos às suas unidades fabris, o seguinte número:

 

ANO

Nº DE COLABORADORES EM TERMOS GLOBAIS

Nº DE COLABORADORES AFECTOS ÁS UNIDADES FABRIS

31.12.2017

216

n/d

31.12.2018

223

152

31.12.2019

207

148

31.12.2020

179

148

31.12.2021

168

148

31.12.2022

156

139

 

 

  1. Nos 12 meses anteriores a Dezembro de 2018, a média do número de trabalhadores da Requerente, afectos à área produtiva, ascendia a 147 trabalhadores.

 

  1. Nos 12 meses anteriores a Dezembro de 2019, a média do número de trabalhadores da Requerente, afectos à área produtiva, ascendia a 138 trabalhadores;

 

  1. Nos anos de 2018 e 2019, a Requerente contabilizou e considerou elegíveis para efeitos de RFAI e de DLRR, gastos relativos aos investimentos efetuados em diversas obras que realizou nas duas fábricas onde produz os equipamentos de refrigeração que comercializa, ou seja, nos mencionados “polo industrial I” e “polo industrial II”.

 

  1. No que diz respeito ao detalhe dos investimentos efectuados para efeitos de RFAI/2018, a Requerente considerou:

 

5.33.1.        Investimentos em reparações de activos existentes

- diversos conjuntos de despesas relativas a reparações de máquinas (substituição de válvulas, calcadores, flange, rotor, repetidor, punções, matrizes, transdutor, resistência, injetor, etc.) ou manutenções de máquinas (revisões necessárias ao normal funcionamento), cujo registo inicial foi efectuado em contas de “investimentos curso – equipamento básico reparações”, de acordo com a máquina ou tipo de máquina intervencionada tendo cada um dos conjuntos de investimentos sido agrupado, em regra, por máquina ou tipo de máquina e considerado como um activo único e devidamente identificado como reparação no mapa de depreciações (despesas de reparação ou conservação de equipamentos já existentes);

- despesas com obras pontuais de renovação e manutenção do seu edifício, agregadas como um activo único denominado “edifício – área administrativa – reparação”;

- as despesas relativas às aquisições/obras acima identificadas perfazem o total de
EUR 289.032,01 (2018) e de EUR 268.597,69(2019), tendo a Requerente apurado uma dotação, em sede de RFAI 2018, de EUR 72.258,00.

5.33.2.        Investimentos em mobiliário e artigos de conforto

- despesas com mobiliário, bem como um sistema de climatização e estores de rolo, que adquiriu para remodelação do showroom, no total de EUR 23.013,32, tendo a Requerente apurado uma dotação em sede de RFAI de EUR 5.753,33.

5.33.3.        Investimentos em showroom

- despesas com a remodelação do showroom os de conforto (para além das referidas no ponto anterior), no total de EUR 64.392,95, tendo a Requerente apurado uma dotação de EUR 16.098,24.

5.33.4.        Investimentos em equipamentos para testes

- despesas relativas a investimento em equipamentos direcionados ao controlo, ensaios e testes de produto, no total de EUR 19.747,45, tendo a Requerente apurado uma dotação de EUR 4.936,86.

5.33.5.        Investimentos em moldes

- despesas com aquisições e alterações de moldes, no total de EUR 42.962,41, tendo a Requerente apurado uma dotação indevida de EUR 10.740,60.

5.33.6.        Investimentos em aquisições isoladas de activos

- despesas com aquisições de activos;

- despesas com a aquisição de terminal do sistema biométrico;

- despesas com materiais para a construção de vedação à volta do armazém de componentes e materiais;

- despesas com a aquisição de programa de computador para realização de cópias de segurança de servidores e de dados;

- as despesas identificadas perfazem o total de EUR 36.677,86, tendo a Requerente apurado uma dotação de EUR 9.169,47.

5.33.7.        Investimento na implementação da metodologia LEAN

- despesas com a aquisição de materiais, que reconheceu inicialmente como activo em curso (conta SNC 45341: ativos fixos tangíveis em curso – equipamento de transporte – carros de apoio às linhas) e, que no final do período (2018) capitalizou como um activo único (conta SNC 43318 – equipamento básico – linhas de montagem/equipamento e acessórios), no total de EUR 7.396,80, tendo a Requerente apurado uma dotação de EUR 1.849,20.

5.33.8.        Investimentos em equipamento informático

- despesas com a aquisição de equipamento informático, no total de EUR 18.475,00, tendo a Requerente apurado uma dotação de EUR 4.618,75.

 

  1. A Requerente foi objecto de dois procedimentos de inspeção externos, de âmbito geral, ao abrigo de duas Ordens de Serviço (a OI2022... e a OI2022...), emitidas pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), da Direção de Finanças de Aveiro (DF Aveiro), efectuados relativamente aos períodos de tributação de 2018 e 2019, com o objectivo de “(…) comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários” (Código PNAITA – 102-13- Controlo de Benefícios Fiscais).

 

  1. A acção inspectiva teve início em 05-09-2022 e foi concluída em 17-05-2023, tendo havido a prorrogação do prazo inicial por 3 meses (16-02-2023).

 

  1. No âmbito da acção inspectiva foram identificadas, nos respectivos RIT (2018 e 2019) as seguintes questões:

 

No RIT relativo ao ano 2018

 

  1. IRC – correções ao imposto - V.1.1.1. Deduções à coleta indevidas – Regime Fiscal de Apoio ao Investimento

Neste âmbito, entenderem os SIT no RIT que “(…) nos períodos de 2018 e 2019, o sujeito passivo B... procedeu a dotações nos montantes de 114.436,58 euros (...) e de 160.298,02 euros (…)” que determinou pela aplicação da taxa de 25% aos investimentos realizados em cada um dos anos (2018 e 2019).

Dos factos analisados pelos SIT, durante o procedimento inspectivo ao ano 2018, resultou a convicção para os SIT que os mesmos “(…) são (…) elucidativos da incapacidade da B... em demonstrar um pressuposto essencial da acessibilidade ao benefício do RFAI, que se refere ao nexo de causalidade entre a realização de investimentos com relevância e elegíveis para o benefício do RFAI e a criação dos postos de trabalho”.

Em consequência, relativamente ao ano 2018, concluíram os SIT que “(…) as dotações apuradas pelo sujeito passivo em sede de RFAI dos períodos de 2018 (…) e 2019 (…) terão de ser integralmente desqualificadas para efeitos deste benefício fiscal, revelando-se ilegítimas por incumprimento de um dos requisitos cumulativos previstos no n.º 4 do artigo 22.º do CFI (…)”, alegando que a “criação de postos de trabalho, exigida pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, deverá ser aferida nos termos da criação de emprego, previstos pelo RGIC e OARs, (…), ou seja, [sendo] o RFAI (…) um auxílio com finalidade regional, regulado pelo RGIC e OARs, que pretende, inquestionavelmente, apoiar o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável (…) esta criação de emprego encontra-se bem definida nas próprias Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OARs), que estabelecem a definição na alínea k), do § 20 do ponto 1.2 (JOUE 2013/C 209/01)” como “um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período do número aparente de postos de trabalho criados”.

Assim, tendo os SIT constatado, no que diz respeito ao RFAI 2018, considerando a informação fornecida pela Requerente, que “no final do período anterior ao investimento, em 31/12/2017, o número de trabalhadores efetivos ao serviço da empresa ascendia a 165 (…)” e “(…) no final de dezembro de 2018, o número de trabalhadores com contrato sem termo ascendia a 157 e a média dos 12 meses precedentes se cifrava em 158,3 (…)”,  entenderam os SIT que “(…) não ocorreu criação de postos de trabalho em 2018. (…). Ou seja, apesar do investimento realizado em 2018, regista-se uma quebra significativa do número de trabalhadores contratados sem termo, o que corrobora a não criação de postos de trabalho, tal como já tinha sido referido antes quando se aferiu em função da comparação com a média dos 12 meses precedentes”.

No que diz respeito ao RFAI 2019, referem os SIT no RIT que “(…) verifica-se que a média dos 12 meses anteriores a 31 de dezembro do período do investimento (dezembro de 2018 a novembro de 2019) ascende a 170,8 trabalhadores com contratos sem termo. O facto de, no final do período de investimento de 2019, a 31 de dezembro de 2019, o número de trabalhadores com contrato sem termo se cifrar em 187, significa que a empresa deu cumprimento à exigência imposta ao nível da criação de postos de trabalho. Ou seja, a entidade B... deveria apresentar, no final do período de investimento (2019), um número de trabalhadores com contratos sem termo que se situe acima (+1 trabalhador) em relação à média dos 12 meses anteriores a 31 de dezembro do período do investimento. Ao ter registado 187 trabalhadores, confirma-se a criação de postos de trabalho em 2019. Contudo, para além do requisito quanto à criação de emprego, nos termos do RGIC e OARs, a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, impõe a manutenção dessa criação por um período de 3 anos, no caso de PMEs (…)” e, “no que concerne à manutenção, verifica-se que o número de trabalhadores com contrato sem termo no final dos períodos de 2020, 2021 e 2022 ascendia apenas a 170, 158 e 140, respetivamente, (…). Ou seja, constata-se que o número de trabalhadores com contrato sem termo ao serviço da B..., diminuiu de forma consecutiva e acentuada nos 3 anos subsequentes (2020, 2021 e 2022) ao período do investimento (2019), sendo sempre inferior a 172, número mínimo necessário para dar cumprimento ao requisito manutenção da criação de postos de trabalho. Assim, relativamente ao RFAI 2019, o sujeito passivo não deu cumprimento à imposição de manter o nível de empregabilidade alcançado pelo investimento, ao longo dos 3 anos de manutenção obrigatória do mesmo (…)”.

Ainda assim, segundo os SIT no RIT, “apesar de não se dar por cumprido o requisito de criação de postos de trabalho, em sede de RFAI 2018 e o requisito manutenção da criação de postos de trabalho, em sede de RFAI 2019, analisar-se-á, (…) o enquadramento do investimento considerado, numa das quatro tipologias previstas no RGIC, bem como a sua elegibilidade nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do CFI” - vide ponto “V.1.1.1.3. Análise do Investimento considerado para efeitos de RFAI 2018”, do RIT, nos termos do qual se considerou: (i) “Com base nos elementos remetidos pelo sujeito passivo, nomeadamente o dossier referente ao RFAI (…), constata-se que todos os bens de investimento foram considerados enquadrados no âmbito da tipologia prevista no ponto ii. da alínea a) do n.º 49 do artigo 2.º do RGIC, ou seja, aumento da capacidade de um estabelecimento existente”; (ii) “No dossier do RFAI 2018 (…) verifica-se que os investimentos foram descritos de forma genérica, não sendo percetível o conteúdo de cada fatura identificada nos diversos itens elencados”; (iii) “Ainda que na introdução, que identifica como “Resumo Executivo,” afirme que no decurso de 2018 procedeu a aquisição de ativos conducentes ao aumento da capacidade de produção da sua unidade industrial, a B... não descreve, ainda que sucintamente, de que forma os investimentos considerados cumprem o referido propósito”; (iv) “A perceção da inexistência de investimentos passiveis de aumentar a capacidade do estabelecimento, foi confirmada pela consulta da informação constante nas faturas de suporte aos investimentos, conforme detalhe dos serviços e/ou bens adquiridos pela B... (…)”; (v) “Assim, da análise efetuada aos investimentos, (…), constata-se que o sujeito passivo elegeu bens para efeitos do benefício fiscal associado ao RFAI, para os quais não se vislumbra qualquer possibilidade de enquadramento legal, por via da sua exclusão da tipologia de investimento inicial referida pelo sujeito passivo ou, ainda, pelo não cumprimento dos requisitos previstos no n.º 2 do artigo 22.º do CFI, quanto ao tipo de ativos elegíveis”;

- Na generalidade, o argumento invocado no RIT pelos SIT para a não elegibilidade das despesas de investimentos realizados em 2018 é que as mesmas não se enquadram “(…) no âmbito de um projeto de investimento inicial associado a um aumento da capacidade de produção de um estabelecimento existente” (para os gastos de reparação de activos existentes, showroom, equipamento para testes, aquisições isoladas de activos, implementação de metodologias LEAN, ), “ativos, desde que afetos à exploração da empresa (…) que (…) se mantenham na empresa (…)” e, cumulativamente, “o investimento relevante tem que proporcionar a criação de postos de trabalho (…)” (moldes e equipamento informático), bem como investimentos considerados como não elegíveis (mobiliário e artigos de conforto, adiantamentos, activos fixos intangíveis não ilegíveis).

Assim, concluíram os SIT no RIT relativo ao ano 2018, que “do exposto (pontos V.1.1.1.3. a V.1.1.1.3.8), (…) no período de 2018 a B... não efetuou aquisição de quaisquer ativos passiveis de se qualificarem como investimento inicial” porquanto “conforme demonstrado, todas as aquisições consideradas para efeitos de RFAI, decorrem do exercício corrente da sua atividade, são necessárias à manutenção do funcionamento normal da sociedade e não são indutoras de aumento da capacidade do estabelecimento. Em conclusão, relativamente ao RFAI 2018, a B... não tem direito à dotação declarada no valor de 114.436,58 euros, em razão do incumprimento do requisito criação de postos de trabalho, imposto pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI e pelos regulamentos comunitários RGIC e OAR (ponto V.1.1.1.2.), o que é corroborado pela inexistência de aquisições de ativos que se enquadrem no conceito de investimento inicial (pontos V.1.1.1.3. a V.1.1.1.3.8)”.

Assim, referem os SIT no RIT, “no período de 2018, o sujeito passivo deduziu à coleta de IRC o valor de 94.151,86 euros, referente ao somatório de beneficio fiscal do RFAI 2017 e RFAI 2018 (…)” sendo que “a dotação relativa a RFAI 2017 foi considerada ilegítima, na sua totalidade, no âmbito do Relatório de Inspeção Tributária, realizado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019..., notificado ao sujeito passivo em 11 de março de 2021 (…)”, sendo que “de acordo com o descrito nos pontos V.1.1.1.1. a V.1.1.1.3.8, deste relatório, mostra-se ilegítima a totalidade da dotação do RFAI 2018 declarada pela B... . Do exposto resulta que, no período de 2018, não há lugar a qualquer dedução à coleta de IRC referente ao benefício fiscal do RFAI, pelo que deverá ser diminuído em 94.151,86 euros o valor inscrito no campo 355 do quadro 10 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, correspondente ao somatório de 86.877,22 euros e 7.274,74 euros, referentes às deduções ilegítimas de benefícios fiscais do RFAI 2017 e RFAI 2018, respetivamente”.

  1. V.1.1.2.2. Correções à dotação de SIFIDE” (ano 2018)

Nesta matéria, entenderam os SIT no RIT que “no período de 2018, a B... deduziu à coleta de IRC o valor de 47.075,93 euros, relativos a benefício fiscal de SIFIDE (…). No entanto, no âmbito do Relatório de Inspeção Tributária, realizado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019..., notificado ao sujeito passivo em 11 de março de 2021 (…), foi apurada a inexistência de direito à dotação de SIFIDE relativo a 2017, justificada pela não aprovação da candidatura pela Agência Nacional de Inovação SA (ANI). Por outro lado, obteve-se evidência da existência de dotação de SIFIDE relativo a 2018 (…), no valor de 97.993,61 euros, a qual não foi declarada pela B... . Face ao exposto, importa atender ao valor definitivo do crédito fiscal reconhecido pela Agência Nacional de Inovação (ANI), relativo ao período de 2018, no montante de 97.993,61 euros, a título de dotação e dedução do período, a inscrever nos campos 710 e 711, do quadro 073 do Anexo D da declaração de rendimentos Modelo 22 IRC de 2018 e, simultaneamente proceder à eliminação da dedução (47.075,93 euros) e saldo (85.930,10 euros) que transita para período seguinte referente ao SIFIDE 2017.

Ainda segundo os SIT no RIT, “(…) conforme descrito anteriormente (pontos V.1.1.1. a V.1.1.1.5), a dotação de RFAI 2018 é totalmente ilegítima, pelo que impõe-se a eliminação dos correspondentes valores inscritos na declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC e no respetivo Anexo D, o mesmo se aplicando relativamente ao saldo decorrente de RFAI 2017, considerado pelo sujeito passivo indevidamente, no período de 2018. No que respeita ao SIFIDE, conforme descrito acima (pontos V.1.1.2. a V.1.1.2.2.), impõe-se proceder à correção favorável ao sujeito passivo. (…). Em razão do exposto, deve ser diminuído em 43.234,18 euros, o valor inscrito no campo 355 do quadro 10 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC de 2018, que passa a ser de apenas 145.069,53 euros, e devem ser efetuadas as devidas correções no Anexo D (…)”.

  1. IRC de períodos anteriores – Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (DLRR)

No RIT os SIT referem que em sede de DLRR, “(…) no período de 2016, o sujeito passivo B... procedeu a dedução no montante de 96.662,35 euros, incluída no campo 355 do quadro 10 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC (…)”.

Ainda de acordo com o RIT, “(…) o valor da reserva constituída em contas de capital próprio, relativa aos resultados retidos de 2016 ascende a 966.623,50 euros, sendo este o montante que tem de ser reinvestido, nos dois anos seguintes (2017 e 2018) ao ano em que foi considerada a dedução à coleta de IRC” sob pena de “(…) a não concretização da totalidade do investimento nos termos previstos no artigo 30.º até ao termo do prazo previsto no n.º 1 do artigo 29.º do CFI (na redação à data), implica[r] a devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado na parte correspondente ao montante dos lucros não reinvestidos, o qual é adicionado ao montante de imposto a pagar relativo ao último período de tributação elegível para o reinvestimento (2018), acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais”.

Mais se refere no RIT que, em resultado de alterações ao regime da DLRR que determinaram o alargamento do prazo de reinvestimento, “(…) os lucros retidos relativos ao período de tributação de 2016 deveriam ser reinvestidos nos períodos de 2017, 2018 e 2019”.

Segundo os SIT, no RIT, “(…) importou aferir a concretização do investimento por parte da B..., o qual deveria abranger o montante dos lucros retidos, pelo que, no decurso do procedimento inspetivo, se solicitou ao sujeito passivo a apresentação do dossier do benefício relativo à DLRR de 2016, bem como listagem com identificação dos ativos fixos tangíveis considerados para efeito da concretização do reinvestimento. Em resposta, a B... limitou-se a remeter mapas resumo de investimentos dos anos de 2016 (sem relevância para efeitos de DLRR 2016), 2017 e 2018, sem qualquer outra informação, como seja a tipologia do investimento inicial ou a identificação dos investimentos efetuados, especificamente para efeitos de cumprimento do reinvestimento dos lucros retidos no montante de 966.623,50 euros (…), pelo que, ter-se-á em consideração para efeitos de reinvestimento da DLRR a informação fornecida para efeitos de RFAI 2018 e 2019 (…)”.

Referem os SIT no RIT que “no que respeita à concretização do reinvestimento do montante dos lucros retidos relativos à DLRR 2016 efetuado pelo sujeito passivo no período de 2017, importa informar que, no âmbito do Relatório de Inspeção Tributária, realizado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019..., notificado ao sujeito passivo em 11 de março de 2021, mediante n/ ofício n.º ... de 09 de março de 2021, foi considerado que, após concretização do reinvestimento dos lucros retidos relativos à DLRR de 2015, o montante de investimentos elegíveis realizados no período de 2017, disponíveis para efeitos de concretização do reinvestimento da DLRR de 2016, ascende a 69.739,32 euros”.

No que diz respeito ao reinvestimento efectuado em 2018, referem os SIT no RIT que “conforme referido no ponto V.1.1.1.4., os fundamentos para a não elegibilidade dos investimentos para efeitos de RFAI, descritos nos pontos V.1.1.1.3. a V.1.1.1.3.8, justificam, com as necessárias adaptações, a não elegibilidade para efeitos de concretização do reinvestimento dos lucros retidos em 2016, motivo pelo qual, na fundamentação apresentada de seguida, é efetuada por remissão para o correspondente ponto da fundamentação da não elegibilidade para efeitos de RFAI”.

Segundo os SIT, após a análise apresentado no RIT, “do exposto nos pontos V.1.1.4.2.3. a V.1.1.4.2.3.5, resulta demonstrado que no período de 2019, a B...  efetuou investimentos elegíveis (…) atinentes à concretização do reinvestimento dos lucros retidos relativos à DLRR de 2016, no valor de 326.516,34 euros”.

Contudo, segundo os SIT no RIT, “(…) a não concretização da totalidade do investimento implica a devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado na parte correspondente ao montante dos lucros não reinvestidos, o qual é adicionado ao montante de imposto a pagar relativo ao segundo período de tributação seguinte (2018) (na redação à data da fruição do benefício), acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais. Por outro lado, importa relembrar que o sujeito passivo procedeu a uma dedução de 96.662,35 euros, a título de DLRR 2016, o que corresponde a uma reserva de 966.623,50 euros (...). Assim, o imposto que deixou de ser liquidado, em 2016, na parte correspondente ao montante dos lucros não reinvestidos, que deve ser adicionado ao montante de imposto a pagar relativo ao segundo período de tributação seguinte (2018), nos termos do disposto na alínea a) do artigo 34.º do CFI (na redação à data da fruição do benefício) ascende a 57.036,78 euros (…). (…). A devolução do imposto que deixou de ser liquidado, referente a 2016, é, assim, efetivada pela adição ao imposto do período de 2018, pelo que, nos termos da alínea a) do artigo 34.º do CFI, impõe-se que o sujeito passivo inscreva o montante de 57.036,78 euros no campo 363 do quadro 10 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC do período de 2018, a título de IRC de períodos anteriores”.

  1. Correção aos juros compensatórios

Neste âmbito, os SIT referem no RIT que, “(…) para além do imposto que deixou de ser liquidado na parte correspondente ao montante dos lucros retidos não reinvestidos, o sujeito passivo deve apurar os correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais, devido à não concretização da totalidade do investimento (…) até ao termo do prazo previsto (…). Os juros compensatórios são apurados com base na taxa anual de 4%, majorada em 15 pontos percentuais (19%), e contados dia a dia (…). O número de dias em falta é apurado atendendo às datas de entrega da declaração do período da dedução e da declaração do último período elegível para reinvestimento (…). (…) os juros compensatórios, majorados em 15 pontos percentuais, ascendem a 22.475,62 euros, devendo ser inscritos no campo 366 (e campo informativo 366-B) do quadro 10 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC do período de 2018”.

No RIT relativo ao ano 2019

  1. IRC – correções à matéria coletável - V.1.1.1. Gastos não aceites – gastos financeiros não incorridos para a obtenção ou garantia de rendimentos”, relativamente a financiamentos obtidos.

Segundo os SIT no RIT, “de acordo com as informações divulgadas pela B... nos seus Anexos às demonstrações financeiras dos períodos de 2016 e 2017 (…), no ano de 2016, a sociedade contraiu empréstimos de médio e longo prazo em instituições bancárias distintas (BPI e MG) no valor total de 5.000.000,00 euros, que utilizou para pagar o valor em dívida do empréstimo no BCP contraído especificamente para pagar a aquisição das ações da D... SGPS SA. Ou seja, contraiu nova dívida para pagar a dívida antiga. No final de 2017, o total da referida dívida totalizava 3.500.000,00 euros, resultante do somatório do valor em dívida junto das duas instituições bancárias (BPI e MG), e no final de 2018 totalizava 2.240.862,10 euros, conforme informação da contabilidade do sujeito passivo (…). (…). Em 2019, a sociedade contraiu novo empréstimo de médio e longo prazo no BPI no valor de 1.000.000,00 euros, que utilizou para pagar o montante em dívida do empréstimo contraído em 2016 no MG (…) e usado especificamente para pagar a dívida no BCP relativa a aquisição das ações da D... SGPS SA. Ou seja, à semelhança do efetuado em 2016, em 2019 a B... contraiu dívida nova para pagar a dívida antiga. (…). Em 2019, o endividamento diretamente relacionado com a aquisição das ações da D... SGPS SA, apresenta um saldo inicial total no valor de 2.240.862,10 euros (= € 1.111.450,34 + € 1.129.411,76) e um saldo final total no valor de 1.841.348,54 euros (= € 908.015,16 + € 933.333,38). Os financiamentos, (.) identificados, contribuíram para que o sujeito passivo incorresse em gastos financeiros, a título de juros (SNC 69116117; SNC 6911611903) e outros gastos de operações de financiamento (SNC 698417; SNC 69841903), para além de imposto do selo (SNC 681236), (…). (…). Deste modo, a B... incorreu em gastos num total de 57.563,79 euros em 2019, decorrentes de empréstimos contraídos pela sociedade C...SA, (…), no ano de 2007, para fazer face ao pagamento da aquisição de ações da D... SGPS SA (antiga participante em 90% do capital social do B...) aos seus anteriores acionistas, pessoas singulares”.

  1. IRC – correções ao imposto - V.1.2.1. Deduções à coleta indevidas – Regime Fiscal de Apoio ao Investimento

Neste âmbito, entenderem os SIT no RIT que “(…) nos períodos de 2018 e 2019, o sujeito passivo B... procedeu a dotações nos montantes de 114.436,58 euros (...) e de 160.298,02 euros (…)” que determinou pela aplicação da taxa de 25% aos investimentos realizados em cada um dos anos (2018 e 2019).

Dos factos analisados pelos SIT, durante o procedimento inspectivo ao ano 2019, resultou a convicção para os SIT que os mesmos “(…) são (…) elucidativos da incapacidade da B... em demonstrar um pressuposto essencial da acessibilidade ao benefício do RFAI, que se refere ao nexo de causalidade entre a realização de investimentos com relevância e elegíveis para o benefício do RFAI e a criação dos postos de trabalho”.

Em consequência, relativamente ao ano 2019, concluíram os SIT que “(…) as dotações apuradas pelo sujeito passivo em sede de RFAI dos períodos de 2018 (…) e 2019 (…) terão de ser integralmente desqualificadas para efeitos deste benefício fiscal, revelando-se ilegítimas por incumprimento de um dos requisitos cumulativos previstos no n.º 4 do artigo 22.º do CFI (…)”, alegando que a “criação de postos de trabalho, exigida pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, deverá ser aferida nos termos da criação de emprego, previstos pelo RGIC e OARs, (…), ou seja, [sendo] o RFAI (…) um auxílio com finalidade regional, regulado pelo RGIC e OARs, que pretende, inquestionavelmente, apoiar o investimento e a criação de emprego num contexto sustentável (…) esta criação de emprego encontra-se bem definida nas próprias Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OARs), que estabelecem a definição na alínea k), do § 20 do ponto 1.2 (JOUE 2013/C 209/01)” como “um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período do número aparente de postos de trabalho criados”.

Ainda assim, segundo os SIT no RIT, “apesar de não se dar por cumprido o requisito de criação de postos de trabalho, em sede de RFAI 2018 e o requisito manutenção da criação de postos de trabalho, em sede de RFAI 2019, analisar-se-á, (…) o enquadramento do investimento considerado, numa das quatro tipologias previstas no RGIC, bem como a sua elegibilidade nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do CFI” (vide ponto “V.1.2.1.3. Análise do Investimento considerado para efeitos de RFAI 2018” e ponto “V.1.2.1.6. Análise do Investimento considerado para efeitos de RFAI 2019”, do RIT, nos termos do qual se considerou:

- “Com base nos elementos remetidos pelo sujeito passivo, nomeadamente o dossier referente ao RFAI (…), constata-se que todos os bens de investimento foram considerados enquadrados no âmbito da tipologia prevista no ponto ii. da alínea a) do n.º 49 do artigo 2.º do RGIC, ou seja, aumento da capacidade de um estabelecimento existente”.

- “No dossier do RFAI (…) verifica-se que os investimentos foram descritos de forma genérica, não sendo percetível o conteúdo de cada fatura identificada nos diversos itens elencados”;

- “Ainda que na introdução, que identifica como “Resumo Executivo,” afirme que no decurso de 2018 procedeu a aquisição de ativos conducentes ao aumento da capacidade de produção da sua unidade industrial, a B... não descreve, ainda que sucintamente, de que forma os investimentos considerados cumprem o referido propósito”.

- “A perceção da inexistência de investimentos passiveis de aumentar a capacidade do estabelecimento, foi confirmada pela consulta da informação constante nas faturas de suporte aos investimentos, conforme detalhe dos serviços e/ou bens adquiridos pela B... (…)”;

- “Assim, da análise efetuada aos investimentos, (…), constata-se que o sujeito passivo elegeu bens para efeitos do benefício fiscal associado ao RFAI, para os quais não se vislumbra qualquer possibilidade de enquadramento legal, por via da sua exclusão da tipologia de investimento inicial referida pelo sujeito passivo ou, ainda, pelo não cumprimento dos requisitos previstos no n.º 2 do artigo 22.º do CFI, quanto ao tipo de ativos elegíveis”;

- Na generalidade, o argumento invocado no RIT relativo ao ano de 2019, pelos SIT, para a não elegibilidade das despesas de investimentos realizados são as mesmas que foram referidas no RIT relativo ao ano de 2018.

Nestes termos, concluíram os SIT no RIT relativo ao ano 2019, que “do exposto (pontos V.1.2.1.3. a V.1.2.1.3.8), conclui-se que no período (…) a B... não efetuou aquisição de quaisquer ativos passiveis de se qualificarem como investimento inicial” porquanto “conforme demonstrado, todas as aquisições consideradas para efeitos de RFAI, decorrem do exercício corrente da sua atividade, são necessárias à manutenção do funcionamento normal da sociedade e não são indutoras de aumento da capacidade do estabelecimento. Em conclusão, relativamente ao RFAI 2018, a B...  não tem direito à dotação declarada no valor de 114.436,58 euros, em razão do incumprimento do requisito criação de postos de trabalho, imposto pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI e pelos regulamentos comunitários RGIC e OAR (ponto V.1.2.1.2.), o que é corroborado pela inexistência de aquisições de ativos que se enquadrem no conceito de investimento inicial (pontos V.1.2.1.3. a V.1.2.1.3.8)”.

Assim, referem os SIT no RIT, “no período de 2018, o sujeito passivo deduziu à coleta de IRC o valor de 94.151,86 euros, referente ao somatório de benefício fiscal do RFAI 2017 e RFAI 2018 (…)” sendo que “a dotação relativa a RFAI 2017 foi considerada ilegítima, na sua totalidade (…)” pelos motivos acima apresentados e pontos V.1.2.1.1. a V.1.2.1.3.8 do RIT 2019.

No que diz respeito a 2019, consideraram os SIT no RIT que “do exposto (pontos V.1.2.1.6. a V.1.2.1.6.6), conclui-se que, no período de 2019, a B... considerou indevidamente como investimentos elegíveis para efeitos de RFAI, despesas que não são passíveis de se qualificarem como investimento inicial, no montante de 459.159,34 euros. Conforme demonstrado, as aquisições consideradas indevidamente como investimentos para efeitos de RFAI decorrem das necessidades de investimento corrente associadas à manutenção da atividade, sendo necessárias ao funcionamento normal da sociedade e não são indutoras de aumento da capacidade do estabelecimento. Em conclusão, relativamente ao RFAI 2019, a B... não tem direito à dotação declarada no valor de 160.298,02 euros, em razão do incumprimento do requisito manutenção da criação de postos de trabalho nos três anos seguintes ao investimento, imposto pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI e pelos

regulamentos comunitários RGIC e OAR (ponto V.1.2.1.2.). Desta forma impõe-se a eliminação dos valores relativos a RFAI 2019 inscritos no quadro 074 do Anexo D da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC do período de 2019”.

Assim, “(…), no período de 2019, não há lugar a qualquer dedução à coleta de IRC referente ao benefício fiscal do RFAI, pelo que deverá ser diminuído em 114.366,04 euros o valor inscrito no campo 355 do quadro 10 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC (…)”.

  1. V.1.2.2.2. Correções à dotação de SIFIDE” (ano 2019)

Nesta matéria, entenderam os SIT no RIT que “no período de 2019, a B... deduziu à coleta de IRC o total de 114.983,48 euros, relativo a benefício fiscal de SIFIDE (…). No entanto, no âmbito do Relatório de Inspeção Tributária, realizado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019..., notificado ao sujeito passivo em 11 de março de 2021 (…), foi apurada a inexistência de direito à dotação de SIFIDE relativo a 2017, justificada pela não aprovação da candidatura pela Agência Nacional de Inovação SA (ANI). Por outro lado, obteve-se evidência da existência de dotação de SIFIDE relativo a 2019 no valor de 58.080,99 euros (…), ou seja, de valor inferior à dotação de 64.065,80 euros declarada pela B... . Face ao exposto, importa proceder à anulação da dedução de 85.930,10, constante no campo 711 do quadro 073 do Anexo D da declaração de rendimentos Modelo 22 IRC de 2019, por ter sido indevidamente registada pela B...  a título de SIFIDE 2017, quando não ocorreu certificação pela ANI relativamente a tal período. Importa, ainda, atender ao valor definitivo do crédito fiscal reconhecido pela Agência Nacional de Inovação (ANI), relativo ao período de 2019, no montante de 58.080, 99 euros, e proceder à correção dos valores da dotação e do saldo que transita para período seguinte de SIFIDE de 2019 declarados pela B...”.

Ainda seguindo os SIT no RIT, tendo em consideração as correcções propostas em sede de RFAI (2018 e 2019) e SIFIDE “(…) deve ser diminuído em 200.296,14 euros, o valor inscrito no campo 355 do quadro 10 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC de 2019, que passa a ser de apenas 29.053,38 euros, e devem ser efetuadas as devidas correções no Anexo D (…)”.

 

  1. Na sequência do procedimento inspectivo realizado foram identificadas, com sentido desfavorável à Requerente:

 

  1. Correções de natureza aritmética derivadas da não aceitação de gastos financeiros (apenas quanto ao exercício de 2019)

Segundo os SIT no RIT, “(…) os capitais alheios, concedidos pela banca à C..., foram usados para pagar aos acionistas (pessoas singulares) da D... SGPS, em troca das ações da D... SGPS. Estas ações extinguiram-se, com o processo de fusão, e o único ativo financeiro (ações) da única participada sobrante (B...) passou a ser detido, em exclusivo, pela E... . O elemento patrimonial (ativo) que origina os encargos financeiros do mútuo foi transferido para a acionista E..., mas as obrigações do contrato de empréstimo são transmitidas para a sociedade incorporante B... . Deste modo, pode-se concluir que a E... adquiriu o controlo direto de 78,95% da B..., no âmbito do processo de fusão, sendo que o custo de tal aquisição (amortizações de capital, juros e outros encargos do empréstimo) estão a ser suportados pela própria entidade adquirida B... . Ou seja, os “capitais alheios” foram aplicados na exploração (atividade de gestão de participações sociais) da E... SGPS SA, uma vez que o ativo (participação financeira) associado ao mútuo está, desde finais de 2007, na sua posse e controlo”.

Segundo os SIT no RIT “exige-se uma relação de casualidade económica entre a assunção de gastos e a sua relação com o interesse, imediato ou futuro, da sociedade, enquanto entidade com fins lucrativos” e entendem que “(…) a B... está a suportar gastos que não se inscrevem no âmbito da sua atividade e que foram contraídos para a prossecução de objetivos/interesses alheios, mormente da sua acionista E...”, entendendo que “não restam dúvidas que o empréstimo se destinou à aquisição de ações e que essas ações são, desde 2007, tituladas e controladas pela E..., enquadrando-se no seu escopo societário enquanto SGPS (exercício de uma atividade de gestão de participações sociais), e não no âmbito das atividades ou objeto social da B... . Assim, as despesas e encargos financeiros suportados por uma entidade só poderão ser aceites, para efeitos tributários, quando se comprove a sua ligação a algum ativo reconhecido no balanço da sociedade e haja uma afetação dos fundos à sua exploração/atividade. E, no caso em apreço, não existe nenhuma relação entre os encargos financeiros do mútuo e a exploração da B... ou qualquer dos seus ativos” pelo que consideraram como “não (…) dedutíveis, ao lucro tributável do sujeito passivo, os encargos decorrentes de tais financiamentos bancários (…)”, no ano de 2019, no montante de EUR 57.563,79.

  1. Imposto em falta resultante da perda de benefícios fiscais associados ao RFAI, ao SIFIDE e ao benefício por DLRR (anos 2018 e 2019) – pelos motivos apresentados no ponto 5.36., supra;
  2. Juros Compensatórios devidos pela correção de imposto de períodos (DLRR) – ano de 2018 (pelos motivos apresentados no ponto 5.36., supra) e,
  3. Ajustamentos relativos ao reporte de saldos respeitantes aos benefícios fiscais inspecionados (anos de 2018 e 2019).

 

  1. As correcções e os ajustamentos identificados no ponto anterior foram consideradas nos respectivos Projectos de Relatório de Inspeção (RIT), emitidos pelos SIT da DF Aveiro, com referência aos períodos de tributação de 2018 e de 2019, e que a seguir se detalham:

 

  1. ANO DE TRIBUTAÇÃO - 2018
  1. IRC (imposto) – EUR 94.151.86, relativos a dedução à colecta de RFAI (dotação dos anos 2017 e 2018), considerada ilegítima por incumprimento do requisito associado à criação de postos de trabalho e sua manutenção;
  2. IRC (imposto e juros compensatórios) no montante de, respectivamente,
    EUR 57.036,78 e EUR 22.475,62
    , por reposição do imposto deduzido, em 2016, a título de DLRR e respectivos juros compensatórios, na sequência da não concretização do reinvestimento total da reserva especial de DLRR;
  3. IRC (imposto - ajustamento de benefícios fiscais – RFAI e SIFIDE) –
    EUR 193.092,04
    , relativos à:

- Anulação integral do saldo de EUR 107.161,94 reportado pelo sujeito passivo para o período seguinte (2019), uma vez que os SIT consideraram ilegítima a dotação RFAI 2018;

- Anulação integral do saldo de EUR 85.930,10, reportado para o período seguinte (2019), uma vez que a dotação ilegítima de SIFIDE 2017, por inexistência de certificação emitida pela ANI.

  1. ANO DE TRIBUTAÇÃO - 2019
  1. IRC (matéria colectável) – EUR 57.563,79, relativos a gastos financeiros considerados não aceites; por respeitarem a gastos de financiamentos não incorridos para a obtenção ou garantia de rendimentos;
  2. IRC (imposto) – EUR 200.296,14, relativos a deduções à colecta consideradas indevidas:

- RFAI no montante de EUR 114.366,04, relativos à dotação de 2018, dado a mesma ter sido considerada ilegítima por incumprimento do requisito associado à criação de postos de trabalho e sua manutenção;

- SIFIDE no montante de EUR 85.930,10, relativos à dotação considerada ilegítima de SIFIDE 2017, por inexistência de certificação emitida pela ANI;

5.38.6.   IRC (imposto – ajustamento de benefícios fiscais) – EUR 159.078,73, relativos à:

- Anulação integral do saldo de EUR 153.093,92 reportado pelo sujeito passivo para o período seguinte (2020), uma vez que os SIT consideraram ilegítima a dotação RFAI 2019;

- Redução de EUR 5.984,81 ao saldo reportado para o período seguinte (2020), uma vez que a dotação de SIFIDE 2019 superou a dotação certificada pela ANI.

 

  1. Ambos os projectos de RIT (2018 e 2019) foram notificados, no domicílio fiscal eletrónico da Requerente, em 10-04-2023, tendo sido concedidos 15 dias para o exercício do direito de audição.

 

  1. Em 04-05-2023, a Requerente apresentou pedido de prorrogação do prazo para o exercício do direito de audição, o qual foi alargado, em 05-05-2023, por despacho do Chefe de Divisão da DF Aveiro, para o limite máximo de 25 dias.

 

  1. A Requerente não exerceu o direito de audição prévia.

 

  1. A Requerente foi notificada, em 29-05-2023, de ambos os RIT finais, nos quais se mantiveram todas as correções fiscais identificadas no ponto 5.37., supra, tendo as mesmas dado origem às liquidações adicionais de IRC nº 2023..., de 2023-06-06, e nº 2023..., de 2023-07-06, respeitantes aos períodos de tributação de 2018 e 2019 (imposto e juros), bem como às notas de acerto de contas nº 2023..., para pagamento do montante de EUR 137.471,30 (ano 2018), até 27-07-2023 e nº 2023..., para pagamento do montante de EUR 233.264,11 (ano 2019), até 31-08-2023, no montante total de EUR 370.735,41.[9]

 

  1. Do conjunto de despesas desconsideradas como investimento elegível para os anos de 2018 e 2019, no que respeita a alegadas “reparações de activos”, a Requerente não contesta:

 

5.43.1.   As correções feitas quanto à revisão do compressor, no exercício de 2018, no montante de EUR 6.461,42;

5.43.2.   As correções realizadas com referência às facturas identificadas no ponto 108 do PPA, totalizando EUR 11.342,48;

5.43.3.   As correções relativas às rubricas com os ID 9.172 a 9.176, relativas à reparação do compressor instalado no polo industrial II, as quais totalizam EUR 4.952,02.

 

  1. No que diz respeito à aquisição das máquinas de cintar, pistola pneumática, compressor, linha de montagem de bancadas e máquina de soldar (máquinas diversas) investimentos discriminados no ponto V.1.1.1.3.6. do relatório (doc. nº 3) e do ponto V.1.2.1.6.5 do relatório (doc. nº 4), a Requerente entende não ser de contestar a apreciação da Requerida relativa:

 

5.44.1.   Ao terminal biométrico (ID 1.6. do relatório – doc. nº 3), no valor de EUR 400 e,

5.44.2.   À vedação metálica do armazém (ID 1.12., 1.13., 1.14., e 7.1. dos relatórios – doc. nº 3 e doc. nº 4), nos montantes de EUR 9.242,51 (para 2018) e
EUR 4.527,88 (para 2019).

 

  1. A Requerente por não concordar com as restantes correcções efectuadas e, consequentemente, com as liquidações a que aquelas deram origem, apresentou em
    25-10-2023, pedido de pronúncia arbitral peticionando que seja declarada a ilegalidade dos actos de liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, determinando-se a respectiva anulação por vício de violação de lei, com a consequente i) a devolução dos montantes que venham a ser pagos, ii) acrescidos dos correspondentes juros indemnizatórios e/ou iii) o pagamento de indemnização pela prestação de garantia indevida que venha a ser apresentada para suspender o processo de execução fiscal instaurado pelo não pagamento voluntário do montante liquidado.

 

  1. Até à data em que foi apresentada a Resposta, o valor de IRC e juros liquidado adicionalmente ainda não se encontrava regularizado tendo, em consequência, dado origem aos processos de execução fiscal (PEF) nº ...2023... (2018) e nº ...2023... (2019).

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

  1. No que diz respeito à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e pela Requerida (processo administrativo, incluindo os RIT).

 

  1. No tocante à prova testemunhal produzida (gravada em suporte áudio, inserto e disponível na pasta deste processo arbitral que consta do Sistema de Gestão Processual do CAAD ), as testemunhas arroladas pela Requerente – Dra. F... (Directora Financeira da Requerente), Dra. G... (Directora de Planeamento e Estratégia da Requerente) e Eng. H... (Director de Produção da Requerente), inquiridas quanto à matéria de facto vertida no pedido de pronúncia arbitral no que diz respeito à demonstração de que o investimento efectuado em 2018 e em 2019 se traduziu num aumento da capacidade produtiva da Requerente, revelaram conhecimento direto dos factos sobre os quais foram inquiridas (principalmente a Directora de Planeamento e Estratégia e o Director de Produção), corroborando o alegado no pedido de pronúncia arbitral, mas nem sempre se pode extrair dos respectivo testemunho uma certeza quanto ao que era pretendido demonstrar, por contraposição ao alegado pelos SIT nos RIT (neste âmbito, refira-se a questão da criação de postos de trabalho decorrentes dos investimentos efectuados, como nexo de causalidade não foi demonstrado por nenhuma das testemunhas da Requerente).

 

  1. Relativamente às testemunhas arroladas pela Requerida [I... (Inspetora Tributária na Direção de Finanças de Aveiro) e J... (Inspetor Tributário na Direção de Finanças de Aveiro)], a Requerida apenas quis inquirir a segunda testemunha, o qual foi interveniente na aludida acção inspetiva à Requerente, como Chefe de Equipa (sendo responsável pela elaboração dos respectivos RIT), tendo anteriormente efectuado inspecções à Requerente, relativas aos anos de 2015, 2016 e 2017, na qualidade de Inspector.

 

  1. A referida testemunha, inquirida sobre a factualidade vertida nos RIT, para além de reiterar o neles vertido, veio reiterar que no que diz respeito ao requisito de aumento da capacidade produtiva da Requerente, em consequência dos investimentos por ela efectuados, que a mesma não aumentou apenas foi aproveitada na sua plenitude e de forma mais eficiente, dado que, até então, estava a capacidade produtiva dos equipamentos a ser utilizada abaixo das suas reais capacidades.

 

  1. Dos testemunhos aferidos de forma global, resulta a convicção para este Tribunal que, em consequência do desenvolvimento de novos produtos (resultantes de investimentos que a Requerente já vinha realizando em anos anteriores, houve necessidade de adequação das máquinas a esses novos produtos, de modo a evitar ineficiências e desperdício de tempo.

 

  1. Para além do acima referido, as testemunhas não acrescentaram nada mais com relevo para o esclarecimento da factualidade em causa neste processo, mantendo nos depoimentos as posições alegadas quer no Pedido, quer nos RIT e na Resposta.

 

Dos factos não provados

 

  1. Para efeitos da aplicabilidade da RFAI, não ficou demonstrado, da análise casuística aos investimentos realizados em 2018 e em 2019, bem como dos testemunhos produzidos em audiência, que tenham sido reuniam os requisitos para serem elegíveis para efeitos de RFAI dado que se tratavam, na generalidade, de aquisições não enquadráveis no conceito de investimento inicial.

 

  1. Por outro lado, não ficou provado que a Requerente deu cumprimento ao requisito de criação e manutenção de postos de trabalho até ao final do período mínimo definido (a contar das datas daqueles investimentos), directamente relacionados com os investimentos realizados pela Requerente, quer em sede de RFAI 2018, quer em sede de em sede de RFAI 2019.

 

  1. Adicionalmente, não ficou provado que a Requerente tivesse pago o IRC liquidado, em resultado das liquidações objecto do PPA ou que tenha suportado despesas com a prestação de garantia bancária para suspender processo de execução fiscal instaurado pelo não pagamento voluntário do IRC liquidado.

 

  1. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.    As questões jurídico-tributárias em discussão entre as Partes, que o Tribunal Arbitral Colectivo é chamado a apreciar e decidir, decorrem dos vícios que a Requerente imputa aos actos tributários controvertidos e são as seguintes:

 

6.1.1.     Ilegalidade da liquidação adicional de IRC relativa a 2019, por violação do disposto no artigo 23º do Código do IRC no que diz respeito à não consideração de gastos financeiros comprovadamente incorridos pela Requerente com empréstimos bancários contraídos, em 2019, para amortização de empréstimos contraídos, em 2007, pela sociedade C... entretanto, fundida na Requerente;

6.1.2.     Ilegalidade das liquidações adicionais de IRC relativas a 2018 e a 2019, por violação do disposto no artigo 22º, nº 4, alínea f), do Código Fiscal do Investimento (CFI);

6.1.3.     Ilegalidade das liquidações adicionais de IRC relativas a 2018 e 2019, por violação dos critérios de elegibilidade dos investimentos contabilizados pela Requerente, para efeitos de RFAI e de DLRR;

6.1.4.     Ilegalidade das liquidações de juros compensatórios.

 

6.2.    Adicionalmente, o Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre o pedido de reembolso dos montantes que venham a ser pagos, acrescidos de juros indemnizatórios e/ou sobre o pedido de pagamento de indemnização pela prestação de garantia indevida que venha a ser apresentada para suspender o processo de execução fiscal instaurado pelo não pagamento voluntário dos montantes liquidados.

 

Da ilegalidade das liquidações adicionais de IRC relativas a 2019, por violação do disposto no artigo 23º do Código do IRC

 

6.3.    Como acima foi descrito, a este respeito, a Requerente alega que “(…) os encargos financeiros em causa no presente processo preenchem (…), os pressupostos da (…) referida alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, por os gastos com juros em questão, corresponderem a capitais alheios que foram aplicados na exploração da entidade que os suporta”, tratando-se de “(…) encargos com o financiamento decorrente da celebração em 2007 de um contrato de empréstimo que foi transmitido, por efeito da fusão (…) na Requerente (…)”, pelo que, segundo a Requerente, “(…), cumpre concluir no sentido do evidente preenchimento quer dos requisitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC quer do corpo do n.º 1 do artigo 23.º do mesmo Código (…)” considerando a Requerente ser ilegal a liquidação adicional de IRC relativa a 2019, na parte em que nela se reflete a recusa da dedutibilidade dos encargos financeiros efetivamente suportados (pela Requerente), devendo por isso ser anulada, com as consequências legais daí decorrentes.

 

6.4.    Na Resposta, a Requerida vem a esta respeito afirmar que “tal como evidencia o RIT, os encargos financeiros suportados pela Requerente relativos ao financiamento obtido (…) não têm qualquer contrapartida ao nível de rendimentos específicos (presentes ou futuros) a que possam estar associados, pois não existem na esfera da Requerente quaisquer operações ativas ou património a que possam estar associados esses encargos”, concluindo que não devem ser considerados como fiscalmente dedutíveis.

 

6.5.    Nestes termos, a questão jurídico-tributária que aqui se coloca consiste em determinar se os aludidos gastos de natureza financeira suportados pela Requerente, no exercício de 2019, são, ou não, por ela dedutíveis, ao abrigo do disposto no artigo 23º, nºs 1 e 2, alínea c), do Código do IRC.

 

6.6.    Como resulta do facto provado (ponto 5.12. e seguintes, supra), em Dezembro de 2007, ocorreu a fusão por incorporação [entre as sociedade C..., S.A., D... SGPS, S.A. e a Requerente (designada por B...)], com transferência global do património das sociedades incorporadas (C... e D... SGPS) para a Requerente, enquanto sociedade incorporante, com a consequente extinção das sociedades incorporadas.

 

6.7.    No respectivo projeto de fusão foi consignado, relativamente à contrapartida a atribuir aos accionistas das sociedades incorporadas, que “em virtude desta fusão haverá (…) a atribuição da totalidade das ações da B... detidas pela D... diretamente à acionista única da sociedade incorporada E... SGPS, S.A., não havendo (…) lugar à fixação de outros critérios de avaliação de relações de troca das participações sociais”.

 

6.8.    No mesmo projeto de fusão foi ainda referido, quanto à modalidade da fusão e à atribuição e entrega de acções, que “(…) a totalidade das ações representativas do capital social da B... serão atribuídas aos até então acionistas da C... (…). Concluída a operação, as ações representativas do capital social da B... (…) serão atribuídas à E... SGPS, S.A., sócia única da sociedade incorporada C... (…)”.

 

6.9.    Tendo em consideração a factualidade que resultou provada nesta matéria (vide pontos 5.12. a 5.23., supra) verifica-se que:

 

6.9.1.     Em Fevereiro de 2007, a C... contrai um empréstimo de
EUR 12.350.000,00 junto do BCP que lhe permitiu adquirir 78,95% do capital social da D... SGPS aos acionistas (pessoas singulares);

6.9.2.     Em 2016, a Requerente contratualizou dois financiamentos de médio e longo prazo, junto do BPI e do Montepio (MG), no montante global de
EUR 5.000.000,00, para liquidação do financiamento referido no ponto anterior, tendo, dessa forma, passado a beneficiar de taxas de juros inferiores e de prazos de pagamento mais alargados;

6.9.3.     No final de 2017, o total da referida dívida totalizava EUR 3.500.000,00, resultante do somatório do valor em dívida junto das duas instituições bancárias (BPI e MG), e no final de 2018 totalizava EUR 2.240.862,10;

6.9.4.     Em 2019, a Requerente contraiu novo empréstimo de médio e longo prazo junto do BPI no valor de EUR 1.000.000,00, que utilizou para pagar o montante em dívida do empréstimo contraído em 2016 no Montepio Geral e que foi usado especificamente para pagar a dívida no BCP relativa a aquisição das ações da D... SGPS SA;

6.9.5.     Em 2019, o endividamento diretamente relacionado com a aquisição das ações da D...SGPS SA, apresentava um saldo inicial total no valor de EUR 2.240.862,10 e um saldo final no valor de EUR 1.841.348,54;

6.9.6.     No âmbito dos financiamentos identificados nos pontos anteriores, a Requerente incorreu, no exercício de 2019, em gastos no total de EUR 57.563,79, que foram registados contabilisticamente nas contas SNC 681236 (Imposto de Selo – Financiamento MLP), 69112 (Empréstimos bancários – Financiamento MLP) e 6984 (Operações de financiamento), tendo considerados os mesmos como dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável.

 

6.10.  De acordo com a argumentação apresentada pelos IST no RIT (no sentido de que “(…) os capitais alheios do mútuo foram aplicados na exploração e no interesse da acionista (E...) e que os gastos financeiros em análise não permitiram, não permitem, nem nunca permitirão, à B..., obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC. Apenas foi, é e será possível reconhecer rendimentos sujeitos a IRC na esfera da E..., enquanto detentora da titularidade e do controlo do ativo. Ou seja, a B... está a suportar gastos que não se inscrevem no âmbito da sua atividade e que foram contraídos para a prossecução de objetivos/interesses alheios, mormente da sua acionista E... . Não restam dúvidas que o empréstimo se destinou à aquisição de ações e que essas ações são, desde 2007, tituladas e controladas pela E..., enquadrando-se no seu escopo societário enquanto SGPS (exercício de uma atividade de gestão de participações sociais), e não no âmbito das atividades ou objeto social da B... . Assim, as despesas e encargos financeiros suportados por uma entidade só poderão ser aceites, para efeitos tributários, quando se comprove a sua ligação a algum ativo reconhecido no balanço da sociedade e haja uma afetação dos fundos à sua exploração/atividade. E, no caso em apreço, não existe nenhuma relação entre os encargos financeiros do mútuo e a exploração da B... ou qualquer dos seus ativos”, verifica-se que em momento algum a Requerida contestou que a operação de fusão foi realizada, em 2007, com o objectivo de reduzir custos operacionais e racionalizar os recursos utilizados, propósito que terá de ser considerado na apreciação do preenchimento dos pressupostos do artigo 23º do Código do IRC.

 

6.11.  Em termos gerais, o artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC estatui que “[p]ara a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC” sendo que o seu n.º 2 determina que, entre outros, são considerados “abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas: (…) c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado”.

 

6.12.  Neste âmbito, refira-se que a questão a decidir tem sido muito debatida na jurisprudência tributária (quer no CAAD, quer pelos Tribunais superiores), existindo decisões que suportam as posições assumidas por cada uma das Partes.

 

6.13.  Acompanhando aquelas que vão no sentido de decidir a favor da posição da Requerente cite-se, desde já, a vertida na decisão arbitral nº 537/2016-T (de 19-05-2017) nos termos da qual se referem que “(…) QUATRO notas de enquadramento, (…) [que] ajudam a recortar a decisão da causa.

Em primeiro lugar, (…), o tema dos autos resume-se apenas à aplicação do art. 23.º do CIRC aos juros suportados (…) relativos aos empréstimos (…) (de terceiros) contraídos para a compra do capital da própria (…) e que a Requerente suporta em virtude e por decorrência da fusão com a sua acionista (…), a qual contraiu originariamente essas dívidas.

Como segunda nota (…) é necessário ter presente o teor do Acórdão do STA de 2/12/2011, proc. 0865/11 (num caso de cisão-fusão). (…) [que] veio estabelecer que a noção fiscal de fusão (passível de neutralidade fiscal) é mais alargada do que a definição legal do CIRC que exigia (…) o formalismo jurídico de atribuição aos respetivos sócios de títulos representativos do capital social da outra entidade. Há neutralidade fiscal na operação de fusão regulada no direito comercial, ainda que não envolva a atribuição aos sócios de títulos representativos de capital (…). Quer dizer: o STA equiparou em termos fiscais a fusão inversa e a fusão não inversa, reconhecendo a neutralidade fiscal de ambas as operações, ainda que não envolvam a atribuição de ações aos sócios. Esta jurisprudência ilumina a decisão dos autos: é um dado assente que as fusões, invertidas ou não invertidas, possuem o mesmo regime jurídico, seja no âmbito do direito comercial, seja em matéria fiscal (…). Ou seja, a operação de fusão descrita no direito comercial – seja invertida ou não – merece o mesmo tratamento e regime para o direito fiscal: quer no que tange à neutralidade fiscal (…); quer, em geral, nas consequências tributárias, diretas ou indiretas, delas decorrentes. (…) existe apenas a operação de fusão, englobando a invertida e não invertida, exatamente com o mesmo regime jurídico tributário, e com as mesmas e exatas motivações para as diversas consequências fiscais que lhe estão associadas. Quer isto dizer, olhando para o caso dos autos, que a resposta legal é a mesma, (…). O regime da aceitação fiscal dos juros em causa tem o mesmo enquadramento, considerações e solução, quer a fusão fosse não invertida (…). Nem tem, sequer, de existir uma fundamentação acrescida (…) para explicarem porque escolheram uma e não a outra. (…).

A terceira nota tem que ver com o regime da fusão sob a perspetiva jurídica e do direito comercial. (…). Na fusão, (…), o desaparecimento jurídico não se associa à morte económica da empresa, que continua, embora reestruturada, na sociedade resultante da fusão, quer na perspetiva da sociedade (prossecução da atividade), quer na ótica dos sócios (igual empenho naquelas atividades). Extingue-se a sociedade incorporada, sem dúvida; mas transmitem-se todos os direitos e obrigações para a Sociedade incorporante, que prossegue a atividade da “falecida” (…). Há uma modificação jurídica, com continuidade económica [Ac. do STA de 13-04-2005, proferido no processo 01265/04 e Ac. do TCA-Sul de 17-04-2012, proferido no processo 04172/10 (…)].

A quarta nota (…) tem que ver com a aceitação da dedução destes encargos financeiros se não tivesse ocorrido a fusão, (…), por cumprimento dos requisitos do art. 23.º do CIRC. Aqui, uma sociedade (…) para adquirir um ativo [capital social (…)], como forma de exercício da sua atividade e perspetiva lucrativa, tem de se financiar junto de terceiros (…), suportando os inerentes encargos financeiros associados ao financiamento. Ninguém questionou (…) que previamente à fusão, (…), estávamos em presença de juros de capitais alheios aplicados na exploração (art. 23.º, n.º 1, al. c), do CIRC). (…) A questão dos autos é assim de saber se a fusão – (…) – altera este estado de coisas; se os juros, outrora aceites em termos fiscais (de forma pacífica), deixam de o ser após a fusão, por incumprimento superveniente dos requisitos do art. 23.º, do CIRC (requisito geral da indispensabilidade e especial de aplicação na exploração). A resposta (…) vai no sentido da dedução fiscal desses juros, mesmo após a fusão, agora na esfera da Requerente, por três principais argumentos, a seguir explanados – e tendo presente as considerações anteriores. O primeiro prende-se com a análise do teor literal art. 23.º, n.º 1 do CIRC: a dedução dos encargos financeiros exige que os juros de capitais alheios sejam aplicados na exploração. E todos concordam que, no momento inicial, o crédito obtido (…) foi aplicado na exploração, com a aquisição da participação na Requerente, (…) subsumindo-se, no exercício da sua atividade e prossecução do lucro. Ocorre depois uma fusão, segundo as regras legais do direito comercial (…). Com essa operação, não se pode dizer que os capitais alheios deixaram de ser aplicados (os financiamentos continuaram) e mantêm-se afetos à exploração, agora reestruturada por efeitos legais da fusão (transmissão dos direitos e obrigações para a sociedade incorporante). Ou seja: não ocorre um desvio do financiamento, num intuito abusivo, no sentido que serve-se agora o favorecimento de interesses extra empresariais (…). (…) o que ocorre é apenas a produção dos normais efeitos económicos da fusão, consentidos e impostos pelo direito comercial, e é impossível concluir que os efeitos dessa operação, seguindo os estritos ditames do direito comercial, redundam na tutela de interesses alheios ao interesse societário, apenas para beneficiar abusivamente terceiros da operação de fusão. (…).

Em suma: se os juros eram fiscalmente aceites previamente à fusão (porque os capitais alheios estavam aplicados na exploração), então também o serão após a fusão (…), que se limitou a seguir as regras do direito comercial, de transmissão de todos os direitos e obrigações da incorporada, porque após a fusão, continuam a ser considerados juros de capitais alheios aplicados na exploração. O segundo argumento pondera a situação similar (…) em que, havendo ou não uma fusão superveniente, a Sociedade decidisse abdicar do objeto do investimento (…), mas tivesse evidentemente de manter o financiamento que proporcionou os meios financeiros para o investimento. (…). Claro que terá de continuar a pagar os juros anuais (…). (…), aqueles encargos manter-se-ão dedutíveis, não obstante o desaparecimento – por via de uma decisão empresarial – do objeto em que os capitais alheios que remuneram foram aplicados. O capital alheio foi aplicado na exploração no momento inicial – dando origem ao investimento produtivo. E isso é suficiente e bastante para legitimar a dedução fiscal dos juros daí decorrentes, independentemente das vicissitudes empresariais futuras desse investimento. Os encargos financeiros continuam a ser dedutíveis (…) pois (…) os capitais alheios estiveram ligados a um investimento que no momento inicial foi aplicado na exploração. E se isto é assim, independentemente da ocorrência de qualquer fusão (…), sê-lo-á ainda com mais propriedade em caso de fusão, em que, como se viu, não há uma decisão subjetiva de qualquer desinvestimento, mas apenas a objetiva transmissão de direitos e obrigações, por efeito legal desse instituto do direito comercial. Claro que as considerações anteriores poderiam ser confrontadas – em termos fiscais – e este é o terceiro argumento, com a existência de um encadeamento de operações para propositadamente proporcionar um resultado fiscal indesejado, de abusiva poupança de impostos, traduzido numa aquisição de partes sociais com utilização de financiamento, imediatamente seguida de fusão (invertida ou não) com o propósito de diminuir abusivamente os impostos a pagar nos anos seguintes pela sociedade operacional e lucrativa (por efeito dos encargos financeiros que haviam sido suportados para a sua aquisição). (…) o julgador, no contencioso fiscal, tem de se debruçar sobre o objeto do processo, tal como recortado pela fundamentação, sob pena de ilegal fundamentação a posteriori e intromissão no poder dever do poder executivo. E, para finalizar, o art. 23.º do CIRC não se reconduz a uma norma antiabuso, que pudesse ser utilizada em substituição do art. 38.º, n.º 2, da LGT, art. 73.º, n.º 10 do CIRC ou art. 63.º do CIRC. Cada norma tem um conteúdo prescritivo diverso – e o art. 23.º do CIRC não funciona como uma norma anti abuso substitutiva daqueles outros preceitos. O art. 23.º do CIRC limita o seu raio de ação à não dedução fiscal dos gastos assim contabilizados, mas que, quando contraídos (ou os investimentos efetuados) não se inserem no interesse económico da Sociedade, mas servem interesses extra societários, dos administradores ou de terceiros. (…). Nesses casos, os juros que vier a suportar com esses fundos não são fiscalmente dedutíveis porque não foram (ab initio e para sempre) aplicados na exploração da Sociedade. (…).” (sublinhado nosso).

 

6.14.  Também como se refere na decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 768/2021-T, de 18-03-2022, “(…), há que esclarecer que o regime de dedutibilidade de gastos previsto no artigo 23.º do CIRC, não exige o balanceamento entre gastos e rendimentos de que fala a Autoridade Tributária e Aduaneira. Na verdade, essa alegada exigência de conexão entre gastos e rendimentos foi há muito afastada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente no acórdão de 24-09-2014, proferido no processo n.º 0779/12, em que se refere que: I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (…), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade. II - Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos). (…).” (sublinhado nosso).

 

6.15.  Também o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo (STA), no âmbito processo n.º 01402/17, de 27-06-2018, veio a estabilizar a jurisprudência sobre esta matéria, afirmando que “o conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o art. 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados. (…). A regra geral em matéria de dedutibilidade de gastos para determinação do lucro tributável é a de que são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (n.º 1 do artigo 23.º do CIRC). O n.º 2 do mesmo artigo 23.º indica vários tipos de gastos que são fiscalmente dedutíveis, entre os quais faz referência expressa à dedutibilidade juros de capitais alheios aplicados na exploração na alínea c) do mesmo n.º 2” sendo que “o tipo de gastos indicados no artigo 23.º, n.º 2, do CIRC, são meros exemplos, que poderão ter o alcance de fazer presumir a conexão entre esses os gastos e o interesse da empresa, mas não afastam a relevância para determinação do lucro tributável de todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, como se refere no n.º 1 do mesmo artigo, isto é, todos os outros gastos que satisfaçam o teste geral de serem realizados no interesse da empresa, desde que estejam comprovados e não sejam afastados por outra norma jurídico-fiscal. (…). De qualquer modo, é inequívoco que as despesas de financiamento em causa eram fiscalmente dedutíveis (…), por se tratar de capitais aplicados na sua exploração, isto é, na sua actividade visando a obtenção de lucros (…)” porquanto “(…) o activo financeiro consistente numa participação social representa, como regra, uma fonte susceptível de produzir rendimentos tributáveis (dividendos em face da distribuição de lucros pela empresa participada, mais-valias em face da alienação das participações). De resto, os encargos financeiros são mesmo um dos custos fiscais típicos elencados no n.º 2 do transcrito artigo 23.º, não havendo qualquer obstáculo a que esses encargos respeitem a financiamentos utilizados na formação ou estruturação de grupos económicos, pois trata-se de actividades que se inserem na gestão empresarial e, por vezes, são mesmo essenciais à subsistência das empresas, num mundo económico globalizado, em que a maior dimensão, com as correspondentes economias de escala, proporciona melhores possibilidades de obtenção de lucros ou é mesmo imprescindível para que eles sejam obtidos. (…). Como se diz no acórdão arbitral de 19-05-2017, proferido no processo n.º 537/2016, com a fusão não ocorre um desvio do financiamento, num intuito abusivo, no sentido que serve-se agora o favorecimento de interesses extra-empresariais, p. ex., em benefício de um sócio. A dedutibilidade fiscal dos encargos decorrentes do financiamento manteve-se, após a fusão, (…) pois a fusão implica a transmissão global para a incorporante de todos os direitos e obrigações da incorporada, por força do disposto no artigo 112.º, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais, e, por isso, transmitiu-se também o direito à dedutibilidade dos encargos financeiros que esta sociedade detinha. Por outro lado, o apuramento da dedutibilidade de encargos, entendido como aferição da sua realização no interesse empresarial, tem de fazer-se tendo em conta o facto que lhes dá origem. (…) Ora, aqueles encargos manter-se-ão dedutíveis, não obstante o desaparecimento – por via de uma decisão empresarial – do objecto em que os capitais alheios que remuneram foram aplicados. O capital alheio foi aplicado na exploração no momento inicial – dando origem ao investimento produtivo. E isso é suficiente e bastante para legitimar a dedução fiscal dos juros daí decorrentes, independentemente das vicissitudes empresariais futuras desse investimento. Os encargos financeiros continuam a ser dedutíveis (…) pois (…) os capitais alheios estiveram ligados a um investimento que no momento inicial foi aplicado na exploração. E se isto é assim, independentemente da ocorrência de qualquer fusão (…) em que, como se viu, não há uma decisão subjectiva de qualquer desinvestimento, mas apenas a objectiva transmissão de direitos e obrigações, por efeito legal desse instituto do direito comercial” (sublinhado nosso).

 

6.16.  A subsistência do direito a deduzir os encargos de financiamento da sociedade incorporada explica-se também pela realidade económica subjacente à fusão por incorporação (que o Supremo Tribunal Administrativo explica no acórdão de 13-04-2005, processo n.º 01265/04, ao referir que “a fusão por incorporação, ainda que implique que só sobreviva, com personalidade jurídica própria, a sociedade na qual as demais se incorporam, não tem como consequência, no campo das realidades económicas e empresariais, o desaparecimento das empresas fundidas. Alguma doutrina comercialista – vd. PINTO FURTADO, PINTO COELHO e PUPO CORREIA (...) – aponta que a sociedade fundida, perdendo a sua personalidade jurídica, todavia persiste, modificada, formando um todo com outras, em condições diversas das que ocorriam antes da fusão. Mas não deixa de continuar a existir a mesma realidade económica, um mesmo conjunto (agora integrado noutro mais alargado) de meios afectos a uma actividade produtiva, que os sócios, aliás, quiseram potenciar com a fusão. Ou seja, com a fusão por incorporação ocorre uma transformação da sociedade, mas não uma extinção, não decorrendo da integração o seu desaparecimento, mas a sua alteração, ainda que implique a perda de personalidade jurídica”.

 

6.17.  Neste âmbito, note-se que a Requerente alega no pedido que, com a referida fusão, se reforço em diversos aspectos, designadamente quanto à sua capacidade comercial, com os importantes contactos privilegiados de que dispunha a C..., permitindo que a Requerente passasse a ter um relevante potencial de afirmação em mercados emergentes, nomeadamente no mercado brasileiro, onde investiu logo em 2008 facto que a Requerida não afasta.

 

6.18.  Adicionalmente, reitere-se que, na linha da jurisprudência sedimentada na matéria, a questão da dedutibilidade tem de ser apreciada não em face da conexão do financiamento com o interesse empresarial da incorporante, mas sim da transmissão para esta de todos os direitos da incorporada, determinada pelo artigo 112.º do Código das Sociedades Comerciais, inclusivamente o direito a dedução dos encargos com financiamento de longo prazo (que é exigida pelo princípio de direito europeu e direito nacional da neutralidade das fusões), tratando-se de um regime especial de dedutibilidade de encargos que, por ser exigência de um princípio de Direito da União Europeia, se sobrepõe às normas de direito interno, inclusivamente ao artigo 23.º do CIRC, por força do preceituado no n.º 4 do artigo 8.º da CRP.

 

6.19.  E, por isso, a transmissibilidade para a sociedade incorporante do direito que a sociedade incorporada tinha a deduzir gastos de financiamento líquidos não deduzidos, não é uma distorção do princípio da neutralidade, antes sendo um dos direitos previstos para o concretizar e, por ser este um regime especial sobre a dedutibilidade de gastos, ele prevalece, no seu específico campo de aplicação, sobre as regras gerais do artigo 23º do Código do IRC.

 

6.20.  Em resumo, os gastos de financiamento não só estão abrangidos pela presunção de dedutibilidade prevista na alínea c), do nº 2 do artigo 23º do Código do IRC, como também preenchem os requisitos do nº 1 deste artigo porquanto a relação causal que se estabelece entre os custos com os juros e o interesse societário de obtenção de lucros não se esgota nem deixa de existir em virtude de uma fusão (apesar de esta operação societária implicar uma modificação jurídica da(s) sociedade(s) fundida(s), mantém-se uma continuidade económica na prossecução da actividade comercial, que ficou incrementada numa só entidade).

 

6.21.  Assim, os gastos de financiamento que eram anteriormente dedutíveis porque incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos continuem a sê-lo na esfera da sociedade que continua a actividade da sociedade incorporada porquanto podem ser essenciais para a existência e manutenção da fonte produtiva da sociedade incorporante numa óptica de racionalidade de gestão – aumento de produtividade, ganhos de eficiência, melhor gestão de recursos, etc.

 

6.22.  A estas mesmas conclusões chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 01-07-2022, no âmbito do processo nº 500/2021-T, que se pronunciou sobre idênticas correcções feitas à Requerente, embora quanto aos exercícios de 2016 e 2017 pelo que impende para o julgador, atento o disposto no artigo 8º, nº 3 do Código Civil e atenta a identidade fáctico-jurídica entre ambos os processos, a imposição de ter em consideração, nas decisões que proferir, os casos que sejam análogos de forma a assegurar uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

 

6.23.  Nestes termos, entendemos que procede o vício de violação de lei invocado pela Requerente, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 23º, nºs 1 e 2, alínea c), do Código do IRC, relativamente às correções efectuadas, pela Requerida, à matéria coletável de IRC do exercício de 2019, atinentes a “Gastos não aceites – gastos financeiros não incorridos para a obtenção ou garantia de rendimentos”, no montante de EUR 57.563,79 pelo que, nessa exacta medida, deve ser considerado parcialmente inválido o acto de liquidação adicional de IRC do ano de 2019 que, por isso, deve ser parcialmente anulado (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).

 

Da correcção ao RFAI para 2018 e para 2019

 

6.24.  A este respeito, refere a Requerida, nos RIT, que “(…) as dotações apuradas pelo sujeito passivo em sede de RFAI dos períodos de 2018 (114.436,58 euros) e 2019 (160.298,02 euros) terão de ser integralmente desqualificadas para efeitos deste benefício fiscal, revelando-se ilegítimas por incumprimento de um dos requisitos cumulativos previstos no n.º 4 do artigo 22.º do CFI” porquanto, não se deu “(…) por cumprido o requisito de criação de postos de trabalho, em sede de RFAI 2018 e o requisito manutenção da criação de postos de trabalho, em sede de RFAI 2019”.

 

6.25.  O entendimento dos SIT, em cada um dos RIT resultantes do procedimento inspectivo, (corroborado pela Requerida na sua Resposta) é no sentido de que:

 

6.25.1.   Para efeitos do incentivo do RFAI, têm de existir criação de emprego, de acordo com a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI e na acepção da redação do artigo 2º, ponto 32) e do artigo 14º, nº 9 do Regulamento (UE) 651/2014, de 16 de junho de 2014 (RGIC), nos termos do qual se regem os auxílios com finalidade regional a implementar pelos Estados-membros;

6.25.2.   A aferição da criação de postos de trabalho pressupõe um aumento líquido de postos de trabalho em 31 de Dezembro de determinado ano, quando comparado com a média durante determinado período de tempo, interpretando assim os SIT que tem de haver, em resultado do investimento efectuado, “um aumento líquido do número de trabalhadores no estabelecimento em causa em comparação com a média dos 12 meses anteriores (…)” e,

6.25.3.   “(…) para além do requisito quanto à criação de emprego, nos termos do RGIC e OARs, a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, impõe a manutenção dessa criação por um período de 3 anos, no caso de PMEs (…)”.

 

6.26.  Assim, tendo os SIT constatado, no âmbito do procedimento inspectivo, que a Requerente tinha ao seu serviço:

 

6.26.1.   Em 31 de Dezembro de 2018, 157 trabalhadores com contrato sem termo (ou seja, um número inferior face à média de 158,3 trabalhadores verificada nos 12 meses anteriores) e;

6.26.2.   Em 31 de Dezembro de 2019 (termo do primeiro ano seguinte ao investimento), 187 trabalhadores nas mesmas condições (sendo que a média nos 12 meses anteriores foi de 170,8 trabalhadores),

6.26.3.   Em 31 de Dezembro de 2020, 179 trabalhadores, em 31 de Dezembro de 2021, 168 trabalhadores e em 31 de Dezembro de 2022, 156 trabalhadores,

 

concluíram os SIT, como referido no ponto 5.36., supra, não ter sido cumprida a condição de criar (em 2018) e manter (face a 2019), ao longo dos três anos seguintes, o nível de empregabilidade alcançado por via do investimento que beneficia do RFAI, conforme entendem ser exigido pelo disposto no artigo 22º, nº 4, alínea f) do CFI.

 

6.27.  A Requerente discorda desta posição porquanto alega que “(…) nos períodos de 2018 e 2019, (…) investiu na expansão e melhoria do seu negócio, através da introdução de melhorias significativas no processo produtivo e desempenho operacional das mesmase desse investimento – e com ele diretamente relacionado – resultou a necessidade de aumentar o número de funcionários adstritos às unidades industriais (…), sobretudo a designada por polo I, a qual foi fisicamente alargada”, pelo que “(…) em resultado do investimento efetuado, (…) procedeu a dotações no âmbito do RFAI, de € 114.436,58 no exercício de 2018, e € 160.298,02, no exercício de 2019, (…), dos quais deduziu, naqueles exercícios, € 7.274,65 e € 7.204,10, respetivamente, fazendo transitar o saldo remanescente para anos seguintes” sendo que, para usufruir do RFAI, entende ter cumprido com o conjunto de condições que se encontram elencadas no n.º 4, do artigo 22.º do CFI, nomeadamente, com o disposto na alínea f) daquele artigo, nos termos da qual se refere que “podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente capítulo os sujeitos passivos de IRC que (…); f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c)”.

 

6.28.  Neste âmbito, a questão a decidir diz respeito aos requisitos que devem ser considerados como aplicáveis em matéria de RFAI, enquanto benefício ao investimento.

 

6.29.  Em termos gerais, o Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, estabelece, entre outros, os seguintes regimes de benefícios fiscais ao investimento, a saber, (i) o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), previsto nos artigos 22º a 26º, e (ii) o Regime de Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (DLRR), previsto nos artigos 27º a 34º.

 

6.30.  No âmbito destes benefícios, refira-se que a Portaria nº 297/2015, de 21 de Setembro veio proceder à regulamentação do RFAI e do regime da DLRR, assegurando a aplicação integral das regras previstas no Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC), ao abrigo do qual foram aprovados e, quando aplicável, das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR), definindo ainda os procedimentos especiais de controlo do montante dos auxílios de Estado com finalidade regional a que se refere o nº 7 do artigo 23º do Código Fiscal do Investimento.

 

O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI)

 

6.31.  No que diz respeito ao RFAI, em termos gerais, este é um regime de auxílios com finalidade regional aprovado “nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGI)” (artigo 1º, nº 2, do CFI).

 

6.32.  Assim, em sede de RFAI, e ao que ao caso interessa, o artigo 22º do CFI (na redação vigente à data dos factos), nos seus nºs 1 e 2, referia que “o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos (…), tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista (…), com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC”.

 

6.33.  “Para efeitos do disposto no presente regime, consideram-se aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa: a) Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de: i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em investimentos na indústria extrativa; ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas; iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas; iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística; v) Equipamentos sociais; vi) Outros bens de investimento que não estejam afetos à exploração da empresa; b) Ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente” (sublinhado nosso).

 

6.34.  Nos termos do disposto no nº 4 do artigo 22º do CFI é referido que “podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente capítulo os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições: a) Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade; b) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos; c) Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, ou cinco anos nos restantes casos, os bens objeto do investimento ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, (…), ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 31.º-B do Código do IRC; d) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento dos seus débitos devidamente assegurado; e) Não sejam consideradas empresas em dificuldade nos termos da comunicação da Comissão - Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 249, de 31 de julho de 2014; f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c)” (sublinhado nosso).

 

6.35.  Adicionalmente, os nºs 4 e 5 do referido artigo 22º do CFI, estabelecia que:

 

6.35.1.   Se considera “(…) investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso”;

6.35.2.   “(…) não se consideram as adições de ativos que resultem de transferências de investimentos em curso transitado de períodos anteriores, exceto se forem adiantamentos” (sublinhado nosso).

 

6.36.  Por outro lado, o artigo 23º do CFI estabelecia em que condições eram concedidos os benefícios fiscais aí definidos, aos sujeitos passivos de IRC e o artigo 24º do CFI refere que “(…) o RFAI não é cumulável com quaisquer benefícios fiscais da mesma natureza, (…) relativamente às mesmas aplicações relevantes, (…)” sendo que “(…) é cumulável com a DLRR, desde, e na medida em que, não sejam ultrapassados os limites máximos aplicáveis previstos (…)” (sublinhado nosso).

 

6.37.  O artigo 27º do CFI refere que “em caso de incumprimento do disposto na alínea c) do n.º 4 do artigo 22.º [ou seja, quando não sejam mantidos na empresa e na região, durante um período mínimo a contar da data dos investimentos, os bens objeto do investimento], é adicionado ao IRC relativo ao período de tributação em que o sujeito passivo alienou os bens objeto do investimento o imposto que deixou de ser liquidado em virtude do presente regime, acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 10 pontos percentuais”.

 

6.38.  No artigo 43º do CFI são estabelecidos os limites máximos aplicáveis aos auxílios estatais com finalidade regional, concedidos às empresas no âmbito do regime de benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo e do RFAI.

 

6.39.  Ainda em matéria de RFAI, a Portaria nº 297/2015, acima referida, estatui no seu artigo 2º, nº 1, que “para efeitos da determinação do âmbito sectorial (…) aplicável ao RFAI por remissão do n.º 1 do artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento, aplicam-se as definições relativas a atividades económicas estabelecidas no artigo 2.º do RGIC” e, no nº 2, que “para efeitos do disposto no artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento: (…) d) Os benefícios fiscais previstos no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento apenas são aplicáveis relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC, considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”.

 

6.40.  Para “efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento, independentemente da forma que assuma o investimento inicial, apenas se consideram aplicações relevantes os ativos aí previstos que: a) Sejam exclusivamente utilizados no estabelecimento objeto dos benefícios fiscais; b) Sejam amortizáveis, nos termos das regras contabilísticas em vigor; c) Sejam adquiridos em condições de mercado a terceiros não relacionados com o adquirente; e d) Permaneçam associados ao investimento a favor do qual o auxílio é concedido durante pelo menos cinco anos, ou três anos no caso de micro, pequenas e médias empresas (…)” (sublinhado nosso).

 

O Regime de Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (DLRR)

 

6.41.  Já em matéria de DLRR, refira-se que este é um regime de incentivos fiscais ao investimento em favor de micro, pequenas e médias empresas [cujo regime esteve previsto nos artigos 27º e seguintes do CFI até 31-12-2022 (porquanto foi revogado pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro – OE para 2023)], sendo que, de acordo com o então previsto no artigo 29º, nº 1 do CFI (em vigor à data a que se reportam os factos), “os sujeitos passivos (…) podem deduzir à coleta do IRC, nos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2014, até 10 % dos lucros retidos que sejam reinvestidos em aplicações relevantes nos termos do artigo 30.º, no prazo de três anos contado a partir do final do período de tributação a que correspondam os lucros retidos”.

 

6.42.  A dedução referida no ponto anterior abrange “(…) as situações em que durante o período de tributação se encontram reunidos os requisitos previstos na legislação comercial para adiantamento por conta de lucros, não podendo essa dedução ser superior àquela que seria obtida com base no lucro apurado no final desse período de tributação”, de acordo com o nº 6 daquele artigo (sublinhado nosso).

 

6.43.  No que diz respeito às aplicações relevantes, para efeitos do regime da DLRR, estabelecia o artigo 30º do CFI que se consideram como tal(…) os ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de: a) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em projetos de indústria extrativa; b) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo quando afetos a atividades produtivas ou administrativas; c) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, salvo quando afetas à exploração de serviço público de transportes ou destinadas a serem alugadas no exercício da atividade normal do sujeito passivo, barcos de recreio e aeronaves de turismo; d) Artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística; e) Ativos afetos a atividades no âmbito de acordos de concessão ou de parceria público-privada celebrados com entidades do setor público”.

 

6.44.  Assim, considera-seinvestimento realizado em aplicações relevantes o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso” sendo que para este efeito, “(…) não se consideram as adições de ativos que resultem de transferências de investimentos em curso” (sublinhado nosso).

 

6.45.  Ainda de acordo com o nº 5 do artigo 30º do CFI, “as aplicações relevantes em que seja concretizado o reinvestimento dos lucros retidos devem ser detidas e contabilizadas de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade, por um período mínimo de cinco anos” (sublinhado nosso).

 

6.46.  Por outro lado, no artigo 31º do CFI, referia-se que a DLRR “(…) é cumulável com o regime de benefícios contratuais e com o RFAI, nos termos e condições previstos nos artigos 13.º e 24.º, respetivamente” (sublinhado nosso).

 

6.47.  Adicionalmente, de acordo com o artigo 32º do CFI que “os sujeitos passivos que beneficiem da DLRR devem proceder à constituição, no balanço, de reserva especial correspondente ao montante dos lucros retidos e reinvestidos” sendo que esta reserva especial não podia “(…) ser utilizada para distribuição aos sócios antes do fim do quinto exercício posterior ao da sua constituição, sem prejuízo dos demais requisitos legais exigíveis” (sublinhado nosso).

 

6.48. Por último, previa o artigo 34º do CFI que, “(…) a) A não concretização da totalidade do investimento nos termos previstos no artigo 30.º até ao termo do prazo (…) previsto no n.º 1 do artigo 29.º implica a devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado na parte correspondente ao montante dos lucros não reinvestidos, ao qual é adicionado o montante de imposto a pagar relativo ao (…) período de tributação seguinte, acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais(…)” (sublinhado nosso).

 

6.49.  Ainda em matéria de DLRR, a Portaria nº 297/2015, acima referida, estatuía no seu artigo 10º que “para efeitos do disposto do n.º 1 do artigo 29.º do Código Fiscal do Investimento, caso os investimentos beneficiem de outros auxílios de Estado, o cálculo do limite aí referido deve ter em consideração o montante total dos auxílios de Estado concedidos ao investimento em questão, proveniente de todas as fontes” sendo que, de acordo com o estabelecido no artigo 11º daquela Portaria, “para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 30.º do Código Fiscal do Investimento, apenas são elegíveis as aplicações relevantes em ativos aí previstos que respeitem a um investimento inicial, tal como definido nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º da presente portaria” (sublinhado nosso).

 

Dos investimentos contabilizados pela Requerente, para efeitos de RFAI e DLRR e da ilegalidade das liquidações adicionais de IRC relativas a 2018 e 2019 por violação dos critérios de elegibilidade (previstos no CFI) daqueles investimentos

 

6.50.  Antes de avançarmos para a análise, em concreto, da elegibilidade dos diversos investimentos em causa neste processo arbitral, realizados pela Requerente nos exercícios de 2018 e 2019 e por esta considerados elegíveis para efeitos de RFAI e de DLRR, importa referir que os aludidos investimentos foram considerados enquadrados no âmbito da tipologia “aumento da capacidade de um estabelecimento existente” [prevista nos artigos 2º, nº 49, alínea a) e 17º, nº 3, alínea a), ambos do Regulamento (UE) nº 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho de 2014 (RGIC), e na alínea d) do nº 2 do artigo 2º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de Setembro] pelo que as aquisições de activos teriam de estar relacionadas com um projeto de aumento da capacidade produtiva da Requerente, por forma a serem elegíveis no âmbito do RFAI e da DLRR sendo que, por um lado, a aferição dos requisitos de que depende a aplicação do RFAI e da DLRR deve ser efectuada numa perspectiva global (isto é, tendo em conta a globalidade dos investimentos a que se referem as aquisições de activos) e, por outro lado, que quando se faz um aumento da capacidade de produção de uma empresa, toda a respectiva estrutura empresarial (para além da área de produção, ou seja, a área administrativa, a área comercial, a logística, etc.) tem de responder a esse aumento, acompanhando-o, pois é do conjunto dos respectivos elementos que resultará o aumento de produção.

 

Investimentos em reparação de activos existentes e aquisições isoladas de activos

 

6.51.  Como acima já referido, que quer em 2018, quer em 2019, a Requerente alegou ter adquirido ferramentas e outros componentes novos com vista à actualização e reparação de máquinas adquiridas no âmbito do investimento produtivo, no valor de
EUR 289.032,01 (para 2018) e de EUR 268.597,69 (para 2019) tendo apurado uma dotação, em sede de RFAI de, respectivamente, EUR 72.258,00 (2018) e EUR 67.149,42 (2019).

 

6.52.  Ora, não obstante a Requerente alegar ter observado todas condições legalmente previstas quanto à natureza dos investimentos, a Requerida veio considerar, em matéria de procedimento inspectivo, que este investimento, na sua globalidade, dado ter sido por esta considerado como um investimento em reparações de activos que não contribuiu para o aumento da capacidade produtiva das unidades fabris operadas pela Requerente, não pode, nessa medida, considerar-se elegível para efeitos do benefício fiscal do RFAI e da DLRR, tendo os SIT considerado, como acima já referido, como ilegítima a totalidade da dotação do RFAI inscrita pela Requerente, para 2018 e para 2019, anulando, em consequência, a dedução à coleta inscrita a esse título para aqueles exercícios.

 

6.53.  Neste âmbito, os SIT entenderam que, relativamente às despesas incorridas com a aquisição e instalação de ferramentas tais como punções, matrizes, cabeças de injeção, mordentes pneumáticos, e outras componentes para máquinas punçonadoras, quinadoras, paneladoras, viradeiras, desbarbadoras (entre outras adquiridas), que “estas reparações, componentes e peças de substituição, são despesas correntes inerentes ao normal bom funcionamento das máquinas, pelo que, para além de não elegíveis nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI, também não são impulsionadoras de aumento da capacidade do estabelecimento”, não sendo assim elegíveis, quer para efeitos do RFAI, quer para efeitos de DLRR, posição com a qual a Requerente não concorda.

 

6.54.  Adicionalmente, a Requerente adquiriu, em 2018, várias novas máquinas para as suas instalações fabris (máquina de cintar, uma pistola pneumática, um compressor e uma máquina de soldar), tendo ainda investido na aquisição e instalação de um novo sistema de movimentação de cargas em altura para a sua linha de montagem de bancadas, investimentos que totalizaram o montante de EUR 36.677,86, os quais a Requerida considerou que não eram elegíveis para efeitos de RFAI e DDLR na medida em que “no período de 2018, não foi realizado, a montante ou a jusante, um investimento indutor do aumento da capacidade do estabelecimento, como seja a aquisição de máquinas produtivas (…) passível de agregar os equipamentos (…) identificados que, por si só de forma isolada, não cumprem o desiderato de aumento da capacidade de produção”.

 

6.55.  Nesta matéria, a Requerida considerou que as despesas relativas a tais investimentos
(EUR 36.677,86) não são elegíveis e, em consequência, a dotação em sede de RFAI 2018 de EUR 9.169,47 é indevida.

 

6.56.  No caso em concreto, e ressalvadas as correcções que a Requerente expressamente veio aceitar (vide pontos 5.43. e 5.44., supra), o que está aqui em causa são despesas incorridas, quer em reparações propriamente ditas, quer na aquisição de novas ferramentas, componentes e/ou peças de substituições que, na perspectiva da Requerente, visaram assegurar o funcionamento constante das máquinas, levando ao impulso do aumento da capacidade dos equipamentos.

 

6.57.  Nesta conformidade, é necessário decidir se, no caso (reparações propriamente ditas, aquisição de novas ferramentas, componentes e/ou peças de substituições) estamos ou não perante despesas de investimento relativamente às quais foi ou não indubitavelmente demonstrado que tenham tido um impacto positivo sobre a capacidade produtiva da Requerente, aumentando-a.

 

6.58.  Neste âmbito, complementada a informação constante dos documentos que suportam a posição de cada uma das Partes, com os testemunhos das 4 Testemunhas inquiridas (3 arroladas pela Requerente e 1 das arroladas pela Requerida), refira-se que, segundo a convicção que se formou para este Tribunal, com as referidas despesas de investimento resultou um maior aproveitamento da capacidade instalada já existente que, até então, estaria a ser subaproveitada em matéria de processo produtivo e, nesta medida, não pode, com plena certeza, afirmar-se que das mesmas resultou um aumento efectivo da capacidade produtiva.

 

6.59.  Na verdade, de acordo até com os testemunhos das testemunhas arroladas pela Requerente, o que se entende que terá acontecido, nos anos em análise (2018 e 2019) foram “melhorias no processo produtivo” e “desenvolvimento de [novos] produtos”, ou seja, uma diversificação da produção da Requerente no que se refere a produtos não fabricados anteriormente, sendo para tal necessário “adequar o processo produtivo para o novo design do produto”, “mais apelativo” e com “menor custo e eficiência da produção”, ou seja, a adequação das máquinas aos novos produtos.

 

6.60.  Complementando a convicção que resultou do conjunto daqueles três testemunhos com o testemunho prestado pela testemunha da Requerida inquirida em sede de reunião havida, a capacidade já existia nas máquinas (que estavam instaladas nas unidades de produção) mas estavam a ser utilizadas na sua plena eficiência.

 

6.61.  Nestes termos, tendo em consideração o exposto nos pontos anteriores, constitui entendimento deste Tribunal que os gastos relativos a tais investimentos
(de EUR 289.032,01 em 2018 e de EUR 268.597,69 em 2019), os quais originaram uma dotação, em sede de RFAI de, respectivamente, EUR 72.258,00 (2018) e EUR 67.149,42 (2019) não são elegíveis para efeitos de RFAI, enquanto incentivo ao investimento, porquanto não foi considerado demonstrado que, como consequência dos investimentos, houve um aumento da capacidade de produção, ficando neste âmbito prejudicada, especificamente quanto a estes investimentos, a análise da criação e manutenção de postos de trabalho porque inútil.

 

6.62.  Em consequência, improcede o vício de violação de lei invocado pela Requerente quanto a esta parte das correções efectuadas pela Requerida em matéria de RFAI.

 

Investimentos em showroom (incluindo despesas de investimento em mobiliário e artigos de conforto)

 

6.63.  A Requerente refere que, em 2018, optou por investir na criação de um showroom nas instalações fabris do polo industrial II, tendo o mesmo sido criado de raiz, com dois propósitos, a saber: (i) um comercial, no sentido de proporcionar uma experiência de utilização dos produtos aos clientes e potenciais clientes in loco e, (ii) outro operacional, no sentido de se pretender que o showroom funcionasse como laboratório para uma fase final de testagem dos produtos comercializados pela Requerente.

 

6.64.  Para este efeito, a Requerente adquiriu mobiliário, um sistema de climatização e estores de rolo, para remodelação do showroom, tendo considerado as respectivas despesas, no total de EUR 23.013,32, como elegíveis para efeitos de RFAI e, em consequência, tendo apurado uma dotação em sede de RFAI de EUR 5.753,33.

 

6.65.  A Requerida, por outro lado, considerou que as despesas relativas a tais investimentos
não são elegíveis porquanto entende que as mesmas não foram indutoras do aumento da capacidade produtiva da Requerente e, em consequência, a dotação em sede de RFAI 2018, neste matéria, foi considerada indevida.

 

6.66.  Nesta matéria, complementada a informação constante dos documentos que suportam a posição de cada uma das Partes, com os testemunhos das 4 Testemunhas inquiridas (3 arroladas pela Requerente e 1 das arroladas pela Requerida), refira-se que, em termos gerais, segundo a convicção que se formou para este Tribunal, com as referidas despesas de investimento (nem todas elegíveis para efeitos do RFAI) não resultou que, do referido investimento na criação de um showroom nas instalações fabris do polo industrial II da Requerente, com os propósitos acima mencionados, tenha ficado demonstrado qualquer impacto positivo (e/ou negativo) na capacidade produtiva da Requerente, pelo que constitui nosso entendimento que os gastos relativos a tais investimentos não são elegíveis para efeitos de RFAI, ficando neste âmbito prejudicada, especificamente quanto a estes investimentos, a análise da criação e manutenção de postos de trabalho porque inútil.[10]

 

6.67.  Em consequência, improcede nesta matéria, o vício de violação de lei invocado pela Requerente quanto a esta parte das correções efectuadas pela Requerida em matéria de RFAI.

 

Investimentos em equipamentos para testes e em equipamento informático para o laboratório

 

6.68.  A Requerente refere que, em 2018, realizou investimentos em activos com vista à melhoria dos processos de testagem dos produtos que fabrica e comercializa, os quais totalizaram EUR 19.747,45, tendo ainda investido na aquisição de equipamento informático, no montante de EUR 18.475,00 sendo que, a totalidade desses investimentos foi realizada, em concreto, nas instalações do laboratório situado no polo industrial II, para o qual foram adquiridas três máquinas de testagem do produto, visando-se automatizar e tornar mais eficientes os procedimentos de testagem e controlo de fugas dos equipamentos produzidos.

 

6.69.  A Requerida, não obstante admitir que aqueles investimentos em equipamentos para testes podem conduzir a uma melhoria do produto, considerou que as despesas relativas a tais investimentos (EUR 19.747,45) não são elegíveis por considerar que os mesmos não contribuem para o aumento da capacidade produtiva da Requerente e, em consequência, considerou que a dotação em sede de RFAI 2018, no montante de
EUR 4.936,86, é indevida, tendo ainda considerado que as despesas relativas aos investimentos em equipamento informático, no montante de EUR 18.475,00 também não são elegíveis pelas mesmas razões pelo que, em consequência, considerou que a dotação em sede de RFAI 2018, no montante de EUR 4.618,75, é indevida.

 

6.70.  Nestes termos, a Requerida recusou a totalidade das deduções à colecta calculadas em função daqueles montantes, posição que a Requerente não aceita, por considerar que os investimentos em causa devem ser considerados elegíveis, por cumprirem os critérios legais para o efeito.

 

6.71.  No caso em concreto, estão aqui em causa despesas de investimento em bens direcionados para o desenvolvimento de produtos produzidos e comercializados pela Requerente, concretamente gastos que foram incorridos no sentido de reforçar o apetrechamento do laboratório existente no polo industrial II da Requerente, incluindo a aquisição de software, investimentos esses destinados, como refere a Requerente, a autonomizar e a tornar mais eficientes os procedimentos de testagem dos equipamentos produzidos, visando a criação e desenvolvimento de novos e melhores produtos.

 

6.72.  Não obstante, não resultou da prova testemunhal produzida que das referidas despesas de investimento tenha resultado um impacto positivo sobre a capacidade produtiva da Requerente.

 

6.73.  Assim, à semelhança do anteriormente decidido, constitui nosso entendimento que os gastos relativos a tais investimentos não são elegíveis para efeitos de RFAI, ficando neste âmbito prejudicada, especificamente quanto a estes investimentos, a análise da criação e manutenção de postos de trabalho porque inútil.

 

6.74.  Em consequência, improcede nesta matéria, o vício de violação de lei invocado pela Requerente quanto a esta parte das correções efectuadas pela Requerida em matéria de RFAI.

 

 

 

Investimentos em moldes

 

6.75.  Neste âmbito, como refere a Requerente que “quer em 2018, quer em 2019, (…) investiu na aquisição de novos moldes e de alterações para moldes de injeção de plástico com vista à produção de peças utilizadas no processo produtivo“(…) mas mantém-nos fisicamente nas instalações dos respetivos fornecedores”, motivo pelo qual a Requerida “(…) entendeu serem de desconsiderar os custos com a aquisição dos moldes em causa como investimento elegível para efeitos de RFAI e DDLR, nos montantes de € 42.962,41 para 2018 e € 37.786,17 para 2019 (…)” não questionando que “(…) estes sejam suscetíveis de aumentar a capacidade produtiva instalada (…)”, “antes exigindo que eles sejam concretamente indutores da criação de postos de trabalho (…)” (sublinhado nosso).

 

6.76.  No caso em concreto, a Requerida considera que que tais despesas de investimento podem ser elegíveis para efeitos de RFAI (porquanto podem ser susceptíveis de aumentar a capacidade instalada, mas questionando se foram indutores da criação de postos de trabalho, pelo que será necessário analisar e concluir quanto ao requisito da criação de postos de trabalho associado com o RFAI (vide abaixo subcapítulo RFAI 2018 e 2019 - Do requisito da criação de posto de trabalho) para decidir quanto à (i)legalidade das correcções efectuadas nesta matéria.

 

RFAI - investimentos efectuados no ano 2019

 

6.77.  Neste âmbito, tendo em consideração as conclusões referidas nos pontos 6.51., a 6.74., supra, relativas ao RFAI do ano 2018, considera-se que as mesmas são aqui aplicáveis relativamente aos investimentos efectuados, nas mesmas rúbricas, relativamente ao ano 2019, para efeitos do RFAI.

 

 

 

Do requisito da criação de posto de trabalho

 

6.78.  A este respeito refira-se, preliminarmente, que tendo em consideração que se considerou como provado que as despesas de investimento acima identificadas nos pontos 6.51. a 6.74. e 6.77., supra, não devam ser consideradas ilegíveis para efeito de RFAI (anos 2018 e 2019), tendo em consideração que entendeu o Tribunal Arbitral não ter sido demonstrado que as mesmas contribuíram para o aumento da capacidade produtiva da Requerente, fica prejudicado (como acima indicado) quanto a essas despesas de investimento (excepto investimentos em moldes) verificar se se encontra cumprido o requisito da criação e manutenção de postos de trabalhos associada com os investimentos realizados, porquanto inútil.

 

6.79.  Não obstante, e no que diz respeito aos investimentos em moldes (RFAI 2018 e RFAI 2019), torna-se necessária essa análise, como resulta evidenciado pela argumentação esgrimida pela Requerente (vide detalhe no Capítulo 2. desta Decisão) e pela Requerida (vide detalhe no Capítulo 3. desta Decisão).

 

6.80.  Neste âmbito, importa preliminarmente esclarecer o que deve entender-se por “criação de postos de trabalho” nos termos e para os efeitos da alínea f) do nº 4 do artigo 22º do CFI para efeitos de RFAI, enquanto benefício fiscal ao investimento.

 

6.81.  A este propósito, refira-se desde já que sufragamos o entendimento decorrente da decisão arbitral proferida, no âmbito do processo nº 307/2019-T, de 09-03-2020, que aqui se acompanha, e nos termos da qual se refere, nomeadamente que “a alínea f) do n.º 4 do art.º 22.º (…) exige (…) que se efectue investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c). (…). (…) considera-se que a referência feita na al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, deve ser entendida como reportando-se à criação de postos de trabalho causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço. Com efeito, o regime legal em questão (…) visou promover o crescimento económico e o emprego, contribuindo para o reforço da modernização e da competitividade do País, das qualificações dos Portugueses independência e da eficiência energética, bem como para a sustentabilidade ambiental e promoção da coesão social. No âmbito do programa (…) foi criado como um sistema específico de incentivos fiscais ao investimento, (…) formulado como um incentivo ao investimento (gerador de crescimento económico) tendo em vista o reforço da modernização e da competitividade do País, e das qualificações dos Portugueses (…). Neste contexto, a criação de emprego (…) deverá ser entendido como um requisito sine qua non do direito ao benefício fiscal, já que é esse um dos propósitos assumidos pelo legislador e consta expressamente da letra da lei. Não obstante não se poderá, nem deverá, julga-se, esquecer que o regime em questão visará, à frente daquele propósito, fomentar o investimento, para além da modernização e da competitividade do País, e das qualificações dos Portugueses, sendo essencialmente um regime de apoio ao investimento, e não ao emprego. Neste quadro, portanto, e na leitura e interpretação do regime em questão, dever-se-á sempre ter presente em primeira linha a ideia do incentivo ao investimento, sendo a criação de emprego uma condição, mas não o fundamento, do direito ao benefício fiscal. Assim, e tendo presente igualmente as finalidades (…), dever-se-á concluir que o regime em questão vida promover o investimento modernizador, que aumente a competividade do país, e fomente a actualização, ou a aquisição de novas, competências pelos trabalhadores. (…)” (sublinhado nosso).

 

6.82.  Note-se que “(…) sustenta a AT que, na leitura da al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, se deverá lançar mão do enquadramento europeu em matéria de auxílios de Estado com finalidade regional no qual se inscreve o RFAI, constituído, nos termos do n.º 2 do art.º 1.º do CFI, pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107. e 108.° do Tratado. (…)”.[11]

 

6.83.  A este respeito, refira-se que se acompanha a acima identificada Decisão Arbitral, nos termos da qual se escreve que “sendo, evidentemente, um elemento relevante, crê-se que (…) se deve recorrer ao Regulamento (CE) N.º 800/2008 da Comissão, de 6 de Agosto de 2008 (…) que (…) está na génese do RFAI (…). No preâmbulo daquele Regulamento, menciona-se expressamente que “(37) A fim de não favorecer o factor «capital» de um investimento em relação ao factor «trabalho», o presente regulamento deve prever a possibilidade de quantificar os auxílios ao investimento a favor das PME e os auxílios regionais, com base quer nos custos do investimento quer nos custos relativos aos postos de trabalho directamente criados por um projecto de investimento. Nessa sequência, (…) os custos elegíveis são os seguintes: a) Os custos de investimento em activos corpóreos e incorpóreos; ou b) Os custos salariais estimados dos postos de trabalho criados directamente pelo projecto de investimento, calculados para um período de dois anos.”. (…) Quando o auxílio é calculado com base nos custos salariais, os postos de trabalho devem ser criados directamente pelo projecto de investimento. (…). Para serem considerados custos elegíveis para efeitos do presente regulamento, os postos de trabalho directamente criados por um projecto de investimento devem preencher todas as seguintes condições: a) Os postos de trabalho devem ser criados nos três anos subsequentes à realização do investimento; b) O projecto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de assalariados do estabelecimento em causa relativamente à média dos 12 meses precedentes; c) Os novos postos de trabalho devem ser mantidos durante um período mínimo de cinco anos, no caso de uma grande empresa, e de três anos, no caso de uma PME” (sublinhado nosso).

 

6.84.  Aqui chegados verifica-se que que o Regulamento em questão distingue, efectivamente, entre dois tipos distintos de apoios às PME, que são os apoios quantificados a) com base nos custos do investimento e, b) nos custos relativos aos postos de trabalho directamente criados por um projecto de investimento, sendo que para serem considerados custos elegíveis para efeitos do presente regulamento, os postos de trabalho directamente criados por um projecto de investimento devem preencher todas as condições acima enunciadas.

 

6.85.  O Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão (Regulamento geral de isenção por categoria - RGIC), que veio revogar o Regulamento (CE) N.º 800/2008 da Comissão, de 6 de Agosto de 2008, segue, no que para o caso importa, a mesma lógica, referindo no preâmbulo que “a fim de não favorecer o investimento em capital em relação ao investimento nos custos da mão de obra, deve prever-se a possibilidade de quantificar os auxílios regionais ao investimento com base quer nos custos do investimento quer nos custos salariais do emprego diretamente criado por um projeto de investimento”.

 

6.86.  Para o efeito, refere-se no artigo 17º que “os custos elegíveis devem ser um dos seguintes custos ou ambos: a) Os custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos; b) Os custos salariais estimados do emprego diretamente criado pelo projeto de investimento, calculados para um período de dois anos” sendo que, no artigo 14º do mesmo diploma, está previsto que “os custos elegíveis devem ser os seguintes: a) Custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos; b) Custos salariais estimados decorrentes da criação de emprego, em virtude de um investimento inicial, calculados ao longo de um período de dois anos; ou c) Uma combinação das alíneas a) e b), que não exceda o montante de a) ou b), consoante o que for mais elevado” (sublinhado nosso).

 

6.87.  Ora, é neste contexto que o nº 9 do mesmo artigo 14º, citado pela Requerida, dispõe que “quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, descritos no n.º 4, alínea b), devem ser preenchidas as seguintes condições: a) O projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número aparente de postos de trabalho criados nesse período; b) Cada posto de trabalho deve ser preenchido no prazo de três anos após a conclusão dos trabalhos; e c) Cada posto de trabalho criado através do investimento deve ser mantido na zona em causa durante um período mínimo de cinco anos a contar da data em que a vaga foi preenchida, ou três anos no caso de PME” (sublinhado nosso).

 

6.88.  Tendo em consideração que o RFAI, desde a sua génese (em 2009) foi um apoio ao investimento (relativamente ao qual se consideram aplicações relevantes os investimentos em determinado tipo de activos (elencados) desde que afetos à exploração da empresa e potenciadores de postos de trabalho, o Acórdão do STA nº 0411/16.0BEPNF, de
08-11-2023 (Relator FRANCISCO ROTHES) veio afirmar, em síntese, que “(…) no âmbito do RFAI 2009, nem a letra nem a ratio legis da alínea f) do n.º 3 do art. 2.º autorizam a interpretação da expressão aí utilizada de criação de postos de trabalho com o sentido de criação líquida de emprego”, fundamentando a afirmação na seguinte argumentação:

 

(…) a AT sustenta que não basta a criação de postos de trabalho causada pelo investimento realizado, exigindo-se ainda que o número global de trabalhadores do sujeito passivo tenha aumentado. (…) caso a tese de AT vingasse, a verdade é que a fundamentação em que a AT suportou a recusa da aplicação do benefício, de inexistência de criação líquida de emprego, nunca serviria o seu propósito, pois arranca de um erro na interpretação da norma em causa (…). Desde logo, a letra da lei – que constitui o ponto de partida da interpretação (Cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 182, que assinala uma dupla função à letra da lei enquanto factor hermenêutico: por um lado, uma função negativa, qual seja a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei»; por outro lado, uma função positiva, que se reconduz a dois efeitos, sendo o primeiro, que, se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador e o segundo quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais de um significado), dar mais forte apoio a, ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis) –aponta nesse sentido. Na verdade, (…) o legislador disse investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período de dedução (…) e não que haja criação líquida de emprego nesse ou noutro período – expressões de sentido obviamente diverso –, apesar de ter utilizado expressamente esta segunda expressão relativamente a outros regimes de benefícios fiscais. Ora, o n.º 3 do art. 9.º CC impõe-nos presumir, não só que o legislador consagrou as soluções mais acertadas» como também que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Mas ainda que se pudesse considerar que a letra da lei comportava o significado que a Recorrente lhe aponta (…) sempre teríamos de ter presente que na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas (Cfr. BAPTISTA MACHADO, ibidem.). Ora, criação de postos de trabalho não se confunde com criação líquida de emprego, sendo que esta última expressão tem, manifestamente, um carácter bem mais restritivo que a primeira. Tenha-se presente que se aconselha redobrado cuidado na tarefa hermenêutica uma vez que nos situamos no âmbito de benefícios fiscais, que, como é sabido, se encontram a coberto do princípio da legalidade tributária (cfr. art. 8.º da LGT e art. 103.º da Constituição da República Portuguesa), o que proíbe a sua integração por analogia (cfr. art. 11.º, n.º 4, da LGT). Para além disso, as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais (cfr. art. 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais), pelo que devem ser interpretadas nos seus precisos termos, sem ampliações ou restrições. Mas não é só a letra da lei a apontar esse significado. Também a sua razão de ser (a ratio legis) – factor hermenêutico cuja consideração é imposta ao intérprete pelo n.º 1 do art. 9.º do CC (nos termos do art. 9.º, n.º 1, do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, antes procurando reconstituir a partir do seu texto o pensamento legislativo.) – vai no sentido de que a norma releva a criação efectiva (e ulterior manutenção durante o período da dedução) de postos de trabalho (…), independentemente de ser positiva a relação entre o número absoluto dos trabalhadores nesse ano e no ano anterior, i.e., independentemente do efectivo aumento global do número de trabalhadores da empresa. Se não vejamos: O RFAI 2019 integra-se no âmbito da Iniciativa para o Investimento e o Emprego, designada por Programa IIE, criado pela Lei 10/2009, de 10 de Março, programa que visou «promover o crescimento económico e o emprego, contribuindo para o reforço da modernização e da competitividade do País, das qualificações dos Portugueses, da independência e da eficiência energética, bem como para a sustentabilidade ambiental e promoção da coesão social» (cfr. art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 10/2009) e no seu âmbito incluíam-se medidas de «Apoio especial à actividade económica, exportações e pequenas e médias empresas (PME)» e de «Apoio ao emprego e reforço da protecção social» [cfr. alíneas d) e) do n.º 1 do art. 3.º da Lei 10/2009). O RFAI 2009 foi criado no âmbito do mesmo Programa como um sistema específico de incentivos fiscais ao investimento, conforme resulta do respectivo art. 1.º do mesmo Regime e é um regime que visa, essencialmente o investimento e não o emprego (o apoio ao investimento é calculado com base nos custos de investimento em activos corpóreos e/ou incorpóreos, e não com base nos custos de investimento em postos de trabalho ou em custos salariais estimados). Ou seja, o RFAI 2009 foi formulado como um incentivo ao investimento. Assim sendo, a criação de emprego é uma condição para a aplicação do benefício fiscal nele previsto, não é o seu objectivo principal, motivo por que bem se compreende que o legislador se tenha bastado com a «criação de postos de trabalho», ao invés de exigir, como noutros a criação líquida de emprego. Nesse contexto, a criação de postos de trabalho a que alude a alínea f) do n.º 3 do art. 2.º daquele regime, deverá ser entendido como um requisito sine qua non do direito ao benefício fiscal, mas não o fundamento desse direito. No mesmo sentido aponta o Regulamento (CE) n.º 800/2008 da Comissão, de 6 de Agosto de 2008, vigente na altura da implementação do RFAI 2009 e que está na sua génese. Na verdade, o referido Regulamento distingue dois tipos de apoios às PME: os apoios quantificados com base nos custos do investimento e os apoios quantificados com base nos custos relativos aos postos de trabalho directamente criados por um projecto de investimento. É para este último tipo de apoios que é utilizado o conceito de criação líquida de postos de trabalho por serem, justamente, aqueles em que a utilização de tal conceito se justifica. Ora, como deixámos já dito, o RFAI 2009 foi um apoio ao investimento, calculado com base nos custos de investimento em activos corpóreos e/ou incorpóreos, e não com base nos custos de investimento em postos de trabalho ou em custos salariais estimados. Por isso, também a ratio legis não autoriza a invocação do conceito de criação líquida de postos de trabalho para a interpretação a fazer da alínea f) do n.º 3 do art. 2.º do RFAI 2009, que se refere a criação de postos de trabalho. Concluímos, pois, que a expressão criação de postos de trabalho não pode ser interpretada, como pretende a Recorrente, com o sentido de criação líquida de postos de trabalho. (…)” (sublinhado nosso).

 

6.89.  E dado que em matéria de RFAI, a legislação em vigor à data dos factos segue, como se referiu, no que para o caso importa, a mesma lógica da legislação anterior, entende este Tribunal Arbitral não ser fundada a invocação do conceito de criação líquida de postos de trabalho previsto no Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, para efeitos da interpretação a fazer da alínea f) do nº 4 do artigo 22º do CFI, tendo sido por essa razão que o legislador não utilizou, no ordenamento nacional, a expressão “criação líquida de emprego” quando a mesma era utilizada, por exemplo, no artigo 19º do EBF, vigente à data dos factos, para efeitos do benefício fiscal da Criação de Emprego, o qual tinha por base os custos salariais de postos de trabalho.

 

6.90.  Nestes termos, considerando-se que a alínea f) do nº 4 do artigo 22º do CFI, não se reporta à criação líquida de postos de trabalho, nos termos em que, por exemplo, o referido artigo 19º do EBF e as Directivas sobre apoios de Estado o fazem, é ainda necessário densificar qual o sentido e alcance que a expressão “criação de postos de trabalho”, ali utilizada, tem.

 

6.91.  Neste âmbito, tendo em conta que, pelos fundamentos acima expostos, não se deverá equiparar a expressão “criação de postos de trabalho” à expressão “criação líquida de postos de trabalho”, dever-se-á, em obediência ao princípio hermenêutico do legislador razoável, obter um resultado interpretativo que seja coerente com a teleologia do benefício fiscal em questão e que tenha um efectivo conteúdo prático e, nessa perspectiva, a única interpretação que não se reconduza à “criação líquida de postos de trabalho” será a de que a “criação de postos de trabalho”, pressuposta pelo benefício fiscal em questão, se refere à criação de postos de trabalho e à sua manutenção pelo período exigido, causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter ou não tido um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.

 

6.92.  Ou seja, o que está em causa é que o investimento realizado por determinada empresa seja elegível para usufruir do benefício fiscal em questão e, na medida em que, dele resulte (de forma causalmente adequada), a criação de posto(s) de trabalho e a sua manutenção devendo ser este o critério para aferir da criação de postos de trabalho previsto na alínea f) do nº 4 do artigo 22º do CFI.

 

6.93.  E, como entende a Requerente (decorre da leitura da alínea c) do nº 9 do artigo 14º do RGIC), a mesma não faz qualquer referência a um “aumento líquido do número total de trabalhadores” referindo-se, pelo contrário, a “cada posto de trabalho criado através do investimento” para efeitos de preenchimento do requisito de manutenção de postos de trabalho, ou seja, para efeitos de comparação inter-temporal relevante.

 

6.94.  Assim, entendemos não estar em causa, para efeitos da verificação do cumprimento dos requisitos do RFAI, a aferição do número total de postos de trabalho (criados sem termo) da Requerente, mas apenas a aferição de postos de trabalho especificamente criados pelo investimento realizado, ou seja, o número de trabalhadores admitidos (por causa do investimento), como condição indispensável ao benefício fiscal.

 

6.95.  No caso em concreto, ainda que atentemos na factualidade provada, em matéria do número total de colaboradores da Requerente, do número de colaboradores afectos às suas unidades fabris, bem como à média do número de trabalhadores da Requerente, afectos à área produtiva, nos 12 meses anteriores a Dezembro de 2018 e nos 12 meses anteriores a Dezembro de 2019, há também que ter em atenção que, relativamente aos investimentos que a Requerente considerou como elegíveis para efeitos de RFAI, não resultou como provado (nem da documentação anexada pelas Partes, nem dos testemunhos produzidos) que relativamente aos investimentos passíveis de serem considerados elegíveis (investimentos em moldes):

 

6.95.1.   Tais investimentos proporcionaram, no decurso de cada um dos referidos anos (2018 e 2019), a criação de postos de trabalho directamente relacionados com os referidos investimentos;

6.95.2.   E que, em caso afirmativo, os postos de trabalho que possam ter sido criados na sequência daqueles investimentos tenham sido mantidos até ao final do período mínimo de três anos a contar das datas de realização daqueles investimentos.

 

6.96.  Com efeito, cabendo o respectivo ónus da prova ao sujeito passivo (atento o disposto no artigo 74º, nº 1, da LGT), competia à Requerente fazer a prova do preenchimento dos requisitos de que depende a atribuição de determinado benefício fiscal, enquanto facto simultaneamente constitutivo desse direito e impeditivo da tributação-regra mas aquela não logrou carrear para os autos qualquer elemento de prova (documental e/ou testemunhal) que permita sustentar a afirmação de que, no decurso dos anos de 2018 e 2019, houve postos de trabalho especificamente criados pelos investimentos ilegíveis efectuados e, muito menos, conhecer quantos foram criados e quantos se mantiveram durante o período mínimo de manutenção dos bens objecto dos referidos investimentos.

 

6.97.  E, não tendo sido feita prova do preenchimento da condição estatuída na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI (cumulativa com as demais condições estatuídas naquele n.º 4), a Requerente não pode beneficiar do RFAI relativamente aos exercícios de 2018 e 2019, relativamente aos investimentos considerados como podendo ser elegíveis (investimentos em moldes), por não se ter efectuado prova da condição relativa à criação de postos de trabalho, caducando o benefício fiscal com a consequente reposição automática da tributação-regra (cf. artigo 14º, nºs 1 e 2, do EBF).

 

6.98.  Nestes termos, e considerando as conclusões apresentadas no ponto 6.73., supra, improcede totalmente o pedido arbitral relativamente às correções efetuadas pela Requerida atinentes a “Deduções à coleta indevidas – RFAI” referentes ao IRC dos exercícios de 2018 e de 2019 e, consequentemente, os respectivos actos tributários deverão ser mantidos no que diz respeito a tais correcções.

 

DLRR 2016 - reinvestimento concretizado em 2018 e em 2019

 

6.99. Como referido no Capítulo 3. desta decisão arbitral, alega a Requerida, no que diz respeito à DLRR e aos motivos que originaram as correções ao IRC de períodos anteriores (DLRR 2016) e correspondentes juros compensatórios, respectivamente, no montante de
EUR 57.036,78 e de EUR 22.475,62, no período de tributação de 2018, “em sede de DLRR e perante a confirmação da não concretização da totalidade do investimento a Requerente apenas efetuou investimento elegível no montante de € 396.255,66 (€ 69.739,32 em 2017 e € 326.516,34 em 2019) dos € 966.623,50 a que estava obrigada (…)” pelo que os SIT concluíram pela necessidade de devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado na parte correspondente ao montante dos lucros não reinvestidos, o qual foi adicionado ao montante de imposto a pagar relativo ao segundo período de tributação seguinte (ou seja, 2018), acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais.

 

6.100.  Alega ainda a Requerida que “os SIT, na análise efetuada, aferiram o reinvestimento da DLRR tendo por base a informação fornecida para efeitos de RFAI 2018 e 2019” e que, “no período de 2016, a requerente deduziu à coleta o montante de €96.662,35 a coberto do regime da DLRR (…)”, sendo que “o valor da reserva constituída em contas de capital próprio, relativa aos resultados retidos de 2016 [ascendia] a €966.623,50, (…) a ser reinvestido, nos três anos seguintes (2017, 2018 e 2019) ao ano em que foi considerada a dedução à coleta de IRC”.

 

6.101. Nestes termos, tendo em consideração que o investimento inicial foi direcionado para o aumento da capacidade do estabelecimento existente, no geral, as aquisições de activos teriam de estar relacionadas com um projecto de aumento da capacidade produtiva da Requerente, por forma a serem elegíveis, quer no âmbito do RFAI, quer no âmbito da DLRR o que, como acima já analisado, não ficou provado na generalidade ou ficou comprometido, na especificidade, quanto à verificação de todas as condicionantes.

 

6.102. Adicionalmente, e em matéria de DLRR, tendo em consideração que, a Requerente não concretizou a totalidade do investimento ilegível necessário (EUR 966.623,50), dentro do prazo legalmente previsto, este facto implica a devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado, em 2016, na parte correspondente ao montante dos lucros não reinvestidos, o qual é adicionado ao montante de imposto a pagar relativo ao segundo período de tributação seguinte (2018) (na redação à data da fruição do benefício), acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais, considerando-se assim válidas as correcções da Requerida nesta matéria, improcedendo o pedido arbitral nesta matéria.

 

A ilegalidade das liquidações de juros compensatórios

 

6.103. A Requerente alega, neste âmbito, que as “(…) liquidações de juros compensatórios de que foi alvo (…) devem estas ser tidas por ilegais a vários títulos” porquanto “(…) em primeiro lugar, tais liquidações apenas seriam possíveis na medida em que se considerasse que no caso sub judice era devido o imposto em crise, o que já vimos não poder, maioritariamente, justificar-se ou ter qualquer base legal” e “em segundo lugar, (…) caso viesse a tese contrária a obter vencimento (…) ainda assim as liquidações de juros compensatórios no caso em apreço devem ser consideradas ilegais por razões substanciais” que identifica.

 

6.104. Nesta conformidade e em suma, entende a Requerente que “para haver juros compensatórios seria sempre de verificar: (i) que à Requerente estava vedada a dedutibilidade dos gastos financeiros e o aproveitamento dos benefícios fiscais nos termos em que o fez (…); (ii) os pressupostos necessários para a liquidação de juros compensatórios, o que também não ocorre minimamente” pelo que reitera que “não deverá ser imputada responsabilidade por juros compensatórios caso o atraso na liquidação seja provocado pela conduta do contribuinte e seja errónea a sua posição, mas ele tenha atuado de boa fé — que se presume, de acordo com o n.º 2 do artigo 59.º da LGT — e o erro seja desculpável”.

 

6.105. Assim, reitera a Requerente que a “(…) liquidação de juros compensatórios (…) viola cabalmente a letra e ratio da norma expressa no artigo 35.º da LGT e no artigo 80.º do Código do IRC” sendo que “(…) é à AT (…) que cabe provar os elementos essenciais à liquidação de juros compensatórios, i.e., o nexo de causalidade e do juízo de censura sobre a conduta do contribuinte, uma vez que se trata de factos constitutivo de um direito seu” pelo que, “nesta medida, não tendo a AT fundamentado as liquidações de juros compensatórios nos termos descritos, não cumpriu esta o ónus de prova e fundamentação que a si cabia”, entendendo a Requerente que resta “(…) concluir que as liquidações de juros compensatórios de que a Requerente foi alvo são absolutamente ilegais, por erro sobre os pressupostos de facto e direito da imputação da responsabilidade por juros compensatórios e falta de fundamentação da respetiva liquidação; assim sendo, semelhante liquidação enferma dos vícios de forma e violação da lei, pelo que deve ser anulada”.

 

6.106. Por seu lado, a Requerida entende que “(…) no caso em apreço, a liquidação adicional efetuada pela Administração Tributária é resultado de uma conduta por parte do sujeito passivo que teve como resultado a não entrega parcial da prestação tributária a apurar nos termos da lei, materializada numa (auto) liquidação inferior à devida por incumprimento das regras estabelecidas no CIRC e no CFI, como ficou demonstrado”.

 

6.107. Em termos gerais, o artigo 35.º, n.º 1, da LGT estatui que os juros compensatórios são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária” sendo que decorre do n.º 8 do mesmo artigo que “os juros compensatórios integram-se na própria dívida de imposto, com a qual são conjuntamente liquidados”.

 

6.108. A responsabilidade objetiva é excepcional, só ocorrendo nos casos especificados na lei (cf. artigo 483.º, n.º 2, do Código Civil) e, por isso, deverá entender-se que, para efeitos de responsabilidade por juros compensatórios, só se está perante um “facto imputável ao sujeito passivo” quando puder formular-se um juízo de censura em relação à sua conduta.

 

6.109. Nesta linha, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, uniformemente, que a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa, por parte do contribuinte; sendo que a “culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto, pelo padrão de esmero do bonus pater familiae, hipoteticamente colocado na situação concreta” e, por isso, a “compreensível dúvida, dificuldade, ou divergência razoável de critério quanto à qualificação e enquadramento de determinada situação tributária não concorre para a integração do dito conceito de culpa – pelo que, por tal via, não se dá azo à cominação de juros”.[12]

 

6.110. Com efeito, e conforme se refere no Acórdão nº 0671/18.1BELLE, de 02-02-2022 (relator PEDRO VERGUEIRO), “perante os elementos que enquadram a liquidação em apreço de acordo com o RIT e que evidenciam a bondade da mesma e outros elementos descritos no probatório, como a nota demonstrativa da liquidação de juros compensatórios, que contém todos os elementos necessários à sua percepção, designadamente a disposição legal aplicável, o valor do imposto sobre que incidem, o período temporal em que são aplicáveis, a taxa e o valor apurado, tem de entender-se que não existe qualquer situação de falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, não existindo qualquer elemento que possa colocar em crise a compreensão da decisão tomada pela AT e, nesta medida, a capacidade dos Recorrentes para elaborarem a melhor defesa perante as liquidações em apreço”.

 

6.111. No caso, as liquidações de imposto e juros são a consequência do procedimento tributário efectuado na Requerente, relativamente aos anos de 2018 e 2019, e em cujos relatórios se descreve todas as correcções a efectuar e a respectiva fundamentação pelo que se compreende (facilmente), o motivo pelo qual são liquidados os juros compensatórios, considerando-se cumprido o dever legal de fundamentação (porquanto, para além do RIT, na liquidação de juros compensatórios constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período e o valor dos juros.

 

6.112. Assim, relativamente à parte da liquidação adicional de IRC do ano 2019, que têm como pressuposto correções que são ilegais (como acima analisado, na parte relativa às correcções atinentes a “Gastos não aceites – gastos financeiros não incorridos para a obtenção ou garantia de rendimentos”, no montante de EUR 57.563,79), essa ilegalidade afecta as liquidações dos juros compensatórios correspondentes, pois estas têm aqueles actos de liquidação como pressuposto.

 

6.113. Quanto à parte restante das referidas liquidações de juros compensatórios, dado que os mesmos incidem sobre as liquidações de IRC (ou parte delas), relativamente às quais não procederam os vícios apontados pela Requerente, as mesmas serão de manter pois, pelos mesmos motivos, estas têm aqueles actos de liquidação como pressuposto.

 

 

 

O pedido de reembolso dos montantes que venham a ser pagos, acrescidos de juros indemnizatórios e/ou pagamento de indemnização pela prestação de garantia indevida

 

6.114. Para além da anulação dos actos tributários controvertidos, por vício de violação de lei, a Requerente peticiona, ainda, “a consequente i) devolução dos montantes que venham a ser pagos, ii) acrescidos dos correspondentes juros indemnizatórios; e/ou, iii) o pagamento de indemnização pela prestação de garantia indevida que venha a ser apresentada para suspender o processo de execução fiscal instaurado pelo não pagamento voluntário do montante liquidado, nos termos do disposto no artigo 53.º, n.º 2 da LGT e no artigo 171.º do CPPT”.

 

6.115. Compulsados os autos, verificamos que, em momento algum, a Requerente alegou e, muito menos, comprovou, designadamente por via de prova documental, que tenha efetuado o pagamento, parcial ou integral dos montantes de imposto e de juros compensatórios resultantes dos actos tributários controvertidos (a Requerida refere mesmo que, à data da Resposta, as liquidações já estavam em processo de execução) e também não foi alegado, nem demonstrado pela Requerente que tenha prestado garantia bancária no sentido de suspender os efeitos decorrente do eventual não pagamento das referidas liquidações.

 

6.116. Nestes termos, não pode este Tribunal apreciar referidos pedidos pelo que, sem prejuízo do que possa vir a ser comprovado e determinado em sede de eventual execução de julgado, são considerados improcedentes, quer o pedido de reembolso dos montantes de imposto (cujo pagamento não resultou provado), acrescidos de juros indemnizatórios (ainda que diga respeito à parte da liquidações cuja anulação se determinou), quer o pedido de pagamento de indemnização por prestação de garantia bancária não provada.

 

6.117. Por último, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.118. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral” sendo que:

 

6.118.1. Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito;

6.118.2. Nos termos do nº 2 do referido artigo concretiza-se a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.119. No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade à Requerente e à Requerida, na proporção, do respectivo decaimento, respectivamente, de 97,1% e de 2,9%, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  1. DECISÃO

 

7.1.    Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral Colectivo julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

7.1.1.     Declarar ilegal a liquidação adicional de IRC n.º 2021..., referente ao ano de 2019, na parte relativa às correcções atinentes a “Gastos não aceites – gastos financeiros não incorridos para a obtenção ou garantia de rendimentos” (EUR 57.563,79), determinando-se a sua anulação quanto a esta correcções;

7.1.2.     Declarar ilegal a liquidação de juros compensatórios relativa ao IRC liquidado adicionalmente, respeitante ao ano de 2019, na parte que digam respeito ao montante de imposto mandado anular, nos termos do ponto anterior, com as consequências daí decorrentes

7.1.3.     Declarar legal a liquidação adicional de IRC n.º 2023..., referente ao ano de 2018, na parte relativa às correções atinentes a “Deduções à coleta indevidas – RFAI” e na parte relativa à “DLRR e respectivos juros”, com as consequências daí decorrentes;

7.1.4.     Declarar legal a liquidação adicional de IRC nº 2021..., referente ao ano de 2019, relativa às correções atinentes a “Deduções à coleta indevidas – RFAI”, com as consequências daí decorrentes;

7.1.5.     Absolver a Requerida do pedido de reembolso do IRC alegadamente suportado, porque não provado, bem como do pagamento de indemnização pela prestação de garantia indevida (pelos mesmos motivos), sem prejuízo do que possa vir a ser comprovado e determinado em sede de eventual execução de julgado, com as legais consequências;

7.1.6.     Condenar a Requerente (97,1%) e a Requerida (2,9%) no pagamento das custas do processo, na proporção do respectivo decaimento.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o acima exposto nesta decisão, bem como o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 370.735,41, por corresponder ao total das liquidações cuja anulação a Requerente peticiona.

 

 

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 6.120,00, a cargo da Requerente e da Requerida, na proporção do respectivo decaimento (97,1% e 2,9%, respectivamente), de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

27 de Junho de 2024

 

Os Árbitros

 

 

 

Rui Duarte Morais
(Árbitro Presidente)

 

 

 

Sofia Cardoso
(Árbitro Adjunto)

 

 

Sílvia Oliveira

(Árbitro Adjunto e Relatora)

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] Segundo alega a Requerente, esta matéria já foi analisada pelo CAAD, relativamente aos mesmos factos, “(…) com referência aos exercícios de 2016 e de 2017, em decisão emitida em 1 de julho de 2022, no âmbito do processo n.º 500/2021-T (…)”.

[3] A este respeito, vide processo arbitral n.º 500/2021-T, relativo aos anos 2015, 2016 e 2017.

[4] Segundo alega a Requerida, “(…) a posição da AT vai de encontro à decisão arbitral relativa ao processo n.º 14/2011-T e ao sentido perfilhado pelo STA no recurso n.º 0108/22.1BALSB., de 2023-05-24”.

[5] Neste âmbito, esclarece a Requerida que discorda “(…) do entendimento da requerente vertido no PPA (…)”, reafirmando “(…) que a interpretação a dar à al. f) do n.º4 do art.º 22.ºdo CFI, já foi analisada e sancionada pela AT e segue o entendimento sancionado por despachos de 2019-08-22 e de 2023-06-25 da Subdiretora-Geral da Área de Gestão do IR, divulgado (…) pelo ofício circulado n. 20259, de 2023-06-28”.

[6] As liquidações adicionais de IRC (nº 2023..., de 2023-06-06, e nº 2023..., de 2023-07-06), respeitantes aos períodos de tributação de 2018 e 2019 (imposto e juros), bem como as notas de acerto de contas nº 2023 ... e nº 2023..., foram emitidas para pagamento do montante de EUR 137.471,30 (ano 2018), até 27-07-2023 e para pagamento do montante de EUR 233.264,11 (ano 2019), até 31-08-2023, pelo que tendo a Requerente apresentado o pedido de pronúncia arbitral em 25-10-2023, pedido é tempestivo.

[7] Note-se que o somatório das liquidações perfaz um total de EUR 370.735,41 e não de EUR 370.735,71, como indicado no pedido (diferença imaterial de EUR 0,30, sem qualquer implicação em matéria de custas).

[8] Note-se que, de acordo com o respectivo RIT, “(…) no período de 2019, o sujeito passivo B..., considerou como dotação do RFAI o montante de 188.313,92 euros, que determinou pela aplicação da taxa de 25% aos investimentos no valor total de 753.255,68 euros. No entanto, respeitando o limite máximo aplicável aos auxílios ao investimento, só inscreveu o valor de 160.298,02 euros, no campo 714 do quadro 074 do Anexo D da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC (ver Anexo 10), coincidente com o valor do dossier do RFAI (ver fl. 8 dossier RFAI em Anexo 8)”.

[9] Note-se que a liquidação de IRC nº 2023 ... foi incorrectamente identificada no pedido de pronúncia arbitral como sendo a nº 2021 ... .

[10] Adicionalmente, refira-se que, de acordo com a subalínea iv) da alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI, para efeitos do RFAI, não são consideradas aplicações relevantes os investimentos em mobiliário e artigos de conforto ou decoração.

[11] Nesta matéria, a Testemunha da Requerida inquirida na reunião de 03-05-2024 referiu a decisão do TJUE, proferido no âmbito do processo C-415/07, de 02-04-2009, a qual diz respeito a um “(…) pedido de decisão prejudicial [que] tem por objecto a interpretação das orientações relativas aos auxílios ao emprego (JO 1995, C 334, p. 4), das orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (JO 1998, C 74, p. 9) e do Regulamento (CE) n.o 2204/2002 da Comissão, de 12 de Dezembro de 2002, relativo à aplicação dos artigos 87.o e 88.o do Tratado CE aos auxílios estatais ao emprego (JO L 337, p. 3)”. Contudo, como se analisou, o RFAI não é um incentivo ao emprego, mas sim um incentivo ao investimento que tem, entre outros requisitos, que o investimento relevante efectuado proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto desse investimento.

[12] Neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo prolatado, em 11.03.2009, no processo n.º 0961/08.