SUMÁRIO:
Uma sociedade anónima exclusivamente de capitais públicos, regida pelas normas aplicáveis às sociedades anónimas de Direito privado, exercendo paralelamente às funções de poderes de autoridade, atividades de prestação de serviço de natureza puramente empresarial, não é qualificável como como “pessoa coletiva de Direito Público” ou mesmo “outro organismos de Direito Público” para efeitos da delimitação negativa de incidência do nº2 do artigo 2º do CIVA.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professor Doutor Rui Duarte Morais, (árbitro presidente), Dr. José Coutinho Pires e Dr. António Cipriano da Silva (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 20 de Fevereiro de 2024, acordam no seguinte:
I-RELATÓRIO
1. No dia 11 de Dezembro de 2023, A..., S.A, sociedade comercial anónima, com sede na ..., ..., Lisboa, titular do Número único de Pessoa Coletiva e matrícula na Conservatória do Registo Comercial ... doravante “Requerente” apresentou pedido de constituição de tribunal e pronúncia arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), respeitante à legalidade das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º ..., do período 201801; n.º ..., do período 201802; n.º..., do período 201803; n.º ..., do período 201804; n.º..., do período 201805; n.º ..., do período 201806; n.º ..., do período 201807; n.º ..., do período 201808; n.º ..., do período 201809; n.º..., do período 201810; n.º ..., do período 201811; n.º..., do período 201812, de cujas demonstrações de acerto de contas n.º..., do período 201801; n.º..., do período 201802; n.º ..., do período 201803; n.º..., do período 201804; n.º ..., do período 201805; n.º ..., do período 201806; n.º..., do período 201807; n.º ..., do período 201808; n.º ..., do período 201809; n.º ..., do período 201810; n.º..., do período 201811; n.º..., do período 201812, resultou o montante a pagar de EUR 695.410; das respetivas liquidações de juros compensatórios, de cujas demonstrações de acerto de contas n.º ..., do período 201801; n.º ..., do período 201802; n.º ..., do período 201803; n.º..., do período 201804; n.º ..., do período 201805; n.º..., do período 201806; n.º ..., do período 201807; n.º ..., do período 201808; n.º ..., do período 201809; n.º..., do período 201810; n.º ..., do período 201811; n.º..., do período 201812, resultou o montante a pagar de 107.296,42 EUR; e das liquidações adicionais de IVA n.º ..., do período: 201901; n.º ..., do período: 201902; n.º..., do período: 201903; n.º..., do período: 201904; n.º ..., do período: 201905; n.º..., do período: 201906; n.º ..., do período: 201907; n.º..., do período: 201908; n.º..., do período: 201909; n.º ..., do período: 201910; n.º ..., do período: 201911; n.º..., do período: 201912, de cujas demonstrações de acerto de contas n.º ..., do período 201901; n.º ..., do período 201902; n.º ..., do período 201903; n.º ..., do período 201904; n.º ..., do período 201905; n.º ..., do período 201906; n.º ..., do período 201907; n.º ..., do período 201908; n.º ..., do período 201909; n.º ..., do período 201910; n.º..., do período 201911; n.º ..., do período 201912, resultou o montante a pagar de 713.167,75 EUR; e das respetivas liquidações de juros compensatórios, de cujas demonstrações de acerto de contas n.º ..., do período 201901; n.º..., do período 201902; n.º ..., do período 201903; n.º ..., do período 201904; n.º ..., do período 201905; n.º ..., do período 201906; n.º ..., do período 201907; n.º..., do período 201908; n.º ..., do período 201909; n.º ..., do período 201910; n.º..., do período 201911; n.º..., do período 201912, resultou o montante a pagar de 84.953,43 EUR, e, bem assim, da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra tais atos tributários por considerar tais atos ilegais.
2.No dia 12 de Dezembro de 2024 foi aceite o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.
3.No dia 20 de Fevereiro de 2024 foi constituído o Tribunal Arbitral.
4. Em 22 de Fevereiro de 2024, foi a Requerida notificada para nos termos e para os efeitos do n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, solicitar a produção de prova adicional, e para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.
5. Em 04 de Abril de 2024 a Requerida juntou processo administrativo e a sua resposta, requerendo a suspensão dos autos até trânsito em julgado da decisão do processo que corre seus termos no Tribunal Tributário de Lisboa, 3.ª Unidade Orgânica, sob o n.º35/17.4BELRS, e simultaneamente defendendo-se por impugnação. Concluído a Requerida que o PPA deve improceder, absolvendo-a do pedido.
6. Em 19 de Abril de 2024, a Requerente juntou aos autos requerimento em que se opõe ao pedido de suspensão dos autos.
7. Em 03 de Junho de 2024, o Tribunal Arbitral produziu despacho, notificado às partes, de dispensa da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, e de alegações, por as partes terem deixado bem explícitas, nos articulados, as suas posições quanto às questões de direito,
II. Descrição Sumária dos Factos
II.1 Posição da Requerente
A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:
Da ilegalidade das liquidações dada a inaplicabilidade do disposto no artigo 2º º2 do CIVA
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As liquidações de IVA em crise padecem de ilegalidades, devendo, por isso, ser anuladas nos termos do artigo 163.º do CPA, tudo com as demais consequências legais, na medida em que não se afigura aplicável o artigo 2.º, n.º 2, do CIVA, sendo, pelo contrário, as operações praticadas pela Requerente sujeitas a imposto (conferindo, por isso, o direito à dedução do imposto suportado a montante).
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Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do CIVA, sob a epígrafe «incidência subjetiva», qualificam-se como sujeitos passivos de IVA a generalidade das pessoas singulares e coletivas que pratiquem, com independência e caráter habitual, atividades económicas ou preparatórias destas. Não obstante tal desígnio, no que respeita à incidência subjetiva deste imposto, o legislador reforçou a exclusão tributária do Estado e das pessoas coletivas de Direito público.
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Pelo que o artigo 2.º, n.º 2, do CIVA estabelece que o Estado e demais pessoas coletivas de direito público – quando realizem operações no exercício dos seus poderes/prerrogativas de autoridade pública – não são sujeitos passivos de IVA, a menos que esta situação (de não sujeição) gere distorções de concorrência.
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A Requerente foi criada através do Decreto-Lei n.º 336/98, de 3 de novembro, referindo o seu artigo 2.º, n.º 1, que a mesma sucedeu à Administração do Porto de Lisboa, tendo continuado a personalidade jurídica desta e conservado a universalidade dos seus bens, direitos e obrigações à data da transformação, sob a forma de entidade privada de índole empresarial.
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Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 336/98, resulta que a adoção de uma forma jurídica de Direito privado reputou-se fundamental para um modelo de gestão de natureza empresarial, tendo entendido o legislador que o funcionamento orgânico vigente à data se afigurava incompatível com os objetivos a prosseguir.
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Assim, a Requerente foi criada por via da transformação da Administração do Porto de Lisboa – instituto público dotado de personalidade jurídica de Direito público e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial – em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos –, facto, aliás, reconhecido pela própria Autoridade Tributária nos relatórios finais de inspeção: «Pelo Decreto-Lei nº 336/98, de 3 de novembro, [a Requerente] foi transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos».
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Ora, ao contrário do que parece entender a Autoridade Tributária, as sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, como a Requerente, não são subsumíveis nos conceitos de «pessoa coletiva de direito público» ou «organismo de Direito público» previstos no artigo 2.º, n.º 2, do CIVA e, bem assim, no artigo 13.º, n.º 1, da Diretiva IVA.
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Na situação em presença, a Requerente não configura um organismo de Direito público, não estando, por conseguinte, e desde logo, preenchida a primeira das condições necessárias à aplicação da não sujeição a imposto decorrente do artigo 2.º, n.º 2, do CIVA.
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Com efeito, apesar de o seu capital ser exclusivamente detido pelo Estado, a Requerente não deixa de ser uma pessoa coletiva de Direito privado, ainda que sob a forma de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, não podendo, por isso, ser qualificada como uma pessoa coletiva de Direito público para qualquer efeito.
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Isto mesmo decorre do Regime Jurídico do Setor Empresarial do Estado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, nomeadamente, do regime ínsito nos seus artigos 5.º e 14.º, nos termos do qual as empresas públicas são constituídas nos termos do Direito comercial e, salvo disposição expressa em sentido contrário, são regidas pelo Direito privado, encontrando-se ainda sujeitas às regras gerais de concorrência nacionais e europeias
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Ademais, a noção de que as sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos são pessoas coletivas de Direito privado encontra respaldo quer no seio da doutrina quer no seio da jurisprudência dos tribunais superiores portugueses.
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Pelo que concluí a Requerente, que apesar desta ser uma empresa do setor empresarial do Estado, não é uma pessoa coletiva de Direito público na aceção do artigo 2.º, n.º 2, do CIVA – ou um organismo de Direito público para efeitos do artigo 13.º, n.º 1, da Diretiva IVA –, impondo-se, por conseguinte, a admissibilidade da dedução do IVA por si suportado no âmbito do exercício de atividades económicas não isentas ou isentas com direito à dedução.
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Independentemente do entendimento que se adote quanto à natureza jurídica da Requerente, a verdade é que nunca poderia a mesma ficar não sujeita imposto ao abrigo do artigo 2.º, n.º 2, do CIVA, uma vez que tal situação originaria distorções na concorrência.
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É inegável que no exercício da sua atividade a Requerente está em concorrência direta com outros operadores económicos. Em concreto, a Requerente encontra-se em situação de concorrência direta com outros portos, quer os localizados em território nacional – designadamente, em Setúbal e Sines –, quer os localizados no estrangeiro – e.g., os portos de Vigo, Málaga e Huelva – e, até mesmo, com entidades que se dedicam ao transporte rodoviário e ferroviário.
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O entendimento preconizado pela Autoridade Tributária e a consequente não dedutibilidade do IVA suportado – conduz, por si só, a uma situação de intolerável violação do princípio da neutralidade, impondo à Requerente um custo acrescido face aos seus concorrentes no âmbito da mesma atividade.
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Contestando a Requerente o entendimento da Requerida tendo em atenção que esta se pronunciou em sentido contrário relativamente a outros concorrentes da Requerente (portos nacionais), os quais também obtiveram informações vinculativas, tendo sido sancionado entendimento diverso do perfilhado no Pedido de Informação Vinculativa (PIV).
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Concluindo a Requerente que, contrariamente ao entendimento adotado pelos serviços de inspeção tributária que subjaz à prolação dos atos contestados, não é aplicável à Requerente o disposto no artigo 2.º, n.º 2, do CIVA, sendo por isso ilegais os atos tributários sob contenda, impondo-se a respetiva anulação nos termos do artigo 163.º do CPA, tudo com as demais consequências legais.
Da ilegalidade originária das liquidações de juros compensatórios, por falta do preenchimento dos pressupostos legais
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O direito a juros compensatórios implica a conjunção de um elemento objetivo, o atraso na liquidação ou entrega do imposto e de outro subjetivo, a culpa do contribuinte.
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No presente caso, a Requerente agiu sem culpa, porquanto a sua interpretação das normas em questão é legítima, plausível e de boa-fé, não existindo uma sua atuação dolosa ou negligente, mas uma divergência interpretativa em relação à Autoridade Tributária, como, aliás, resulta claro do próprio relatório de inspeção tributária. Referindo a Requerente que em situações idênticas a Autoridade Tributária decidiu em sentido diverso e totalmente coincidente com o da Requerente.
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Defendendo a Requerida que os elementos objetivo e subjetivo do direito ao pagamento de juros compensatórios devem ter-se por não preenchidos, sob pena de aplicação do instituto da responsabilidade – enquanto fonte ressarcitória de danos causados pelo retardamento da entrega do imposto – sem que se verifiquem os respetivos pressupostos legais, designadamente a culpa do agente.
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Entendendo que não é a conduta da Requerente suscetível de originar a emissão de quaisquer liquidações de juros compensatórios, nomeadamente as enunciadas e contestadas nos presentes autos.
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Em consequência, defende a Requerente que cenário do entender o Tribunal Arbitral não se impor a anulação das liquidações de juros compensatórios nos termos supra expostos, requer-se que as mesmas sejam anuladas com fundamento na falta de preenchimento dos requisitos legais previstos no artigo 35.º da LGT, nos termos do artigo 163.º do CPA, o que se peticiona para os devidos efeitos legais.
Do direito da requerente à perceção de juros indemnizatórios
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Defende a Requerente que da procedência do presente pedido de pronúncia arbitral, para além do direito ao reembolso do montante por si indevidamente pago, a Requerente terá ainda direito à perceção de juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, aplicável ex vi artigo 99.º, n.º 2, do CIVA.
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Em consequência, a Requerente requer nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, o reconhecimento do erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária e, nessa medida, para além do reembolso do montante indevidamente pago, a satisfação do direito da Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios, computados sobre esse montante, desde a data do seu pagamento indevido até à emissão da respetiva nota de crédito, tudo com as demais consequências legais.
II.2 Posição da Requerida
A Requerida apresentou Resposta na qual se defende por impugnação, sustentando a improcedência do PPA com base nos seguintes argumentos:
Da suspensão do processo
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Refere a Requerida que a boa decisão dos autos depende única e exclusivamente do enquadramento das atividades da Requerente em sede de IVA, factualidade com entendimentos divergentes e cuja discussão esta em discussão em ação administrativa pendente, correndo os seus termos perante o Tribunal Tributário de Lisboa, 3.ª Unidade Orgânica, sob o n.º 35/17.4BELRS onde a Requerente impugna o teor de Pedido de Informação Vinculativa.
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Entende a Requerida que as liquidações em apreço, não são mais do que a aplicação do entendimento desta quanto às operações da Requerente, nos períodos de imposto em apreço e, o presente PPA, a discordância da Requerente com o enquadramento das operações defendido pela Requerida e, a defesa do ponto de vista da Requerente.
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Pelo que tendo antes sido intentada ação judicial com vista à anulação da informação vinculativa prestada pela Requerida e, por forma a evitar a eventual prolação de Decisões opostas, pelo Tribunal Administrativo e, pelo Tribunal Arbitral, no que ao enquadramento das operações da Requerente concerne e, tendo em conta que a referida ação administrativa precedeu a apresentação do presente PPA e, que a Sentença que vier a ser proferida compromete decisivamente a boa Decisão da presente causa, entende a Requerida que, nos termos do previsto no n.º 1 do art.º 272.º do CPC, deverão os presentes autos ser suspensos até ao trânsito em julgado da Decisão daqueles autos.
Por Impugnação
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Defende a Requerida que o n.º 2 do artigo 2.º do Código do IVA prevê uma derrogação ao estabelecer uma delimitação de incidência à qualidade de sujeito passivo, determinando que não são sujeitos passivos de imposto o Estado e demais pessoas coletivas de direito público quando realizem operações na qualidade de autoridade pública, mesmo que por elas recebam taxas ou quaisquer outras contraprestações, desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência.
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Definição de quais são as "atividades suscetíveis de originar distorções de concorrência ou aquelas que são exercidas de forma não significativa", cf. nº 4 do mesmo artigo, que é da competência do Ministro das Finanças, caso a caso.
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Decorre de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça da União Europeia ("TJUE" ou "Tribunal de Justiça") que na análise do preceituado no n.º 2 do artigo 2.º do Código do IVA, à luz dos objetivos da Diretiva do IVA, se devem verificar cumulativamente dois requisitos para que a regra da não sujeição se aplique, nomeadamente, um de natureza subjetiva, relativa à natureza jurídica da entidade, - o exercício de atividades por um "organismo público", que, de acordo com o TJUE, é da competência dos ordenamentos jurídicos nacionais - e outro de natureza objetiva - o exercício de "atividades desempenhadas na qualidade de autoridade pública".
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No caso das empresas públicas, ainda que sejam pessoas coletivas de direito privado, sujeitas a princípios de gestão privada, tal não obsta a que possam qualificar-se como "organismos públicos" na aceção deste regime, atendendo a critérios delimitadores do conceito como a titularidade, o regime jurídico aplicável, o objeto e os fins prosseguidos.
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Em relação ao caso em apreço, entende a Requerida que verifica-se pela análise dos diplomas que enquadram as atividades desenvolvidas pela Requerente, que são transferidas para o seu objeto social, competências do Estado, em conjunto com os respetivos recursos necessários para a realização dessas atividades, tal como as receitas correspondentes e os poderes administrativos.
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Destarte, e tal como a Requerente inscreve nos seus Relatórios e Contas anuais, “[a] A... é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, do Setor Empresarial do Estado, dotada de jus imperium, regendo-se pelo disposto nos seus estatutos, pelas normas aplicáveis às sociedades anónimas, pelas normas especiais cuja aplicação decorra do objeto da sociedade, incluindo normas de direito público quando atue no uso de poderes de autoridade, e pelo direito privado, encontrando-se sujeitas às regras de concorrência” (cf. consta no Relatório e Contas de 2018, ponto 8.11, pp. 71-72, e no Relatório e Contas de 2019, ponto 8.11, p. 78).
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De harmonia com o disposto nos artigos 5.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, resulta inequívoco que o Estado exerce sobre a A... uma “influência dominante”. A gestão da A... está sujeita ao Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, por imposição do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 133/2013.
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Neste quadro legal, entende a Requerente não estamos perante uma pessoa que pratique atos na qualidade de autoridade pública de modo independente, para que que se possa, sem mais, considerar excluída do disposto no artigo 2.º, n.º 2 do Código do IVA.
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Considerando a Requerida que deve manter-se, pois, a conclusão no sentido de que, estando em causa atividades que a A... prossegue no âmbito dos seus poderes de “jus imperii”, na qualidade de Autoridade Portuária, na sua área de jurisdição, as operações em causa estão excluídas do âmbito do imposto, por força do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IVA.
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Trazendo a Requerida para reforço da sua posição o Acórdão do TJUE, de 29 de outubro de 2015, SAUDAÇOR, C-174/14, referente a uma entidade que se assemelha, em alguns aspetos, a uma pessoa coletiva de direito privado, possuindo alguma autonomia face ao Estado, tal como a A.... Resultando na posição da Requerida que não se deve excluir que a A... integra na Administração Pública, uma vez que, se verificam todas as características que o TJUE considerou relevantes nesse sentido, no referido acórdão.
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Quanto à questão da supostas distorções da concorrência, nos termos do nº2 do artigo 2º do CIVA haverá lugar à sujeição dos organismos públicos relativamente às atividades que exerçam na qualidade de autoridades públicas, desde que essas atividades possam ser igualmente exercidas, em concorrência com elas, por entidades que atuem de acordo com um regime de direito privado ou no contexto de concessões administrativas, se a respetiva não sujeição for suscetível de provocar distorções de concorrência.
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Defendendo a Requerida que deve-se manter a conclusão no sentido de que, estando em causa atividades que a A... prossegue no âmbito dos seus poderes de “jus imperii”, na qualidade de Autoridade Portuária, na sua área de jurisdição, as operações em causa estão excluídas do âmbito do imposto, por força do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IVA, não resultando demonstrado, por qualquer meio, que a sua não sujeição origine distorções de concorrência.
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Por fim, no que se refere aos juros compensatórios, a Requerida defende não ser de acolher a tese defendida no presente PPA, dado que, a Requerente, possuindo duas informações vinculativas no mesmo sentido que, como se julga demonstrado, se encontram em conformidade com a lei, doutrina e jurisprudência aplicáveis nesta matéria, optou, deliberadamente, por seguir outro entendimento, sem estar na posse de decisão administrativa ou judicial que confirmasse entendimento distinto do defendido pela AT.
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Concluído a Requerente pela defesa da improcedência do pedido, com a absolvição da Requerente do pedido.
III-Questão Prévia
A Requerida em sede de Resposta vem solicitar a suspensão dos presentes autos até transito julgado da ação administrativa que corre no Tribunal Tributário de Lisboa, 3.ª Unidade Orgânica, sob o n.º 35/17.4BELRS, em que a Requerente impugna a informação vinculativa prestada pela AT nos termos do artigo 68º nº20 da LGT.
Alega a Requerida que tanto o PPA, como ação administrativa, tem por base a mesma questão – o enquadramento das atividade da Requerente em IVA. Que tendo em conta que a referida ação administrativa procedeu à apresentação do PPA, e que a eventual decisão judicial desta compromete decisivamente a boa decisão do PPA, deve ser suspensos os autos até ao transito julgado da ação administrativa.
Por sua vez, no exercício do contraditório a Requerente, vem opor-se à suspensão dos autos.
O que esta em causa na ação administrativa é a anulação de um ato administrativo em matéria tributável. Já nos presentes autos a matéria controvertida versa a ilegalidade do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa e a consequente ilegalidade de liquidações de IVA. Situações, ainda que com factualidades convergentes, com efeitos jurídicos divergentes.
Nos termos do nº1 artigo 2º do RJAT e da Portaria nº 112-A/2011, o Tribunal arbitral tem competência material para apreciação nomeadamente da declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos.
A determinação da competência do tribunal terá de se delimitar pela análise do pedido do autor e pela causa de pedir em que este se apoia na petição inicial. Seguindo a jurisprudência do CAAD no processo 262/2018-T “é à face do pedido ou conjunto de pedidos que formulou o autor que se afere a adequação das formas de processo especiais, designadamente o processo arbitral.”
No caso em apreço, o pedido da Requerente é absolutamente claro e inequívoco fixando-se na ilegalidade do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa e a consequente ilegalidade de liquidações de IVA.
O que esta em causa é a ilegalidade do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa e a consequente ilegalidade de liquidações de IVA, e não qualquer outra decisão.
Pelo que estando em causa em ambos os processos situações jurídicas diversas, tendo o Tribunal Arbitral competência material e encontrando-se na posse de todos os elementos para decidir, entende-se não existir justificação legal para a suspensão dos autos.
Termos em que é indeferido o pedido de suspensão dos autos formulado pela Requerida.
IV. Saneamento
O Pedido de Pronúncia Arbitral é tempestivo. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regulamente constituído, nos termos dos artigos 2.º n.º 1 alínea a), 5º n.º 1 e 2 do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.
A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
Pelo que não há qualquer obstáculo à apreciação da causa, pelo que cumpre proferir decisão.
V-MÉRITO
V.1Matéria de Facto
V1.A- Factos Dados com Provados
1-A Requerente é uma entidade jurídica criada pelo Decreto-Lei nº 336/98 de 3 de Novembro, que sucedeu à Administração do Porto de Lisboa, continuando a personalidade jurídica desta, conservando a universalidade dos bens, direitos e obrigações a esta pertencentes à data da transformação.
2-A Requerente é uma entidade jurídica sob forma de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos com capital social integralmente subscrito e realizado, de 60 000 000€ dividido em 12 000 000 de ações, de valor nominal de 5€ cada uma.
3- A Requerente nos termos legais, rege-se pelo Decreto-Lei nº336/98 de 3 de Novembro e pelos seus estatutos e, em tudo que neles não estiver previsto, pelas normas aplicáveis às sociedades anónimas e pelas normas especiais cuja aplicação decorra do objeto da sociedade.
4- A Requerente nos termos do Decreto-Lei nº336/98 de 3 de Novembro assegurará o exercício das competências necessárias ao regular funcionamento do porto de Lisboa nos seus múltiplos aspetos de ordem económica, financeira e patrimonial, de gestão de efetivos e de exploração portuária e ainda as atividades que lhe sejam complementares, subsidiárias ou acessórias, no mesmo âmbito e nos mesmos termos que vinham a ser observados pela Administração do Porto de Lisboa.
5- A Requerente no âmbito da sua atividade desenvolve os seguintes tipos de serviços:
a)Prestação de serviços a navios – a qual compreende a disponibilização e uso dos sistemas relativos à entrada, estacionamento e saída de navios, à operação de navios, cargas e passageiros, armazenagem, à segurança e conservação do ambiente, disponibilização de piloto da barra, recolha de resíduos a navios, fornecimento de equipamento, assinalamento marítimo e dragagens;
b) Gestão direta de docas de recreio (Doca do Bom Sucesso, Doca de Belém, Doca de Santo Amaro e Doca de Alcântara) – a qual compreende a disponibilização de lugares de estacionamentos a nado e a seco para embarcações de recreio e outros serviços complementares;
c) Atividade marítimo-turística – a qual compreende a permissão do uso de recursos hídricos do domínio público do Estado, que lhe são afetos, a embarcações com utilização para fins lucrativos e que prestam serviços de natureza cultural, de lazer, de pesca turística, promoção comercial e táxi;
d) Cedência de exploração de terminais de serviço público de movimentação de carga ou de passageiros – a qual compreende a cobrança pela Requerente (i) de uma taxa fixa pelo uso de instalações – tais como, cais/terminal, muro cais, terraplenos, edifícios e outros – e (ii) de uma taxa variável pela prestação de serviços de movimentação de mercadorias – tais como, contentores, granéis sólidos e líquidos, embarque e desembarque de passageiros;
e)Cedência de utilização privativa de parcelas do domínio público do Estado (disponibilização de terminais portuários de utilização privativa) – a qual compreende a cedência de utilização e a concessão de exploração quer a entidades públicas quer a entidades privadas;
f)Cedência de utilização privativa de parcelas do domínio público do Estado – a qual compreende a permissão do uso de imóveis para bares, restaurantes e afins, sem infraestruturas portuárias ou similares, correspondendo à exploração de um bem imóvel integrado numa zona portuária, com a finalidade de prossecução de uma atividade económica, mas sem o uso de quaisquer infraestruturas portuárias;
g) Eventos – a qual compreende a permissão pela Requerente do uso de parcelas do domínio público do Estado, seja em zona terrestre ou flúvio-marítima, em área coberta ou descoberta, para realização de atividades de curta duração, de duração inferior a um ano, e de eventos, atividades promocionais ou publicidade;
h) Licenciamento – a qual compreende a emissão de pareceres de projetos de obras de terceiros na sua área.
(Cfr. Artigo 12º do PPA e ponto V.1.1.2 dos Relatórios Finais de Inspeção Tributária)
6- Em 17 de Fevereiro de 2016 a Requerente submeteu um pedido de informação vinculativa na qual solicitou à Autoridade Tributária e Aduaneira a corroboração do seguinte entendimento:
1) A não-sujeição a IVA prevista no artigo 2.º n.º 2 do Código do IVA (“CIVA”) não lhe é aplicável;
2) As prestações de serviços portuários e de concessões portuárias que se destinam a embarcações afetas à navegação marítima em alto mar e que assegurem o transporte remunerado de passageiros ou o exercício de uma atividade comercial, industrial ou de pesca beneficiam da isenção de IVA prevista no artigo 14.º, n.º 1, alínea j) do CIVA; e,
3) As concessões de uso privativo de bens do domínio público, quando relativas a bens imóveis sem
infraestruturas de exploração comercial, constituem materialmente locações de imóveis pelo que
são isentas de IVA nos termos do artigo 9.º n.º 29 do CIVA
(Cfr. Doc . nº 4 do PPA – Pedido de Informação Vinculativa Urgente)
7- Resposta à Pedido de Informação Vinculativa, em que foi sancionado entendimento distinto do proposta pela Requerente nos seguintes termos:
(Cfr. Doc . nº 4 do PPA – Pedido de Informação Vinculativa Urgente)
8- Discordando da posição adotada pela Autoridade Tributária na resposta ao PIV, a Requerente apresentou ação administrativa, pendente de decisão, correndo os seus termos perante o Tribunal Tributário de Lisboa, 3.ª Unidade Orgânica, sob o n.º 35/17.4BELRS. (Cfr. Doc nº6 do PPA)
9- Não obstante do teor da resposta ao PIV, a partir do ano de 2017, a Requerente alterou o enquadramento em sede de IVA das atividades económicas em causa, de acordo com o enquadramento por si proposto no âmbito do PIV que submetera. (Cfr. Artigo 18º do PPA)
10- Ao abrigo das Ordens de Serviço nºs OI2022... e OI2022..., a Requerente foi alvo de procedimentos de inspeção tributária, de âmbito parcial, os quais incidiram sobre os períodos de 2018 e 2019 e visaram a confirmação dos valores por si declarados em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e IVA.
11- Findas as ações inspetivas, a Requerente foi notificada dos Relatórios Finais de Inspeção Tributária, dos quais resultaram correções técnicas em sede de IVA, por aplicação do artigo 2.º, n.º 2, do CIVA, no montante de 779.049,54 EUR, relativas ao período de 2018, e no montante de 752.230,04 EUR, relativas ao período de 2019.
12- No que diz respeito ao enquadramento legal da atividade desenvolvida pela Requerida ambos os Relatórios Finais dos procedimentos de inspeção tributária referem:
“III.1.1. (…)
Da consulta à certidão permanente da entidade, verifica-se que se encontra inscrito no seu objeto o seguinte: A administração do porto de Lisboa, visando a sua exploração económica, conservação e desenvolvimento e abrangendo o exercício das competências e prerrogativas de autoridade portuária que lhe estejam ou venham a estar cometidas.
III.1.2. Conforme consta das Notas às Demonstrações Financeiras do Relatório e Contas do exercício em análise, a A... foi inicialmente constituída sob a forma de instituto público dotado de personalidade jurídica de direito público e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial. Pelo Decreto-Lei n.º 336/98, de 3 de novembro, foi transformada em Sociedade Anónima de capitais exclusivamente públicos. A partir dessa data, a A... passou a reger-se pelo referido diploma e pelos seus Estatutos e, em tudo o que neles não estiver previsto, pelas normas aplicáveis às sociedades anónimas e pelas normas especiais cuja aplicação decorra do objeto da sociedade. A atuação da A..., no uso dos poderes de autoridade referidos no citado Decreto-Lei, rege-se por normas de direito público, conforme dispõe o número 3 do artigo 1º do referido diploma.
A A..., SA sucedeu assim automática e globalmente à Administração do Porto de Lisboa, e continuou a personalidade jurídica desta, conservando a universalidade dos bens, direitos e obrigações da sua esfera jurídica no momento da transformação.
Mantiveram-se integrados no domínio público do Estado afeto à A..., os terrenos, terraplenos e molhes de proteção situados dentro da área de jurisdição da Administração do Porto de Lisboa ou com ela confinantes, delimitada pelos contornos e linhas definidos pelos pontos constantes da planta anexa ao referido diploma e ainda os bens afetos à atividade de pesca, serviços de primeira venda e atividades conexas. Neste contexto, os bens do domínio público encontram-se afetos à atividade da Empresa, que os pode administrar livremente, nesse âmbito, mas não pode dispor dos mesmos no que diz respeito ao comércio jurídico privado. Foram desafetados do domínio público do Estado e integrados no património da A..., todos os equipamentos e edifícios, ainda que implantados sobre terrenos dominiais, afetos à Administração do Porto de Lisboa.
A Empresa sucedeu ainda na titularidade de todos os bens, direitos e obrigações do Departamento de Pilotagem de Lisboa do B... (B...). Passaram ainda a constituir património da A..., os imóveis do B... afetos ao Departamento de Pilotagem de Lisboa.
III.1.3. Nos termos do número 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 336/98, de 3 de novembro, a A... assegurará o exercício das competências necessárias ao regular funcionamento do porto de Lisboa nos seus múltiplos aspetos de ordem económica, financeira e patrimonial, de gestão de efetivos e de exploração portuária e ainda as atividades que lhe sejam complementares, subsidiárias ou acessórias, no mesmo âmbito e nos mesmos termos que vinham a ser observados pela Administração do Porto de Lisboa.
São competências da A..., conforme vem referido no número 2 do artigo 3º do diploma antes referido:
a) A atribuição de usos privativos e definição do respetivo interesse público para efeitos de concessão, relativamente aos bens do domínio público que lhe está afeto, bem como à prática de todos os atos respeitantes à execução, modificação e extinção da licença ou concessão;
b) O licenciamento de atividades portuárias de exercício condicionado e concessão de serviços públicos portuários, podendo praticar todos os atos necessários à atribuição, execução, modificação e extinção da licença ou concessão, nos termos da legislação aplicável;
c) A expropriação por utilidade pública, ocupação de terrenos, implantação de traçados e exercício de servidões administrativas necessárias á expansão ou desenvolvimento portuários, nos termos legais;
d) A fixação das taxas a cobrar pela utilização dos portos, dos serviços neles prestados e pela ocupação de espaços dominiais ou destinados a atividades comerciais ou industriais;
e) A proteção das suas instalações e do seu pessoal;
f) O uso público dos serviços inerentes à atividade portuária e sua fiscalização;
g) A assunção da responsabilidade em matéria de segurança marítima e portuária na sua área de jurisdição, definindo as condições de segurança de funcionamento do porto, em todas as suas vertentes, tendo em atenção a necessidade de garantir, de forma adequada a sua exploração comercial.
A tutela setorial sobre a A... pertence ao Ministério do Mar em coordenação com o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas, enquanto a tutela financeira é exercida pelo Ministério das Finanças, através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças.
III.1.4. De acordo com a certidão permanente, a sociedade tem a natureza jurídica de sociedade anónima, com um capital social de € 60.000.000,00, representado por 12.000.000 ações nominativas, de valor nominal de 5,00 € por ação, que revestem a forma escritural.
O capital é exclusivamente detido pelo Estado Português – Direção Geral do Tesouro e Finanças”.
Para os anos em causa, a A... indicou desenvolver as seguintes atividades, na sua área de jurisdição:
“1. Prestação de serviços a navios: disponibilização e uso dos sistemas relativos à entrada, estacionamento e saída de navios, à operação de navios, cargas e passageiros, armazenagem, à segurança e conservação do ambiente, disponibilização de piloto da barra, recolha de resíduos a navios, fornecimento de equipamento, assinalamento marítimo e dragagens.
[…]
2. Gestão direta das docas de recreio, Doca do Bom Sucesso, Doca de Belém, Doca de Santo Amaro e Doca de Alcântara localizadas em Lisboa: disponibilização de lugares de estacionamento a nado e a seco para embarcações de recreio e outros serviços complementares.
3. Atividade Marítimo-turística: disponibilização de recursos hídricos do domínio público do Estado afeto à A... S.A. para o exercício da atividade marítimo-turística, embarcações com utilização para fins lucrativos e que prestam serviços de natureza cultural, de lazer, de pesca turística, promoção comercial e táxi.
4. Contratos de concessão de terminais de serviço público de movimentação de carga ou de passageiros: taxa fixa por disponibilização de instalações como: cais/terminal, muro cais, terraplenos, edifícios e outros e taxa variável por movimentação de mercadorias: contentores, granéis sólidos e líquidos e embarque e desembarque de passageiros.
5. Contratos de concessão (ou licenças) de utilização privativa de parcela de domínio público do Estado que lhe está afeto para administração na sua área de jurisdição: disponibilização de terminais portuários de utilização privativa.
6. Contratos de concessão (ou licenças) de utilização privativa de parcela de domínio público do Estado que lhe está afeto para administração na sua área de jurisdição: disponibilização de imóveis em “paredes nuas” para bares, restaurantes, escritórios, quiosques e outros.
7. Eventos: disponibilização de parcelas do domínio público do Estado afeto à A... seja em zona terrestre ou flúvio-marítima, em área coberta ou descoberta, para realização de atividades de curta duração temporária, inferior a um ano e de eventos, atividades promocionais ou publicidade.
8. Licenciamento (emissão de pareceres) de projetos de obras de terceiros na sua área de jurisdição”.
O enquadramento em sede de IVA, seguido pela A..., de cada uma das atividades por si desenvolvidas, foi o seguinte:
“1. Prestação de serviços a navios
As prestações de serviços a embarcações (i.e. navios) afetas à navegação marítima em alto mar e que asseguram o transporte remunerado de passageiros ou o exercício de uma atividade comercial, industrial ou de pesca beneficiam da isenção de IVA prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA (“CIVA”).
2. Gestão direta das docas de recreio
Estas operações são tributadas em sede de IVA à taxa legal em vigor.
3. Atividade Marítimo-turística
Estas operações são tributadas em sede de IVA à taxa legal em vigor.
4. Contratos de concessão de terminais de serviço público de movimentação de carga ou de passageiros
Impostos em 30-03-2006, caso Saudaçor, ainda que revista a natureza de empresa pública nos termos do regime jurídico do setor empresarial do Estado, a A... deixou de se enquadrar no n.º 2 do artigo 2.º do CIVA.
Assim, a partir de 01-01-2017 a A... passou a aplicar a isenção de IVA prevista no n.º 1 do artigo 14.º do CIVA a ambas as taxas (fixa e variável). Nos casos em que o adquirente não apresenta os documentos comprovativos para a aplicação da isenção, nos termos do n.º 8 do artigo 29.º do CIVA, a operação é sujeita a IVA.
5. Contratos de concessão (ou licenças) de utilização privativa de parcela de domínio público do Estado (disponibilização de terminais portuários de utilização privativa)
Tendo por base a Informação Vinculativa, relativa ao processo n.º A200 5005045, com despacho do SDG dos Impostos em 30-03-2006, caso Saudaçor, ainda que revista a natureza de empresa pública nos termos do regime jurídico do setor empresarial do Estado, a A... deixou de se enquadrar no n.º 2 do artigo 2.º do CIVA.
Assim, a partir de 01-01-2017 a A... passou a sujeitar estas operações a IVA à taxa normal em vigor (por não ser aplicável qualquer isenção).
6. Contratos de concessão (ou licenças) de utilização privativa de parcela de domínio público do Estado (disponibilização de imóveis em “paredes nuas” para bares, restaurantes, escritórios, quiosques e outros)
Tendo por base a Informação Vinculativa, relativa ao processo n.º A200 5005045, com despacho do SDG dos Impostos em 30-03-2006, caso Saudaçor, ainda que revista a natureza de empresa pública nos termos do regime jurídico do setor empresarial do Estado, a A... deixou de se enquadrar no n.º 2 do artigo 2.º do CIVA.
Visto que estamos perante uma colocação passiva de um imóvel à disposição do locatário ("paredes nuas"), sem qualquer equipamento ou serviço associado passível de proporcionar ao locatário qualquer vantagem acrescida, ainda que aí venha a ser exercida uma atividade comercial ou industrial pelo inquilino (locatário), a A... tem enquadrado esta operação como isenta nos termos da alínea 29) do artigo 9.º do CIVA. Aliás, esta nova interpretação teve por base o entendimento veiculado pela AT, nomeadamente a Informação Vinculativa, relativa ao processo n.º 9949, com despacho do SDG do IVA em 11-03-2016.
7. Eventos
Estas operações são tributadas em sede de IVA à taxa legal em vigor.
8. Licenciamento (emissão de pareceres)
Tendo por base a Informação Vinculativa, relativa ao processo n.º A200 5005045, com despacho do SDG dos Impostos em 30-03-2006, caso Saudaçor, ainda que revista a natureza de empresa pública nos termos do regime jurídico do setor empresarial do Estado, a A... deixou de se enquadrar no n.º 2 do artigo 2.º do CIVA.
Assim, a partir de 01-01-2017 a A... passou a sujeitar estas operações a IVA à taxa normal em vigor (por não ser aplicável qualquer isenção)”.
Na dedução do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços utilizados para o desenvolvimento das atividades antes descritas, a A... procede do seguinte modo: “[…]
(…) Na dedução do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços utilizados diretamente para o desenvolvimento de cada uma das atividades, com exceção das concessões de usos dominiais (atrás identificada com o número 6.), a A... procedeu à dedução da totalidade do IVA. Na dedução do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços utilizados diretamente para o desenvolvimento da atividade das concessões de usos dominiais (atrás identificada com o número 6.), a A... não deduziu qualquer IVA.
Na dedução do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços utilizados em todas as atividades ou em que não é possível efetuar uma alocação dos recursos diretamente às atividades desenvolvidas (denominados custos comuns), a A... utilizou o método do pró-rata, a que se refere a alínea b) do número 1 do artigo 23º do Código do IVA”.
13- O Relatório Final de Inspeção Tributária ao abrigo das Ordens de Serviço nºs OI2022... relativo ao exercício económico de 2018 conclui:
“[…]
V.1.1.14. Em conclusão, o enquadramento em sede de IVA das atividades desenvolvidas pela A...em consonância com a Informação Vinculativa prestada à A... em 2016 é distinto do seguido pela A... no exercício de 2018, conforme se pode verificar pelo quadro infra:
[…]
Encontrando-se a Administração Tributária vinculada ao entendimento vertido na Informação Vinculativa prestada à A... em 2016, verifica-se que a A..., para além de ter liquidado imposto indevidamente (como antes referimos, o imposto indevidamente liquidado é devido), deduziu imposto indevidamente no montante de € 333.379,39, como se resume no quadro seguinte: […]
Adicionalmente, a A... deduziu indevidamente IVA no montante de € 423.198,39 relativamente a um conjunto de bens e serviços, que no entendimento destes Serviços, beneficiam quer atividades sujeitas ou isentas com direito a dedução quer atividades fora do campo de incidência do imposto, pelo que a sua dedução é permitida apenas na chave de repartição de 43%, nos termos do número 2 do artigo 23º do Código do IVA, ao contrário da dedução total efetuada pela A... .
Por fim, a A... deduziu indevidamente IVA no montante de € 22.471,76 relativamente a despesas resultantes da organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, cuja dedução é apenas permitida na proporção de 50%, como se encontra definido na alínea d) do número 2 do artigo 21º do Código do IVA.
[…]”
14- O Relatório Final de Inspeção Tributária ao abrigo das Ordens de Serviço nºs OI2022... relativo ao exercício económico de 2019 conclui:
“[…]
V.1.1.14. Em conclusão, o enquadramento em sede de IVA das atividades desenvolvidas pela A... em consonância com a Informação Vinculativa prestada à A... em 2016 é distinto do seguido pela A... no exercício de 2019, conforme se pode verificar pelo quadro infra:
[…]
Encontrando-se a Administração Tributária vinculada ao entendimento vertido na Informação Vinculativa prestada à A... em 2016, verifica-se que a A..., para além de ter liquidado imposto indevidamente (como antes referimos, o imposto indevidamente liquidado é devido), deduziu imposto indevidamente no montante de € 326.891,28, como se resume no quadro seguinte: […]
Adicionalmente, a A... deduziu indevidamente IVA no montante de € 395.438,76 relativamente a um conjunto de bens e serviços, que no entendimento destes Serviços, beneficiam quer atividades sujeitas ou isentas com direito a dedução quer atividades fora do campo de incidência do imposto, pelo que a sua dedução é permitida apenas na chave de repartição de 42%, nos termos do número 2 do artigo 23º do Código do IVA, ao contrário da dedução total efetuada pela A... .
Por fim, a A... deduziu indevidamente IVA no montante de € 29.900,00 relativamente a um conjunto de serviços, que no entendimento destes Serviços, beneficiam atividades fora do campo de incidência do imposto, pelo que a sua dedução não é permitida, nos termos do número 2 do artigo 2º do Código do IVA, ao contrário da dedução total efetuada pela A...”.
15- A Requerida em consequência dos Relatórios Finais de inspeção tributária foi notificada das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º ..., do período 201801; n.º ..., do período 201802; n.º ..., do período 201803; n.º..., do período 201804; n.º..., do período 201805; n.º..., do período 201806; n.º ..., do período 201807; n.º..., do período 201808; n.º..., do período 201809; n.º ..., do período 201810; n.º ..., do período 201811; n.º ..., do período 201812, das cujas demonstrações de acerto de contas n.º ..., do período 201801; n.º..., do período 201802; n.º..., do período 201803; n.º ..., do período 201804; n.º..., do período 201805; n.º ..., do período 201806; n.º..., do período 201807; n.º ..., do período 201808; n.º..., do período 201809; n.º ..., do período 201810; n.º ..., do período 201811; n.º..., do período 201812, de que resultou o montante a pagar de EUR 695.410; das respetivas liquidações de juros compensatórios, com demonstrações de acerto de contas n.º ..., do período 201801; n.º ..., do período 201802; n.º ..., do período 201803; n.º..., do período 201804; n.º ..., do período 201805; n.º..., do período 201806; n.º..., do período 201807; n.º..., do período 201808; n.º ..., do período 201809; n.º ..., do período 201810; n.º..., do período 201811; n.º ..., do período 201812, de que resultou o montante a pagar de 107.296,42 EUR; e das liquidações adicionais de IVA n.º..., do período: 201901; n.º..., do período: 201902; n.º ..., do período: 201903; n.º..., do período: 201904; n.º ..., do período: 201905; n.º..., do período: 201906; n.º ..., do período: 201907; n.º ..., do período: 201908; n.º..., do período: 201909; n.º..., do período: 201910; n.º ..., do período: 201911; n.º ..., do período: 201912, com demonstrações de acerto de contas n.º ..., do período 201901; n.º..., do período 201902; n.º ..., do período 201903; n.º..., do período 201904; n.º..., do período 201905; n.º ..., do período 201906; n.º ..., do período 201907; n.º ..., do período 201908; n.º..., do período 201909; n.º..., do período 201910; n.º ..., do período 201911; n.º ..., do período 201912, de que resultou o montante a pagar de 713.167,75 EUR; e das respetivas liquidações de juros compensatórios, com demonstrações de acerto de contas n.º..., do período 201901; n.º ..., do período 201902; n.º..., do período 201903; n.º ..., do período 201904; n.º..., do período 201905; n.º ..., do período 201906; n.º ..., do período 201907; n.º..., do período 201908; n.º..., do período 201909; n.º ..., do período 201910; n.º ..., do período 201911; n.º ..., do período 201912, resultou o montante a pagar de 84.953,43 EUR.
16- Liquidações adicionais de que resultava relativamente ao ano de 2018, o montante total a pagar de 802.706,42 EUR (correspondendo 695.410 EUR a imposto e 107.296,42 EUR a juros compensatórios) e, relativamente ao ano de 2019, o montante total a pagar de 798.121,28 EUR (correspondendo 713.167,75 EUR a imposto e 84.953,43 EUR a juros compensatórios).
17- A Requerente procedeu ao pagamento voluntário das liquidações nos dias 10 de janeiro e 24 de fevereiro de 2023 (Cfr. doc nº9 e 10 do PPA).
18- Em 11 de Março de 2023 a Requerente apresentou reclamação graciosa (Cfr. doc nº9 e 10 do PPA).
IV1.C– Fundamentação da matéria de facto
1. Os factos elencados supra, foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo (PA), nomeadamente os Relatórios Finais de Inspeção Tributária efetuados ao abrigo das Ordens de Serviço nºs OI2022... e OI2022... .
2.Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
3.Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 5, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
4.Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
5.Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
IV.2 Matéria de Direito
IV.2.1 Questão Contravertida
A questão contravertida dos presentes autos consiste em determinar se o artigo 2º nº2 do CIVA é aplicável ou inaplicável a Requerente. No entendimento da Requerida não se verificam os pressupostos da incidência subjetiva de IVA, por a Requerida ser uma entidade pública que atua com poderes de autoridade que não provoca distorções na concorrência. Em sentido oposto, a Requerente entende que lhe é aplicável a incidência subjetiva de IVA por inaplicabilidade do disposto no artigo 2º nº2 do CIVA.
Para o julgamento da questão contravertida é necessário a determinação da natureza jurídica da Requerente, no sentido da verificação se esta consubstancia-se como “uma pessoa coletiva de direito público”, e o exame eventual de possíveis distorções da concorrência que justifiquem a incidência do imposto. Deste juízo resultará a legalidade/ilegalidade das liquidações em crise. E caso a ilegalidade verifique-se, restará julgar se a eventual ilegalidade consigna direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 35º da LGT.
IV.2.2. Da Aplicabilidade/Inaplicabilidade do disposto no artigo 2º do CIVA
Sob a premissa de construção do mercado interno, o IVA foi desenhado como um instrumento fiscal com incidência sob o consumo, tendencialmente neutral. O IVA assume-se como um imposto indireto de matriz europeia, profusamente harmonizado, na justa medida que em que os Estados-Membros foram sentido uma necessidade premente de aproximação da tributação indireta sob o consumo para o efetivo funcionamento do mercado interno. Aproximação legislativa derivada da primeira Diretiva IVA que consagrou a obrigatoriedade de adoção do modelo comum de IVA para todos os Estados-Membros. Com a segunda Diretiva IVA, foram definidas as suas características, e com a sexta Diretiva foi concretizada efetivamente o modelo comum de IVA. Sexta Diretiva IVA, hoje atualizada pela Diretiva 2006/112/CE de 28 de Novembro, comummente designada por Diretiva IVA. Enquadramento que exige na interpretação das normas IVA, sempre uma análise da sua conformidade com o Direito da União.
O IVA enquanto imposto indireto, incide tendencialmente sobre todos os atos de consumo, procurando a neutralidade sob a fórmula do método subtrativo indireto. O método subtrativo indireto mais não é do que uma técnica de liquidação e dedução do imposto, que tem como resultado que o imposto acaba apenas por incidir sobre o valor acrescentado de cada uma das diversas fases da cadeia de produção e comercialização de produtos e serviços. Método subtrativo indireto que possibilita tributar somente o valor acrescentado em cada uma das fases do circuito económico, repartindo o encargo do imposto pelos sujeitos passivos, garantindo a neutralidade do imposto, evitando efeitos cumulativos ou em cascata de IVA sobre IVA.
Com o IVA pretende-se apenas tributar o valor acrescentado, garantindo-se a neutralidade. O objetivo do IVA é tributar atos de consumo e não a atividade económica realizada pelos sujeitos passivos do imposto, sujeita à tributação direta. Com a neutralidade almeja-se que a tributação não deverá interferir nas decisões e estratégias económica dos agentes económicos, razão pela qual exige-se sob o funcionamento do método subtrativo indireto a extensão do imposto a todas as fases, da produção, da distribuição, e prestação de serviços. Na decorrência deste dever de neutralidade, impõem-se que a carga fiscal sob o consumo seja efetiva e exclusivamente suportada pelo consumidor final. Consequentemente, a maximização da neutralidade do IVA exige uma concessão abrangente do direito à dedução do imposto, o qual esta na dependência do exercício de uma atividade económica. O que obriga que o conceito de atividade económica seja interpretado de forma alargada, ao passo que as isenções concedidas às atividades económicas e as delimitações negativas de incidência deverão ser interpretadas de forma restrita.
Sob esta noção ampla de atividade, o artigo 9º da Diretiva IVA entende por “sujeito passivo” qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade. Definindo atividade económica “como qualquer atividade de
produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas”.
Solução legal transposta para o artigo 2º do CIVA que entende sujeito passivo de forma ampla como “as pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas atividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC)”.
Como refere Clotilde Celorico Palma / António Carlos dos Santos: “Regra geral, para que uma pessoa singular ou coletiva seja qualificada como sujeito passivo é necessário que, simultaneamente: (i) exerça uma atividade económica, conceito amplo, que, de acordo com o TJUE, inclui os atos preparatórios de uma atividade económica, os atos realizados no decurso de tal atividade e determinadas transações ilícitas; (ii) De forma independente, excluindo-se o caso de contratos de trabalho subordinado; (iii) Com habitualidade, i.e., deve consistir numa prática reiterada”[1].
A conclusão retirada, é por garantia da maximização do princípio da neutralidade, essencial ao funcionamento do mercado interno, o IVA deve incidir, sob funcionamento do método subtrativo indireto (dedução/liquidação), sob todas as pessoas singulares ou coletivas que exerçam uma atividade económica.
Não obstante a abrangência subjetiva do IVA, o artigo 13º da Diretiva IVA, e por consequência o artigo 2º nº2 do CIVA, prevê uma delimitação de incidência negativa relativamente ao Estados, as regiões, as autarquias locais ,e os outros organismos de direito público, nos seguintes termos:
“Os Estados, as regiões, as autarquias locais e os outros organismos de direito público não são considerados sujeitos passivos relativamente às atividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando, no âmbito dessas atividades ou operações, cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações. Contudo, quando efetuarem essas atividades ou operações,
devem ser considerados sujeitos passivos relativamente às mesmas na medida em que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas.” – Artigo 13º da Diretiva IVA
Assim, as entidades enquadradas no artigo 13º da Diretiva IVA, não liquidam IVA nas suas atividades, nem podem em consequência, exercer o direito à dedução do IVA suportado.
Refira-se que a problemática da incidência do IVA do Estado e demais organismos de direito Público é matéria relevante para efeitos de concorrência e funcionamento do mercado interno, e para a defesa da neutralidade exigida ao imposto. Afinal, quanto mais abrangente for o âmbito da delimitação negativa de incidência do Estado e demais pessoas coletivas de direito Público, maior será o risco de os setores públicos e privados entrarem em concorrência, permitindo ao setor público apresentar preços inferiores aos consumidores pelos mesmos serviços, com a obtenção de uma vantagem competitiva sobre o setor privado. Ou em sentido oposto, com a penalização do setor público por não poderem exercer o direito à dedução do imposto suportado.
Razões que justificam que a exceção de delimitação negativa de incidência ao Estado e demais organismos de direito Público esteja subordinada a um conjunto de requisitos.
No Código do IVA a delimitação de incidência negativa, em análise, encontra-se vertida no artigo 2º nº2 do CIVA que estabelece:
“ O Estado e demais pessoas coletivas de direito público não são, no entanto, sujeitos passivos do imposto quando realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade, mesmo que por elas recebam taxas ou quaisquer outras contraprestações, desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência.”
Refira-se contudo, que a regra do artigo 2º nº2 do CIVA não será aplicável mesmo no caso de Estado e pessoas coletivas de direito público, quando a não sujeição ao IVA origine distorções de concorrência relativamente a outras entidades, nomeadamente empresas privadas. E também nos casos em que ainda que não se verifiquem distorções de concorrência, sejam exercidas às atividades expressas no nº3 do artigo 2º do CIVA de forma significativa.
Fixando-nos no nº2 do artigo 2º do CIVA, este apresenta como requisitos cumulativos de aplicação:
-
Aplicação ao Estado e pessoas coletivas de direito público;
-
Realização de operações no exercício de poderes de autoridade;
-
Que a não sujeição não origine distorções de concorrência.
O primeiro requisito de aplicação do nº2 do artigo 2º do CIVA controvertido nos presentes autos é o conceito de “pessoa coletiva de direito público”. A Requerente defende que não é uma pessoa coletiva de direito público. Em contrapartida a Requerida entende o oposto.
O artigo 2º nº2 do CIVA refere o conceito de “pessoa coletiva de direito público”. Todavia, o artigo 13º da Diretiva IVA utiliza o conceito de “outros organismos de direito público”. Conceitos aproximados, mas não idênticos, mas que face à harmonização do IVA e ao funcionamento do mercado interno exigem uma interpretação no mesmo sentido.
Para a compreensão do conceito de “outros organismos de direito público” devemos ter em consideração a jurisprudência do TJUE, nomeadamente:
Acórdão do TJUE Processo C‑174/14 de 29 de outubro de 2015 (Acórdão Saudaçor – parágrafos: 47 a 49) refere:
“Ora, o contexto em que se insere o conceito de «outros organismos de direito público» que figura no artigo 13.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 é muito diferente.
Com efeito, este conceito não visa definir o âmbito de aplicação do IVA. Pelo contrário, estabelece uma derrogação à regra geral em que assenta o sistema comum deste imposto, ou seja, a regra segundo a qual o âmbito de aplicação do referido imposto é definido de maneira muito ampla de molde a abranger todas as prestações de serviços efetuadas a título oneroso, incluindo as efetuadas por organismos de direito público (v., neste sentido, acórdão Comissão/Países Baixos, C‑79/09, EU:C:2010:171, n.os 76 e 77).
Enquanto derrogação à regra geral da sujeição ao IVA de qualquer atividade de natureza económica, o artigo 13.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado de modo estrito (v., designadamente, acórdão Isle of Wight Council e o., C‑288/07, EU:C:2008:505, n.° 60, e despacho Gmina Wrocław, C‑72/13, EU:C:2014:197, n.° 19).”
Acórdão do TJUE Processo C‑288/07, de 16 setembro de 2008 (Acórdão Isle of Wight Council, parágrafo 60) refere:
“Há que recordar que, conforme resulta do n.° 30 do presente acórdão, a não sujeição dos organismos de direito público ao IVA por força do artigo 4.°, n.° 5, primeiro parágrafo, da Sexta Directiva constitui uma derrogação à regra geral da sujeição ao imposto de qualquer actividade de natureza económica, e que, por isso, essa disposição deve ser interpretada de modo estrito. Ora, no que concerne ao artigo 4.°, n.° 5, segundo parágrafo, dessa directiva, deve assinalar‑se que esta disposição restabelece a referida regra geral para evitar que a não sujeição desses organismos ao imposto conduza a distorções de concorrência significativas. Esta última disposição não pode, por isso, ser interpretada em sentido estrito.”
Acórdão do TJUE Processo C‑554/07, de 16 julho de 2009 (Acórdão Comissão versus República da Irlanda, parágrafo 42) refere:
“Nestas circunstâncias, o argumento da Irlanda segundo o qual, por um lado, o artigo 13.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado de forma ampla e, por outro, o seu segundo parágrafo deve ser interpretado de forma restritiva, baseia-se a falsa premissa de que os organismos de direito público não devem, em regra, ser equiparados a sujeitos passivos para efeitos de IVA. Enquanto exceção ao princípio da tributação de qualquer atividade de natureza económica, o artigo 13.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado de forma estrita.”
Jurisprudência do TJUE que nos permite concluir que o conceito de “organismo de Direito Público” e por inerência o conceito de “Pessoa Coletiva de Direito Público” devem ser interpretados de forma estrita.
Conclusão igualmente relevante a expressa no acórdão do TJUE Processo C‑154/08, de 12 Novembro de 2009 (Acórdão Comissão versus Espanha, parágrafo 119) refere:
“ Embora a designação de um organismo pelo direito administrativo de um Estado-Membro como organismo de direito público seja relevante para determinar o seu tratamento para efeitos de IVA, não pode ser considerada decisiva quando a natureza e a substância reais da atividade desenvolvida por esse organismo revelam que os requisitos estritos para a aplicação da referida regra de não restrição não são cumpridos.”
Devemos ainda regressar ao Acórdão do TJUE Processo C‑174/14 de 29 de outubro de 2015 (Acórdão Saudaçor – parágrafos: 56 e 57):
“No que respeita, especificamente, ao primeiro dos dois requisitos impostos no artigo 13.°, n.° 1, da referida diretiva, isto é, o relativo à qualidade de organismo público, o Tribunal de Justiça já declarou que uma pessoa que pratica atos na qualidade de autoridade pública, de modo independente, não estando integrada na organização da Administração Pública, não pode ser qualificada de organismo de direito público no sentido dessa disposição (v., neste sentido, designadamente, despacho Mihal, C‑456/07, EU:C:2008:293, n.° 18 e jurisprudência referida).
O Tribunal de Justiça precisou igualmente que a qualidade de «organismo de direito público» não pode resultar apenas do facto de a atividade em causa consistir na prática de atos de autoridade pública (v., neste sentido, designadamente, despacho Mihal, C‑456/07, EU:C:2008:293, n.° 17 e jurisprudência referida)”
E ao acórdão do TJUE Processo C‑235/85, de 26 Março de 1987 (Acórdão Comissão versus Países Baixos parágrafos: 19, 20 e 21):
“Como se deu por assente no quadro da análise do conceito de atividades económicas, a sexta diretiva caracteriza-se pela generalidade do seu âmbito de aplicação e pelo facto de todas as isenções deverem ser expressas e precisas.
A este respeito, deve observar-se que o artigo 4.°, n.° 5, prevê uma isenção apenas em benefício dos organismos de direito público e unicamente para as atividades e operações que levem a cabo na qualidade de autoridades públicas.
A análise desta norma à luz dos objectivos da directiva põe em evidência que duas condições devem estar cumulativamente preenchidas para que a isenção ocorra: o exercício de actividades por um organismo público e o exercício de actividades na qualidade de autoridade pública. O que significa, por um lado, que os organismos de direito público não estão automaticamente isentos relativamente a todas as actividades que desenvolvem, mas apenas relativamente àquelas que se enquadram na sua missão específica de autoridade pública (ver acórdão de 11 de Julho de 1985, Comissão/República Federal da Alemanha, 107/84, Recueil, p. 2663) e, por outro, que uma actividade exercida por um particular não está isenta de IVA pelo simples facto de consistir na prática de actos que constituem prerrogativas da autoridade pública.”
Jurisprudência do TJUE relativa ao conceito de “outros organismos de direito público” presente no artigo 13º da Diretiva IVA, de que extraímos algumas conclusões:
-
Que conceito de “organismo de Direito Público” e por inerência o conceito de “Pessoa Coletiva de Direito Público” devem ser interpretado de forma estrita;
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Que a designação de uma entidade pelo direito administrativo de um Estado-Membro como organismo de direito público apesar de ser relevante para a identificação da sua natureza para efeitos de IVA, não pode ser considerada decisiva quando a natureza e a substância reais da atividade desenvolvida por esse organismo revelam que os requisitos estritos para a aplicação da referida regra de não restrição não são cumpridos ;
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Que uma pessoa que pratica atos na qualidade de autoridade pública, de modo independente, não estando integrada na organização da Administração Pública, não pode ser qualificada de organismo de direito público no sentido dessa disposição.
Feito o enquadramento da temática é o momento de efetuarmos a caracterização jurídica da Requerente.
A Requerente foi criada através do Decreto-Lei n.º 336/98, de 3 de novembro, por via da transformação da Administração do Porto de Lisboa, instituto público dotado de personalidade jurídica de direito público e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos. A Requerente sucedeu assim à Administração do Porto de Lisboa, tendo continuado a personalidade jurídica desta e conservado a universalidade dos seus bens, direitos e obrigações à data da transformação, sob a forma de entidade privada de índole empresarial.
De acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 336/98:
“A adoção de uma forma jurídica de direito privado com o seu enquadramento no sector público, face à detenção pelo Estado ou outras pessoas coletivas públicas da totalidade do capital, é o que melhor corresponde à diversidade de atribuições que caracteriza o escopo da Administração do Porto de Lisboa e no qual se conjugam e desenvolvem, em simultâneo, atividades de prestação de serviço de natureza puramente empresarial com o exercício de poderes decorrentes do seu estatuto de autoridade portuária”. (o sublinhado é nosso)
Reconhecendo assim o legislador, que a Requerida, desenvolve funções de autoridade (as previstas no artigo 3º do Decreto-Lei n.º 336/98) sendo-lhe atribuída competência para: licenciamento de atividades portuárias de exercício condicionado e concessão de serviços públicos portuários; expropriação por utilidade pública, ocupação de terrenos, implantação de traçados e exercício e servidões administrativas necessárias à expansão ou desenvolvimento portuários; fixação das taxas a cobrar pela utilização dos portos, dos serviços neles prestados e pela ocupação de espaços dominiais ou destinados a atividades comerciais ou industriais; uso público dos serviços inerentes à atividade
portuária e sua fiscalização.
Mas também atividades de prestação de serviço de natureza puramente empresarial tais como: a)Prestação de serviços a navios – a qual compreende a disponibilização e uso dos sistemas relativos à entrada, estacionamento e saída de navios, à operação de navios, cargas e passageiros, armazenagem, à segurança e conservação do ambiente, disponibilização de piloto da barra, recolha de resíduos a navios, fornecimento de equipamento, assinalamento marítimo e dragagens;
b) Gestão direta de docas de recreio (Doca do Bom Sucesso, Doca de Belém, Doca de Santo Amaro e Doca de Alcântara) – a qual compreende a disponibilização de lugares de estacionamentos a nado e a seco para embarcações de recreio e outros serviços complementares;
c) Atividade marítimo-turística – a qual compreende a permissão do uso de recursos hídricos do domínio público do Estado, que lhe são afetos, a embarcações com utilização para fins lucrativos e que prestam serviços de natureza cultural, de lazer, de pesca turística, promoção comercial e táxi;
d) Cedência de exploração de terminais de serviço público de movimentação de carga ou de passageiros – a qual compreende a cobrança pela Requerente (i) de uma taxa fixa pelo uso de instalações – tais como, cais/terminal, muro cais, terraplenos, edifícios e outros – e (ii) de uma taxa variável pela prestação de serviços de movimentação de mercadorias – tais como, contentores, granéis sólidos e líquidos, embarque e desembarque de passageiros;
e)Cedência de utilização privativa de parcelas do domínio público do Estado (disponibilização de terminais portuários de utilização privativa) – a qual compreende a cedência de utilização e a concessão de exploração quer a entidades públicas quer a entidades privadas;
f)Cedência de utilização privativa de parcelas do domínio público do Estado – a qual compreende a permissão do uso de imóveis para bares, restaurantes e afins, sem infraestruturas portuárias ou similares, correspondendo à exploração de um bem imóvel integrado numa zona portuária, com a finalidade de prossecução de uma atividade económica, mas sem o uso de quaisquer infraestruturas portuárias;
g) Eventos – a qual compreende a permissão pela Requerente do uso de parcelas do domínio público do Estado, seja em zona terrestre ou flúvio-marítima, em área coberta ou descoberta, para realização de atividades de curta duração, de duração inferior a um ano, e de eventos, atividades promocionais ou publicidade;
É assim a Requerida, uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, regendo-se nos termos do nº2 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 336/98 pelos seus estatutos, e em tudo que neles não estiver previsto, pelas normas aplicáveis às sociedades anónimas e pelas normas especiais cuja aplicação decorra do objeto da sociedade.
Ou seja, a Requerida, assume a forma de sociedade anónima, sendo regida pelas normas aplicáveis às sociedades anónimas de Direito privado, exercendo paralelamente a funções no exercício dos seus poderes de autoridade, atividades de prestação de serviço de natureza puramente empresarial. Pelo que nos parece ser claro que a Requerente adota uma estrutura jurídica de direito privado, não podendo assim ser qualificada como “Pessoa Coletiva de Direito Público” ou mesmo “outro organismos de direito público”.
Ao nível da jurisprudência nacional veja-se Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.º 3857/07.0 TVPRT–A.P.1.S1 de 11 de fevereiro de 2010 que refere:
“A circunstância desta sociedade anónima ser de capitais exclusivamente públicos não lhe retira a qualidade de sociedade comercial e, portanto, de uma pessoa coletiva de direito privado, como todas as sociedades comerciais. Como dispõe o nº 2 do artº 1º do Código das Sociedades Comercias «são sociedades comercias aquelas que tenham por objeto a prática de atos de comércio e adotem o tipo de sociedade em nome colectivo, de sociedade por quotas, de sociedade anónima, de sociedade em comandita simples e de sociedade em comandita por ações» (…) Por outro lado, certo é que as sociedades comerciais podem constituir Empresa Púbicas, desde que obedeçam aos requisitos previstos no artº 3º do Dec-Lei nº 558/99 de 17 de Dezembro, isto é, desde que sendo sociedades constituídas nos termos da lei comercial, possam o Estado ou outras entidades públicas estaduais, exercer nelas, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, uma influência dominante em virtude de alguma das circunstâncias referidas nas duas alíneas daquele preceito legal. Porém o conceito de pessoa coletiva pública ou de pessoa coletiva de direito público não se confunde com o de empresa pública. (…) A sociedade anónima, sendo uma típica sociedade comercial (criada e regida pela lei comercial) é uma pessoa coletiva de direito privado, não colhendo também o argumento de que por ser uma sociedade de capitais exclusivamente públicos, tal a converteria em ente coletivo dotado de personalidade jurídica de direito público.” (o sublinhado é nosso)
Entendimento do STA que perfilamos.
A Requerida para defesa da sua posição traz à colação o Acórdão do TJUE- Saudaçor (processo C‑174/14 de 29 de outubro de 2015), referindo que a entidade objeto deste arresto se assemelha à Requerente, pelo que o julgamento deste caso poderia ser transposto para os presentes autos, para a consideração que a Requerente deve ser considerada um pessoa coletiva de direito público nos termos e para os efeitos do artigo 2º nº2 do CIVA.
Sucede, que as situações de facto são divergentes. De forma idêntica a Saudaçor era uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos detida em 100% pela Região Autónoma dos Açores (paragrafo 62º do acórdão). Todavia, a Saudaçor tinha um único cliente, no caso a Região Autónoma dos Açores (paragrafo 62º do acórdão), em oposição à Requerente, que tem uma multiplicidade de clientes privados; a Saudaçor seguia as orientações definidas pela região Autónoma dos Açores; a Saudaçor regia-se pelo regime jurídico do setor empresarial do Estado e pelo direito privado (paragrafo 65º do acórdão), enquanto a Requerente rege-se pelos estatutos e pelas aplicáveis às sociedades anónimas de Direito Privado; a atividade desenvolvida pela Saudaçor não se encontrava em situação de concorrência com outros operadores privados (paragrafo 66º do acórdão), enquanto que a Requerente esta em concorrência com outros portos nacionais e estrangeiros.
Pelo que a situação jurídica da Saudaçor e da Requerente são divergentes, não podendo a decisão do TJUE que entendeu a Saudaçor como um organismo de Direito público ser transposta para os presentes autos.
A conclusão jurídica que se retira do diploma que criou a Requerente (Decreto-Lei n.º 336/98), das atividades de natureza puramente empresarial exercidas por esta, bem como pelo facto de juridicamente ser um sociedade anónima regida pelas normas aplicáveis às sociedades anónimas de Direito privado, é que Requerente não é um “organismo de Direito Público” nem uma “Pessoa Coletiva de Direito Público”.
Pelo que em consequência a Requerente não preenche um dos requisitos cumulativos exigíveis para a não sujeição ao IVA decorrente do nº2 do artigo 2º do CIVA. Assim sendo, a Requerida e as suas atividades não estão abrangidas pela norma de incidência negativa do artigo 2º nº2 do CIVA.
Por conseguinte a Requerente enquanto sujeito passivo de IVA, não abrangido pela norma de incidência subjetiva do artigo 2º nº2 do CIVA tem direito à dedução do IVA suportado no exercício das suas atividades não isentas.
Por fim, diga-se ainda, que a posição defendida pela Requerida, de aplicabilidade do artigo 2º nº2 do CIVA, de que decorre a impossibilidade de dedutibilidade do IVA suportado, conduzira a uma violação frontal do princípio da neutralidade, por ser imposto à Requerente um custo acrescido face aos seus concorrentes no âmbito da mesma atividade (outros portos nacionais, e internacionais), de que resultaria manifestamente uma distorção da concorrência .
Tendo as liquidações em crise, como pressuposto, a aplicabilidade à Requerente do artigo 2º nº2 do CIVA, estas enfermam de vicio de violação de lei, por errónea interpretação e aplicação da referida norma legal.
Este vício justifica, conforme pedido do PPA a anulação das liquidações de IVA impugnadas, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT. E por consequência direta a anulação das liquidações de juros compensatórios.
V. Dos Juros Indemnizatórios
O direito do sujeito passivo a juros indemnizatórios decorre do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º, n.º 1, da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.
Significa isto que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável à AT de que resulte pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido.
Ora, atento supra exposto, não pode deixar de se considerar ter havido erro imputável aos serviços, na medida em que a liquidação de imposto em causa foi consequência da errónea interpretação que a Requerida fez do nº2 do artigo 2º do CIVA
Conclui-se, assim, pela procedência da pretensão da Requerente a ser ressarcida através do pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento das liquidações de imposto anuladas, até à data da emissão da nota de crédito, nos termos do artigo 43 nº1 LGT e do artigo 61.º, n.ºs 2 a 5, do CPPT.
IV-DECISÃO ARBITRAL
Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Coletivo o seguinte:
a) Julgar procedente, por provado, o Pedido de Pronúncia Arbitral, declarando ilegal o indeferimento tácito da reclamação graciosa e, em consequência,
b) Anular as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º..., do período 201801; n.º ..., do período 201802; n.º..., do período 201803; n.º ..., do período 201804; n.º..., do período 201805; n.º ..., do período 201806; n.º ..., do período 201807; n.º..., do período 201808; n.º ..., do período 201809; n.º..., do período 201810; n.º ..., do período 201811; n.º..., do período 201812, de cujas demonstrações de acerto de contas n.º ..., do período 201801; n.º..., do período 201802; n.º..., do período 201803; n.º ..., do período 201804; n.º..., do período 201805; n.º ..., do período 201806; n.º ..., do período 201807; n.º..., do período 201808; n.º..., do período 201809; n.º ..., do período 201810; n.º ..., do período 201811; n.º ..., do período 201812; das respetivas liquidações de juros compensatórios, de cujas demonstrações de acerto de contas n.º..., do período 201801; n.º ..., do período 201802; n.º ..., do período 201803; n.º ..., do período 201804; n.º ..., do período 201805; n.º ..., do período 201806; n.º ..., do período 201807; n.º ..., do período 201808; n.º..., do período 201809; n.º ..., do período 201810; n.º..., do período 201811; n.º..., do período 201812, e das liquidações adicionais de IVA n.º..., do período: 201901; n.º ..., do período: 201902; n.º ..., do período: 201903; n.º..., do período: 201904; n.º ..., do período: 201905; n.º..., do período: 201906; n.º..., do período: 201907; n.º..., do período: 201908; n.º ..., do período: 201909; n.º ..., do período: 201910; n.º..., do período: 201911; n.º..., do período: 201912, de cujas demonstrações de acerto de contas n.º ..., do período 201901; n.º..., do período 201902; n.º..., do período 201903; n.º..., do período 201904; n.º..., do período 201905; n.º..., do período 201906; n.º ..., do período 201907; n.º ..., do período 201908; n.º ..., do período 201909; n.º..., do período 201910; n.º ..., do período 201911; n.º..., do período 201912, e das respetivas liquidações de juros compensatórios, de cujas demonstrações de acerto de contas n.º..., do período 201901; n.º ..., do período 201902; n.º..., do período 201903; n.º..., do período 201904; n.º..., do período 201905; n.º ..., do período 201906; n.º ..., do período 201907; n.º..., do período 201908; n.º ..., do período 201909; n.º..., do período 201910; n.º ..., do período 201911; n.º..., do período 201912, no valor global de €1.600.827,60 (um milhão, seiscentos mil, oitocentos e vinte e sete euros e sessenta cêntimos)
c)Condenar a Requerida a restituir à Requerente o valor de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais;
d)Condenar a Requerida nas custas do processo.
VII. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €1.600.827,60 (um milhão, seiscentos mil, oitocentos e vinte e sete euros e sessenta cêntimos) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VIII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 21.420,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 24 de Junho de 2024
Notifique-se.
Os Árbitros
Rui Duarte Morais (Presidente)
José Coutinho Pires (Vogal)
António Cipriano da Silva (Vogal)
[1] Cfr. Clotilde Celorico Palma / António Carlos dos Santos – “Código do IVA e RITI, notas e comentários”. Almedina, 2014, pag. 47.