SUMÁRIO:
Encargos com a valorização dos bens” a que se refere o artigo 51.º, n.º 1 do CIRS, para efeito da determinação da mais-valia imobiliária, abrange os encargos incorridos que se encontrem associados à valorização económica do imóvel e não tenham uma estrita finalidade de preservação dos bens.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro singular, Luís Sequeira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante apenas ‘CAAD’) para constituir o presente Tribunal Arbitral (TA) singular, no âmbito do qual se decide o seguinte
DECISÃO ARBITRAL
Requerente: A… (doravante “Requerente”)
Requerido: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” e “Requerida”)
1. Relatório
A…, contribuinte n.º …, residente em Rua …., …, lisboa, doravante designado por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral (PPA) com vista à anulação do ato tributário de liquidação de IRS de 2021, com o n.º 2023 … e de Juros Compensatórios n.º 2023 …, no valor total de € 4.529,93.
Em síntese, o Requerente fundamenta a ilegalidade do ato tributário, assente em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto e sintetizando, desconsiderou ilegalmente, em violação do disposto na al. a) do artigo 51º do CIRS, a dedução ao rendimento tributável de encargos suportados com a valorização do imóvel.
O Requerente declarou no Anexo G, Quadro 4, campo 4001, os referidos valores de aquisição e de realização, bem como o montante total de € 91.413,30 a título de despesas e encargos.
Após análise à declaração e aos documentos apresentados, a Autoridade Tributária corrigiu o montante declarado de € 91.413,30, para o montante de € 11.972,81 (correspondente à soma do Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (“IMT”) e Imposto do Selo (“IS”) suportados com a aquisição do imóvel.
Não pode o Requerente concordar com a não aceitação das seguintes despesas (ou melhor dizendo, encargos) incorridas com a valorização do imóvel alienado, no valor total de € 50.751,19:
(i) obras de reabilitação do imóvel (no valor de € 36.406,31);
(ii) aquisição e instalação de sistema de ar condicionado (no valor de €4.465,45);
(iii) aquisição e instalação de equipamentos de cozinha – armários (no valor de € 7.680,00); e
(iv) aquisição e instalação de outros equipamentos, em particular: cilindro de água quente, painéis de chuveiro, bombas WC, extractor de fumos, bancada de cozinha, fogão, forno (no valor total de € 2.199,43)
Tal como outros tipos de mobiliário/equipamentos, os equipamentos aqui em causa são especificamente construídos, desenhados ou pelo menos escolhidos e adaptados, em função das características e necessidades especificas do imóvel e local onde serão instalados.
Os equipamentos aqui em causa não são, na prática, passíveis de serem (simplesmente) movidos para qualquer outro local do imóvel, e menos ainda para imóvel diferente do originário, sem recurso, em muitos casos, a profissionais especializados.
O artigo 51.º do Código do IRS pretendeu abarcar todas as despesas relacionadas com a valorização de imóveis, seja porque de facto não colhe o argumento aventado pela Autoridade Tributária, padecem os actos objecto do presente pedido de ilegalidade, devendo ser anulados.
Quanto aos encargos suportados com as obras de reabilitação / remodelação, entende a Autoridade Tributária que seria necessário que os actos concretos de reabilitação realizados constem, na íntegra, de “orçamento” descritivo, além da apresentação das facturas emitidas referentes ao serviço prestado.
Admite-se que a Autoridade Tributária na sua bem-vinda vigilância e prudência na gestão do crédito tributário, questione e indague sobre a documentação apresentada pelos contribuintes para justificação dos elementos declarados.
Contudo, essa vigilância e prudência não poderão justificar a não relevação das circunstâncias e da totalidade dos elementos de que dispõe in casu.
Se de cada uma das facturas não é possível identificar, por exemplo, as porcas, parafusos, as quantidades de horas e outros detalhes (infindáveis) de uma empreitada, tal é natural e não poderá exigir esse grau de detalhe que, refira-se, a lei não obriga.
Para mais, sendo notório que tais orçamentos são, na esmagadora maioria dos casos, sujeitos a alterações, algumas de grande relevância, motivadas pelas mais variadas circunstâncias – desde logo, indisponibilidade de materiais, alterações mais ou menos profundas aos projectos ao longo da execução dos trabalhos, etc.
Não obstante, o ora Requerente dispõe de um orçamento prévio, o qual disponibilizou, inclusivamente, à Autoridade Tributária.
Por tudo quanto se disse se conclui, que os encargos supra aqui ainda em causa, incorridos com a valorização do imóvel (no valor de € 50.751,19), deverão ser considerados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, devendo por consequência disso acrescer ao valor de aquisição, sendo consequentemente os actos objecto do presente pedido ser anulados, por erro de facto e de direito, o que se requer.
Igualmente requer que seja identicamente anulada a liquidação de juros compensatórios e bem assim condenada a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do artigo 43º da LGT e estornado o respetivo montante do imposto indevidamente pago.
Por outro lado, respondeu a Requerida, pugnando pela improcedência dos pedidos formulados, invocando, sumariamente, o seguinte.
A redação conferida á alínea a) do artigo 51º do Código do IRS sendo genérica quanto
aos “encargos com a valorização dos bens” suscita dúvidas de interpretação, e concede uma razoável margem interpretativa, uma vez que o legislador sequer exemplificou a quais encargos se reporta, (ao contrário do que adotou noutros normativos de carácter tributário).
Estamos, ao que tudo indica, no âmbito dos conceitos indeterminados, concedendo uma elevada margem de interpretação quanto à amplitude do que deverá entender-se por encargos com a valorização do imóvel.
A este propósito, veja-se a Informação Vinculativa veiculada no processo n.º 2483/2004, sobre o qual recaiu despacho concordante da Diretora de Serviços do IRS proferido em 04-03-2005, em que refere expressamente “Os encargos dizem respeito à valorização do próprio bem imóvel, isto é, são as despesas que, por natureza, trazem ao imóvel um valor adicional, como por exemplo as obras de beneficiação.”, considerando que tal conceito se aproxima do conceito de “benfeitoria útil”, plasmado no artigo 216° do Código Civil.
Resulta do artigo 216.º do Código Civil que são benfeitorias “(…) todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa”, sendo que são benfeitorias “úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor;(…)”.
Ora, atentando na letra da lei (encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos doze anos) não pode deixar de concluir-se, desde logo, que o encargo há-de estar ligado à valorização do bem alienado. Ou seja, não estão incluídos encargos que tenham por escopo a mera preservação do valor do bem, mas, tão só os que se destinem a aumentar esse valor.
Terá, como tal, de existir um nexo indissociável entre essas despesas e o aumento do preço do bem, para se considerar que essa despesa esteve na origem ou contribuiu para a obtenção do próprio rendimento.
Assim, relativamente aos móveis da cozinha, ar condicionado e cilindro tratam-se, nos termos conjugados dos artigos 204º e 205º, nº 1 do Código Civil, de coisas móveis e sendo-o, não têm qualquer ligação física com o imóvel, dele podendo ser retiradas a qualquer momento, pelo que nunca o encargo com o fornecimento destes eletrodomésticos/equipamentos poderia ser considerado como “melhoramento de bem imóvel”.
No caso presente, não se pode estabelecer uma correlação de equivalência direta entre o montante constante das faturas apresentadas e o aumento do valor do imóvel.
Isto porque não resulta provado que os encargos constantes das faturas foram suscetíveis de incrementar o valor do económico do imóvel alienado (melhor identificado nos autos).
Além disso, os custos com a construção/melhoramento dum imóvel têm de ser devidamente comprovados.
E qual a forma de comprovar os custos com a construção/melhoramento dum imóvel?
Para que tal aconteça, a prova do encargo deverá ser efetuada através de fatura/recibo de pagamento da respetiva quantia, devendo do mesmo constar os elementos que inequivocamente associam a despesa com o imóvel alienado.
E isso só é efetuado se dos documentos comprovativos (faturas/recibos) constarem os requisitos previstos no artigo 36º do Código do IVA.
Mas para que os encargos e despesas possam ser elegíveis para a determinação das mais-valias, tem de ser provado que as mesmas são necessárias e inerentes à aquisição e alienação dos imóveis.
Sobre esta problemática, é inúmera a jurisprudência do CAAD, citando-se as decisões arbitrais, todas já transitadas em julgado, proferidas nos processos n.ºs 766/2016-T, 527/2016-T, 409/2015-T, 313/2015-T, 129/2015-T.
Sobre a declaração de rendimentos, modelo 3, IRS do ano de 2021 apresentada pelo Requerente existe a presunção de veracidade e de boa-fé, princípio este consagrado no artigo 75º da LGT, sendo que, o afastamento da presunção ocorre nos termos do artigo 75º, no seu nº 2 e nas alíneas a) e b).
Pelo que, compete ao Requerente nos termos do artigo 74º, nº 1 da LGT o ónus de comprovar e documentar as despesas e encargos em causa, podendo recorrer a meios como a prova documental ou testemunhal.
Ora, na situação em apreço, o Requerente não entregou qualquer documento com vista á prova respeitante aos montantes declarados em sede de despesas e encargos, para além de que, os que juntou, se reportam a faturas que não cumprem os requisitos do artigo 36º do CIVA, outros a que não correspondem à morada das obras referente ao imóvel alienado e ainda outros que não comprovam a correspondência à valorização estrutural do imóvel.
Assim, se nas faturas não constar a identificação do imóvel não se sabe para qual seriam de considerar os encargos com a valorização. Ou seja, esta é mais uma razão para que o imóvel objeto de melhoramento tenha de vir identificado nas faturas.
Face aos elementos constantes dos autos e tendo em conta o que foi explanado supra, não se reconhece a existência de qualquer das ilegalidades apontadas pelo Requerente às decisões e liquidação controvertida.
O árbitro único foi designado em 27.10.2023.
Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 15.11.2023.
Não tendo o Requerente requerido a produção de prova adicional e considerando que da Resposta oferecida pela Requerida não foi suscitada qualquer exceção, pelo que ficaram bem patentes perante as respetivas posições das partes nos seus respetivo articulados e assim em condições de decidir.
2. Saneamento
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março), tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado tempestivamente. O processo não enferma de nulidades.
Não tendo sido erigidas exceções, nada obsta a que se conheça do mérito do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.
3. Matéria de facto
3. 1. Factos provados:
Analisada a prova documental produzida, o posicionamento das partes face à factualidade trazida a estes autos, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:
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Através de escritura pública de compra e venda, lavrada em 21 de Agosto de 2018, o Requerente adquiriu, pelo valor de € 270.000,00, a fracção autónoma designada pela letra …, correspondente ao 4.º andar esquerdo, do imóvel sito na Rua …, Concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … (adiante designado por “Imóvel”).
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Após a aquisição do Imóvel supra identificado, o Requerente procedeu a obras de reabilitação a cargo da sociedade B… Unipessoal Lda, com base em orçamento por esta apresentado – Doc. 10 do PPA.
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Neste âmbito, ao Requerente foram prestados serviços de obras de remodelação do Imóvel e emitidas faturas no valor de €32.166,31 relativos aos trabalhos melhor descritos no orçamento supra aludido.
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A sociedade C… LDA vendeu e procedeu à instalação no Imóvel de um sistema de ar condicionado, no valor de € 4.446,45, cfr fatura …/… constante de Doc. 7 do PPA.
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Pela sociedade D… LDA foram fornecidos e instalados no Imóvel “Aplicação de armários de cozinha, instalação elétrica para eletrodomésticos, pinturas e reparações”, no valor de € 1.431,00, cfr. Doc. 7 do PPA.
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Emitiu a Polícia de Segurança Pública, em nome do Requerente, recibo relativo a serviços prestados por agente no âmbito de “instalação de contentor de entulho Rua … Lisboa”, no valor de € 40,43.
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Em 25 de Janeiro de 2021, o ora Requerente alienou o imóvel pelo montante de € 350.000,00.
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O Requerente veio a apresentar, em 17.06.2022, declaração Modelo 3 de IRS, juntando o anexo G, de cujo campo 4001 fez constar “Despesas e Encargos” no montante de € 91.413,30.
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No âmbito de análise a tal declaração fiscal, veio o Requerente a proceder à junção de diversa documentação relativa à alienação do Imóvel identificado em 1. e que no entender deste suportavam o valor das “Despesas e Encargos” relevados no campo 4001 do Anexo G.
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A AT veio a corrigir o valor de tal campo 4001 para € 37.638,86, não aceitando assim o montante de € 53.774,44, face aos € 91.413,30 declarados pelo Requerente, conforme fundamentação infra:
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A AT não veio assim a considerar elegíveis para o quadro 04, linha 4001 do Anexo G, a documentação emitida pela E… PORTUGAL, F…, G…ADMINISTRAÇÃO IMOBILIÁRIA (quotas de condomínio), H…, documentos esses que fazem parte dos presentes autos.
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Igualmente, desconsiderou a AT, por não elegíveis como “despesas e encargos” para o quadro 04, linha 4001 do Anexo G, a documentação a que se referem os pontos 2 a 6 supra dos “factos provados”, no montante de € 38.084,19.
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A AT veio a aceitar em sede de divergência os encargos relativos a IMT, I Selo. Comissão imobiliária, Solicitadora, Câmara Municipal de Lisboa e janelas em PVC, no valor global de € 37.638,86.
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Na sequência da predita decisão, veio a AT a submeter Documento de Correção Único, o qual deu lugar à emissão de liquidação de IRS e de juros compensatórios, com os n.ºs 2023 … e de Juros Compensatórios n.º 2023 …, da qual resultava um valor agregado a pagar pelo Requerente, de € 4.529,93, cujo prazo de pagamento findava em 14.06.2023.
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O Requerente veio a proceder ao pagamento do ato tributário ora impugnado.
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Inconformado, veio o Requerente a apresentar, em 05.09.2023, o PPA que deu origem aos presentes autos, na qual pugna pela ilegalidade destes atos tributários.
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Tal PPA veio a ser aceite, em 07.09.2023, pelo Centro de Arbitragem Administrativa.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
3.2. Fundamentação da matéria de facto provada:
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.º do CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.ºdo RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, não contestados pelas partes.
4. Matéria de direito:
4.1.Objeto e âmbito do presente processo
Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se as verbas invocadamente suportadas pelo Requerente e por este documentalmente trazidas a este processo poderão ou não constituir despesas e encargos a que alude o disposto no artigo 51º do CIRS e, em tal medida, acrescerem ou não ao custo de aquisição dos bens para efeitos de mais-valias e assim eventualmente influenciarem a liquidação de IRS do ano de 2021.
4.2. Da consideração das despesas e encargos para efeitos de determinação das mais-valias nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS:
Vejamos então o enquadramento legal em que se circunscreve a questão a decidir nestes autos.
Dispõe a al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS (à data a que se reporta o facto tributário), o seguinte:
Artigo 51.º
Despesas e encargos
“1- Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:
a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º;
Sendo que, por sua vez, preceitua o artigo 10º, n.º 1, al. a) do versado compêndio legal (na versão vigente à data do facto tributário), no tocante à alínea referida no supra citado normativo, que:
Artigo 10.º
Mais-Valias
“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”
Do cotejo dos normativos vindos de citar, temos, desde logo, por seguro, que o eventual acréscimo ao valor de aquisição relaciona-se, no caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, com as despesas e encargos incorridas relativamente a mais-valias resultantes de bens imobiliários,
Assim, no caso em análise está-se perante mais-valias que têm na sua génese a transmissão de bens imobiliários, cumprindo, pelo exposto, atentar na citada alínea a).
Por outro lado, ainda no âmbito da alínea a) do artigo 51º do CIRS, o legislador previu duas diferentes realidades suscetíveis de originar acréscimo ao valor de aquisição do bens imobiliários que estão na base da mais-valia a apurar, a saber:
- os encargos suportados nos últimos 12 anos com a valorização dos bens (constante da primeira parte);
- as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação das situações constantes da al. a) do n.º 1 do artigo 10º do CIRS (constante do segundo segmento do preceito);
Ora, as verbas trazidas aos presentes autos pelo Requerente como pretensamente conferindo o direito a acrescer ao valor de aquisição, manifestamente não se enquadram no terceiro e último segmento do preceito, isto é, na noção de indemnização paga pela renúncia onerosa a posições contratuais, na medida em que tais encargos se reconduzirão, invocadamente, a despesas decorrentes de obras de beneficiação realizadas no Imóvel.
Restando, assim, atentar na eventual subsunção à previsão normativa constante da primeira e segunda parte do disposto na al. a) do artigo 51º do CIRS.
Atentemos, antes de mais, naquele que vem sendo o entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores e do próprio CAAD, que: “ al. a) do art. 51º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, às valorizações materiais ou físicas daqueles, antes abrangendo também os encargos efectivamente suportados que os valorizem economicamente”[1]
- “Isto significa que, nos termos deste preceito, que o legislador distingue duas situações: "encargos com a valorização dos bens", comprovadamente realizados, " e “despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação". Na primeira estatuição do normativo enfoca-se a valorização do próprio bem, enquanto que na segunda, o enfoque está na aquisição e alienação do bem.”[2]
Também no âmbito do CAAD diversas decisões incidentes sobre esta temática se afiguram relevantes aqui trazer à colação:
Quanto às despesas relativas à aquisição e instalação de fogão de encastre, a Requerida considerou que a Requerente não demonstrou que o dito fogão teria integrado o acervo de bens presentes no prédio, aquando da realização da mais-valia em crise, o que se encontra ultrapassado pelos factos ora dados como provados, e que a aquisição de um fogão não poderá encontrar enquadramento na noção de "encargos com a valorização do bem".
Novamente ressalvado o respeito devido, não se pode ratificar este entendimento, uma vez que a modernização de um fogão encastrado, como de qualquer outro elemento fixo ao imóvel, será, efectivamente, um encargo que aporta a valorização do bem imóvel.(...)” [3]
Reconhece-se que a redacção conferida ás alíneas a) e b) do artigo 51º do CIRS sendo genéricas quanto aos “encargos com a valorização dos bens” e às “despesas necessárias”, suscita dúvidas de interpretação, e concede uma razoável margem interpretativa, uma vez que o legislador sequer exemplificou a quais encargos e a quais despesas se reporta, (ao contrário do que adoptou noutros normativos de carácter tributário. Estamos, ao que tudo indica, no âmbito dos conceitos indeterminados, concedendo uma elevada margem de interpretação quanto à amplitude do que deverá entender-se por despesas necessárias e inerentes uma vez que quanto à efectivação prática das mesmas se não levarão quaisquer dúvidas.[4]
..) O que somos chamados a interpretar é uma fonte que visa revelar uma norma aplicável à determinação, à quantificação, das mais-valias tributáveis. Ora, o rendimento a tributar como mais-valia deve ser, em princípio, um rendimento líquido, correspondente à capacidade contributiva efectivamente adquirida. Um imóvel cujo telhado deixa entrar água, prejudicando a sua habitabilidade, não tem o mesmo valor económico caso tivesse uma cobertura em perfeitas condições. Assim, os gastos que forem incorridos na reparação do telhado, hão-de necessariamente repercutir-se, positivamente, no valor económico do imóvel e, portanto, incrementarão o respectivo preço de venda. Há um nexo indissociável entre essas despesas e o aumento do preço do bem, sendo, portanto, de elementar razoabilidade entender-se que essa despesa esteve na origem ou contribuiu para a obtenção do próprio rendimento. Não admitir a dedução de encargos efectivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento – neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação ― é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento, o que só razões muito ponderosas poderiam justificar e haveria, por certo, de ser expressamente reflectido no texto legislativo.(...)”[5]
Os encargos assim incorridos tiveram por estrita finalidade a preservação do valor do bem e não a valorização acrescida deste, entendida como algo que se deve traduzir num incremento de valor e não na mera manutenção ou preservação de valor. Neste âmbito, o STA pronuncia-se sobre o conceito de “valorização” e afirma que, “atentando na letra da lei (encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos) não pode deixar de concluir-se, desde logo, que o encargo há-de estar ligado à valorização do bem alienado. Ou seja, não estão incluídos encargos que tenham por escopo a mera preservação do valor do bem, mas, tão só os que se destinem a aumentar esse valor.” – cf. Acórdão do STA, processo n.º 0587/11, de 21 de março de 2012. É, assim, de concluir que as reparações levadas a efeito no prédio em causa não se subsumem ao conceito de “encargos com a valorização dos bens” e, por conseguinte, não devem ser adicionadas ao valor de aquisição do imóvel.”[6]
Pronunciando-se sobre este entendimento da AT, o Prof. Xavier de Basto (IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, pp. 460-465.) manifesta a sua resistência em aceitá-lo, considerando que, embora só as despesas que valorizem o bem estejam em causa, de entre estas, porém, a lei não parece autorizar distinções. No entender deste autor, «Se o objectivo da norma fosse atender só às valorizações materiais ou físicas e excluir os demais encargos, tê-lo-ia dito expressamente. Bem ao invés, o uso de uma formulação aberta ― “encargos com a valorização dos bens” ― parece indiciar que se não quis restringir o alcance da norma, como pretende o citado despacho da administração fiscal. Por outro lado, a dedução de encargos ― através, neste caso, da sua adição ao valor de aquisição ― é solução que decorre do princípio da tributação do rendimento líquido. Não prever a dedução de encargos efectivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento ― neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação ― é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento, o que só razões muito ponderosas poderiam justificar e haveria, por certo, de ser expressamente reflectido no texto legislativo.»
Sobre esta matéria se pronunciara, igualmente, Manuel Faustino (em comentário ao ac. Do TCAS, de 25/1/2005, no rec. nº 00297/03, por nós relatado), discordando do que refere ser uma visão exclusivamente jurídica da interpretação do conceito de valorização. Para este autor, embora seja «verdade que não se pode estabelecer uma correlação de equivalência directa entre o montante despendido na indemnização e o aumento do valor do imóvel», também não deixa de ser verdade «que, como é do senso comum, e no Acórdão se reconhece, um imóvel desocupado tem um valor de mercado superior ao um imóvel idêntico que esteja arrendado; e que o “excesso” de mais-valia gerado, na alienação deste último imóvel, é em grande parte meramente nominal, porque tem, por contrapartida, um empobrecimento patrimonial decorrente da ablação patrimonial que a indemnização representou», acrescendo «o facto de que se esta operação tivesse por actores uma empresa, ou mesmo uma pessoa individual agindo no âmbito de uma actividade empresarial, certamente se não deixaria de reconhecer a indispensabilidade do custo (indemnização) à realização do proveito».
Daí que, do seu ponto de vista, pareça «mais correcta, no plano tributário, para situações como a descrita, a visão do bem, não como uma coisa em sentido meramente jurídico, mas como uma fonte de rendimento, com um aspecto económico que não pode ser desprezado. E nessa perspectiva, tudo o que possa contribuir para a valorização económica do bem, necessariamente deve ser considerado como “encargo de valorização”» sob pena de se cometer «uma injustiça», por se tributar «uma capacidade contributiva inexistente: a “capacidade contributiva” equivalente ao valor da indemnização paga que, em contrapartida, não foi considerada encargo.» (Boletim APECA nº 121, 2º trimestre de 2005, Jurisprudência Fiscal, p. 60.)”[7]
Ante o posicionamento jurisprudencial e doutrinal, o qual se crê ser a leitura interpretativa dominante nesta matéria, haverá, necessariamente, de concluir que a interpretação conferida pela Requerida não tem eco no normativo interpretado (al.a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS).
É que, a este propósito, entende a Requerida que apenas poderiam ser tomadas em consideração as despesas fisicamente incorporadas e em permanência ligadas ao imóvel no qual a mais-valia tem origem, apoiando-se para o efeito na informação vinculativa n.º 2483/2004, “Os encargos dizem respeito à valorização do próprio bem imóvel, isto é, são as despesas que, por natureza, trazem ao imóvel um valor adicional, como por exemplo as obras de beneficiação.” assim fazendo aproximar tais encargos à noção de benfeitorias úteis previstas no artigo 26º do Código Civil, daí concluindo no sentido do erigir de um requisito adicional - incorporação permanente no imóvel – para efeitos da consideração de tais encargos para efeitos da al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS.
Tal perspetiva não merece, no entanto, acolhimento deste tribunal arbitral, desde logo porquanto se entende que tal “requisito” atinente à incorporação física ou acoplagem permanente ao imóvel não dimana sequer do regime das benfeitorias úteis plasmado no Código Civil.
Neste sentido veja-se, entre outros, decisão arbitral proferida sobre idêntica questão jurídica, na qual se concluiu que “O regime das benfeitorias faz sentido v.g. em termos da lógica sinalagmática dos contratos de arrendamento, mas não em termos de melhoramentos feitos pelos proprietários nos prédios urbanos que habitam. Por outro lado, desde logo, o próprio regime das benfeitorias úteis (que quanto ao seu levantamento é idêntico ao das voluptuárias) é o do seu levantamento (artigo 1273º nº 1 do CC). Ou seja, constituem benfeitorias úteis, que aumentam o valor da coisa por definição da lei, melhoramentos permanentes que podem ser levantados.”[8]
De onde, se esvazia o fundamento invocado pela Requerida para a não aceitação de parte substancial dos encargos declarados pelo Requerente, porquanto a interpretação ao preceito em análise ser insuscetível de uma leitura tão restritiva como aquela que a Requerida lhe pretendeu imputar, no tangente à incorporação física e permanente dos bens que constituíram objeto da remodelação levada a efeito no Imóvel.
Dilucidada a questão relativa à dissonância manifestada entre sujeito ativo e passivo da relação tributária quanto à interpretação a efetuar ao normativo em causa, importa enquadrar uma outra questão referente ao ónus probatório quanto às despesas em declaradas e parcialmente não aceites pela AT.
Nos termos do artigo 74.º n.º 1 da LGT dispõe-se que: "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em conformidade com o artigo 342.º n.º 1 do CC, nos termos do qual "Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado."
Sobre esta temática, é a jurisprudência ampla e abundante, sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.
Nesta mesma esteira, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11: “Nos casos em que a correcção da matéria tributável declarada decorra do facto de a AT ter considerado que determinadas despesas não podem integrar o valor de aquisição a considerar no apuramento das mais-valias porque respeitam a activos que não foram transmitidos (motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correcções aritméticas”, expurgou tais despesas do valor de aquisição), à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a concluir que aquelas despesas não se referem aos activos transmitidos), só depois competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no apuramento das mais-valias.
(…)
Assim, há que recordar, de forma breve e sintética, as regras da distribuição do ónus da prova: em princípio, à AT cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos, solução hoje fixada pelo art. 74.º, n.º 1 («O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».), da LGT e que à data se devia já considerar aplicável porque correspondente à regra geral do art. 342.º do Código Civil (CC), de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contra-parte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos.
Mas nem sempre será assim. O ónus da prova variará consoante o tipo de acto administrativo em causa, havendo de ser decidida a questão da respectiva repartição «de acordo com a posição que as partes ocupam no processo e com o tipo de relação jurídica que constitui o seu objecto e, decorrentemente, no domínio do contencioso de anulação, com o tipo de acto anulando, tal qual a lei o caracteriza ou define os seus elementos constitutivos» (Cfr., por todos, o seguinte acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 17 de Abril de 2002, proferido no processo com o n.º 26.635, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Março de 2004. (…) Para proceder à rectificação das declarações (e consequente liquidação adicional do imposto considerado em falta), a AT, designadamente quando entender que foram declarados custos ou proveitos que não correspondem à realidade (aqueles porque inexistentes ou superiores aos reais, estes porque inferiores aos reais), haverá de fundamentar o seu juízo formal e substancialmente, podendo a sindicância judicial recair sobre ambas as vertentes da fundamentação (a formal e a material). (…)Assim, no caso dos autos, podemos avançar as seguintes conclusões, de acordo com a jurisprudência há muito firmada nos tribunais tributários: porque a liquidação adicional de IRC tem por fundamento o não reconhecimento pela AT de uma parcela do valor de aquisição (a respeitante às despesas declaradas com a realização das benfeitorias), compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, demonstrar a existência de indícios sérios de que a transmissão das benfeitorias cujo valor integra o valor de aquisição não ocorreu; feita essa prova, recai sobre o Contribuinte o ónus da prova da existência dessa transmissão, que alegou como fundamento do seu direito de ver tais custos relevados negativamente no apuramento das mais-valias e, consequentemente, na sua matéria tributável; neste caso, não bastará ao Contribuinte criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o art. 121.º do CPT não tem aplicação; na verdade, o ónus consagrado nesse preceito legal contra a AT (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao Contribuinte que compete demonstrar a existência dos factos em que se funda o seu direito de ver determinados custos relevados negativamente no apuramento das mais-valias e, consequentemente, do seu lucro tributável. Daí que tenhamos dito que à AT basta demonstrar a verificação dos “factos-índice” (indícios objectivos e credíveis) que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que a transmissão em causa não ocorreu, Se o fizer, estará materialmente fundamentada a decisão administrativa de desconsiderar as despesas em causa como parte integrante do valor de aquisição a utilizar no apuramento das mais-valias e, consequentemente, estará ilidida a presunção de veracidade da escrita, consagrada à data no art. 78.º da CPT. É este mesmo artigo que refere que a presunção nele consagrada pode ser afastada, designadamente, pela verificação de «outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte» (Ou seja, apesar de estarmos perante uma presunção legal, para ela ser ilidida não é necessária prova em contrário – diversamente do que, geralmente, se exige relativamente às presunções deste tipo (cfr. art. 350.º, n.º 2, do CC), pois o art. 78.º, in fine, do CPT estabelece, com carácter especial, regime diverso de ilisão da presunção.).”
Rematando-se assim no vindo de citar aresto que “ Nos casos em que a correcção da matéria tributável declarada decorra do facto de a AT ter considerado que determinadas despesas não podem integrar o valor de aquisição a considerar no apuramento das mais-valias porque respeitam a activos que não foram transmitidos (motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correcções aritméticas”, expurgou tais despesas do valor de aquisição), à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a concluir que aquelas despesas não se referem aos activos transmitidos), só depois competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no apuramento das mais-valias. À AT basta demonstrar a verificação dos “factos-índice” (indícios objectivos e credíveis) que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que os activos a que respeitam as despesas em causa não foram transmitidos e, assim, que está materialmente fundamentada a decisão administrativa de desconsiderar aquelas despesas no apuramento das mais-valias e de afastar a presunção de veracidade da escrita (à data prevista no art. 78.º do CPT). Feita essa demonstração, compete então ao contribuinte demonstrar que esses activos foram realmente transmitidos, não lhe bastando criar dúvida a esse propósito (o art. 121.º do CPT não logra aqui aplicação) pois não é a AT quem está a invocar a existência de um facto tributário não declarado ou a atribuir a um facto tributário uma dimensão diferente da declarada, caso em que seria de decidir contra ela a dúvida, mas antes é o contribuinte quem invoca o seu direito a ver relevados negativamente no apuramento das mais-valias as despesas que diz respeitarem a activos transmitidos, motivo porque a dúvida a esse propósito lhe é desfavorável.”
Assim, competirá à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais legitimadores da sua atuação, devendo para tanto provar os factos constitutivos de que legalmente depende a decisão administrativo-tributária com certo conteúdo e com certo sentido.
Ao invés, recai sobre o sujeito passivo provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, isto é, efetuar a demonstração probatório em que se sustenta o por si declarado, recaindo, pois, sobre o Requerente o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa e a sua respetiva justificação.
Importa ter presente o disposto no artigo 75.º, n.º 1 da LGT (cuja matéria se encontrava anteriormente vertida no artigo 78º do CPT – versado no aresto supra) do qual se colhe que as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua escrita, quando devidamente organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, se presumem verdadeiras.
Sucede, no entanto, que tal presunção cessa sempre que essas declarações ou os respetivos dados de suporte, apresentem omissões, erros e inexactidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da real matéria tributável do contribuinte (n.º 2), sendo que o legislador nos termos do n.º 3 do art. 75.º da LGT, prescreve que a “A força probatória dos dados informáticos dos contribuintes depende, salvo o disposto em lei especial, do fornecimento da documentação relativa à sua análise, programação e execução e da possibilidade de a administração tributária os confirmar”. (…)
Assim, uma vez se esteja perante a aplicação do disposto na al. a) do n.º 2 do art. 75.º da LGT, “será sobre o contribuinte que recai o ónus de prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existam dúvidas probatórias”, pelo que “as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas” para os efeitos do n.º 1 do art. 100.º do CPPT (vd. assim Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, vol. II, 6ª ed, 2011, p. 133).
Descendo à situação fáctico-tributária em que repousa a controvérsia impugnatória, temos que se, por um lado, é o Requerente que invoca o direito a acrescer tais encargos ao valor de aquisição na presente liça arbitral, com a consequência que daí radicaria nos termos do n.º 1 do artigo 74º da LGT, não é menos objetivo que tal pretensão se estribou inicialmente na declaração de IRS (Anexo G) por si submetida, o que lhe permitiria beneficiar do regime do n.º 1 do artigo subsequente da LGT, isto é, da presunção de veracidade do respetivo teor declarativo.
Por outro lado, importa recordar que a AT suscitou em procedimento de análise e divergência à declaração a comprovação do teor declarado da linha 4001 do Anexo G e nessa decorrência, após a disponibilização pelo Requerente da competente documentação entendida por pertinente em ordem a consubstanciar tal inscrição declarativa conforme ónus que sobre este recaía, decidiu a Requerida aceitar apenas parte do montante declarado a título de “despesas e encargos”.
Ora, como decorre das regras de funcionamento do ónus probatório, cessa a presunção de veracidade declarativa, sempre que essas declarações ou os respectivos dados de suporte, apresentarem omissões, erros e inexatidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (art. 75.º, n.º 2, al. a) da LGT).
Destarte, ante a não aceitação pela AT de parte do montante inscrito pelo Requerente a título de “despesas e encargos”, tal decisão da Requerida pressupõe que se verifiquem os pressupostos legitimadores para a correção declarativa operada em desfavor do sujeito passivo por aquela entidade, que o mesmo é dizer, que se mostrem preenchidos os factos-índice suficientes em ordem a afastar a presunção de veracidade de que o Requerente beneficiava aquando da submissão da Modelo 3 e respetivo Anexo G.
É perante este enquadramento jurídico-tributário atinente à distribuição do ónus probatório que se torna relevante perscrutar, em concreto, do cabimento legal da documentação oferecida pelo Requerente em ordem a comprovar o valor feito declarativamente acrescer ao valor de aquisição, para efeito de “despesas e encargos”.
Aferição essa que, em conformidade com o entendimento jurisprudencial e doutrinal vindo de citar, não poderá deixar de ter por “farol” a valorização económica do Imóvel resultante dos trabalhos levados a efeito na propriedade em causa.
Importa, desde já, clarificar que a Requerida AT já havia aceite parte dos valores inscritos na declaração entregue pelo Requerente, isto é, os serviços e impostos que constam melhor descriminados em ponto 13 dos “Factos Provados”, pelo que estes se encontram arredados de apreciação nestes autos, por ausência, neste particular segmento, de dissonância entre as partes neste litígio.
No tocante às despesas a que se reportam os pontos 2 a 6 (e a que se reporta globalmente o ponto 12) dos “Factos Provados”, não se vislumbra que a Requerida AT tenha coligido elementos suficientes para colocar em crise a presunção de veracidade dos valores assim declarativamente inscritos na linha 4001 do Anexo G – “Despesas e Encargos”, na medida em que os encargos aí relevados revestem os requisitos jurisprudencial e doutrinalmente supra melhor elencados, isto é quanto à sua natureza, efetividade, suscetibilidade valorizativa, sendo que da referida documentação é possível igualmente concluir que o local onde os bens e serviços foram prestados correspondem ao do Imóvel objeto das mais-valias sujeitas a tributação pelo ato tributário arbitralmente impugnado.
A este respeito, afigura-se seguro que os trabalhos/serviços efetuados originam – num plano de normalidade e juízo de razoabilidade - uma valorização ao Imóvel em causa, o que apenas assim não sucede, diretamente, com o encargo tido com a Polícia de Segurança Pública, encargo esse relativo à contratação de agente policial no âmbito da necessidade de colocação na via pública de “contentor de entulho” de obra (também constante do orçamento de obra), serviço esse policial que sendo instrumental, não deixa de ser necessário para as obras levadas a efeito, não podendo assim deixar de se enquadrar como um necessário custo incorrido, suscetível de valorização – indireta - do Imóvel porquanto sem tal encargo não seria possível levar a efeito os melhoramentos (obras) no Imóvel objeto de tributação em sede de mais-valias.
Destarte, carece de apoio legal, por violação da al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRC a decisão da Requerida em obliterar o acréscimo ao custo de aquisição dos encargos de valorização referidos nos pontos 2 a 6 dos “Factos Provados”, no montante de € 38.084,16, o que faz inquinar de ilegalidade, nesta parte, a liquidação sub judicio, por errónea qualificação de tais custos e concomitante excesso de quantificação que de tal errónea qualificação tributária decorre.
Ao invés, idêntica conclusão não se consegue almejar quanto à documentação junta pelo Requerente e a que se reportam os encargos a que se refere o ponto 11.dos “Factos Provados”, uma vez que o Requerente não logrou sustentar a presunção de veracidade declarativa, dada a insuficiência de suporte para o efeito então disponibilizada, tendo a AT, com base nesses mesmos documentos recolhido factos-índice suficientes em ordem à correção efetuada, tendo assim e desde logo cessado a presunção de veracidade de tais valores assim declarativamente inscritos pelo Requerente.
E tal sucede porque da análise a tal acervo documental não se consegue colher, seja por ilegibilidade das faturas de suporte, ausência de fatura e por falta de identificação do local de aplicação ou colocação à disposição dos bens/serviços aí discriminados (sem que o endereço do Requerente tivesse correspondência com o Imóvel), não permitem sequer efetuar uma conexão efetiva entre os versados encargos e o Imóvel e bem assim são insuficientes para perceber a natureza dos bens e a suscetibilidade valorizativa originada por tais gastos e respetiva subsunção na al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRC.
Ora, tendo a Requerida logrado colher factos que colocam em causa os valores declarados referentes a tais encargos - ponto 11. dos “Factos Provados” - dada a insuficiência probatória oferecida pelo Requerente em sede administrativa, impunha-se a este efetuar a prova sobre a factualidade subjacente ao direito por si invocado – o acrescer de tais encargos ao custo de aquisição do Imóvel – em obediência ao comando legislativo constante do n.º 1 do artigo 74º da LGT.
Sucede que, também dos elementos documentais carreados a estes autos (à semelhança dos que constavam do processo administrativo junto) relativamente aos bens/fornecimentos a que respeitam o ponto 11. dos “Factos Provados”, não resulta, pelas razões já supra expendidas, que o Requerente tenha sido capaz de efetuar tal legalmente exigida demonstração probatória, pelo que nesta parte não pode o pedido anulatório suscitado obter provimento.
4.3. Dos juros indemnizatórios
O Requerente pugna ainda pelo reembolso do imposto indevidamente pago, aí incluindo os juros compensatórios, e peticiona, também, o pagamento de juros indemnizatórios por parte da Requerida.
A LGT estabelece, no seu artigo 43.º, n.º 1, que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
O direito à perceção de juros indemnizatórios assenta num conjunto de pressupostos de verificação cumulativa, quais sejam: a existência de um erro imputável aos serviços, em função do qual resulte pagamento de imposto em montante superior ao devido, sendo a ratio subjacente ao artigo 43.º da LGT consubstanciada na imputabilidade do erro aos serviços, como reflexo da não atuação em conformidade com a lei, ao arrepio, desde logo, do disposto no art.º 266.º, n.ºs 1 e 2, da CRP.
No caso concreto, não há dúvida de que o erro que inquina de ilegalidade a liquidação de IRS e juros compensatórios é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, porquanto praticou o ato de liquidação, sem ter levado em consideração que o Requerente reunia os requisitos legais para beneficiar do acréscimo ao custo de aquisição dos encargos de valorização a que se reportam os encargos a que se refere o ponto 12 dos “Factos Provados”, previsto na al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS
Nessa medida, reconhece-se ao Requerente o direito a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento da parte da prestação tributária considerada indevida nos termos da presente decisão de procedência parcial, até ao seu integral reembolso.
4.4. Extensão da decisão anulatória quanto ao ato de tributário de liquidação de IRS e JC:
Tendo-se concluído pela ilegalidade parcial do ato de liquidação de IRS e Juros Compensatórios, o qual constitui o objeto imediato destes autos, cumpre ainda precisar a extensão do efeito da decisão anulatória.
No seu pedido arbitral peticionou o Requerente pela anulação da liquidação, por nesta se encontrar apurado imposto em excesso, por via da desconsideração do valor que entende ser passível de acréscimo o montante de € 50.751,19 ao custo de aquisição do Imóvel em 2021 alienado, face ao valor já evidenciado pela liquidação impugnada,.
Quanto a este pedido anulatório com esta base sustentado e considerando os dados disponíveis, revela-se necessário precisar que “O processo arbitral tributário, à semelhança do que acontece com a impugnação judicial, é, essencialmente um contencioso de mera anulação. Não obstante, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estritamente ligados ao poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios, com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia ou com o direito à restituição do imposto indevidamente pago.
Ressalvadas estas exceções, estaremos sempre perante um contencioso de mera anulação, o que significa que perante a impugnação de um acto tributário junto de um tribunal arbitral, a este tribunal caberá apenas considerar o acto legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo, cabendo à AT retirar as consequências da eventual decisão anulatória, no respeito pelo disposto no art.º 24.º do RJAT.”, conforme se referiu no acórdão arbitral de 1 de junho de 2021, proferido no âmbito do processo n.º 694/2019-T.
Ainda a respeito desta temática, referiu-se no acórdão do TCA Norte, proferido em 9 de Julho de 2020, no âmbito do processo n.º 9655/16.3BCLSB que “Ao contrário do que sucede no domínio das ações administrativas, quando está em causa a legalidade de atuação da administração, no âmbito das quais o julgador pode emitir injunções e pronúncias condenatórias relativamente à Administração, condenando-a à prática de ato com um conteúdo determinado, tal não sucede no âmbito do contencioso tributário de impugnação de ato de liquidação (quer arbitral quer estadual) com esse alcance, não estando legalmente prevista a possibilidade de condenação à prática de ato devido.”
Tendo em conta a natureza essencialmente anulatória do contencioso arbitral tributário acabada de evidenciar com base na citada jurisprudência, constata-se que ao Tribunal Arbitral não assistem os poderes para emitir as injunções condenatórias formuladas pelo Requerente no seu pedido arbitral.
Assim sendo, e porquanto o apuramento da quantificação do montante do IRS e JC que deverá ser considerado como devido pelo Requerente consiste numa tarefa cuja competência é atribuída por lei à AT, devendo o ato de autoliquidação de IRS arbitralmente impugnado ser parcialmente anulado, cabendo à AT a posterior quantificação, tendo por referência o excesso quantitativo decorrente da não aceitação dos encargos valorizativos a que respeitam os pontos 2 a 6 dos “Factos Provados” (e a que se reporta globalmente o ponto 12.) e, se necessário em sede de execução de julgados, de modo a conformar o ato de liquidação impugnado com os termos da presente decisão arbitral anulatória, da qual decorrerá um aumento do quantum do valor de aquisição, por via do acréscimo do valor de “despesas e encargos” da linha 4001 do Anexo G, acréscimo esse objetivamente favorável ao Requerente.
Nesse exercício, haverá que ter em consideração que a quantificação do montante de encargos suscetível de acréscimo ao custo de aquisição nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS não poderá ser apenas o montante decorrente da DC oficiosa recolhida e levada a liquidação - € 37.638,86 – mas igualmente deverá levar em consideração o valor de despesas e encargos de € 38.084,19 (pontos 2 a 6 [e 12] dos “Factos Provados”.
5. DECISÃO:
Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular parcialmente o ato tributário de liquidação de IRS e JC de 2021, com os n.ºs 2023 … e 2023 …, respetivamente, no qual foi apurado imposto a pagar no valor de € 4.529,93, com base em vício de violação de lei, por erro na qualificação e excesso de quantificação do ato tributário, em conformidade com o ponto 4.4. desta decisão:
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de direito a juros indemnizatórios na parte objeto de anulação e bem assim na condenação da Requerida ao estorno da prestação tributária indevidamente paga, tudo em conformidade com os termos da alínea precedente desta decisão anulatória parcial.
-
Condenar ao pagamento das custas pelas partes na proporção do respetivo decaimento, ou seja, em 75% para a Requerida e 25% para o Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Fixa-se o valor do processo em €4.529.93 (quatro mil, quinhentos e vinte e nove euros e noventa e três cêntimos), nos termos do artigo 97.°-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária,
Notifique-se esta decisão arbitral às partes e, oportunamente, arquive-se o processo.
Lisboa, 20 de Junho de 2024
O Árbitro
Luís Sequeira
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.
[1] Acórdão do STA no processo n.º 0587/11, de 21/03/2012, disponível em www.dgsi.pt
[2] Acórdão do TCAS no processo n.º 05182/11, de 03/03/2016, disponível em www.dgsi.pt
[7] Acórdão do STA no processo n.º 0587/11, de 21/03/2012, disponível em www.dgsi.pt